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Revista Psicologia Política

versión impresa ISSN 1519-549X

Rev. psicol. polít. vol.13 no.28 São Paulo dic. 2013

 

ClÁSSICOS EM PSICOLOGIA POLÍTICA

 

Psicologia política Latino-Americana

 

Latin American politica psychology

 

Psicología política Latinoamericana

 

Psychologie politique Latino-Américaine

 

 

Traduzido por Fernando Lacerda

Prof. Dr. em Psicologia pela PUC Campinas, Campinas , SP, Brasil. Atualmente é professor na Universidad Federal de Goiás, Faculdade de Educação, Goiânia , GO, Brasil

 

 

Necessidade da Psicologia Política

Um congresso que aceita o desafio de explorar os caminhos "rumo a uma psicologia para a sociedade colombiana" não poderia deixar de lado a dimensão política. Há aproximadamente um ano, quando tive a oportunidade de dar uma conferência em Bogotá, mencionei alguns dos espinhosos problemas que as circunstâncias políticas apresentam para os profissionais das ciências sociais, acadêmicos ou praticantes, nos países latino-americanos; mas, por realismo e cuidado, aplicava minhas reflexões apenas ao caso do meu país, El Salvador.

Muitos participantes, talvez atingidos pela extrema gravidade dos problemas destacados e pelos desafios que eram apresentados ao quefazer dos psicólogos, aliviavam sua consciência dizendo a si mesmos e aos outros como a situação de El Salvador era terrível, mas que, graças a Deus, as circunstâncias da Colômbia eram muito diferentes.

De forma alguma tenho a presunção de dizer a vocês o que ocorre em seu país, mas como observador apaixonado dos acontecimentos nos países latino-americanos que sou, sinto que os acontecimentos ocorridos ao longo deste último ano, 1988, dão um testemunho mais do que confiável de que é correto afirmar que Colômbia não é El Salvador, mas também não é menos correto notar que a crise sociopolítica existente aqui também é extremamente grave e desenvolveu os traços de uma efetiva guerra civil mais ou menos latente.

Não se trata de dramatização retórica: trata-se de abrir os nossos olhos para a evidência cujo reconhecimento sempre é doloroso, sobretudo porque questiona nossa vida e nosso trabalho. Neste sentido, a busca de "uma psicologia para a sociedade colombiana", lema deste congresso, passa necessariamente pela dimensão política de nosso quefazer psicológico. Não basta perguntar o que a psicologia pode fazer para contribuir à resolução dos problemas dopovo colombiano, o que já é um primeiro passo importante. É necessário ir mais a fundo e perguntar que impacto tem o nosso quefazer na configuração de nossa sociedade e, portanto, perguntar qual é a relação entre psicologia e poder em um duplo sentido: qual é o poder dapsicologia na Colômbia e qual é a psicologia do poder colombiano. É claro que, ainda que eu mencione o país de vocês, não sou eu, mas vocês quem pode dar concretude para este problema.

A psicologia política possui duas vertentes que, com frequência, são confundidas e que devem ser analisadas separadamente: a política da psicologia, isto é, o impacto que a psicologia, como atividade científica e profissional, tem em cada sociedade; e a psicologia da política, isto é, a análise e a intervenção psicológica nos processos e comportamentos políticos que existem em uma sociedade. Somente depois, poderemos avaliar o que significa o esforço de desenvolver uma psicologia política latino-americana.

 

A Política da Psicologia Latino-Americana

Como qualquer outro objeto social, a psicologia e, especificamente, o trabalho e a atuação dos psicólogos têm um impacto sobre o ordenamento de uma sociedade: a psicologia tem ou não um reconhecimento social, aos psicólogos são atribuídos status e tarefas; o fazer dos psicólogos pressupõe certa contribuição, maior ou menor, para o equilíbrio de forças que, em cada circunstância, se dá em uma sociedade. Este efeito configurador da sociedade, este poder social e, por que não dizer, político da psicologia é o que conhecemos como a política da psicologia, a qual busca, ao menos implicitamente, examinar o papel do psicólogo (Martín-Baró, 1986; 1987).

John B. Watson queria fazer da psicologia uma ciência porque, entre outras razões, aspirava conquistar, para a psicologia e os psicólogos, reconhecimento e status acadêmico no interior da sociedade norte-americana no início do século XX. Esta busca pelo reconhecimento social da psicologia continua sendo objeto de preocupação em alguns de nossos países latino-americanos, especialmente onde não existe clareza sobre a especificidade de sua contribuição. Mas, neste esforço por conquistar significação e reconhecimento sociais, os psicólogos oscilam entre a opção por uma suposta assepsia técnico-científica ou por uma militância política que é assumida como guia de sua atividade.

Aqueles que se inclinam pela assepsia argumentam que a psicologia, por seu caráter científico, não pode assumir como critério qualquer coisa que não seja a busca da verdade e, portanto, não deve se deixar conduzir por interesses coletivos ou que seu trabalho seja afetado por valores sociais ou opções pessoais. Concretamente, busca-se apenas compreender o que é o comportamento humano, qual é a sua natureza e suas causas, deixando de lado qualquer juízo axiológico que confunda o ser com o dever ser, o que é de fato com o que se considera bom ou ruim, desejável ou indesejável. Trata-se, portanto, de conceber a ciência como um fazer axiologicamente asséptico e politicamente neutro. Os valores e as opções políticas pertencem, no melhor dos casos, a outro campo: o da utilização da ciência para uma ou outra causa, algo que varia de acordo com a opção política de cada um. Os cientistas devem sempre se subordinar à objetividade científica. A partir desta perspectiva, o psicólogo deve evitar misturar o seu trabalho com suas crenças, já que isso prejudica a objetividade. De fato, com a notória exceção dos psicanalistas e de um ou outro psicólogo social, os psicólogos, em geral, conformam uma agremiação com uma notória alergia profissional em relação à política que é amparada por uma concepção neopositivista e tecnocrática do seu quefazer.

