SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.13 número27Subjetivação política e identidade: contribuições de jacques rancière para a psicologia políticaTipos de participação política: análise fatorial confirmatória com estudantes universitários de Buenos Aires, Argentina índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Revista Psicologia Política

versão impressa ISSN 1519-549X

Rev. psicol. polít. vol.13 no.27 São Paulo ago. 2013

 

A minoria modelo: uma análise das representações de indivíduos orientais em propagandas no Brasil

 

The model minority: an analysis of the portrayals of asians in advertisements in Brazil

 

La minoría modelo: una análisis de las representaciones de los asiáticos en anuncios en Brasil

 

La minorité nodèle: une analyse de la représentation des personnes d'origine orientale dans la publicité au Brésil

 

 

Caynnã de Camargo SantosI; Claudia Rosa AcevedoII

IBacharel em Marketing e Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Estudos Culturais da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil. caynna.santos@usp.br
IIEconomista, Doutora em Administração pela Fundação Getúlio Vargas e docente do bacharelado em Marketing da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil. claudiaraac@uol.com.br

 

 


RESUMO

O objetivo do presente estudo é analisar de que forma orientais são representados em peças publicitárias em revistas no Brasil, avaliando se tais retratos reforçam ou negam o curioso estereótipo de "Model Minority" atribuído ao grupo, apontado em pesquisas anteriores (Cohen, 1992; Delener & Neelankavil, 1990). Este estereótipo afirma que a comunidade oriental é especialmente séria, detentora de conhecimentos acima da média nos campos da matemática e tecnologia e, em geral, intelectualmente talentosa. Através da metodologia de pesquisa quantitativa denominada "análise de conteúdo", foram analisadas 200 propagandas veiculadas em quatro publicações brasileiras de temática distinta. Os resultados do estudo revelam que orientais são consistentemente retratados em certos tipos de categorias de produtos, revistas, situações e relacionamentos de forma a reforçar os estereótipos atribuídos à minoria.

Palavras-chave: Orientais, Propaganda, Representações sociais, Estereótipos, Minoria Modelo.


ABSTRACT

The aim of this study is to examine how Asians are represented in advertisements in magazines in Brazil, assessing whether such portrayals reinforce or deny the curious stereotype of "Model Minority" (Cohen, 1992; Delener & Neelankavil, 1990). This stereotype suggests that the Asian community is specially serious, bearer of knowledge in the fields of mathematics and technology and, in general, intellectually talented. Through the quantitative research methodology called "content analysis", it was analyzed 200 advertisements conveyed in four Brazilian publications of different themes. The findings indicate that Asians are consistently portrayed in certain types of product categories, magazines, situations and relationships in order to reinforce the social stereotype attributed to the minority.

Keywords: Asians, Advertisement, Social Representations, Stereotypes, Model Minority.


RESUMEN

El objetivo del estudio consistió en examinar la manera en que los asiáticos son representados en la publicidad en revistas en Brasil, para evaluar si tales representaciones reforzan o rechazan el curioso estereotipo de "Minoría Modelo" (Cohen, 1992; Delener & Neelankavil, 1990). Este estereotipo afirma que la comunidad asiática es especialmente seria, portadora de conocimientos en los campos de las matemáticas y la tecnología y, en general, intelectualmente talentosa. A través de la metodología de investigación cuantitativa llamada "análisis de contenido", se analizó 200 anuncios de cuatro publicaciones brasileñas de temáticas distintas. Los resultados del estudio muestran que los asiáticos son constantemente retratados en ciertos tipos de categorías de productos, revistas, situaciones y relaciones de manera a reforzar el estereotipo social atribuido a la minoría.

Palabras clave: Asiáticos, Propaganda, Representaciones sociales, Estereotipos, Minoría Modelo.


RÉSUMÉ

Cette étude a pour but d'analyser la manière dont les Orientaux sont représentés dans des annonces publicitaires publiées dans des magazines brésiliens, de façon à évaluer si ces portraits renforcent ou renient le curieux stéréotype de « Model Minority » attribué au groupe et signalé dans des recherches antérieures (Cohen, 1992 ; Delener et Neelankavil, 1990). Ce stéréotype affirme que la communauté orientale est particulièrement sérieuse, qu'elle détient des savoirs au-dessus de la moyenne dans les domaines des mathématiques et de la technologie, et qu'elle est d'une manière générale talentueuse du point de vue intellectuel. À travers la méthodologie de recherche quantitative intitulée « analyse de contenu », 200 annonces diffusées dans quatre publications brésiliennes à des thématiques distinctes ont été analysées. Les résultats de cette étude révèlent que les Orientaux sont souvent représentés par certaines catégories de produits, de magazines, de situations et de relations de manière à renforcer les stéréotypes attribués à la minorité.

Mots clés: Orientaux. Publicité. Représentations sociales. Stéréotypes. Minorité modèle.


 

 

Introdução

Segundo Wilkes e Valencia (1989), a propaganda é uma das mais visíveis e persuasivas instituições da cultura norte-americana. Os chamados "anúncios" veiculados pelos meios de comunicação de massa constroem um universo simbólico que permeia a experiência individual cotidiana dos indivíduos, figurando como mediadores culturais e extrapolando assim seu impacto para além do âmbito dos hábitos de consumo.

Os meios de comunicação de massa figuram atualmente como dispositivos ideológicos de extrema importância para o entendimento de como as dinâmicas sociais e a consciência coletiva se organizam. O discurso midiático, dada sua quase onipresença na vida cotidiana atual, figuram enquanto instâncias centrais para a definição de quem somos e de como podemos ser. Como coloca Kellner (2001:9),

O rádio, a televisão, o cinema e os outros produtos da indústria cultural fornecem os modelos daquilo que significa ser homem ou mulher, bem-sucedido ou fracassado, poderoso ou impotente. A cultura da mídia também fornece o material com que muitas pessoas constroem o seu senso de classe, de etnia e raça, de nacionalidade, de sexualidade, de "nós" e "eles". Ajuda a modelar a visão prevalecente de mundo...: define o que é considerado bom ou mau, positivo ou negativo, moral ou imoral.

