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Revista Psicologia Política

Print version ISSN 1519-549X

Rev. psicol. polít. vol.14 no.30 São Paulo Aug. 2014

 

EDITORIAL

 

Democracia, consciência política e luta popular

 

Democracy, political consciousness and popular struggle

 

Democracia, conciencia política y luta popular

 

Démocratie, conscience politique et lutte populaire

 

 

Alessandro Soares da Silva

Editor ABPP. USP - Brasil

 

 

Nesse ano de 2014 a Psicologia Política brasileira tem demonstrado sua vitalidade e capacidade de crescimento. O aumento de artigos que têm focado as lutas populares e o desenvolvimento democrático marca um momento importante para o campo psicopolítico, pois revela que a comunidade empenhada em construir a Psicologia Política mostra-se alinhada com as questões da realidade nacional.

É significativo pensarmos que a construção da democracia brasileira ainda enfrenta problemas decorrentes de uma cultura política marcada por caudilhismos, clientelismos e patrimonialismos, bem como por uma dimensão de delegação de responsabilidades a políticos que se reverbera no enfraquecimento da participação popular. Por outro lado, as manifestações de rua de 2013 e os debates da disputa eleitoral à presidência da república apontam para demandas de mudanças na estrutura social, mas que não são claras para uma parcela significativa da população. Na verdade, há um conjunto bastante diverso de posicionamentos políticos e ideológicos concorrentes e a Psicologia Política pode contribuir nesse processo de compreensão das questões que estão mobilizando a população e pressionando por mudanças na esfera pública.

Nesse fascículo encontramos um conjunto de artigos que buscam refletir aspectos multivariados dessa etapa da história nacional e regional. Aspectos como educação, juventude, violência, preconceito de raça/etnia, orientação sexual e de idade, assim como inação do Estado para a construção democrática são alguns dos temas que, juntamente com processos de participação política, são abordados nesse fascículo 30 da Revista Psicologia Política.

É nesse contexto que encontramos o artigo Tres Décadas de Democracia en América Latina: Una Reflexión de autoria do galego Carlos Sixirei (UVIGO - Espanha). Ao pensar a democracia na América Latina nas últimas três décadas o autor lança luz para a compreensão dos problemas derivados dos processos de redemocratização. A reflexão sobre o tema também aponta para análises acuradas acerca dos desafios a que a democracia na região está submetida, sobretudo quando temos em conta o triunfo da globalização e a aparição de novas ideologias.

Quase como uma continuidade do debate iniciado pelo primeiro manuscrito, o texto Occupy Everything!: uma análise de manifestações sociais mundo afora ocorridas no ano de 2011 - seus panoramas políticos e modos de instrumentalização de Gilead Marchezi Tavares, Gustavo Roberto da Silva, Thalita Calmon Capelini (UFES - Brasil) analisa como as transformações globais vividas no mundo global mudaram comportamentos no âmbito da cidadania e da política. Desde o ano de 2011 diversas manifestações sociais ocorreram mundo a fora a partir da ação de movimentos sociais. A marca destes protestos era a denúncia da exclusão e da ruptura com os direitos humanos. Elucidar panoramas políticos que possibilitaram esses movimentos e ações coletivas, a partir dos casos Occupy Wall Street; Occupy London; Primavera Árabe e Marchas da Liberdade no Brasil, foi o caminho escolhido por esses/as autores/as.

O terceiro artigo do fascículo também se associa a esta empreitada. Em Entre o Regime Civil-Militar e a Atualidade: das demandas sociais históricas aos rolezinhos Lauro Victor Nunes e Thaís Roberto da Silva (USP - Brasil) abordam um fenômeno particular, os rolezinhos, mas que contém múltiplas dimensões do que significa democracia e do que seja um estado democrático. Ao abordarem as transformações estruturais sofridas pelo Estado brasileiro desde a ditadura, a redemocratização e abertura de mercado até as atuais formas de organização e pressão social para incidir em decisões governamentais, o texto possibilita um olhar sob a emergência de parcelas da população subordinadas e que busca rebelar-se e tornarem-se reconhecida em uma sociedade de privilégios que não as reconhece como cidadãs.

Flávia Cristina Silveira Lemos (UFPA - Brasil), Dolores Galindo, Anna Natale (UFMT - Brasil), Daiane Gasparetto da Silva, Igor do Carmo Santos (UFPA - Brasil) discutem em A Guerra Atual e o Uso de Drones: práticas biopolíticas do matar em nome da vida a formação de subjetividades de soldados treinados para usar os drones em guerras problematizando algumas modalidades das práticas atuais da guerra e seus efeitos na regulação da vida das populações. O tema da guerra tem sido objeto da psicologia política desde seu começo e este artigo retoma essa temática no contexto mundial, mas a partir de um olhar brasileiro. Diferentemente dos três primeiros textos que abordam movimentos pela democracia, este texto aponta para como este estado de guerra no qual vivemos no mundo hodierno pode afetar a manutenção e a consolidação da democracia. Se faz guerra em nome da democracia.

Na perspectiva da construção da democracia e da cultura democrática podemos ler o texto Participação política? Experiências de um Conselho Local de Saúde no sistema penitenciário Rafael de Tilio (UFTM - Brasil). Nele, o autor analisa duas ações interventivas realizadas na Penitenciária Prof. Aluízio Ignácio de Oliveira de Uberaba, MG. A partir de grupos operativos com pessoas privadas de liberdade (PPL) produziu-se a criação do Conselho Local de Saúde (CSL), sendo a ação no CLS problematizada diante do binômio individualismo/comunitarismo, bem como o papel político da Psicologia nesse quadro. Uma experiência positiva e democrática num contexto de privação de liberdade, entretanto, foi desmobilizada pela burocracia penitenciária devido às crescentes demandas em saúde das PPL. Lutas políticas como essas são menos visíveis e ainda desafiam a psicólogos políticos que buscam a transformação social como preconizava Martín-Baró.