Há aqueles que, ao contrário, consideram que a militância política deve ser o critério para a atividade científica e técnica e que seu trabalho profissional deve ser guiado por valores e convicções. O argumento que fundamenta esta postura parte da sociologia do conhecimento, a qual defende que todo saber e fazer estão condicionados pelas circunstâncias em que ocorrem e pelas forças sociais que os produzem. Portanto, não há qualquer conhecimento ou qualquer elaboração científica sem certa dose de parcialidade histórica e de aproximação ideológica à realidade, isto é, de promoção de certos interesses sociais concretos. Mas este princípio, perfeitamente válido, deriva, com uma frequência maior do que a desejável, no que poderíamos chamar de uma militância mecanicista, que aplica rigidamente princípios vulgarizados. Assim, em algumas escolas, a opção política resulta na recusa de Freud por ser pequeno burguês, na escolha por Pavlov, ao invés de Skinner, porque este é norte-americano e aquele russo, ou por Wallon, ao invés de Piaget, porque o primeiro foi comunista e o segundo não.

Como demonstram os exemplos dados, a opção militante mecanicista é um perigo muito característico de certos setores esquerdistas. Mas não é menos correto dizer que algumas escolas de caráter político distinto - aquelas que não aceitam a sociologia do conhecimento, mas sim os pressupostos do neopositivismo - rechaçam a priori toda análise que supera a definição abstrata do que é o psíquico e que define o comportamento humano em um contexto histórico concreto de forças políticas. Nesses casos, Marx seria desprovido de qualquer caráter científico e, da mesma forma, qualquer autor ou trabalho que não fique restrito à assepsia abstrata do suposto objeto da psicologia. Em sua manifestação mais mecanicista, esta postura reproduz cegamente as modas e os modelos norte-americanos, utilizando massivamente seus textos, considerados modelos científicos por excelência, realiza uma cópia acrítica de suas metodologias e aceita sistematicamente seus temas de interesse. Portanto, a militância mecanicista em psicologia pode se dar tanto pela esquerda, quanto pela direita, ainda que a partir de pressupostos diferentes. Aqueles que militam a partir da psicologia geralmente utilizam seu conhecimento e suas habilidades como instrumentos para a configuração ideológica e para defender os interesses sociopolíticos do próprio grupo ou classe social.

A realização de uma avaliação histórica da política da psicologia latino-americana, até onde se sabe, ainda está por se fazer. Apesar disso, podemos tentar apresentar um balanço provisório, com todas as limitações que isso implica. Mencionaremos as contribuições da psicologia à escola, à empresa e à clínica e avaliaremos seu impacto político, submetendo essas contribuições ao critério de ideologização ou desideologização da realidade social que possibilitaram, isto é, avaliaremos se contribuíram para a articulação justificadora dos interesses das classes dominantes ou para o desmonte questionador da ordem sociopolítica estabelecida.

 

Contribuição da Psicologia para a Educação Escolar

São muitas as mudanças que foram introduzidas no sistema escolar sob a influência da psicologia: um melhor conhecimento da evolução e do desenvolvimento psicológicos do indivíduo possibilitou mais planificação e estruturação das etapas educativas; as descobertas sobre as condições de aprendizagem produziram mudanças radicais nos métodos pedagógicos, assim como a possibilidade de detectar as qualidades mais adequadas para dada ocupação permitiram orientar a educação do indivíduo de forma mais racional, economizando esforços inúteis e potencializando recursos disponíveis. De forma geral, olhando para um passado não muito distante, pode-se afirmar que a psicologia contribuiu significativamente para retirar da escola o seu caráter carcerário-repressivo e convertê-la em um espaço muito mais agradável e eficaz para o desenvolvimento humano.

Mesmo que esteja claro que essas mudanças beneficiaram, acima de tudo, as escolas privadas, onde são educados os filhos dos setores altos e médios de nossas sociedades, não é possível negar que as escolas em geral foram positivamente influenciadas, ainda que isto possa se limitar às mudanças nos programas ou em uma formação diferenciada de professores. Todavia, o caráter científico que a psicologia ajudou a dar para a educação contribuiu, também, para ideologizar a efetiva função seletiva desempenhada pela escola nos países latino-americanos e que faz com que, de cada 100 crianças que ingressam na escola primária de El Salvador, apenas uma alcance o nível universitário. Esta seleção, que discrimina prejudicando os setores majoritários populares, não é consequência direta da escola ou da psicologia escolar, mas do seu enraizamento em estruturas socioeconômicas extremamente discriminantes. O problema reside no fato de que a pirâmide social se reflete nas diversas provas de seleção e rendimento que atribuem à capacidade e a motivação das pessoas resultados e conquistas que, em grande medida, são derivados do pertencimento social e, assim, chancelam com o aval científico da psicologia o que é consequência da desigualdade socioeconômica. Assim, por meio da escola, a psicologia cumpre uma função ideologizadora, isto é, encobre e mantém uma ordem social discriminante, tal como revelaram, por exemplo, alguns trabalhos conhecidos de Ivan Illich (1971). Sem dúvidas, esta tem sido uma importante consequência política generalizada pelos países latino-americanos.

No entanto, em algumas circunstâncias particulares, a psicologia também contribuiu para desideologizar o caráter discriminatório da escola e, por meio de sua influência, para desmascarar a injustiça da ordem social estabelecida. Por exemplo, a ênfase da psicologia em uma educação que potencializa a criatividade e a realização das pessoas, em não poucos casos, resultou em cursos ou práticas escolares que produziram questionamentos do próprio sistema escolar e conscientização sobre o sistema social.

 

Contribuição da Psicologia à Empresa

De forma geral, a psicologia introduziu nas empresas e nas organizações uma dupla preocupação: em primeiro lugar, produzir condições, materiais e sociais, de trabalho que permitem a satisfação laboral e o desenvolvimento humano dos trabalhadores; em segundo lugar, incrementar a eficiência produtiva por meio da racionalização das estruturas organizativas e das relações interpessoais no interior das empresas. Não disponho de dados estatísticos sobre isto, mas acredito que não é algo muito aventureiro defender a hipótese de que, com igualdade de condições, as empresas que melhor aproveitaram as contribuições da psicologia - que não são necessariamente apenas as empresas que empregam psicólogos em suas equipes - são aquelas que conquistaram uma maior eficiência produtiva e uma satisfação correlata, tanto dos proprietários, quanto dos trabalhadores.