Tendo em vista seu caráter definidor na atualidade, pode-se ter em mente a grande influência sociocultural, política e psicológica que as construções midiáticas, tais como as propagandas, têm ao abordarem temas tidos como "delicados", como a representação de minorias étnicas.

Diversos estudos têm analisado as representações de afrodescendentes em comunicação, sendo que pesquisas acerca dos retratos de outros grupos étnicos tradicionalmente não recebem tanta atenção por parte do meio acadêmico. Os resultados dos poucos estudos que propuseram analisar as representações de orientais1 em propagandas têm mostrado que, diferentemente dos afrodescendentes, que vêem-se regularmente retratados de maneira pejorativa, os asiáticos são apresentados como indivíduos trabalhadores, disciplinados, sérios e com conhecimentos acima da média nos campos da matemática e tecnologia (Taylor; Lee, 1994), reforçando assim o estereótipo social da "Model Minority" (Cohen, 1992; Delener; Neelankavil, 1990).

Nesse cenário insere-se o presente trabalho, propondo analisar as representações de orientais em propagandas2 em revistas no Brasil, de forma a avaliar se tais retratos reforçam ou negam os estereótipos sociais atribuídos à minoria. Para tanto, tomar-se-á como premissa a ideia de que, por conta de seu papel de destaque na sociedade atual, a propaganda pode tanto quebrar paradigmas e estabelecer novos padrões e contextos de interação social quanto criar, fortalecer e disseminar representações, estereótipos, estigmas e expectativas preconcebidas a respeito de determinados grupos sociais (Acevedo & Trindade, 2010).

Os esforços da pesquisa mostram-se relevantes no âmbito das discussões acerca dos múltiplos aspectos relacionados ao comportamento psico-político da sociedade, uma vez que se dedicam à análise dos processos de construção do imaginário popular e, por conseguinte, das atitudes em relações a grupos étnicos minoritários. Por uma perspectiva afeita à crítica das relações de opressão e preconceito, a análise de como uma minoria é representada na propaganda pode oferecer informações importantes acerca da visão que a sociedade em geral nutre sobre o grupo. A pesquisa pode ainda evidenciar como, em um momento no qual a pluralidade e o multiculturalismo são enfatizados no âmbito político e social, a propaganda - enquanto retrato e elemento constitutivo dos valores, práticas e significados compartilhados no atual período histórico - pode reforçar estereótipos que têm como objetivo final estigmatizar grupos, tornando-os "outsiders".

A pesquisa justifica-se também no âmbito acadêmico por seu caráter inédito no Brasil, visto que apesar da análise de representações de minorias configurar uma linha de estudo já em andamento nos Estados Unidos desde a década de 60, não há em nosso país publicações que abordam especificamente a questão dos orientais em propagandas.

Por fim, o presente trabalho insere-se como um pequeno esforço com o objetivo de modificar a tradicional visão polarizada que se tem sobre a questão racial no Brasil, que limita grande parte das discussões sobre preconceito racial no país ao espectro das relações entre brancos e negros, excluindo os demais grupos étnicos, especialmente orientais.

 

Referencial Teórico

De acordo com Bowen e Schmid (1997) em "Minority presence and portrayal in mainstream magazine advertising: an update", as formas pelas quais as propagandas usam raça, idade e gênero para promover bens e serviços têm sido o objeto de um longo e contínuo debate. Os autores evidenciam ainda a polarização de visões entre organizações e seus críticos nessa discussão. As empresas (promotoras das peças publicitárias) pontuam que sua grande obrigação é satisfazer as necessidades e desejos dos clientes através de produtos e serviços, de forma que faz-se necessário traduzir suas ofertas em imagens persuasivas que gerem aumento de vendas e lucros. Já os críticos alertam que, no processo de desenvolvimento de tais imagens, as propagandas deveriam refletir a sociedade em geral representando de forma fiel sua diversidade.

Humphrey e Shuman (1984) no estudo "The portrayal of blacks in magazine advertisements: 1950-1982" salientam a importância das propagandas representarem diversidade social de forma fiel à realidade ao afirmarem que, pelo fato de muitos brancos nos Estados Unidos terem pouco contato direto com negros, os veículos de comunicação de massa influenciam fortemente as atitudes da comunidade caucasiana em relação à minoria. Estudos complementares mostraram que muitas crianças brancas nos E.U.A. apontam a televisão como sua principal fonte de informação sobre negros, superando amigos, pais e pessoas com as quais elas convivem (Greenberg, 1980). Esses resultados são consistentes com aqueles alcançados pelo estudo de Bogatz e Ball (1971), que encontrou em crianças que assistiam programas televisivos com maior integração racial uma maior propensão a terem atitudes mais favoráveis a minorias que em crianças que não assistiam aos programas.

No estudo "Race and Ideology: African-American Images in Television Advertising" (Bristor e col., 1995) afirma-se que, além das representações de grupos étnicos minoritários em comunicação não serem fiéis à realidade, estas refletem o racismo que permeia a sociedade. O estudo é de especial importância pois inseriu nas discussões o caráter ideológico da publicidade e suas representações, ao afirmar que as propagandas veiculam a ideologia dominante, tomada aqui como sendo a forma pela qual grupos dominantes (ex: brancos, homens) sustentam e legitimam seu poder sobre os demais grupos (ex: negros, orientais, mulheres).

Cabe ressaltar aqui que grande parte dos trabalhos sobre retratos de minorias em comunicação dedicou-se à análise de peças publicitárias em mídia televisiva. Tal fato se deve, em grande parte, à popularização de uma corrente de pesquisa orientada pelos estudos de George Gerbner, conhecida como "Cultivation Theory".

Tal teoria inicia-se com base nas hipóteses de cultivação desenvolvidas por Gerbner, que visam entender de que forma a grande exposição a elementos culturais imagéticos molda o conceito de realidade do espectador. Essencialmente, a teoria afirma que a grande exposição a mídias de massa (prioritariamente televisão, porém não somente) cria e cultiva no espectador atitudes mais consistentes com a versão conjecturada de realidade exposta pela mídia do que com o que a realidade objetivamente é. Dessa forma, a mídia na qual são veiculadas as mensagens (entre elas as peças publicitárias com representações estereotipadas de minorias), torna-se aos olhos do público não mais um reflexo ou interpretação da realidade, mas uma realidade em si mesma.

