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Revista Psicologia Política

Print version ISSN 1519-549X

Rev. psicol. polít. vol.14 no.30 São Paulo Aug. 2014

 

Formação política como uma forma de enfrentamento à violência na juventude

 

Political education as a way to confront violence in youth

 

La formación política como una forma de enfrentar la violencia en la juventud

 

La formation politique comme un moyen de lutter contre la violence chez les jeunes

 

 

Candida de SouzaI; Ilana Lemos de PaivaII; Fernandes de OliveiraIII; Leonardo Cavalcante de Araújo MelloIv; Vitor Silva AlencarV

IMestre em Psicologia Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, RN, Brasil, e doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Humano e Saúde da Universidade de Brasília, Brasília, DF, Brasil. didasouza@gmail.com
IIDoutora em Psicologia Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, RN, Brasil, com estágio na Universidad Autônoma de Madrid, Espanha. Atualmente é professora adjunta e docente no programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, RN, Brasil. ilanapaiva@hotmail.com Isabel
IIIPsicóloga pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, RN, Brasil, Mestre Doutora em Psicologia Clínica pela Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil. Atualmente é professora adjunta e docente no programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, RN, Brasil. fernandes.isa@gmail.com
IVPsicólogo, Mestre e doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, RN, Brasil. Atualmente é professor do curso de Psicologia do Centro Universitário de Brasília, Brasília, DF, Brasil. leo.melloufrn@gmail.com
VPossui graduação em Direito pela Universidade de Fortaleza, Fortaleza, CE, Brasil, Especialista pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do Rio Grande do Norte, Natal, RN, Brasil, e Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade de Brasília, Brasília, DF, Brasil. vitoralencar@yahoo.com.br

 

 


RESUMO

A população juvenil tem estado direta ou indiretamente ligada, como alvo ou como perpetradora, a situações de violência. Compreende-se que o Estado não atua eficazmente na prevenção nem no combate às situações de risco e de violência. Objetiva-se realizar uma reflexão acerca da violência na juventude, propondo a formação política como uma estratégia para o seu enfrentamento. Para isso, realiza-se um levantamento dos homicídios de jovens da cidade de Natal-RN, destacando-se dados sociodemográficos das vítimas, profissão, bairro de ocorrência do crime e a instauração ou não de inquérito policial. Os pontos de discussão apontam para as armas de fogo como principal instrumento dos crimes e a inoperância do Estado na implementação de medidas de prevenção e combate à violência. Como possibilidade de intervenção, propõe-se a formação política e a construção de cidadania, produtoras de empoderamento, autonomia e a busca pelos direitos e garantias sociais.

Palavras-chave: Juventude, Jovem, Violência, Participação Política, Empoderamento.


ABSTRACT

The young Brazilian population has been directly or indirectly connected, as target or perpetrator, to the violent situations. Among the several approaches and possible analysis, it is a fact that the State had not acted effectively to prevent or combat in risk and violence situation. This article aims to develop a reflection on violence in youth, proposing the policy formation as an important strategy for combating it. In order to do so, we performed a survey of youth homicides in the Natal, Brazil, with emphasis on the victims' socio-demographic data, their profession, a district of crime occurrence, and institution of police investigations or not. The discussion topics points out the firearms as the main instrument of crime, and the State failure in implementing effective activities to prevent and combat violence. As a possible intervention in this reality, it is proposed to policy formation and the construction of citizenship, insofar as they provide empowerment, autonomy, and the quest for rights and social guarantees.

Keywords: Youth, Young, Violence, Political Participation, Empowerment.


RESUMEN

La población joven se ha relacionado directa o indirectamente, como objeto o autor, a las situaciones de violencia. Se entiende que el Estado no actúa con eficacia para prevenir o combatir las situaciones de riesgo y la violencia. El objetivo es hacer una reflexión sobre la violencia en los jóvenes, ofreciendo formación política como una estrategia para combatirla. Para ello, realice un estudio de homicidios de jóvenes en la ciudad de Natal, se destacan datos socio-demográficos de las víctimas, la ocupación, distrito de ocurrencia del delito y el establecimiento de una investigación policial o no. El análisis apunta a revelar las armas de fuego como el principal instrumento de la delincuencia, y la ineficiencia del Estado en la implementación de medidas para prevenir y combatir la violencia. Como la posibilidad de la intervención, se propone que educación política y la construcción de la ciudadanía, la producción de empoderamiento, autonomía y la búsqueda de los derechos y garantías sociales.

Palabras clave: Juventud, Jóvenes, Violencia, Participación Política, Empoderamiento.


RÉSUMÉ

La population des jeunes est directement ou indirectement reliée aux situations de violence, soit comme cible ou comme l'auteur. Il est entendu que l'État ne joue pas efficacement dans la prévention ou la lutte contre les situations à risque et de violence. L'objectif de cet article est de développer une réflexion sur la violence chez les jeunes, en proposant la formation politique comme une stratégie pour la résoudre. Pour cela, nous faisons un sondage auprès des homicides de jeunes dans la ville de Natal, RN, soulignant les données sociodémographiques des victimes, la profession, le quartier d'occurrence du crime et la mise en place d'une enquête de police. Les points de discussion soulignent les armes à feu comme leprincipal instrument de crime et l'inefficacité de l'État dans la mise en œuvre de mesures visant à prévenir et combattre la violence. Comme moyen d'intervention possible, nous proposons la formation politique et la construction de la citoyenneté, qui sont producteurs d'empowerment, de l'autonomie et de la recherche des droits et des garanties sociales.