Leonardo Barreira Danziato (UNIFOR - Brasil) é o autor de Heterogeneidade e Imanência entre o Gozo e o Poder. Este texto propõe uma relação de imanência do poder com as resistências de seu campo, pois este estaria sempre em busca de reinserir o que resiste em sua lógica diagramática. Este tema é um ponto importante para a compreensão de como se produzem culturas democráticas ou mesmo práticas democráticas no campo da gestão. Isso foi o que buscou realizar em seu texto ao buscar entender as relações entre a lógica contemporânea do poder e uma gestão cultural e política do gozo.

Em Negros e Nordestinos: Similaridades nos Estereótipos Raciais e Regionais. José Roniere Morais Batista, Eldo Lima Leite, Ana Raquel Rosas Torres, Leôncio Camino (UFPb - Brasil) discutem o fato de que apesar da discriminação contra grupos minoritários ser condenada por lei e por mais que a norma antipreconceito seja mais explícita hoje do que era há anos, ainda são registradas manifestações de preconceito contra negros e, mais recentemente, nordestinos. Este debate é crucial em nossa sociedade, sobretudo em um país que insiste em tratar como verdadeiro o mito da democracia racial. O estudo do preconceito realizado por estes autores é relevante e encara de frente um problema que é constantemente escamoteado na academia brasileira e em nossa sociedade. Ao investigarem as configurações atuais que o preconceito racial e o preconceito regional contra nordestinos assumem no Brasil eles aportam à Psicologia Política; um estudo que permite desdobramentos em outras temáticas e que pode abrir caminho para novas pesquisas que ajudem no enfrentamento dessa questão que gera subcidadanias e aprofundam desigualdades.

E é nessa linha que o texto de Ricardo Henry Dias Rohm (UFRJ - Brasil) e de Samira Loreto Edilberto Pompeu (PUCRJ - Brasil) avança. Contudo, seu foco é a questão da Homofobia. O artigo A Homofobia como um Fator Determinante nas Práticas Discriminatórias para a Produção de Subjetividades: um estudo com pessoas homossexuais em empresas do Rio de Janeiro analisa os mecanismos que as organizações empresariais se valem para moldar as subjetividades de pessoas homossexuais. Para isso, o texto busca explicitar as relações de poder subjacentes em discursos homófobos e que impedem a colocação justa e respeitosa desses sujeitos no plano laboral e lhes geram um sentimento de marginalidade que não condiz com um estado democrático.

O manuscrito Formação Política como uma Forma de Enfrentamento à Violência na Juventude de autoria de Candida de Souza (UnB - Brasil), Ilana Lemos de Paiva, Isabel Fernandes de Oliveira (UFRN - Brasil), Leonardo Cavalcante de Araújo Mello (UniCEUB - Brasil) e Vitor Silva (UnB - Brasil) aponta para o fato de a população juvenil estar em uma situação de vulnerabilidade que lhe coloca tanto como alvo quanto como perpetradora de situações de violência. Esse quadro revela a inação do Estado no que tange à prevenção e o combate a essas situações. Ao refletirem sobre a violência na juventude, propondo a formação política como uma estratégia para o seu enfrentamento, estes autores buscam contribuir com sua pesquisa para um olhar psicopolítico do campo democrático ligado à infância e juventude.

Ainda focando na juventude Marilda Gonçalves Dias Facci (UEM - Brasil) e Marilene Proença Rebello de Souza (USP - Brasil) põem em debate uma relação entre democracia e conhecimento. O artigo O Processo de Avaliação-Intervenção Psicológica e a Apropriação do Conhecimento: uma Discussão com Pressupostos da Escola de Vigotski lembra que queixas de dificuldades na escolarização são frequentes na escola e recorda que a psicologia escolar tem se dedicado ao tema. A partir da análise do processo de avaliação-intervenção psicológica realizada com um estudante do Ensino Fundamental as autoras discutem a relação ensino e aprendizagem e os processos de avaliação psicológica seu impacto no entorno escolar e social e familiar.

Esse conjunto de artigos permite um olhar sobre diferentes aspectos da democracia e de como elementos como orientação sexual, raça/etnia, origem regional e posição de classe podem agudizar a injustiça e frear a consolidação da democracia. Esse é um desafio permanente para a psicologia política latino-americana. Quem sabe seja nessa direção que devamos celebrar a resenha da autoria de Semiramis Chicareli (USP - Brasil) cujo título é Panorama da Psicologia Política Contemporânea: correntes, tendências, áreas de atuação e contribuições. Nela, a autora apresenta e discute a obra Psicologia Política: temas atuais de investigação organizada por Salvador Antonio Mireles Sandoval, Domenico Uhng Hur e Bruna Suruagy do Amaral Dantas. Ela foi publicada em Campinas, pela Editora Alínea, nesse ano de 2014 e conta com um conjunto de textos distribuídos em 267 páginas. Como bem destaca o texto, esta obra reflete um conjunto de investigações e temáticas que dão continuidade à crescente produção científica em Psicologia Política.

Esperamos que este fascículo do volume 14 da Revista Psicologia Política seja suficientemente denso para que desperte em nossa comunidade de autores e leitores um conjunto significativo de questões que nos conduzam a novas e instigantes pesquisas que contribuam para um mundo melhor.

Boa leitura a todxs!

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