Por conseguinte, essa versão criada de mundo faz com que "heavy users" desses meios de comunicação desenvolvam crenças sobre violência, lugares e principalmente pessoas e grupos distorcidas e não condizentes com o mundo real. Bang e Reece (2003) concordam com o ponto de vista de Gerbner (1980) no estudo "Minorities in Children's Television Commercials: New, Improved, and Stereotyped", dedicado à análise das consequências que estereótipos de minorias veiculados em meios de comunicação de massa têm sobre o público infantil. Neste, os autores afirmam que caso uma criança seja exposta repetidamente a uma representação de determinado grupo étnico, a mesma tende a desenvolver crenças correspondentes sobre esse grupo.

Voltando-se especificamente aos estudos que se dedicaram à análise dos retratos em mídia impressa, em "Minority Presence and Portrayal in Mainstream Magazine" (Bowen & Schmid, 1997) os autores avaliaram as representações de minorias expostas em revistas de circulação de massa nos Estados Unidos. Na pesquisa afirma-se que em casos de imagens de modelos negros, estes são representados conforme os estereótipos brancos acerca do grupo, de acordo com duas linhas gerais: negros que entretêm e que servem. Nesse estudo as propagandas foram submetidas a uma extensa análise baseada em diversas dimensões, como por exemplo, a presença numérica de indivíduos pertencentes à comunidade negra, asiática e latina, a composição racial das propagandas, a proeminência dos papéis dos modelos, as situações de interação entre minorias e grupos majoritários, os níveis dessas interações, a categoria de produtos comunicada, etc. Em um estudo realizado anteriormente intitulado "Changes in Stereotyping of Negroes and Whites in Magazine Advertisements", Cox (1969-1970) ao avaliar os estereótipos dos negros em propagandas veiculadas em seis revistas de grande circulação nos Estados Unidos, chegou a resultados parecidos no que diz respeito ao fato de modelos negros serem mais representados em papéis de entretenimento, muitas vezes esportistas ou estrelas da música. A partir dessas informações pode-se observar que, apesar de muitas mudanças terem ocorrido na forma como são elaboradas e comunicadas peças publicitárias, os mesmos padrões nos retratos de negros encontrados pelo estudo de Cox, em 1969, perduraram durante vários anos, sendo que resultados semelhantes foram encontrados na pesquisa de Bowen e Schmid (1997) quase três décadas depois.

No tocante à análise das representações de orientais em mídia impressa, destaca-se o estudo "Not in Vogue: Portayals of Asian Americans in U.S. Advertising" (Taylor & Lee, 1994) no qual os autores dedicaram-se a avaliar as imagens de orientais em propagandas de revistas quanto à sua frequência e à presença ou não de elementos que reforçam os estereótipos populares atribuídos à comunidade. As análises das peças publicitárias basearamse em quatro dimensões gerais: (1) os tipos de revistas mais propensos a apresentarem imagens de orientais em suas propagandas, (2) as categorias de produtos nas quais orientais são mais representados, (3) os tipos de relação mais representados entre modelos orientais e outros modelos nas propagandas e (4) os tipos de situações nas quais orientais são mostrados. Ao final da pesquisa constatou-se que (a) asiáticos são desproporcionalmente mais representados em propagandas de produtos de base tecnológica do que em peças publicitárias de outras categorias de produto, (b) são retratados muito mais frequentemente em propagandas de revistas de negócios e ciência/mecânica do que em publicações voltadas ao público feminino ou de interesse geral, (c) aparecem regularmente em situações de trabalho, porém são poucas vezes representados em outras situações e (d) são frequentemente expostos como colegas de trabalho de outros modelos, porém poucas vezes são apresentados em situações de convívio social ou familiar.

Acredita-se que as representações de asiáticos em propaganda no Brasil apresentem os mesmos padrões encontrados por Taylor e Lee nas peças publicitárias americanas, de forma que se espera observar no presente estudo uma propensão por parte dos meios a enfatizar elementos que reforçam o estereótipo de "Minoria Modelo".

 

A imagem da "Model Minority"

O termo "Model Minority", em referência aos estereótipos "positivos" relacionados à comunidade oriental nos Estados Unidos, surgiu a partir de estudos sobre os pontos de vista que o público norte-americano em geral mantém sobre a minoria, desenvolvidos por autores tais quais Cohen (1992) e Delener e Neelankavil (1990). De acordo com tal estereótipo, a comunidade asiática seria especialmente trabalhadora, séria, ética, detentora de conhecimentos acima da média nos campos da matemática e tecnologia e, em geral, intelectualmente talentosa.

Taylor, Landreth e Bang (2005) afirmam que certas características demográficas dos orientais naquele país contribuíram para o desenvolvimento de tal nomenclatura como, por exemplo, seu maior nível de escolaridade, a proporção dessa população em cargos de gerência e o maior poder aquisitivo dos asiáticos, fatores estes que parecem descrever um grupo muito bem sucedido.

A partir desse quadro, discute-se se os estereótipos atribuídos aos asiáticos naquele país e a decorrente categorização do grupo como "minoria modelo" não sejam inerentemente produtos da realidade, visto que de certa forma o perfil demográfico do grupo corrobora tais pontos de vista e também essa imagem "ideal" de oriental (Delener & Neelankavil, 1990; Taylor & Stern, 1997). Taylor, Landreth e Bang (2005) agregam outros elementos à discussão ao alertarem sobre as consequências que essas imagens podem trazer aos indivíduos do grupo, afirmando que enquanto à primeira vista o estereótipo de "minoria modelo" parece positivo ou na pior das hipóteses inofensivo, tal rótulo torna a minoria mais vulnerável. Tal vulnerabilidade reside no fato de que indivíduos do grupo que não condizem com o estereótipo sentem-se pressionados socialmente a moldarem sua personalidade e sua forma de interação com o mundo, chegando ao ponto de certas pessoas vivenciarem depressão, baixa autoestima ou outros distúrbios decorrentes dessa situação (Lorenzo, Frost e Reinherz, 2000).

