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Revista Psicologia Política

versão impressa ISSN 1519-549X

Rev. psicol. polít. vol.13 no.27 São Paulo ago. 2013

 

RESENHA

 

Psicologia das minorias ativas: por uma psicologia política dissidente

 

Psychology of active minorities: by political psychology dissident

 

Psicología de las minorías activas: por una psicología política dissidente

 

Psychologie des minorités actives: pou une psychologie politique dissident

 

 

Aline Reis Calvo HernandezI; Aline AccorssiII; Pedrinho GuareschiIII

IDoutora Psicologia Social e Metodologia pela Universidade Autónoma de Madrid, Espanha. Atualmente é Professora Adjunta da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul, São Francisco de Paula, RS, Brasil, e coordena o Grupo de pesquisa em Psicologia Política, Educação e História do Presente da mesma instituição. alinehernandez@hotmail.com
IIDoutora em Psicologia Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Atualmente é Professora Pesquisadora do Centro Universitário La Salle, Canoas, RS, Brasil. alineaccorssi@gmail.com
IIIDoutor em Psicologia Social pela University of Wisconsin at Madison, Estados Unidos. Atualmente é Professor convidado na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil. pedrinho.guareschi@ufrgs.br

 

 

Obra: Psicologia das Minorias Ativas
Autor: Serge Moscovici
Petrópolis, RJ: Vozes, 2011.
288 páginas.
ISBN: 978-85-32641-946

 

Introdução

Com a publicação da tese das Minorias Ativas, Moscovici (1961) elaborou pressupostos teóricos fundamentais à formulação de um paradigma da mudança em contraponto a uma ciência da conformidade e da estabilidade, ou seja, uma proposta teórica com explícita intencionalidade política. Obra relevante e atual, pouco lida no Brasil, a Psicologia das Minorias Ativas apresenta análises fundamentais para compreender o ativismo político e a importância dos processos de influência como propulsores de mudança social.

Na primeira parte do livro, Moscovici estuda a fundo as teses que dominaram a Psicologia Social, refutando os estudos norte-americanos clássicos, a saber: o de norma emergente de Sherif (1936), o de conformidade grupal de Asch (1952) e o de liderança e obediência servil de Milgram (1963), estudos experimentais, de cunho individualista que defendiam a conformidade e a obediência individual em função de um líder com status superior forte no interior dos grupos. Conforme Farr (1998:41) nas pesquisas experimentais a "pele era o limite do estudo", isto é, o foco central era localizar no indivíduo aqueles comportamentos manifestos, observáveis que pudessem localizar e manter as regularidades sociais que garantiam a homeostase do sistema. Podemos associar esse tipo de tese à lógica do final da II Guerra Mundial e da Guerra Fria que dominava o "espírito científico" da época: nada de conflitos aparentes, a ideia de progresso a partir da construção de um ideário de nação e do esforço individual e, para tanto, a necessidade de uma "ortopedia social". Neste contexto, o psíquico - simbólico e subjetivo - era mantido na fronteira de uma Psicologia onde a dimensão social era fartamente controlada pela necessidade de manter a ordem vigente. A Psicologia Social da época, com propostas de adaptação ao meio social denotava tal intuito. O laboratório é, assim, um produto social daquele tempo, expressão máxima daquele modo e projeto social.

Em contraponto a esta lógica que bania o conflito e, por conseguinte, uma episteme das minorias, Moscovici, na segunda parte do livro, resgata conteúdos negligenciados pela Psicologia, como o conflito, os processos de influência minoritária e os elementos psicossociais da ação coletiva, entre outros. O autor concebe o ser humano como agente de mudança que deseja e assume a ação transformadora. Para efetivá-la os sujeitos se organizam individualmente ou em grupos, em prol da defesa de suas opções, criando estratégias e táticas de ação. E é a estes movimentos que Moscovici chamará de minorias ativas. A mudança sempre implica intenção e relação. E, neste caso, o desejo é um elemento fundamental à ação política.