Mots clés: La jeunesse, Le jeune, la violence, la participation politique, l'empowerment.


 

 

Introdução

Nas últimas décadas, a temática da violência tem se apresentado em diversos fóruns e instâncias de debates - meio acadêmico, mídia, instâncias governamentais e cidadãos de forma geral - na sociedade brasileira. Vários são os campos do conhecimento e setores da sociedade civil e do poder público que se dedicam à compreensão deste fenômeno, seja tentando compreender suas causas e seus efeitos, seja analisando suas vítimas e/ou perpetradores, ou, ainda, tentando vislumbrar um contexto societário no qual a violência é uma de suas facetas. Assim, faz-se necessário compreender esse fenômeno a partir do campo da Psicologia Política, visto que tal perspectiva permite a análise crítica aprofundada das questões teórico-políticas fundamentais (Montero, 2009) que subjazem o fenômeno da violência. Como bem aponta Spadoni (2009), as relações existentes entre grupos majoritários e minoritários no âmbito da Psicologia Política e do Direito são importantes elementos a considerar. Vislumbra-se aqui a violência enquanto um fenômeno fundamentado nessas relações de desigualdade, e que possui um recorte específico de incidência populacional.

A violência na contemporaneidade é compreendida por diversos autores como um fenômeno multifacetado, polissêmico e multicausal (Minayo, 2001, 2002; Dimenstein e cols., 2005). Assim, estudiosos recomendam que as discussões sobre o fenômeno não devem ser descontextualizadas, tampouco fixadas em uma só forma de compreensão, pois, assim, pode-se incorrer na produção de visões distorcidas e fragmentadas (Dimenstein e cols., 2005).

Uma vertente possível de análise do fenômeno parte do pressuposto de que é necessário focar-se numa perspectiva que abarca as relações entre questões de ordem sócio-histórica e subjetiva, considerando-se, também, determinações de cunho político e/ou econômico. Para Melo (2010), as consequências da consolidação desse fenômeno têm implicações diretas tanto na esfera individual, como nos âmbitos econômico, político e social. Assumindo-se tal enfoque, a violência é definida como o uso da força ou poder, objetivando alguma espécie de exclusão, abuso e aniquilamento do outro. Este outro pode vir a ser um indivíduo, grupo, segmento social ou até mesmo uma nação (Minayo, 2002).

Conforme discutem Trassi e Malvasi (2010), a violência, considerada sob esta perspectiva multifacetada, não pode ser entendida como um ato isolado, mas como um fenômeno desencadeador de relações - de opressão, exclusão, etc. -, e intimamente ligado a relações que envolvem o uso de um poder que é usado numa relação de força (física, política, psicológica, etc.), visando alcançar vantagens previamente definidas. Trata-se de uma ação intencional produtora de danos. (Pinheiro & Almeida, 2006). Assim, é possível praticar a violência de inúmeras maneiras e por diversos atores e contextos sociais. (Faleiros, 2005). Nessa perspectiva, a Organização Mundial de Saúde (OMS) aponta a seguinte definição para a violência: "uso intencional da força física ou do poder, real ou potencial, contra si próprio, contra outras pessoas ou contra um grupo ou uma comunidade, que resulte ou tenha grande possibilidade de resultar em lesão, morte, dano psicológico, deficiência de desenvolvimento ou privação." (Krug, Dahlberg, Mercy, Zwi & Lozano, 2002:5).

Historicamente, a juventude também é um fenômeno que merece ser estudado sob o mesmo enfoque, pois, assim como a violência, é um conceito que pode ser definido sob parâmetros muito variados e com características bastante diversas, dependendo do contexto sócio-histórico-cultural no qual é estabelecido. É possível perceber tal fato ao consultar, por exemplo, documentos oficiais como das Nações Unidas - por exemplo, o Guidelines for further planning and suitable development in the field of youth, de 1995 e a Declaração de Lisboa, de 1998 -, que definem a população jovem da América Latina como sendo o grupo etário situado na faixa entre 15 e 24 anos. Contudo, temos o exemplo da nação japonesa, que, tendo em vista suas diferenças culturais, sociais, históricas e econômicas, estabelece sua população jovem até o limite de 35 anos (Chaves Júnior, 1999).

No contexto brasileiro, características como o ingresso no mercado de trabalho, os aspectos biológicos e os traços culturais marcantes constituem um conjunto de símbolos geracionais que fazem alguns autores versarem sobre a especificidade desse segmento (Aquino, 2009). Para Chaves Júnior (1999:43), a juventude "ao mesmo tempo em que possui condições de mudar a ordem vigente, apresenta um potencial para expor os anseios do universo social a que pertence".