Cabe neste ponto inserir a discussão proposta por Taylor, Landreth e Bang (2005) no que tange ao fato de tais estereótipos serem desenvolvidos tomando como base uma imagem uniforme de "orientais", ou seja, excluindo qualquer tipo de diferenças sociais e culturais entre, por exemplo, a comunidade chinesa, coreana e japonesa que juntas integram grande parte do que se entende como minoria asiática nos Estados Unidos. Ou seja, ao vislumbrar essa premissa pode-se iniciar a discussão sobre o fato dos estereótipos de "Minoria Modelo" não serem totalmente baseados em constatações objetivas acerca da demografia do grupo categorizado, visto que, em última instância, não há verdadeiramente um único grupo a ser categorizado.

 

Hipóteses de Pesquisa

Em função da escassa literatura sobre representação de minorias em geral, e especificamente de orientais, em propaganda no Brasil, o presente estudo baseou-se, para a elaboração das hipóteses a serem testadas, no arcabouço teórico sobre o tema desenvolvido por Taylor e Lee (1994) e Taylor, Landreth e Bang (2005).

Tais estudos encontraram que orientais são consistentemente retratados em certos tipos de categorias de produtos, revistas, situações, relacionamentos e numericamente de forma a reforçar os estereótipos tradicionais atribuídos ao grupo.

A seguir dispomos as hipóteses de pesquisa para cada uma dessas variáveis, visando os objetivos do presente estudo.

 

Frequência de representação

Wilkes e Valencia (1989, citados por Taylor, Landreth, & Bang, 2005) afirmam que o critério de proporcionalidade é uma forma eficiente de avaliar a frequência de representação de determinado grupo em propagandas. O critério de proporcionalidade, segundo os mesmos autores, refere-se à avaliação da frequência de propagandas nas quais o grupo minoritário aparece em comparação com a representação populacional do grupo. Tendo em vista que o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2011) constatou que o número de indivíduos que se auto-declara amarelo no Brasil é de 2,08 milhões de pessoas, correspondendo a cerca de 1,09% da população brasileira, temos como hipótese de pesquisa a seguinte:

Hipótese 1: A proporção de representação de orientais em propaganda é inferior à participação populacional do grupo no Brasil.

 

Categoria de produto

Estudos anteriores encontraram uma maior propensão por parte das mídias a retratar orientais em propagandas que comunicam produtos ou serviços de base tecnológica ou voltados para negócios3 (Taylor & Lee, 1994; Taylor & Stern, 1997). Ou seja, espera-se encontrar com maior frequência orientais retratados em propagandas de, por exemplo, produtos eletrônicos, relacionados a informática, serviços de investimento ou seguros do que em propagandas de categorias de produto de base não-tecnológica, como alimentos, bebidas, saúde, beleza e produtos esportivos. Portanto, a segunda hipótese é assim elaborada:

Hipótese 2: Orientais são frequentemente retratados em propagandas de produtos e serviços de base tecnológica e voltados para negócios, porém não são comumente representados em propagandas de produtos de base não-tecnológica.

 

Tipos de revista

De acordo com pesquisas prévias, a "Minoria Modelo" é representada mais frequentemente em revistas de negócios e tecnologia/ciência, porém raramente aparece em propagandas em revistas para o público feminino ou de interesses gerais (Frith, Cheng, & Shaw, 2004; Taylor & Stern, 1997). Dessa forma, apresenta-se a terceira hipótese:

Hipótese 3: Orientais são mais frequentemente retratados em propagandas em revistas de negócios e tecnologia/ciência do que em revistas de interesse geral e publicações voltadas para o público feminino.

 

Situações e Relacionamentos

O estereótipo de "Minoria Modelo" sugere que orientais são indivíduos sérios, trabalhadores, éticos e centrados. Estudos anteriores mostraram que o grupo é frequentemente retratado em situações de trabalho, porém poucas vezes representado em contextos de convívio familiar no lar ou social fora do lar (Taylor, Landreth, & Bang, 2005; Taylor & Lee, 1994). Dessa forma, a hipótese 4 é assim apresentada:

Hipótese 4: Quando orientais são retratados em propaganda, estes frequentemente aparecem em situações de trabalho, porém poucas vezes são retratados em contextos de convívio familiar no lar e social.

Da mesma forma, quando orientais relacionam-se com outros personagens nas propagandas, eles são mais comumente retratados como colegas de trabalho, sendo poucas vezes representados como familiares ou amigos. Portanto, coloca-se a 5ª hipótese:

Hipótese 5: Na maioria das vezes, quando representados em propagandas nas quais há interação com outros personagens, orientais são apresentados como colegas de trabalho, em detrimento de papéis como membros da família ou amigos.

 

Metodologia

Segundo diversos autores, o planejamento de pesquisa segundo a metodologia a ser utilizada refere-se à organização para coleta e análise de dados levantados, sendo que a escolha de qual metodologia empregar está intimamente relacionada ao objetivo da pesquisa (Alvarez & Toledo, 2006).

Tendo em vista que o objetivo do trabalho foi analisar uma situação existente no Brasil tomando como base estudos anteriores feitos por pesquisadores estrangeiros, replicou-se a abordagem metodológica utilizada no artigo de Taylor e Lee (1994), conhecida como análise de conteúdo, devido ao fato da pesquisa atual compartilhar dos mesmos objetivos gerais de tal estudo precedente e que tal modelo metodológico, quando aplicado de forma a analisar as representações de asiáticos em propagandas nos Estados Unidos, mostrou-se eficiente, permitindo, a partir dele, alcançar resultados de pesquisa esclarecedores.

A escolha da análise de conteúdo deveu-se também ao fato de que, no campo da análise das representações de minorias em comunicação de marketing, o método ter sido extensamente utilizado por diversos autores (Bowen & Schmid, 1997; Taylor & Stern, 1997; Wilkes & Valencia, 1989).

A análise de conteúdo é um método de pesquisa observacional e quantitativo usado para avaliar sistematicamente os recursos simbólicos de todas as formas em peças de comunicação. Tais comunicações podem também ser analisadas em diversos níveis (imagens, palavras, papéis, etc.), criando assim um grande leque de oportunidades de pesquisa (Kolbe & Burnett, 1991).