No entanto, a psicologia cumpriu uma função ideologizadora significativa nas empresas: por meio das técnicas de seleção de pessoal, da promoção de certas melhoras circunstanciais e, sobretudo, da sistemática conversão dos conflitos nas empresas em questões pessoais ou interpessoais, a psicologia contribuiu para afiançar modelos de trabalho e de relações laborais que são, em grande medida, exploradores e alienantes. As tensões e os conflitos criados pelas estruturas produtivas foram tratados como assuntos pessoais ou problemas intersubjetivos, ao invés de serem abordados como problemas cuja solução requer mudanças fundamentais. Assim, concepções como a motivação pelo êxito ou técnicas como as dinâmicas de grupos serviram, frequentemente, para atribuir às pessoas, suas qualidades e seus defeitos individuais, os benefícios e custos injustos, materiais ou psíquicos, que a estrutura empresarial gera. Essa atribuição ao pessoal daquilo que é estrutural possui um significado político precioso. Os argumentos usados pelas empresas privadas latino-americanas para defender e manter o status quo da ordem empresarial e da ordem social, valem-se dessa concepção psicologista.

Mas, tal como foi destacado anteriormente, a psicologia, muitas vezes, também serviu para desmascarar o caráter desumanizador e injusto das relações laborais e da organização empresarial predominante. Assim, se argumentos psicológicos foram usados para defender a propriedade privada dos meios de produção e a organização classista das empresas, também foi possível utilizá-los para demonstrar sua sistemática irracionalidade alienadora e a instrumentalização coisificante.

 

Contribuição da Psicologia à Clínica

A incorporação da psicologia ao trabalho clínico significou, fundamentalmente, uma importante ampliação do leque de transtornos psíquicos atendidos e dos setores sociais que se beneficiam do tratamento da saúde mental. Problemas gerados pela tensão no trabalho ou pela falta de trabalho, os conflitos da vida familiar ou dos problemas de aprendizagem foram, progressivamente, incluídos no campo da atenção psicoterapêutica, algumas vezes, sob a forma de um aconselhamento semelhante ao que, em outros tempos ou em outras circunstâncias, se esperava receber do sacerdote.

Sem dúvidas, em nossos países latino-americanos, os principais beneficiários dessa notável expansão da atenção psicoterapêutica foram os setores médios e altos; a atenção aos setores populares continuou, majoritariamente, nas mãos dos psiquiatras e, em geral, se restringe às patologias graves tratadas - quando não maltratadas - em hospitais públicos mal equipados. Mais ainda, a psicologia deu seu apoiou aos setores socialmente estabelecidos psicologizando o diagnóstico de seus problemas, aliviando sua consciência, analisando privadamente seus conflitos, deixando intacta a realidade social objetiva que, frequentemente, é a causa última ou o fator crucial da etiologia dos problemas e transtornos. O caráter classista da atenção clínica psicológica aparece toda vez que um psicólogo busca se aproximar dos setores populares de nossos povos, sobretudo os marginalizados e camponeses. Frequentemente, os métodos difundidos na psicoterapia, tão dependentes de uma elaboração verbal e de certos convencionalismos dos setores médios, representam mais uma barreira e um obstáculo do que uma ajuda. Por isso, é necessário buscar novas formas de relação e de tratamento psicológico.

Apesar da gravidade deste caráter discriminatório da clínica psicológica, que condiciona o seu próprio desenvolvimento técnico, o principal problema político radica na consagração implícita de uma normalidade psíquica que avaliza a ordem social estabelecida. No seu início, a psicologia aceitou como critério de normalidade a adaptação ao meio, convertendo cada sociedade em uma pressuposta natureza, diante da qual a única opção saudável que resta ao indivíduo é submeter-se; mas, até hoje, quando a adaptação como critério explícito de normalidade foi descartada pela maioria dos psicólogos, continua-se sem realmente questionar a imbricação sistêmica do transtorno mental ou comportamental, isto é, aquilo que, em cada transtorno individual, é produzido por um sistema social anormal e desumanizador de relações sociais. Com certeza, houve alguns avanços. O próprio DSM-III, elaborado por psiquiatras, dá um interessante passo adiante ao incluir o eixo IV, sobre pressões e tensões psicossociais, na avaliação de transtornos, ainda que para esse eixo seja atribuído apenas um papel complementar (Martín-Baró, 1984). Contudo, o pressuposto básico continua sendo o de que a capacidade de viver, se desenvolver e se realizar sem maiores transtornos nesta sociedade, tal como ela existe, é o critério de normalidade. Isto, sem dúvida alguma, representa um inestimável respaldo político da psicologia ao sistema estabelecido.

Porém, a clínica também serviu, em certas circunstâncias, para desideologizar a pressuposta naturalidade dos ordenamentos sociais de nossos países. Ainda que hoje tenha caído no esquecimento, as propostas da chamada antipsiquiatria, que demonstraram a presença do controle social no diagnóstico e no tratamento terapêuticos, representaram um questionamento - que ainda não foi respondido e, muito menos, assimilado - à clínica enquanto instrumento de poder das classes dominantes. O impacto político destes questionamentos acaba de ser, uma vez mais, comprovado no Rio de Janeiro, quando o governo recorreu a uma operação militar e ao envio de um tanque contra um hospital psiquiátrico para remover a equipe técnica que pretendia estabelecer um plano de atenção psíquica distinto daquele exigido oficialmente.

Este panorama da psicologia latino-americana é, por necessidade, parcial e incompleto. Contudo, trata-se de apresentar as luzes e as sombras de um quefazer, científico e profissional, cuja vertente predominante tem servido para dar o aval e o apoio à ordem social estabelecida, mas que teve, também, uma vertente de crítica e conscientização. Obviamente, este predomínio de uma linha psicológica está refletido no controle das principais associações psicológicas (por exemplo, a Sociedade Interamericana de Psicologia), da maioria dos cursos universitários, das revistas especializadas, da maioria das coletâneas de textos, dos grandes congressos e reuniões, por parte dos psicólogos politicamente favoráveis à ordem social imperante; controle que raramente, ou em pouquíssimas ocasiões, foi interrompido por psicólogos de orientação política mais crítica.

Pode ser questionado se este rápido balanço sobre a política da psicologia latinoamericana é acertado ou não; mas o que parece ser indiscutível é o fato de que a psicologia, como atividade científica e profissional, teve um impacto político em nossos países, independentemente de qual tenha sido o seu caráter. Negar este impacto é uma ideologização da realidade que em nada beneficia o desenvolvimento científico da psicologia e menos ainda o serviço profissional oferecido aos nossos povos.