Uma primeira aproximação entre a violência e a juventude já parte de uma concepção desse grupo populacional que figura no imaginário social associada a um problema, e ganha visibilidade quando vinculada ao enorme crescimento dos índices de violência, ao consumo e tráfico de drogas, entre outros problemas sociais. O Estado, ao conceber suas políticas de forma segmentada e parcializada, finda por propor ações voltadas para a juventude que são focadas na busca de resolução desses problemas (Novaes & Ribeiro, 2010). Tais políticas, em última instância, voltam-se para setores juvenis considerados pela sociedade como em situação de risco ou vulnerabilidade social. Sem dúvida, tais aspectos da realidade são importantes, emergenciais e demandam ações com prontidão, contudo, a partir dessa noção presente no imaginário social, a postura adotada acaba negligenciando o investimento em ações baseadas na noção dos direitos sociais, e que poderiam desencadear práticas e políticas que enfocam a juventude nas suas possibilidades e potencialidades.

 

Juventude, Violência e Políticas Sociais

Analisando mais atentamente as relações entre juventude e violência, recai-se, pelo menos no caso brasileiro, numa discussão que tem na estruturação do Estado capitalista e nas políticas gestadas em seu seio, agentes importantes no tom e na cor dessas relações. As políticas sociais idealizadas sob a égide do capital visam minimizar (e não aniquilar) as consequências da concentração exacerbada da riqueza produzida nas mãos de uma parcela cada vez menor da população. Dentre os efeitos mais perversos dessa dinâmica, a pobreza, a destituição, o desemprego e os chamados problemas sociais, como, por exemplo, a violência, são alvo de ações que têm como característica principal a perspectiva de suavizar as tensões sociais, mantendo sob controle aqueles fenômenos tidos como estruturais.

Ao pensar na violência como um problema social, não se pode deixar de considerar que esse fenômeno que leva à morte milhares de jovens no Brasil é o mesmo que afasta investidores, provoca aumento dos preços dos produtos e serviços segurados, agrava as injustiças sociais, legitima formas truculentas na política de Segurança Pública, constrói o medo social e dá força a culturas conservadoras de culpabilização da violência, degenerando, assim, os laços da vida social (Bittar, 2008).

Tal como boa parte da nação brasileira, a população juvenil vem sendo vítima de diversas formas de violação de seus direitos humanos1 fundamentais, herdando uma tradição de injustiça social que exclui grande parte da população brasileira do acesso a condições mínimas de dignidade e cidadania. Mais que isso, cada vez mais a juventude se aproxima da violência como vítima ou como perpetradora. Diariamente, assiste-se à barbárie de um verdadeiro extermínio de jovens das camadas mais pobres da população. Assassinados por outros jovens. Vítimas e culpados.

Para melhor dimensionar o tamanho do problema, Waiselfisz (2011; 2013) apresenta dados estarrecedores. Em 2008, 59% das causas de morte da população jovem foram por homicídios ou mortes violentas, índice bem superior às mesmas causas da população total, 4,6%. As estatísticas das "mortes matadas" da juventude periférica, só crescem com o passar dos anos. Entre os jovens de 15 a 29 anos, houve um aumento das vítimas de homicídio, passando-se de 4.415 óbitos em 1980, para 22.694 em 2010, aumento de 414%. Em todas as regiões do país, as vítimas jovens de homicídios têm sido em maior número quando comparadas à população total. O perfil segue inalterado nos últimos anos: jovens homens (93,9%), negros, moradores das periferias urbanas, muito embora já se apresente o aumento dos índices da interiorização da violência (Valença, Freitas, & Paiva, 2014; Souza & Paiva, 2013). No nordeste brasileiro, o quadro não é melhor. O Rio Grande do Norte foi apontado, com base em dados de 2012, pela 5ª edição do índice de Homicídios na Adolescência (IHA), como um dos estados do país com maior risco de homicídios entre jovens (Melo & Cano, 2014).

Muito se ouve falar que os jovens são o futuro do país. Assim sendo, quais as suas chances reais de futuro? Quais as possibilidades desses jovens construírem vivências e identidades positivas, em meio a toda essa miséria, violência e desigualdade? Considerando que as vítimas têm em comum, na sua maioria, condição socioeconômica baixa, pode-se inferir que, em todo o Brasil, a partir dos 15 anos de idade, aumentam notadamente as possibilidades de jovens pobres morrerem assassinados por arma de fogo.

Outro aspecto importante que é pouco relacionado aos determinantes da violência diz respeito à falta de espaços e de recursos comunitários de cultura e lazer para os jovens. Sarriera, Câmara e Berlim (2000) apontam que isto é um grande fator de vulnerabilidade e pode contribuir não só para a ocorrência da violência juvenil, mas também para fenômenos que a ela se relacionam, como o consumo e envolvimento com tráfico de drogas. A vivência de relações violentas e a exposição constante à violência ameaçam não só a sobrevivência dos jovens, bem como prejudicam seu bem-estar e perspectivas futuras, deixando sérias cicatrizes físicas, emocionais e psicológicas.