Segundo os mesmos autores, a análise de conteúdo oferece um grande número de benefícios, entre eles:

• A metodologia permite uma abordagem não intrusiva de análise das peças de comunicação. Essa característica é particularmente importante na presente situação de pesquisa, na qual métodos de arguição direta sobre o ponto de vista do público em geral acerca das representações de orientais em propagandas impressas poderiam gerar respostas enviesadas social e culturalmente;

• A análise de conteúdo oferece um ponto de início empírico para pesquisas posteriores sobre a natureza e os efeitos de comunicações específicas. Kolbe e Burnett (1991) citam o exemplo no qual a análise de conteúdo sobre os papéis da mulher em propagandas gerou estudos experimentais posteriores sobre os efeitos dessas representações em vários públicos;

• Por fim, a análise de conteúdo é potencialmente benéfica em situações de estudos multi-metodológicos (Kolbe & Burnett, 1991). Nesses estudos são empregados métodos divergentes com o intuito de aumentar a validade dos resultados alcançados.

Através de tal metodologia de pesquisa quantitativa, foram analisadas 200 propagandas veiculadas em quatro publicações de temática distinta. Para informações detalhadas sobre a composição da amostra, ver Tabela 1: Composição da amostra.

 

 

No universo de peças que poderiam compor a amostra final de 200 anúncios estavam todas as propagandas de página inteira ou dupla com imagem de pessoa(s), que haviam sido publicadas nas edições das quatro revistas estudadas entre janeiro e dezembro de 2010.

 

Coleta de Dados

Visando garantir que todas as edições das quatro revistas publicadas entre janeiro e dezembro de 2010 tivessem a mesma probabilidade estatística de serem selecionadas no processo de amostragem, foram atribuídos números para cada uma das edições e com o uso de um gerador aleatório de dígitos, sortearam-se as revistas que fariam parte da amostra. Após selecionadas as edições, foram contabilizadas todas as propagandas que cumpriam com os requisitos da amostra até que o número de 50 anúncios publicitários por revista (Veja, Cláudia, Exame e Info) fosse alcançado.

As propagandas foram codificadas pelos autores e por uma voluntária segundo as seguintes dimensões (definidas sob a luz das contribuições de estudos anteriores): o nome da revista; o tipo de publicação; o nome do anunciante; a categoria do anunciante; o produto anunciado; a categoria do produto; a presença de modelos asiáticos, caucasianos e afrodescendentes; o sexo de cada um dos modelos; o número de modelos na propaganda; a idade dos atores; a importância percebida de cada modelo na construção imagética da peça; a ocupação retratada dos modelos; o tipo de interação entre modelos e o contexto retratado.

 

Análise de Dados

A amostra total do estudo consistiu em 200 propagandas. Dessas, 35 apresentavam ao menos um modelo pertencente a algum grupo minoritário (17,5% do total de anúncios). Ao todo foram retratados 551 personagens, divididos entre brancos, afrodescendentes e asiáticos.

Cabe ressaltar que, assim como em Taylor e Lee (1994), as análises dos dados incluíram anúncios duplicados. Isso se deve ao fato de que o objetivo central do estudo foi analisar a representação geral de orientais na publicidade em revistas no Brasil, de forma que a inclusão de todos os anúncios da amostra melhor representa a incidência geral da minoria nas propagandas.

Outro ponto importante refere-se ao fato de que, por ter sido levantada uma amostra pequena de propagandas (devido a limitações operacionais), a significância estatística dos resultados com base nos valores-p torna-se problemática. O autor optou por analisar os dados quanto ao suporte ou não das hipóteses de pesquisa com base nas frequências relativas e no teste χ2, comparando as frequências observadas com as esperadas e apresentando os valores dos testes.

 

Hipótese 1 - Frequência de Representação

Como mostra a Tabela 2: Etnia por nº de propaganda e por nº de personagens, apenas 11 dos 200 anúncios da amostra (5,5%) apresentavam ao menos um modelo oriental. Apesar de superior à participação da comunidade asiática na população brasileira - cerca de 1,09% - (o que refuta a Hipótese 1), a porcentagem de anúncios que representam orientais é muito inferior à de propagandas que mostram brancos e negros (93,5% para brancos e 14,5% para negros).

 

 

Quando analisado o número de atores de cada um dos grupos étnicos têm-se que a representação proporcional de orientais é ainda menor. Dos 551 atores presentes na amostra, apenas 4% eram asiáticos (23 modelos), contra 7,1% de afrodescendentes (39 modelos) e 88,7% caucasianos (489 modelos).

 

Hipótese 2 - Categoria de Produto

Os dados mostram fortes evidências de que os meios de comunicação de massa têm maior propensão a retratar orientais em propagandas que comunicam produtos de base tecnológica ou voltados para negócios (Ver Tabela 3: Etnia e Categoria de Produto). Enquanto que 37,6% e 51,3% dos modelos caucasianos e afrodescendentes, respectivamente, foram retratados em propagandas de produtos de Tecnologia e negócios, dentre os modelos asiáticos esse número alcançava 56,5%. Em números totais, apenas 10 dos 23 atores orientais presentes na amostra foram representados em outra categoria de produto. A partir dos cálculos, com gl = 2, o número de orientais representados nessa categoria de produtos é 30% maior do que o valor esperado, suportando assim a Hipótese 2 (χ2 = 4,04).

 

 

Cabe ressaltar que nenhum personagem asiático foi retratado em anúncios de produtos de base claramente não tecnológica ou não relacionados com negócios, como produtos de beleza e alimentos.

Essa representação desproporcional de orientais em propagandas de produtos de base tecnológica/negócios é consistente com o estereótipo de "minoria modelo", de forma que a etnia é vista como trabalhadora e especialmente talentosa nos campos da tecnologia e negócios. A ausência de representações em categorias como cosméticos, vestuário e artigos esportivos sugere que o imaginário popular não relaciona a comunidade oriental tão diretamente com tais categorias de produto.