 

A Psicologia da Política Latino-Americana

A outra vertente da psicologia política é o estudo psicológico dos comportamentos e processos políticos na América Latina. Em geral, esta foi uma área pouco cultivada entre nós, pelo menos até a década atual. E se, como bons latinos, tratamos, centenas de vezes, os problemas políticos de nossos países em conversas com nossos amigos após algumas cervejas, raramente nos aventuramos a dar nossa contribuição a esses problemas com a bagagem de nosso conhecimento científico e nossa capacitação técnica.

No trabalho de revisão que, possivelmente, é o mais significativo realizado até o momento, Maritza Montero (1987) reuniu 191 trabalhos latino-americanos, publicados em revistas e livros, que abordam aspectos da política, definida em um sentido amplo. Os três temas mais explorados, de acordo com a classificação de Montero (1987), são (ver tabela 1): o trauma político (25,1%), o nacionalismo (22,5%) e os problemas relacionados com a ideologia, a alienação e a consciência (12%).

 

 

Os trabalhos sobre o trauma político referem-se, principalmente, ao diagnóstico e ao tratamento dos problemas originados pela repressão governamental e pelos programas de contrainsurgência. São trabalhos provenientes, em sua maioria, do Chile e da Argentina. O nacionalismo é estudado a partir das imagens e dos estereótipos nacionais e o venezuelano José Miguel Salazar foi quem mais realizou trabalhos sobre este assunto (Salazar, 1983; Salazar & Banchs, 1985). Por fim, os trabalhos sobre ideologia, alienação e consciência constituem um variado leque de estudos em torno do problema do latino-americano alienado politicamente no interior de uma ordem social dependente, exploradora e opressiva.

Apesar das limitações da revisão bibliográfica de Montero (1987), reconhecidas por ela mesma, podemos tomá-la como um indicador representativo do que a disciplina realizou na América Latina. Assim, os temas políticos que, até o momento, mais ocuparam a atenção dos psicólogos foram a busca por uma identidade histórico-nacional própria e as consequências nocivas de estruturas sociopolíticas opressivas e alienadoras. Outros temas de grande importância, como as mobilizações populares e os processos revolucionários, ou de enorme relevância em nossos países, como o estudo da liderança política populista, a psicologia do militar, os processos ditatoriais e a exploração do trabalho, são exceções ou estudados de forma circunstancial.

A qualidade do mencionado conjunto de trabalhos é muito diversificada: teoricamente, a maioria deixa muito a desejar, oscilando entre a especulação pouco elaborada e a apresentação acrítica de modelos em voga; empiricamente, são, em geral, pesquisas pouco originais, que utilizam mecanicamente o instrumental técnico desenvolvido pela psicologia social norteamericana; finalmente, quanto à dimensão prática, há alguns trabalhos de grande valor, de inegável originalidade e senso crítico. Este balanço poderia ser desalentador se não fosse pelo fato de que, ao longo da década de oitenta, não somente se produziu um progressivo aumento dos trabalhos psicológicos sobre a atividade e os processos políticos latino-americanos, mas principalmente porque surgiram sérios esforços por uma definição teórica mais consistente e um trabalho empírico mais crítico e original, frequentemente vinculado com a intervenção prática. Contudo, se a influência da psicologia nas sociedades latino-americanas tem sido relativamente pequena, proporcionalmente menor é a influência deste ramo específico da psicologia sobre os processos e atividades políticas.

Que problemas a psicologia da política latino-americana enfrenta? Vejamos, brevemente, por meio da revisão dos três aspectos mencionados: teórico, metodológico e aplicado.

 

Problemas Teóricos

Teoricamente, o principal problema reside na ausência de uma teoria convincente, elaborada e que é caracterizada não apenas por uma sólida estruturação lógica, mas por assumir a historicidade dos processos políticos e por contribuir ao quefazer político concreto nos países latino-americanos a partir de uma opção que não esteja, de antemão, ligada aos condicionamentos da ordem estabelecida.

Sou consciente de que esta é uma exigência muito ambiciosa e inclusive muito discutível em sua dimensão epistemológica. De fato, a psicologia da política elaborada nos Estados Unidos também não dispõe de um marco teórico convincente, pois, na maior parte das vezes, se reduz a utilizar modelos importados de outras áreas com a finalidade de focar algum aspecto do quefazer político (Hermann, 1986; Kinder & Sears, 1985; Sears, 1987). Até onde tenho conhecimento, talvez o esforço mais valioso realizado na América Latina seja o do psicólogo mexicano Pablo Fernández Christlieb (1987a; 1987b).

Fernández Christlieb elabora uma contribuição parecida com a do interacionismo simbólico e muito influenciada pelas contribuições de Serge Moscovici e de Jürgen Habermas. Segundo ele, a realidade social é constituída pela intersubjetividade, isto é, pela estruturação coletiva da interação em que os sujeitos criam e trocam significados. A psicologia política deve analisar a intersubjetividade "em suas estruturações mais globais, ou seja, onde a comunicação incide no destino da coletividade" (Fernández Christlieb, 1987b:8485). Quanto mais símbolos e significados são mobilizados nas relações sociais, maior riqueza comunicativa e maior pluralismo uma sociedade terá. Assim, a função da psicologia política consistiria em: analisar a possibilidade de comunicação, isto é, as relações entre o público e o privado; e, diante da ideologização que converte o público em privado e deixa a vida social sem alternativas, promover processos de politização, isto é, de conversão do privado em público, do incomunicável em comunicável, ampliando, assim, as alternativas sociais (Fernández Christlieb, 1987b).

Uma elaboração muito diferente é a realizada pelo cubano Fernando González Rey (1987), quem, partindo de um marco teórico marxista relativamente ortodoxo, o enriquece e flexibiliza. O principal esforço de González Rey é recuperar a categoria personalidade como unidade básica de análise para a psicologia política. Neste esforço, González Rey, intencionalmente, se distancia do tradicional enfoque psicanalítico popularizado, sobretudo, por Harold Lasswell (1930/1977; 1948/1976) ou pela psicoterapia proposta por Erik H. Erikson (Erikson, 1975; Lifton & Olson, 1974). É importante destacar, também, a tentativa paralela de alguns psicólogos norte-americanos de aplicar ao campo da psicologia política, a teoria da personalidade de Abraham Maslow (Knutson, 1972; 1973). Outras contribuições teóricas latino-americanas são aquelas realizadas pela equipe chilena encabeçada por Elizabeth Lira ou pelo brasileiro Wanderley Codo, às quais nos referiremos mais adiante, assim como o nosso próprio trabalho (Martín-Baró, 1988).