Sendo obra de seres humanos, a estrutura social é sempre contraditória: envolve tanto os que pretendem mantê-la, quanto os que, insatisfeitos, pretendem transformá-la. Moscovici admite este confronto quando explicita que há, sempre, uma luta simbólica, objetiva e material entre maiorias e minorias. A mudança, portanto, inicia-se em uma problematização da consciência: da passagem do estado de "objeto" a sujeito. Este dar-se conta de seu papel ativo na mudança é o processo de politização da consciência. A mudança depende, sempre, de um posicionamento crítico, inquieto, descontente e desejante, que questiona a ordem e a uniformidade de condutas e opiniões. A mudança é processo/projeto/estilo de comportamento inovador que não abre mão da tensão declarada entre posições diferentes.

Importante salientar que uma minoria social não se define por sua inferioridade quantitativa. Existem elementos que singularizam a minoria em relação à maioria hegemônica e a caracterizam como um corpo social capaz de protagonizar uma luta, reivindicar direitos esquecidos dentro e fora dos aparatos institucionais do Estado e do Mercado. As minorias são dispositivos simbólicos com objetivos ético-políticos contra hegemônicos. São, portanto, grupos marginais ante a ordem jurídico-social instituída.

O poder das minorias está, de um lado, na definição de uma luta, na construção de um espaço de participação, representação e negociação; de outro, em sua capacidade de influência social, um processo contínuo que depende de estilos de comportamentos consistentes, ou seja, ações que dialoguem socialmente e manifestem conflitos percebidos. Os estilos de comportamento compõem uma dimensão ativista, uma esfera prática das representações sociais, isto é, as representações em ação. Estas representações, quando difundidas na esfera pública, influenciam as mudanças (Moscovici, 2003) e orientam práticas inovadoras ou renovadas. Para Moscovici (2003) há um drama implicado no processo de transformação do conhecimento: o nascimento de uma nova representação social. O processo de anunciar uma ideia nova, divergente, aquela que rompe com o naturalizado, com o institucionalizado instaura, no social, espaços de diálogo, de luta e de tensão. Comprometer-se com a luta, contudo, não significa deixar de criticar os seus processos e as escolhas que fazemos em nome desses compromissos. Daí a importância e o risco de comunicar e expor contradições e os limites do projeto pelo qual se acredita. Jovchelovitch (2008) aponta que Moscovici atentou ao problema da importância da comunicação nas sociedades modernas, onde os mundos da vida são contestados e negociados o tempo todo e uma visão de mundo homogênea é muito limitada.

O autor também analisa esta consciência dos grupos sociais. Para ele, existem conhecimentos que assumem a natureza dos grupos: as representações sociais. O exercício de atribuição de significados sociais à realidade é uma capacidade humana de interpretação da realidade. A tarefa da representação nos campos sociais está relacionada à construção de cosmovisões, com o estabelecimento de conjuntos de conhecimentos cotidianos que não apenas propõem um referencial para guiar a comunicação, a coordenação da ação e a interpretação do que está em questão, mas expressam projetos, identidades sociais e suas inter-relações. A luta das minorias é pelo poder das ideias do senso comum, de como as pessoas partilham o conhecimento e elaboram/constituem sua realidade, enfim, de como as ideias se transforam em práticas (Moscovici, 1981).

Este referente comunicacional, interpretativo é fundamental para que as minorias definam uma luta, construam um espaço de participação, representação e negociação. O processo de influência social depende da manifestação clara de um conflito (da apresentação de antinomias percebidas junto à esfera pública) e de um estilo de comportamento consistente e equitativo, ou seja, um conjunto sistemático de ações que manifestem a oposição, a luta em si (Moscovici, 1981). Neste ponto, é interessante notar uma semelhança surpreendente entre a proposta de Moscovici e um dos pressupostos centrais da teoria pedagógica de Paulo Freire. Para ambos, o que realmente leva à mudança não é tanto o que é dito, mas o como se age. Dentre os mais de trinta livros escritos por Freire, em treze deles o título é pedagogia. Que queria significar ele com isso? Precisamente que o conteúdo mais importante da educação é a pedagogia, a didática, as relações que se estabelecem, a maneira como se ensina. E Moscovici mostra que o que realmente influencia em uma mudança, é o estilo, a maneira de proceder dos líderes que pode ou não levar a construção de novas práticas e saberes.