 

Hipótese 3 - Tipos de Revista

Os dados mostram que, assim como previsto pela Hipótese 3, orientais são consideravelmente mais representados em propagandas presentes em revistas de Negócios e de Tecnologia/Ciência do que em anúncios em demais revistas (Ver Tabela 4: Etnia e Tipos de Publicação). Em termos comparativos, temos que enquanto 50,3% dos modelos Caucasianos e 58,3% dos Afrodescendentes presentes na amostra foram retratados em revistas de negócios e de tecnologia/ciência, 73,9% dos atores asiáticos foram representados nessas publicações (χ2 = 9,70). Assim, a Hipótese 3 é suportada.

 

 

Tal concentração da representação de asiáticos em revistas de negócios e tecnologia/ciência reforça o estereótipo de "Minoria Modelo", que denota uma maior propensão por parte da comunidade oriental ao trabalho e aos negócios, assim como uma vocação quase inata para os campos da tecnologia e ciências.

Cabe salientar que as representações dos grupos étnicos caucasianos e afrodescendentes em revistas de negócios e tecnologia/ciência seguem a proporção normal esperada, visto que cerca de metade das aparições desses grupos estão presentes nessas duas categorias de publicação, que juntas representam metade dos tipos de publicação estudados. Dessa forma, destaca-se o fato de apenas a minoria oriental apresentar representação claramente concentrada especificamente nesses dois tipos de revistas.

O fato de orientais não terem sido representados em nenhum anúncio presente em revistas femininas é outro interessante fator a ser destacado. Grande parte dos anúncios presentes em publicações femininas utiliza de apelo voltado para emoção e divertimento em suas construções imagéticas, de maneira que a representação nula de asiáticos nessas revistas pode sugerir que o grupo não é visto como caloroso e emotivo pela sociedade em geral. Dessa forma, tem-se o reforço de outro elemento constituinte do estereótipo da "minoria modelo", relacionado à visão da sociedade acerca do oriental como um indivíduo sério e centrado, pouco interessado em assuntos como lazer e diversão.

Outro ponto importante refere-se ao fato de publicações voltadas para o público feminino apresentarem numerosos anúncios de produtos de beleza. Ao vislumbramos que nenhum oriental foi representado nessas revistas, juntamente com o fato de que asiáticos não estavam presentes em nenhum anúncio de produtos de beleza (não só nas publicações femininas, mas em toda a amostra), podemos sugerir que a sociedade brasileira em geral não relaciona diretamente a beleza estética com a "Minoria Modelo".

 

Hipótese 4 - Situações

À primeira vista os dados da Tabela 5: Etnia e Contexto parecem não demonstrar suporte à Hipótese 4, que previa que asiáticos seriam mais representados em contextos de trabalho em comparação com as demais situações, como convívio no lar ou em ambientes sociais públicos (χ2 = 18,69).

 

 

Os resultados contrários ao esperado podem ser atribuídos ao fato de que em algumas propagandas mais de um oriental foi retratado no mesmo contexto e, em função da quantidade de modelos orientais na amostra ser pequena, tais anúncios interferem decisivamente nas frequências relativas. Por exemplo, vê-se que 21,7% dos modelos asiáticos foram retratados no contexto "Casa" (5 modelos). Porém, apenas um anúncio dos 11 que retratavam o grupo apresentava ambientação doméstica, este contendo uma família oriental com cinco indivíduos.

Dessa forma, caso fossem analisados os dados com base na quantidade de propagandas que apresentam a etnia em cada contexto (Tabela 6: Contextos das Propagandas com presença das Etnias), haveria que, com exceção da categoria "Outros", que consiste principalmente de ambientes de estúdio, os modelos asiáticos são mais representados em contextos de trabalho do que em qualquer outro tipo de cenário (χ2 = 6,94). Tomando-se como base apenas os contextos de convívio diário, excluindo assim os ambientes artificiais construídos especificamente para os anúncios, haveria que 50% das propagandas com asiáticos retratam ambientes de trabalho.

 

 

Em comparação, têm-se que anúncios com caucasianos e afrodescendentes apresentam contextos de trabalho em respectivamente 15% e 10,3% do total, frequências relativas inferiores em relação à representação de orientais no mesmo tipo de contexto. Como exposto anteriormente, apesar de orientais serem representados em casa com uma frequência relativa maior do que as outras etnias, em números totais houve apenas um retrato desse tipo para a minoria, frente a 14 anúncios retratando caucasianos no lar. Ainda em relação a retratos em ambientes domésticos, apenas um anúncio com afrodescendentes retratava esse tipo de contexto.

Os dados são consistentes com o estereótipo de "Minoria Modelo", de forma que por serem vistos como trabalhadores, éticos e empreendedores, em grande parte dos anúncios nos quais estão presentes, o grupo é retratado em contextos de trabalho, em detrimento de representações em ambientes de convívio social, espaços abertos, no lar, entre outros.

 

Hipótese 5 - Relacionamentos com Outros Personagens

Analogamente aos dados da Hipótese anterior, a Tabela 7: Interação entre personagens por Etnia parece não apoiar a Hipótese 5, que previa que na maior parte dos retratos com interação com outros personagens, orientais seriam apresentados como colegas de trabalho, em detrimento de papéis como membros da família ou amigos (χ2 = 22,23).

 

 

Assim como exposto na análise da hipótese precedente, a concentração de cinco modelos orientais em um único anúncio retratando interação familiar pode ter ocasionado os desvios dos dados em relação ao previsto pela Hipótese 5. Portanto, cabe analisar também a frequência das propagandas que apresentam asiáticos em cada um dos tipos de relacionamento, visando minimizar o efeito da presença de tal anúncio.

Como mostra a Tabela 8: Interação entre personagens retratada nas propagandas por Etnia, o tipo de interação entre personagens mais frequentemente apresentado em anúncios com orientais é "Impessoal", ou seja, nessas propagandas há mais de um personagem, porém não parece haver nenhum tipo de relação entre os modelos. Os outros tipos de interação mais frequentes em propagandas com asiáticos são "Sozinho", "Trabalho" e "Outras", todos com 18,2% de frequência.