O principal problema enfrentado por uma boa teoria em psicologia política é a necessidade de vincular as estruturas macrossociais aos modelos microssociais; não é raro que os trabalhos tropecem nesta armadilha e realizem saltos, sem continuidade, das definições estruturais para as operacionalizações comportamentais, isto é, não há elaboração das mediações concretas e dialéticas entre um polo e o outro.

 

Problemas Metodológicos

O principal problema metodológico da psicologia da política latino-americana reside em encontrar procedimentos que, superando as limitações do positivismo, especialmente os pressupostos ligados ao desenho da pesquisa, aproveitem seus avanços, sobretudo na operacionalização de hipóteses ou perguntas no desenvolvimento instrumental - avanços que não estão necessariamente ligados aos pressupostos.

Nos últimos anos se tornou quase um lugar comum afirmar que a alternativa mais valiosa ao positivismo foi oferecida pelo método de pesquisa-ação (Fals Borda, 1986; Lane, 19881). Contra a concepção de objeto como algo separado do sujeito, de dado como realidade objetiva que antecede o conhecimento e de verdade como uma adequação entre o conhecimento e o conhecido, a pesquisa-ação busca romper com a dualidade sujeito-objeto, assume que o dado, ao invés de mera descoberta, sempre é uma construção e concebe a verdade de forma dinâmica, como processo histórico e não como estado natural que simplesmente deve ser descoberto.

Eu mesmo defendi e continuo a acreditar no valor da pesquisa-ação como alternativa ao positivismo, o qual formou quase todos os psicólogos latino-americanos (Martín-Baró, 1986; 1987). Porém, tenho que reconhecer que vi poucos casos significativos em que a mencionada metodologia tenha sido aplicada e que, frequentemente, ela se constituiu em um ideal pouco viável. Minha própria experiência leva, também, ao reconhecimento de que não se chegou, até o momento, a uma integração coerente entre o instrumental utilizado pelo neopositivismo - inegavelmente útil, e que, como já se indicou, não precisa estar vinculado aos pressupostos - e os princípios epistemológicos em que se funda a pesquisa-ação, algo que cria problemas adicionais sobre a validade dos produtos alcançados.

 

Problemas de Aplicação

Os problemas para a aplicação prática da psicologia da política latino-americana estão estreitamente vinculados com os obstáculos teóricos e metodológicos. O principal problema reside no compromisso axiológico do profissional que se envolve como psicólogo na atividade política concreta.

A assepsia é eticamente inaceitável, mas o compromisso político coloca em perigo a objetividade do psicólogo. Não se pode confundir objetividade com parcialidade; o psicólogo pode e, ainda, deve ser parcial, isto é, tomar partido, sem que isso resulte em redução de sua objetividade. Não se pode permanecer imparcial frente à calúnia sistemática ou a tortura e diante do maltrato à criança ou da dependência de drogas; mas não há razão para essa parcialidade reduzir a objetividade, isto é, tornar as elaborações teóricas e práticas menos adequadas à realidade. Contudo, a experiência diz que, de fato, a parcialidade política frequentemente cega ou, pelo menos, turva os militantes e que as necessidades do partido podem, ocasionalmente, sobrepor-se de forma disciplinar às evidências e exigências daprópria realidade. É aqui que a psicologia da política conflui com a política da psicologia e se torna urgente uma síntese dialética que permita superar esses obstáculos.

 

Para uma Psicologia Política Latino-Americana

Para onde a psicologia política deve se orientar, caso busque progredir cientificamente e ser uma contribuição significativa aos processos históricos que vivem os povos latinoamericanos? Em minha opinião, ela deve se orientar para a integração da política da psicologia com a psicologia da política; para a elaboração de uma psicologia da política consciente de seus próprios condicionamentos políticos e que contribua para uma nova consciência da e na atividade política, cumprindo uma função de desideologização (a politização que fala Fernández Christlieb); o que significa não somente contribuir para desmontar o aparato de justificação e engano que circunda as realidades políticas latinoamericanas estão, mas, também, iluminar e ajudar a dar viabilidade às opções majoritárias de nossos povos (Martín-Baró, 1985a; 1985b).

 

Características da Psicologia Política Latino-Americana

Para alcançar este objetivo, a psicologia latino-americana deve ter, pelo menos, três características essenciais: partir da própria realidade política, tomar consciência das possibilidades e das limitações da própria psicologia como ciência e como práxis social e conjugar o compromisso político com o respeito insubornável à verdade.

O Ponto de Partida: a realidade latino-americana

A psicologia política latino-americana deve fazer um esforço para definir sua agenda a partir dos principais problemas políticos que confrontam nossos povos, focando, é claro, os aspectos que competem à psicologia. Em minha opinião, os povos latino-americanos enfrentam hoje três dilemas políticos fundamentais: o dilema entre ditadura e democracia, entre dependência e autonomia regional, entre alienação e identidade histórica.

O dilema entre ditadura e democracia, tão patente na história dos países latino-americanos, não pode ser reduzido à realização periódica de eleições que permitem definir, por meio do voto, quem dirigirá os poderes executivo e legislativo do país, ainda que este seja um importante elemento da democracia. O problema dos povos latino-americanos reside, muito mais, na necessidade de uma democracia social enquanto fundamento das democracias formais. De outra forma, a democracia converte-se em um simples instrumento de quem tem poder e os processos eleitorais se tornam nada mais do que rituais cerimoniais que, no melhor dos casos, revelam qual dos setores dominantes exercerá a hegemonia. A América Latina, utilizando a, mais que sutil, distinção de Jeanne Kirkpatrick, viveu e continua vivendo sob "democracias" que talvez não são totalitárias, mas que, certamente, são autoritárias.

Mas, se o problema fundamental colocado por esse dilema é o de uma democracia social, isto é, das condições de convivência que tornam possível o exercício significativo da democracia formal, a psicologia tem muito a pesquisar e fazer. Trata-se, em última análise, de definir e impulsionar todos os processos que possibilitam os distintos setores da população terem consciência de seus interesses e direitos, assim como participarem ativamente em sua promoção e defesa. Isto requer que os setores populares, aqueles que hoje estão marginalizados, desenvolvam uma base de poder real, o que torna possível sua participação concreta diante dos grupos que são dominantes até hoje. Não se trata de mistificar a participação social dos marginalizados, como se qualquer tipo de participação significasse um progresso democrático real. Trata-se de contribuir para o desenvolvimento de um poder popular que possibilite que a maioria dos nossos povos participe, em condições de equidade com os setores minoritários, na definição dos objetivos nacionais e na tomada de decisões sobre os problemas básicos de convivência social.