Volte-se, mais uma vez, ao Estado. As iniciativas estatais no que se refere ao enfrentamento à violência na juventude estão sob responsabilidade de órgãos como a Secretaria Nacional de Juventude (SNJ) e o Conselho Nacional de Juventude (CONJUVE), implementados em 2005, com o objetivo de articular as políticas e ações existentes no âmbito da juventude. Tais instâncias definem que o fortalecimento das políticas estruturais de educação e o aumento do acesso ao mercado de trabalho seriam as principais formas de enfrentamento à violência.

No entanto, é possível observar que nos diversos projetos direcionados a jovens, a qualificação profissional tem sido tomada como a melhor estratégia para lidar com a situação juvenil. Relega-se o fato de que muitos jovens não têm acesso a cursos de qualificação destinados a empregos mais bem remunerados, pelo fato de não possuírem escolaridade suficiente. Aliás, a realidade é que é difícil preencher vagas em cursos de qualificação em que exista a exigência de níveis de ensino mais elevados.

Sarriera e cols. (2000) trazem uma reflexão acerca das falsas expectativas de mudança que tais projetos podem estar oferecendo, apontando que, ao ingressarem precariamente no mercado de trabalho, em empregos que requeiram menor qualificação, as condições oferecidas aos jovens também serão precarizadas, com baixos salários, jornadas excessivas e, muitas vezes, descumprimento das leis trabalhistas. Por isso, ao pensar em projetos destinados ao enfrentamento da violência juvenil, essas questões também devem ser pensadas propondo, por exemplo, "programas que não sejam meramente adaptativos, mas que os façam refletir sobre as suas condições de vida [...]" (Sarriera e cols., 2000:31).

Todavia, antes de uma discussão mais propositiva, vejamos de perto como se manifestam algumas nuanças da relação entre juventude e violência.

 

Juventude e Violência em Natal/RN

Com o intuito de ilustrar e contribuir para a discussão proposta, realizou-se um estudo na Coordenadoria de Direitos Humanos e Defesa das Minorias do RN - CODEM/RN, órgão vinculado à Secretaria de Estado da Justiça e da Cidadania - SEJUC/RN, em parceria com a Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN, que teve por objetivo mapear de forma abrangente a incidência de homicídios ocorridos contra a população jovem na cidade de Natal/RN, bem como fomentar discussões a respeito de estratégias de enfrentamento a esse tipo de violência, sugerindo a importância da formação política dessa população como uma dessas estratégias.

Como procedimento, foi elaborado um banco de dados que reuniu informações dos homicídios ocorridos na cidade de Natal/RN, registradas pelo Instituto Técnico-Científico de Polícia do Rio Grande do Norte (ITEP/RN), de janeiro de 2007 a dezembro de 2011. As informações contidas no banco de dados são: a) data do óbito; b) nome da vítima; c) sexo da vítima; d) idade; e) profissão; f) estado civil; g) bairro de ocorrência do homicídio; h) local do óbito; i) instrumento causador da morte; j) inquérito/ação penal instaurados. A última informação foi obtida através de investigação e apuração da situação das ocorrências nas diversas instâncias policiais e judiciais no RN.

Lançando luz sobre os dados encontrados, constatamos que no período mencionado ocorreram 1.138 homicídios de jovens na cidade de Natal/RN. Se consideramos a região metropolitana, o índice de homicídios, nesse período, de jovens entre 15 e 29 anos foi de 2.107. Só no último ano da pesquisa, em 2011, 414 casos eram vítimas jovens, o que equivale a 46% das mortes. Desses jovens, 92,3% eram do sexo masculino, e desses, 99% solteiros. As regiões administrativas Norte e Oeste, zonas mais pobres e periféricas da cidade de Natal/RN concentraram 293, em 2011, o que corresponde a 69,9 das mortes. Com relação ao instrumento causador, 357 ocorrências tiveram utilização de arma de fogo, o que corresponde a 85,2% do total de jovens vítimas de homicídios, durante esse período. Com relação à apuração e investigação dos crimes, apenas 20% dos casos tiveram inquérito ou ação penal instaurada.

De acordo com dados do IBGE (2008), o número de pessoas com idades de 15 a 24 anos em Natal corresponde a 19,9% do total de habitantes do município. Tal informação, quando observada à luz da alta incidência de homicídios ocorridos nessa faixa etária, faz emergir uma preocupação acerca das causas e origens de índices tão elevados de violência no contexto em que essa população está inserida, visto que, apesar de representar menos de um quarto da população total, a faixa etária jovem tem aparecido em cerca de 50% das estatísticas referentes à vitimização por homicídios.

Desta forma, falar em juventude como uma população inserida em contextos de violência implica diretamente em falar de um grupo de pessoas que é tanto autor das diversas formas como essa violência se manifesta, como vítima da expressão desta. Os vários fatores que contribuem para tais índices estão intimamente relacionados com as escassas políticas direcionadas a esse público, denotando que a juventude brasileira ainda não é concebida como sujeito de direitos, o que não a enquadra em políticas públicas que visem garantir o acesso a bens materiais e culturais. A parca existência de investimentos por parte do Estado nesta parcela da população não conseguem atender de forma satisfatória suas necessidades mínimas de garantia de segurança e dignidade. A grande incidência de utilização de armas de fogo nos homicídios praticados em Natal/RN é um fator que traduz a ausência de controle do Estado perante essa população, que historicamente vem se tornando marginalizada e negligenciada pelas ações governamentais.