A ideia emergente, a nova representação social faz com que outros segmentos sociais examinem e questionem suas próprias crenças e posições. Uma das teses centrais da psicologia das minorias ativas (Moscovici, 1981) é a de que os processos de influência estão intimamente ligados à produção e reabsorção de conflitos, na apresentação de contradições que, muitas vezes, estão silenciadas pelas maiorias dominantes (Guareschi, 2009). Existe uma noção de estilo comportamental e de relação entre maiorias e minorias. As minorias são grupos sociais excluídos, divergentes e, portanto, possuidores de um status social marginal ou inferior já que não ocupam o lugar das elites. A luta entre maiorias e minorias é simbólica, cognitiva e comunicativa, é uma luta cultural, uma "kulturkampf" (Moscovici, 2003), que coloca pontos de vista e posicionamentos éticos em oposição, é uma luta por instaurar coletivamente modos diferentes de pensar. Aqui vale também lembrar as experiências de Freire com os grupos sociais, minorias em processo de ativação, na medida em que passam a criticar as circunstâncias de suas vidas mediante encontros dialógicos e conteúdos geradores que emergem de saberes em contexto. "Seria uma ingenuidade pensar que as forças contrárias à mudança não percebem que a mudança de uma parte promove a mudança de outra, até que chega a mudança da totalidade, como seria ingenuidade também não contar com a reação, sempre mais forte, a estas transformações parciais" (Freire, 1983:54).

Moscovici sublinhará, então, a necessidade de efetivar uma "mudança cultural", da visão que os sujeitos têm de sua própria cultura. A mudança cultural não depende de um trabalho intelectual, mas da ação e reflexão em momentos históricos especiais. Se a realidade for vista como algo imutável, superior à força de resistência e divergência das pessoas a tendência será assumir uma postura fatalista e procurar fora da realidade à explicação para sua impossibilidade de atuar. A mudança de percepção da realidade se dá antes de sua transformação propriamente.

Assim, esta "psicologia" das minorias é, antes de um estilo de comportamento, um espaço reflexivo e interpretativo, de tomada de consciência que se estende à ação. Moscovici admite que as minorias ativas lutam pelo direito da contestação entre diferentes formas de pensamento e pela inovação, desafiando pontos de vista e conhecimentos dominantes. Neste sentido, o conhecimento legitimado por matrizes científicas (autoridade reconhecida) entra em choque com aqueles conhecimentos elaborados no interior dos grupos sociais que querem romper e transformar a ordem das coisas. É com Moscovici, portanto, que se assume a dimensão política e transformadora do embate de ideias, ou melhor, é com ele e com a "Psicologia das Minorias Ativas" que se assume um desafio monstruoso para a Psicologia: considerar o social a partir da tensão e da insistência nos contrastes e nas diferenças.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Farr, Robert. (1998). As raízes da Psicologia Social Moderna. (Pedrinho A. Guareschi e Paulo V. Maya, Trad.) Petrópolis, RJ: Vozes.         [ Links ]

Freire, Paulo. (1983). Pedagogia do Oprimido (13ª ed.). Rio de Janeiro: Paz e Terra.         [ Links ]

Guareschi, Pedrinho., Hernandez, Aline., & Cárdenas, Manuel. (Orgs.). (2009). Representações em Movimento: Psicologia do Ativismo Político. Porto Alegre: EDIPUCRS 2010.         [ Links ]

Jovchelovitch, Sandra. (2008). Conhecimento, comunidade e esferas públicas. Em Sandra Jovchelovitch. Os Contextos do Saber: representações, comunidade e cultura. Petrópolis, RJ: Vozes.         [ Links ]

Moscovici, Serge. (1981). Psicologia de las Minorias Activas. Madrid: Morata.         [ Links ]

Moscovici, Serge. (2003). Representações Sociais: Investigações em psicologia social (4ª ed.). Petrópolis, RJ: Vozes.         [ Links ]

 

 

Recebido em 14/03/2013
Aceito em 29/04/2013