O segundo dilema é o da dependência em relação aos Estados Unidos ou, de forma geral, aos interesses estrangeiros que contrariam a autonomia nacional e regional. A concepção geopolítica que hoje domina as relações interamericanas faz dos países latino-americanos satélites, quando não colônias, do império dos Estados Unidos e, portanto, subordina os interesses de nossos povos aos interesses norte-americanos, tal como estes são definidos pelo governo vigente em cada circunstância. A eventual vontade de um povo latino-americano de escolher um sistema econômico, político e social distinto do anticomunismo, mais visceral do que racional, é algo inaceitável naquilo que o governo de Washington considera seu quintal ou sua zona de segurança e, por isso, é sistematicamente combatida pelos Estados Unidos - não importa se essa vontade foi articulada por meio de um processo revolucionário, como o caso de Cuba, ou por meio de um processo eleitoral, como no Chile presidido por Allende.

O problema da dependência se aprofunda com a crise da dívida externa, a qual explicita a inviabilidade, não apenas dos regimes atuais, mas dos próprios países latino-americanos enquanto estes obedecerem as regras do jogo que foram impostas unilateralmente pelos centros hegemônicos. Fica cada vez mais claro o caráter impagável da dívida e, até mesmo, o próprio princípio que estabelece que há uma dívida que deve ser paga. De fato, os dados econômicos nos indicam que, para cada dólar que chega na América Latina, retiram-se cinco e isso somente no caso dos juros, sem levar em conta a fuga massiva de capitais que ocorreu durante a década de oitenta. Assim, por mais paradoxal que pareça, o dinheiro do subdesenvolvimento latino-americano foi o que sustentou o crescimento econômico que, nos últimos anos, tem desenvolvido os Estados Unidos.

Autonomia não significa total independência, no sentido de uma ruptura absoluta com as necessárias relações que geram dependências e condicionamentos mútuos, o que seria algo impensável. Significa sim, que a orientação básica da política de um país está regida, fundamentalmente, pelos interesses de seu próprio povo e não pelos interesses daqueles com quem se está em relação ou de quem se depende. A história mostra que os Estados Unidos, tão democráticos em sua política interna, não o são em sua política externa e que interagem democraticamente apenas diante de quem possui poder. Por isso, os Estados Unidos atuam de forma mais democrática frente à União Soviética do que Cuba ou Nicarágua, frente à China do que Granada ou Panamá, assim como frente à Alemanha do que Bolívia ou Peru. Isto nos indica que, enquanto a América Latina não conquistar um poder significativo, os Estados Unidos continuarão desrespeitando a soberania de seus países. Por isso, a importância da união regional, dos vínculos latino-americanos, da busca por uma comunidade política latinoamericana, como idealizou Bolívar ou Morazán.

Este dilema coloca o importante problema do nacionalismo e do latino-americanismo. Na situação de dependência em que estão nossos países, uma boa dose de nacionalismo é necessária para afirmar uma identidade própria contra o avassalamento norte-americano. Aqui a contribuição do psicólogo pode ser importante, separando o nacionalismo do patriotismo e promovendo um nacionalismo que sirva de base, e não como obstáculo, ao latinoamericanismo. Neste sentido, o trabalho de desideologização, isto é, de desmascaramento dos interesses minoritários dominantes apresentados como interesses nacionais, é uma tarefa de importância primária.

O último dilema é o da alienação frente à identidade própria. Este dilema, como destacamos, está colocado no plano nacional, mas também está colocado para cada grupo e cada indivíduo de nossas sociedades latino-americanas.

O "domínio cultural", apontado por Armand Mattelart (1973; 1974), que chega do mundo desenvolvido nos pressiona a assumir seus modelos de desenvolvimento pessoal e social e a estruturar e hierarquizar nossas necessidades de acordo com as necessidades de consumo impostas pelos interesses do aparato produtivo internacional, alienando-nos de nossa própria realidade.

Quando se fala de alienação em psicologia, geralmente pensamos na perda de controle que a pessoa sofre em relação a algum aspecto de seu funcionamento psicológico, o que a leva a se comportar de forma considerada anormal. Mas a alienação é, fundamentalmente, o estado produzido nas pessoas por relações sociais que espoliam e despojam as pessoas de sua humanidade material e psíquica. Por isso, Alain Touraine (1977) afirmou que a alienação "não é a consciência de privações, mas a privação de consciência" (p. 169), ainda que essa inconsciência esteja fundada dialeticamente em um processo de despojamento social.

A desalienação, isto é, a recuperação da consciência pessoal e social requer, primeiramente, uma mudança na natureza das relações sociais, como aquela buscada pelo processo de conscientização proposto por Freire (1970). Acreditar que é possível superar a alienação sem uma mudança concomitante das estruturas de exploração social é uma perigosa forma de idealismo psicologista. O que está em jogo é a construção histórica de uma nova identidade nacional. Para isso, a educação escolar, os meios de comunicação e, acima de tudo, a educação transmitida cotidianamente pelas relações sociais, devem promover novos modelos de identificação e, portanto, um novo estilo de vida. Recuperação da consciência e construção de uma nova identidade conformam um processo de libertação social e individual que vai desde a construção de estruturas diferentes de relação, até aspirações mais realistas de realização pessoal, passando pelo desenvolvimento de tecnologias aplicadas aos nossos recursos e circunstâncias. Para colocar em marcha esses processos libertadores na América Latina, a psicologia e o psicólogo podem e devem dar uma contribuição significativa.

Em síntese, frente ao dilema entre ditadura e democracia, a psicologia tem a tarefa de promover a participação popular; frente ao dilema entre dependência e autonomia, a psicologia deve estimular o nacionalismo latino-americanista; e frente ao dilema entre alienação e identidade própria, a psicologia deve contribuir para um processo de libertação, pessoal e coletivo.