Outro fator que corrobora esse quadro refere-se à reduzida quantidade de investigações que resultam em inquéritos ou ações penais contra os agressores nos casos de homicídios contra jovens, que na sua grande maioria ficam impunes, livres para cometer tantos outros crimes. Tal quadro contribui para o fortalecimento da cultura da impunidade, uma vez que o sistema de segurança pública não dá conta da responsabilização dos agressores, tendendo a contribuir para o aumento dos índices dessa forma de violência.

Vale destacar que as zonas de maior incidência de homicídios em Natal/RN constituem-se de bairros periféricos, em que as políticas, não só de segurança, mas de saúde, educação, assistência etc. também não são executadas de forma a atingir as demandas da população em geral, no que diz respeito aos chamados "mínimos sociais", tais como referenciados na Lei Orgânica da Assistência Social (Lei nº 8.742/1993). Especificamente com a população juvenil, é muito escassa a iniciativa governamental em ações de cunho educativo e preventivo à violência, o que também contribui diretamente para o aumento dos índices.

A ausência do Estado diante dessa "guerra civil" envolvendo a população jovem - em sua maioria homens - que vem se agravando em pontos focais na cidade de Natal/RN reflete, além da omissão governamental, a pouca ou ineficaz iniciativa da sociedade civil em pressionar para que existam políticas públicas que garantam a integridade e a garantia dos direitos da população juvenil.

 

Reflexões sobre a Violência Contra Jovens: a participação política como estratégia para construção de novas trajetórias

O desenvolvimento de políticas públicas que promovam a cultura da convivência, privilegiando o respeito e o diálogo, bem como apontando perspectivas reais para construção de projetos de vida, é um dos desafios mais importantes do poder público. Faz-se importante repensar as estratégias de intervenção, redirecionando-as para a emancipação e promoção de condutas saudáveis, favorecendo, nas comunidades, a solução racional de conflitos, e a evitação de riscos assumidos pela população jovem.

Se olharmos o problema social como produto das relações de desigualdade presentes na sociedade, perceberemos que apenas através de projetos que primem pela formação política e participação comunitária, conseguiremos envolver as pessoas afetadas em possíveis soluções. Como aponta Martínez (2004), as pessoas afetadas por problemas sociais protagonizam, a partir de sua participação efetiva, a própria definição do problema vivenciado e suas vias de solução possíveis, já que são elas quem conhecem os recursos comunitários disponíveis. Assim, se estaria, de fato, trabalhando em prol de uma juventude com consciência política, que se organiza e promove sujeitos ativos na construção de sua história.

Nessa perspectiva, é imprescindível que aliado às práticas de Estado, a sociedade civil configure-se como uma instância favorável à emancipação humana, unindo esforços no sentido de garantir e efetivar direitos humanos. Assim, compreende-se que a sociedade civil deve se configurar tal como aponta Scholte (2001:6): "'civil society' is taken here to refer to a political space where voluntary associations explicitly seek to shape the rules (in terms of specific policies, wider norms and deeper social structures) that govern one or the other aspect of social life.2"

Essa concepção traz a reflexão de que efetivar direitos humanos não significa apenas incorporá-los em estruturas legais e documentos oficiais, mas, sim, promover um processo de concretização de tais direitos, a partir, de aspectos como: a existência de espaços de ações para os grupos da sociedade; trazer à tona toda e qualquer expressão de injustiça; a existência de espaços livres/alheios à incursão do Estado e do mercado; a intervenção e interação direta nos sistemas políticos e legais; e, a promoção de uma abordagem proativa dos direitos humanos por parte dos cidadãos (Vieira, 2004).

Desta forma, a iniciativa tanto por parte da sociedade civil como do Estado em proporcionar espaços de discussão que vão além da educação formal e profissionalizante podem ter grande impacto na redução das violações de direitos humanos e no enfrentamento da violência.

A análise das seqüelas da questão social, como a violência, não pode ser individual, travestida de uma lógica que pensa uns indivíduos dentro e outros fora, sem considerar as contradições sociais. Wanderley (1999) afirma que é preciso romper a relação entre a subordinação, a discriminação e a subalternidade, para a efetivação de políticas que contribuam com o processo democrático. Mas, para isso, requer-se ação e sujeitos políticos capazes de romper com a situação de submissão em que vivem.

Para sair do discurso funcionalista e fatalista, é necessário vislumbrar outras possibilidades de interpretação por parte dos próprios sujeitos, para que concebam posturas críticas, que podem desencadear ações organizativas, que explicitem seus potenciais de sujeitos e de comunidade. Demo (2003) chamou de "pobreza política" a negação da autonomia emancipatória, necessitando-se, para sair dela, fazer novas construções sobre si mesmo, sobre sua comunidade, sobre seu mundo.