 

 

Tem-se que em propagandas que retratam caucasianos e afrodescendentes, as frequências de representação de interações entre personagens do tipo "Trabalho" são respectivamente 12,8% e 10,3%, ao passo que em propagandas que retratam orientais esse tipo de interação alcança frequência de 18,2%. Dessa forma, pode-se colocar que os dados suportam parcialmente a Hipótese 5, de maneira que ao retratarem orientais em interação de trabalho com outros personagens, os anunciantes reforçam o estereótipo de indivíduo trabalhador e sério, não vinculando à minoria outras dimensões de relacionamento menos formais e mais "humanizantes", como interações de amizade.

O fato da interação mais frequente em representações de orientais (tanto quanto a número total de indivíduos engajados nessa interação quanto a número de propagandas que a representam) ser do tipo "Impessoal" denota que a sociedade brasileira ainda não assimilou completamente a minoria em sua realidade. Tem-se que os orientais estão presentes, porém não se relacionam diretamente com outros modelos de outros grupos étnicos. A partir desses retratos veicula-se a ideia de que a minoria é reclusa e pouco interessada em relacionar-se com pessoas externas à comunidade oriental.

 

Ocupação dos personagens

A Tabela 9: Etnia e Ocupação traz dados adicionais sobre em quais tipos de ocupação são retratados os modelos de cada grupo étnico (χ2 = 20,59). Destaca-se o fato de afrodescendentes terem sido frequentemente retratados nas propagandas em profissões de nível superior de escolaridade, como médicos e engenheiros. Tal situação demonstra que tem havido recentemente uma evolução nas representações sociais desse grupo nas mídias, assim como apontado por outras pesquisas (Acevedo & Trindade, 2010).

 

 

Ao mesmo tempo, percebe-se através da grande representação de afrodescendentes em papéis de esportistas que, por meio dos retratos do grupo na publicidade, ainda são veiculados preconceitos profundamente arraigados na sociedade, de forma que, apesar das recentes evoluções, ainda há um longo caminho pela frente até que as mídias representem a minoria de forma não estigmatizada.

A partir dos dados pode-se perceber também uma propensão por parte dos anunciantes a retratar orientais em ocupações com algum nível de escolaridade, o que parece reforçar o estereótipo de "minoria modelo", tomando o grupo como bem-sucedido profissionalmente e intelectualmente talentoso. O fato de nenhum oriental ter sido retratado como esportista demonstra que, assim como sugere o estereótipo, a sociedade não percebe o indivíduo asiático como atlético ou voltado para esportes.

 

Importância dos papéis

Os dados da Tabela 10: Etnia e Importância de papéis mostram a importância percebida dos papéis desempenhados por modelos caucasianos, afrodescendentes e asiáticos nos anúncios publicitários.

 

 

Segundo os dados, não parecem haver diferenças significativas em relação à importância dos papéis desempenhados por cada etnia, sendo que os indivíduos de todos os grupos foram retratados predominantemente em papéis principais. Apesar disso, destaca-se o fato de asiáticos terem apresentado a menor representação nesse tipo de papel dentre todos os três grupos étnicos, sendo retratados em papéis centrais nos anúncios em 43,5% de suas aparições.

 

Discussão e Conclusões

Os resultados da pesquisa mostram que a propaganda - elemento basilar na constituição e manutenção do sistema capitalista vigente e prática cultural central da sociedade - representa o indivíduo asiático de forma a refletir (e consequentemente reforçar) estereótipos sociais. Os anúncios em revista no Brasil tendem a retratar orientais em propagandas de produtos de tecnologia ou voltados para negócios, em revistas de negócios ou tecnologia, em contextos de trabalho e em relacionamentos impessoais ou de trabalho.

Os resultados do presente estudo aproximam-se daqueles encontrados por autores estrangeiros em pesquisas anteriores (Taylor, Landreth, & Bang, 2005; Taylor & Lee, 1994). Destaca-se o fato de, assim como nos EUA, apesar de orientais serem representados com certa frequência em revistas de interesses gerais, o grupo é virtualmente invisível em publicações voltadas para o público feminino. As representações da minoria segundo as categorias dos produtos anunciados também apresentam grandes semelhanças aos achados norte-americanos, de forma que orientais são raramente retratados em propagandas de cosméticos, artigos esportivos e alimentos na publicidade brasileira.

Os achados do estudo mostram que os anúncios em revistas brasileiras apresentam asiáticos como indivíduos extremamente trabalhadores, afeitos aos campos da ciência e tecnologia, voltados para negócios, sérios, bem-sucedidos e, em geral, intelectualmente talentosos. Apesar de pressupor atributos de caráter positivo, este estereótipo confere uma grande pressão sobre indivíduos asiáticos, na medida em que nem todos se encaixam nesse perfil "modelo". Isso significa que as consequências de quaisquer estigmas (sejam de caráter negativo ou de configuração excessivamente positiva) causam grandes limitações nas vidas dos indivíduos (Acevedo & Trindade, 2010). Além disso, o estereótipo restringe grandemente as possibilidades de manifestações de individualidade e, sobretudo, de diversidade cultural existente dentro da comunidade asiática no Brasil.

De acordo com a Teoria da Cultivação, a exposição repetitiva a representações estereotipadas nas mídias pode levar o público a aceitar tais estereótipos como reflexos da realidade (Taylor, Landreth, & Bang, 2005). Os estereótipos evidenciados pelo presente estudo denotam uma imagem de oriental pouco humana, agindo de forma a cultivar a noção de que asiáticos são indivíduos pouco afeitos a socialização, quietos e passivos. Como se tem conhecimento, a comunidade oriental no Brasil é extremamente diversa, composta por pessoas de diversas nacionalidades e backgrounds culturais, de forma que generalizações não correspondem à realidade e podem ser danosas para o grupo como um todo.

Pelo ponto de vista societal, é importante que anunciantes - conscientes da importância e influência que as peças publicitárias têm na construção do imaginário popular - retratem minorias em uma grande variedade de contextos. Dessa forma, a sociedade como um todo pode obter uma visão mais ampla e realista dos grupos, evitando assim o desenvolvimento de preconceitos sociais e étnicos.