Possibilidades e Limitações da Psicologia Política

Após definir o ponto de partida e as consequentes tarefas, a psicologia política deve ser consciente de suas possibilidades e limitações. Sobre isto, cabe apresentar duas reflexões incipientes. Em primeiro lugar, a psicologia política deve tomar consciência da política da psicologia, isto é, que, querendo ou não, sabendo ou não, a práxis científica e profissional temum impacto no equilíbrio de forças sociais e, portanto, favorece interesses sociais diversos. É uma ingenuidade pensar que em sociedades tão divididas como as latino-americanas, onde as classes e os grupos possuem interesses tão contrapostos, seja possível exercer a psicologia sem impactar o sistema sociopolítico. Se este impacto será maior ou menor, é outro problema, mas negar o impacto político não leva a nada além da renúncia a assumir, conscientemente, a favor de que e de quem se quer trabalhar. Sobre isso, podem-se resgatar aqui algumas das reflexões de Skinner (1982) sobre a inevitabilidade dos condicionamentos sociais e, portanto, sobre o quão enganosa pode ser a presunção de que nosso próprio quefazer possui uma liberdade incondicionada - e eu acrescentaria: politicamente não condicionadora.

A psicologia não jogará qualquer papel decisivo na resolução dos grandes problemas que atingem os povos latino-americanos. Como acabamos de ver, os dilemas latino-americanos são, fundamentalmente, de natureza econômica e política e dependem de forças objetivas que ficam muito além do alcance do psicólogo. Assim, a contribuição da psicologia e, especificamente, da psicologia política, será, por princípio, limitada e deve se dar em coordenação com as contribuições de outras disciplinas. O trabalho interdisciplinar hoje é, mais do que nunca, urgente; e é somente no seu interior que a contribuição do psicólogo adquire pleno valor. A psicologia enfrentar, a partir de sua especificidade, os grandes problemas latino-americanos não deve conduzir o psicólogo a messianismos ingênuos ou idealismos psicologistas. No entanto, o fato de sua contribuição ser pequena, não quer dizer que não é importante ou necessária (pois, em nossa opinião, é), especialmente em um marco sociocultural tão psicologizado como o atual.

Compromisso e Verdade

A psicologia política latino-americana não pode permanecer no limbo da assepsia científica e profissional, mas deve partir de uma opção axiológica. Qual será esta opção é algo discutível. Inicialmente, e de forma muito genérica, cabe dizer que a psicologia deve se colocar a serviço das maiorias despossuídas de nossos povos e isso não apenas por razões éticas ou políticas, mas por razões provenientes da própria psicologia. O difícil é aplicar este princípio genérico à realidade concreta de cada país. Porque se colocar a serviço das maiorias significa vincular-se com instâncias e organizações concretas, cuja representatividade popular é, frequentemente, questionável e cuja contribuição às causas do povo é, normalmente, mediatizada, quando não assimilada ou cooptada, por outros interesses e forças sociais. Por isso, a opção concreta demanda sempre sujar as mãos. Somente os revolucionários de salão acreditam que é possível manter a pureza integral. Mas, como dizíamos antes, a opção axiológica não necessariamente impossibilita a objetividade. Porque uma coisa é o custo da opção concreta e outra muito diferente é a submissão completa a uma linha partidista; sujar as mãos não significa abdicar da capacidade crítica em relação à própria opção. O psicólogo dificilmente contribuirá à psicologia política, à desideologização ou à libertação social se ele mesmo ideologiza sua opção e se prende de maneira incondicional à linha de um determinado partido ou organização. Esta atitude não é útil nem mesmo para o próprio partido e, menos ainda, para o povo cujos interesses se busca promover. Portanto, é crucial ser consciente dessa opção e sobre como ela condiciona a aproximação à realidade; saber a partir de onde e como se está olhando para os processos, com quem, para quem, com quem e para que se está trabalhando. Como diz o ditado, se errar é humano, retificar é sábio.

Tudo isto reafirma a necessidade de um desenvolvimento teórico da psicologia política. É urgente elaborar uma teoria que esteja vinculada ao quefazer prático, o qual deve orientar, mas que, dialeticamente, deve, também, receber orientação; uma teoria que assuma não apenas a historicidade de seu objeto, mas também da própria ciência e, consequentemente, trabalhe na construção de uma nova verdade política e social. Em outras palavras, que a verdade não seja percebida como o dado do passado, mas como a possibilidade do futuro, e que a objetividade não suponha apenas assumir ou refletir os dados, mas sim ampliar as perspectivas sobre as coisas por fazer. Em termos bem conhecidos, não apenas explicar, mas transformar a realidade, sobretudo uma realidade tão negativa como a ordem política latinoamericana.

 

Dois Exemplos de Trabalho de Psicologia Política Latino-Americana

Frequentemente se imagina que essas proposições são, como se diz em El Salvador, "uma carta ao Deus Menino"2, isto é, são utópicas, irrealizáveis. Para contradizer este argumento, apresento dois casos concretos de psicologia política: um deles desenvolvido pelo Instituto Latinoamericano de Salud Mental y Derechos Humanos (ILASH) em Santiago do Chile e outro é o projeto sobre saúde mental e trabalho, coordenado por Wanderley Codo na Universidade de São Paulo, no campus de Ribeirão Preto.

O ILASH no Chile

O trabalho do instituto chileno, ainda que recém-fundado, já conta com uma longa experiência acumulada pelos seus integrantes, a maior parte já trabalhou em pareceria, na mesma atividade, ao longo de 15 anos sob a ditadura de Pinochet. O problema que busca enfrentar é o do dano psíquico produzido pela repressão política do regime: indivíduos perseguidos por suas convicções ou simpatias políticas; pessoas torturadas ou exiladas; familiares de presos, assassinados e desaparecidos políticos e todo o leque de transtornos psíquicos provocados por uma política sistematicamente repressiva, incluindo aí o ingrediente da guerra psicológica.

A primeira característica importante deste trabalho é que, quase desde o seu início, tem sido realizado interdisciplinarmente. As sequelas da repressão não são um problema puramente psíquico, mas também corporal e social. Na equipe chilena trabalham terapeutas, médicos, advogados e trabalhadores sociais. Em segundo lugar, a equipe chilena parte de uma clara opção axiológica e política. Independentemente do partido político em que seus membros estão filiados, o grupo faz uma opção a favor dos setores populares mais afetados pela repressão e, portanto, de oposição à ditadura. Esta opção não reduz a objetividade em relação aos transtornos das pessoas, cuja evidência é reconhecida. Na realidade, a opção permite chegar às pessoas sem tropeçar em excessivos receios e apreender as raízes estruturais e sociais dos transtornos pessoais. Por outro lado, a equipe submete seu trabalho a uma contínua revisão crítica, com a finalidade de que sua opção e as exigências da prática não ceguem os êxitos e fracassos.