Muito mais do que olhar para a juventude como uma população que precisa ser alvo de formação política, um processo de construção de consciência crítica desde a infância, perpassando a base do desenvolvimento da conduta das pessoas, pode ser um aspecto importante na consolidação dessa postura cidadã na juventude.

Desta forma, ao se pensar em políticas públicas desenvolvidas para essa população, é preciso considerar a sua especificidade, uma vez que não se trata apenas de garantir proteção e concessão de direitos, mas, sim, construir as noções de cidadania e consciência crítica, capazes de provocar transformações sociais.

Diante desse quadro, a formação política se configura como uma possível estratégia para o enfrentamento dessa e demais formas de violência e negação de direitos vivenciados pela juventude brasileira. Tal instrumento, que consiste no empoderamento da sociedade para construção de uma cultura de reivindicação e conquista de direitos, visa garantir a esse segmento os meios suficientes para sua emancipação. Parte-se da compreensão que empoderamento é "um processo pelo qual as pessoas, as organizações, as comunidades assumem o controle de seus próprios assuntos, de sua própria vida e tomam consciência da sua habilidade e competência para produzir, criar e gerir" (Romano, 2002:17). Entende-se que o empoderamento coletivo produz processos de mobilizações e práticas destinadas a promover e impulsionar grupos e comunidades, visando seu crescimento, autonomia, melhora gradual e progressiva de suas vidas, colocando as comunidades e os sujeitos como protagonistas de seus trajetos em suas histórias e contextos. A perspectiva do empoderamento traz, também, a possibilidade de construção de ações determinadas a promover a integração e potencialização de grupos historicamente subalternizados, excluídos, explorados, demandatários de bens elementares à sobrevivência, construindo uma lógica oposta ao tradicional assistencialismo, que promove a dependência, desagregação, e despotencialização política das comunidades e coletivos em nossa sociedade (Freitas, 2009; Gohn, 2004, 2008).

Assim, compreende-se, então, a formação política como processo de construção coletiva que visa agregar à história de vida dos participantes de um grupo a capacidade de realizar uma leitura crítica da realidade em que vivem, buscando alternativas de articulação e mobilização social para garantir direitos. No âmbito do enfrentamento à violência, sob a perspectiva do empoderamento coletivo, a formação para a cidadania torna-se instrumento imprescindível no processo de desenvolvimento do jovem, tanto em espaços de educação formal - como a escola -, quanto informais - como grupos de jovens. Segundo Freire (1993), ser cidadão significa gozar dos direitos civis e políticos de um Estado, ao passo que cidadania refere-se à condição de cidadão, estando relacionada ao uso dos direitos e o direito de ter deveres de cidadão. A cidadania é uma invenção coletiva. Cidadania é uma forma de visão do mundo.

Freire (1987) afirma que uma juventude que paga com a própria vida os equívocos cometidos por uma sociedade desigual e preconceituosa, somente terá condições de reverter esse cenário que lhes nega reconhecimento social e exercício de sua dignidade, na medida em que estiver organizada e fortalecida para ser sujeito de seu processo histórico de conquista de direitos. Só sob tal perspectiva é válido pensar num modelo que estabeleça uma postura de consciência crítica, que retira as vendas que encobrem as injustiças e permite a tomada de iniciativas emancipadoras.

A base da construção desse novo olhar sobre mundo está no poder social. Segundo Ochoa e Vásquez (2004), tal poder deve estar no centro de qualquer programa de desenvolvimento ou mudança social, e para isso, deve-se fomentar a participação dos jovens em movimentos sociais ou organizações da comunidade, favorecendo o desenvolvimento de conhecimento crítico e identificação de condutas que busquem objetivos em comum. Tal dinâmica pode propiciar aos sujeitos uma análise crítica da realidade na qual estão inseridos. Do contrário, os jovens se manterão no nível que Freire (2007) chamou de "consciência mágica", na qual a realidade é simplesmente captada, e se lhe empresta um poder superior, ao qual os indivíduos devem submeter-se com docilidade. Para Freire (2007:114), é próprio desta consciência o fatalismo, o "cruzamento dos braços, impossibilidade de fazer algo diante do poder dos fatos, sob os quais fica vencido o homem". Na consciência crítica, por sua vez, há integração com a realidade, entendida como histórica, atingida por meio de uma educação dialogal e ativa.

Necessário se faz, portanto, dar voz àqueles que historicamente vêm tendo seus direitos negados, seja por preconceito geracional - em que a juventude é apontada como culpada pelo status quo no qual se encontra a violência incidente sobre a população -, seja por outra motivação social que relegou papel secundário a essa parcela da população. Garantir expressão à juventude, todavia, significa muito mais que só ouvir, mas fazer ecoar, politizando e materializando as demandas trazidas por esse segmento juvenil.

Sobre a temática da autonomia, Nogueira-Neto (2005) afirma que se torna imprescindível reconhecer e garantir graus cada vez mais crescentes de participação proativa a esse público, seja como meta em si - através do direito à participação - ou como metodologia - através do protagonismo juvenil.