Estudos futuros que se dediquem à análise das representações de orientais em demais mídias e em outras formas de construção simbólica que não apenas a propaganda, poderão contribuir consideravelmente com a ampliação do ainda restrito campo de conhecimento acerca da "Minoria Modelo" no Brasil. Pesquisas futuras que aprofundem-se nas numerosas discussões acerca de questões éticas e ideológicas relacionadas a essas representações estereotipadas nas mídias de massa agregarão nesse novo campo de estudo brasileiro. Por fim, a aplicação de metodologias experimentais visando analisar as consequências que o estereótipo de "Minoria Modelo" tem sobre indivíduos pertencentes ao grupo e externos a ele, pode ser de grande valia, evidenciando as implicações que tal estigma tem sobre o processo de construção da identidade cultural do individuo e sobre o desenvolvimento de preconceitos sociais.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Acevedo, Claudia. R., & Trindade, Luiz. V. P. (2010). Imagens de indivíduos afrodescendentes em propagandas: análise da presença de estigmas e estereótipos nas formas de representações sociais. Comunicação, Mídia e Consumo (São Paulo, Impresso), 7,55-82.         [ Links ]

Alvarez, Francisco J. S. M., & Toledo, Luciano A. (2006). A implantação do sistema de gerência de contas especiais no setor bancário no Brasil: Um estudo exploratório. Anais do IX Simpósio de Administração da Produção, Logística e Operações Internacionais, 2006. São Paulo.         [ Links ]

Bang, Hae-Kyong., & Reece, Bonnie B. (2003). Minorities in Children's Television Commercials: New, Improved, and Stereotyped. The Journal of Consumer Affairs, 37(1),42-67.         [ Links ]

Bogatz, Gerry A., & Ball, Samuel. (1971). The second year of Sesame Street: A continuing evaluation. Princeton, NJ: Educational Testing Service.         [ Links ]

Bowen, Lawrence., & Schmid, Jill. (1997); Minority presence and portrayal in mainstream magazine advertising: an update. Journalism and Mass Communication Quarterly, Columbia, 74(1),134-146.         [ Links ]

Bristor, Julia M., Lee, Renne G., & Hunt, Michelle R. (1995). Race and ideology: africanamerican images in television advertising. Journal of Public Policy and Marketing, 14(1),48-59.         [ Links ]

Cohen, Judy. (1992). White consumer response to Asian models in advertising. Journal of Consumer Marketing (Spring),17-27.         [ Links ]

Cox, Keith K. (1970, April). Social Effects of Integrated Advertising. Journal of Advertising Research, 10,41-44.         [ Links ]

Delener, Nejdet., & Neelankavil, James, P. (1990, june/july). Informational sources and media usage: A comparison between Asian and Hispanic subcultures. Journal of Advertising Research, 30(3),45-52.         [ Links ]

Frith, Katherine T., Cheng, Hong., & Shaw, Ping. (2004, january). Race and Beauty: A comparison of Asian and Western models in women's magazine advertisements. Sex Roles: A Journal of Research, 50(1-2),53-61.         [ Links ]

Greenberg, Bradley S., & Baptista, Pilar. (1980). Hispanic-Americans: The New Minority on Television. Life on Television: Content Analyses of U.S. Drama. Norwood, New Jersey: Ablex Publishing.         [ Links ]

Humphrey, Ronald., & Schuman, Howard. (1984). The portrayal of blacks in magazine advertisements: 1950-1982. Public Opinion Quarterly, Princeton, 48(3),551-563.         [ Links ]

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. (2011). Censo IBGE 2010. Acessado em: 22 de agosto de 2011, de: <http://www.ibge.gov.br>         [ Links ].

Kellner, Douglas. (2001). A cultura da mídia. Bauru: Edusc.         [ Links ]

Kolbe, Richard H., & Burnett, Melissa S. (1991). Content-analysis research: an examination of applications with directives for improving research reliability and objectivity. Journal of Consumer Research, Chicago, 18(2),243-250.         [ Links ]

Kotler, Philip e Keller, Kevin L. (2006). Administração de Marketing (12ª ed.). São Paulo: Pearson Prentice Hall.         [ Links ]

Lorenzo, May K., Frost, Abbie K., & Reinherz, Hellen Z. (2000, August). Social and emotional functioning of older Asian American adolescents. Child & Adolescent Social Work Journal, 17(4),289-304. doi: 10.1023/A:1007598007205.         [ Links ]

Taylor, Charles., & Lee, Ju Yung. (1994). Not in Vogue: Portayals of Asian Americans in U.S. Advertising. Journal of Public Policy and Marketing, 13(Fall),239-245.         [ Links ]

Taylor, Charles, Landreth, Stacy., & Bang, Hae-Kyong. (2005). Asian Americans in magazine advertising: Portrayals of the "Model Minority." Journal of Macromarketing, 25(2),163-174.         [ Links ]

Taylor, Charles., & Stern, Barbara. (1997). Asian Americans: Television Advertising and the "Model Minority" Stereotype. Journal of Advertising, 26(Summer), 47-61.         [ Links ]

Wilkes, Robert E., & Valencia, Humberto. (2009). Hispanics and Blacks in Television Commercials. Journal of Advertising, 18,19-25.         [ Links ]

 

 

Recebido em 06/11/2012
Revisado em 15/02/2013
Aceito em 22/05/2013

 

 

1 Os termos "oriental" e "asiático" são utilizados no decorrer do trabalho de forma intercambiável, referindo-se ambos a qualquer pessoa com ascendência visível em algum país do extremo oriente, excluindo nações do subcontinente Indiano, localizadas na região conhecida como Oriente Médio ou ex-membros da União Soviética
2 Para os propósitos do estudo, utilizamos a definição de propaganda exposta por Kotler e Keller (2006), sendo esta "qualquer peça de comunicação paga, geralmente com patrocinador identificado"
3 Tais categorias de produto relacionadas à "Minoria Modelo" foram rotuladas como "technology and business-oriented products and services" em Asian Americans in Magazine Advertising: Portrayals of the "Model Minority" (Taylor, Landreth, & Bang, 2005)