Em terceiro lugar, o trabalho realizado é claramente prático, respondendo aos problemas etranstornos das pessoas que demandam intervenção imediata. É importante ressaltar que a equipe evoluiu de um trabalho terapêutico mais individual para outro mais grupal e de um trabalho exclusivamente psicoterapêutico para um trabalho interdisciplinar, que inclui suporte legal ou apoio na busca de emprego. No trabalho psicoterapêutico, teve especial importância o desenvolvimento da técnica de testemunho, uma técnica grupal com claros ingredientes políticos.

Finalmente, a equipe não apenas realizou um trabalho terapêutico prático, mas tem analisado sua experiência criticamente e elabora uma teorização sobre ele (FASIC, 1986; Lira, 1988; Lira e col., 1984; Lira, Weinstein & Salamovich, 1985-1986; Weinstein, 1987; Weinstein e col., 1987).

A Equipe de Ribeirão Preto

Diferentemente da equipe chilena, o grupo de Ribeirão Preto está há apenas seis meses trabalhando em conjunto. O problema tomado como objeto de seu projeto é a alienação no trabalho, isto é, os transtornos psicossociais criados pelas condições de trabalho. Trata-se, obviamente, de um dos aspectos mais importantes do sistema social e de grande impacto na configuração da ordem política. Concretamente, o projeto começou investigando os problemas dos trabalhadores bancários e está se expandindo para outros espaços de trabalho (Codo, 1988).

Tal como no caso chileno, a equipe está conformada interdisciplinarmente: a coordenação é realizada por um psicólogo social, um psiquiatra e um sociólogo. Diferentemente da equipe chilena, este grupo está situado na universidade, portanto, sua dinâmica inicial está mais na pesquisa do que na intervenção.

A equipe brasileira também parte de uma clara opção axiológica em favor dos setores populares. No caso, o compromisso está articulado por meio de relações com grupos sindicais, com os quais se coordena o trabalho, se analisa criticamente os dados encontrados, se oferece assessoria e serviços profissionais. Assim, o projeto aplica a metodologia característica da pesquisa-ação e assume o princípio de que o conhecimento é um poder social. Neste sentido, a equipe brasileira contribui à causa dos trabalhadores oferecendo aos seus sindicatos um conhecimento técnico obtido por meio da pesquisa (Codo, 1987).

Finalmente, o projeto parte de um rigoroso marco teórico, caracteristicamente marxista, e permanentemente submetido à revisão e crítica. Para a equipe brasileira, o problema da alienação na sociedade capitalista contemporânea não pode ser compreendido aplicando, de forma simplista, um marxismo mecânico:

O capitalismo, cada vez mais monopolista e financeiro, pressiona a massa de trabalhadores para ofícios em que a questão já não é a "desvinculação entre o produto e o produtor", mas a inexistência do produto, isto é, trabalhos vazios, carentes de valor de uso e que impedem a conformação da identidade de quem os realiza. (Codo, 1988:2)

 

O Desafio

A psicologia política latino-americana tem adiante o desafio de se desenvolver como disciplina científica e profissional. Trata-se de levar ao quefazer psicológico uma clara consciência sobre suas repercussões políticas e de levar ao quefazer político a consciência sobre sua dimensão psicológica. Diríamos que a questão é criar consciência política na psicologia e elaborar uma psicologia sobre a consciência política. Os problemas, teóricos e práticos, são grandes e apenas se começou a dar os primeiros passos. Não é fácil ligar compromisso com objetividade, envolvimento práxico com a necessária serenidade e distância crítica para se refletir teoricamente. Mais ainda, é mais fácil postular do que realizar a exigência de interdisciplinaridade. E, para deixar as coisas ainda mais difíceis, sabe-se, por experiência, que o cultivo desta disciplina pode acarretar problemas, pelo menos para aqueles que não a colocam a serviço do poder estabelecido, tal como fazem aqueles que colaboram na elaboração e realização das estratégias contrainsurgentes da guerra psicológica.

Contudo, as experiências apresentadas e outras que podem ser mencionadas, demonstram que se o caminho é acidentado, não é impossível de ser percorrido. A história recente de povos como o salvadorenho, majoritariamente oprimido por um sistema social - secularmente injusto - criado em função de interesses minoritários, é uma demonstração de sua busca, algumas vezes terrivelmente dolorosa, pela conquista da libertação histórica. Certamente, a psicologia não conta e nem pode fingir contribuir com soluções adequadas aos graves problemas estruturais, grupais e pessoais que afligem as maiorias. Mas, sim, tem uma contribuição a dar, por menor que seja.

Se os psicólogos latino-americanos daremos essa contribuição ou não, sem dúvida, é algo que marcará o futuro da psicologia em nossos países. Especialmente porque dessa contribuição pode depender a integralidade da libertação a ser conquistada e, portanto, da qualidade humana da palavra coletiva que nossos povos pronunciam. O que não é apenas um desafio, mas também e fundamentalmente uma responsabilidade histórica com a psicologia latino-americana.

 

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Conferência proferida por Ignácio Martín-Baró (07.11.1942 - 16.11.1989) no XII Congresso Colombian o de Psicologia, Barranquilla, Colômbia em 13 de outubr o de 1988 com o título "Hacia uma psicología polític a latino-americana". Publicado, pela primeira vez, e m 1990 em uma compilação organizada por Bernard o Jiménez-Domínguez e Bernardo Pacheco.
Martín-Baró, Ignácio. ([1988]1990). Hacia uma psicología política latino-americana (2013, Fernando Lacerda, trad.). Psicologia Política Latino-Americana. Psicologia Política, 13(28), 555-573.
1 A referência ao manuscrito de Lane realizada por Martín-Baró provavelmente é a versão preliminar daquele trabalho que foi, posteriormente, publicado em um segundo livro sobre a psicologia política na América Latina organizado por Montero: Lane, S. T. M. & Sawaia, B. B. (1991). Psicología: ¿Ciencia o política? Em M. Montero (Org.), Acción y discurso: Problemas de psicología política en América Latina (pp. 59-85). Caracas: EDUVEN [N. do T.]
2 Tradição natalina cristã em que se envia uma carta para Jesus no período natalino relatando o comportamento e apresentando os presentes que se quer receber [N. do T.]