Evidentemente, tal perspectiva de empoderamento coletivo não deve encerrar-se em si mesma. Ou seja, toda ação social deve estar articulada a outras ações, para que se possa levar, em última instância, a ações transformadoras, e não a ações reformistas conservadoras ou pontuais (Paiva, 2008).

O processo de ressignificação das violências sob a perspectiva de tomada de consciência para reivindicação de direitos pode gerar outra perspectiva para as vidas de milhões de jovens brasileiros. Trata-se de reconhecer na violação um estímulo para o fortalecimento de suas ações como sujeito, que nega o papel passivo historicamente atribuído às "vítimas" e gera um sentimento de luta e inquietação diante das injustiças praticadas.

Nesse sentido, o conceito de autogestão de direitos se encaixa bem no raciocínio aqui desenvolvido:

A autogestão é um conceito que se refere à autonomia, à independência e à participação dos indivíduos na resolução de situações nas quais seu direito foi atingido. Tal conceito faz parte de uma concepção de sociedade que não se baseia em um Estado-polícia repressor, e sim em uma sociedade que constitua campos capazes de autogestão de sua sociabilidade, dentro de parâmetros que sejam social e historicamente construídos. Essa sociedade, que hoje aparenta ser apenas um horizonte utópico, pode ser construída por meio da ativa participação social em processos de defesa de direitos. (Figueiredo, 2010:36)

Partir dos grupos de jovens já organizados nos diversos espaços sociais parece ser uma boa estratégia para materialização das práticas de formação política. Grupos de hip-hop, capoeira, movimento estudantil, dança, teatro, esportes ou folclore são bons exemplos de como coletividades já organizadas podem ser potencializadas na busca pela garantia de direitos da juventude. O grupo traz como possibilidade a somatória das diversidades que permeiam os mais variados fóruns e espaços, uma vez que consistem um lócus privilegiado, em que se trabalha na perspectiva de um objetivo comum.

Isso só será possível, todavia, a partir de ações de formação que tenham a politização como metodologia estruturante. Reconhecer direitos, se apropriar da normativa, conhecer as instâncias do Estado, aprender a quem recorrer em casos de violações, pressionar o Estado, desenvolver criativamente instrumentos de desobediência civil e resistência popular são várias das possibilidades que o processo de empoderamento da juventude pode trilhar no enfrentamento à violência e na busca pela garantia de direitos.

Trabalhos com foco em formação política e educação para o exercício da cidadania podem propiciar efeitos significativos em populações com largo histórico de ausência do Estado e de suas políticas públicas. Atividades largamente desenvolvidas por Centros de Defesa da Criança e do Adolescente - CEDECAs - em todo o país são exemplos de iniciativas deste cunho, que vem produzindo resultados positivamente respaldados por diversos segmentos da sociedade. Seguindo a mesma lógica, atividades voltadas à população juvenil inserida em contextos de violência e negação de direitos, também podem contribuir significativamente para a construção de manifestações de consciência política e de cidadania desta população.

No Rio Grande do Norte, experiências importantes também vêm sendo desenvolvidas sob a responsabilidade da sociedade civil, como o CEDECA Casa Renascer, a sede da Bem-Estar Familiar no Brasil - BEMFAM - e o Canto Jovem. Tais entidades, a partir de ações de formação política voltadas para crianças, adolescentes e jovens têm alcançado importantes resultados na garantia dos direitos humanos desses segmentos, na medida em que viabilizam atividades de empoderamento com vistas ao exercício da cidadania.

No Ceará, grupos de jovens trabalham desenvolvendo ações de controle social do Orçamento Público, com resultados muito significativos, mostrando, assim, o potencial de empoderamento coletivo que os processos de formação política trazem para esse segmento, permitindo a incidência em espaços e temáticas historicamente inacessíveis a esse público.

No Maranhão, experiência de comitê juvenil no fórum de organizações de defesa dos direitos da infância e juventude é exemplo de participação e protagonismo na defesa dos direitos geracionais, legitimando uma luta feita por eles e não só para eles.

A Associação Brasileira de Magistrados, Promotores de Justiça e Defensores Públicos da Infância e da Juventude (ABMP) criou Conselho Consultivo formado por adolescentes e jovens para ouvir a voz de meninos e meninas e nortear suas ações a partir das visões e demandas do público infanto-juvenil.

Outra experiência interessante foi capitaneada pela Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente (ANCED), que mobilizou crianças e adolescentes em todas as regiões do Brasil para construir parte do relatório da sociedade civil sobre as condições da infância brasileira enviado ao Comitê dos Direitos da Criança da ONU.

Enfim, o processo de conquistas de direitos passa, necessariamente, pela aquisição da autonomia e pela reivindicação politizada e organizada, de maneira contextualizada com a realidade sociopolítico-econômica de cada espaço em que os sujeitos estão inseridos. Profissionais que lidam diretamente com populações infanto-juvenis a partir de uma perspectiva social, como educadores, assistentes sociais, advogados, psicólogos, entre outros, podem contribuir significativamente para a concretização deste tipo de formação, uma vez que ocupam um lócus privilegiado para ações deste cunho.

Para Ochoa e Vasquez (2004) intervir é potenciar, e potenciar é fomentar a utilização de recursos disponíveis ou desenvolver práticas que permitam o acesso a tais recursos. Sanchéz Vidal (2007) sugere que a intervenção visando o empoderamento coletivo dos grupos sociais deveria ocupar-se dos seguintes passos:

a) identificar grupo ou coletivo social com poder potencial;

b) ajudar a gerar sentimento de potência;

c) facilitar a interação social e o sentimento de pertinência ao grupo social despossuído;

d) ajudar a desenhar e realizar uma ação social efetiva para obter o poder ou compartilhá-lo.

O resultado desse processo é um grupo social fortalecido, que trabalha para o bem comum ou coletivo, sabendo gerenciar ou adquirir os recursos necessários para isso.

Ao se falar, então, em enfrentamento da violência atrelada à juventude, é mister que os profissionais que lidam com tal público, considerem o empoderamento deste coletivo como forma de proporcionar uma maior autonomia e postura protagonista na busca pelos direitos e garantias sociais. Eis o grande desafio de nosso tempo, permitir que essa construção se consolide no âmbito de nossa juventude.

 

Considerações Finais

O Brasil vem sendo apresentado como um dos campeões em desigualdade social no mundo, estando na 10ª colocação, numa lista com 126 países (PNUD, 2006). Os efeitos desses indicadores, que acarretam uma situação de pobreza absoluta, para expressivo contingente populacional, se refletem, sobretudo, sobre a população jovem das periferias, cujo maior problema, além das condições de misérias em que estão submetidas suas famílias, é o desconhecimento de sua cidadania, que os impede de se tornarem sujeitos da sua própria historia e atingirem um índice de desenvolvimento mais digno.

A compreensão de juventude parte, justamente, de um processo de constituição de sujeitos diretamente influenciados pelo contexto social no qual estão inseridos.

Sendo assim, esse processo de desagregação da sociedade brasileira evidencia um quadro desalentador para esse público, que vivencia uma realidade de desemprego, violência, falta de acesso à educação de qualidade, à saúde, à moradia, ao trabalho e às mínimas condições de cidadania. Mais do que isso, ser jovem dentro desse contexto de vulnerabilidade social é o bastante para ameaçar a sua sobrevivência. Os índices alarmantes de homicídios juvenis em todo território nacional, como demonstrado, evidenciam como esse ciclo de vida vem sendo largamente negligenciado por várias instituições sociais, constituindo o que Sarriera, Berlim, Verdin e Câmara (2004:43) chamam de uma "terra de ninguém".

Para que o compromisso com a mudança do quadro de violação de direitos e violência vivenciados pela juventude brasileira seja efetivo, é preciso pensar como estão sendo gestadas as políticas públicas voltadas para esse segmento, e de que forma elas tem contribuído para a promoção da participação política, do protagonismo e da emancipação humana.

Certamente, poder-se-á ampliar os limites da atuação profissional repensando as formas deintervenção junto ao público juvenil. É hora de rever modelos e concepções subjacentes às políticas públicas, para que seja possível o desenvolvimento de projetos sociais mais amplos e articulados, que assuma, de fato, o jovem como protagonista.

Propõe-se, então, a construção de propostas direcionadas ao público jovem que se conectem com um projeto amplo de mudança social, que busque os determinantes e não apenas as manifestações dos problemas, ou medidas paliativas de conformação com sua condição atual. Por isso, ao trabalhar na direção da formação política juvenil busca-se, também, a promoção da organização da sociedade civil, para que os jovens possam se tornar sujeitos políticos, capazes de conduzir um projeto de democracia diferente do existente. Este, por sua vez, para se efetivar, deve pautar pela apreensão da realidade, que se queira transformá-la e que se acredite nos grupos sociais como sujeitos dessa História. Oferecer oportunidades efetivas para a mudança, estimular o seu desenvolvimento como pessoas e como grupo social, fortalecer sua identidade comunitária, são tarefas que necessitam da atenção de todos os que trabalham com jovens.

 

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Recebido em 15/02/2014.
Revisado em 18/06/2014.
Aceito em 04/08/2014.

 

 

1 Compreendemos "Direitos Humanos" como o patrimônio ético, jurídico e político construído pelas lutas libertárias e emancipatórias da humanidade, comuns a todos sem distinção de etnia, nacionalidade, sexo, classe social, nível de instrução, religião, opinião política, orientação sexual ou de qualquer tipo de julgamento moral. Exemplos de documentos que respaldam o paradigma dos Direitos Humanos são a Declaração Universal dos Direitos Humanos - ONU, 1948 - e o Estatuto da Criança e do Adolescente - Brasil, 1990 (Benevides, 2007; Coimbra, 2000; Coimbra & Nascimento, 2008; Rifiotes, 2007).
2 Tradução: A sociedade civil é o espaço político no qual associações voluntárias buscam explicitamente formular as regras (em termos de políticas específicas, normas mais abrangentes e estruturas sociais mais profundas) para governar um ou outro aspecto da vida social.

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