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Revista Psicologia Política

versión impresa ISSN 1519-549X

Rev. psicol. polít. vol.15 no.32 São Paulo abr. 2015

 

EDITORIAL

 

Garantias de direitos e de dignidade na construção do humano

 

Rights guarantees and dignity in construction human

 

Garantías de derechos y de dignidad en la construcción de lo humano

 

Garanties des droits et de la dignité dans la construction humaine

 

 

Alessandro Soares da Silva

Editor ABPP - USP - Brasil

 

 

O ano de 2015 começa com um número marcado pelo debate em torno à temas que estão relacionados ao político e a política. Não obstante esses temas não necessariamente são próprios da psicologia política, mas mais bem de uma psicologia da política ou mesmo de uma política da psicologia. Mesmo assim, entendemos que são discussões relevantes e que ajudam na construção de um campo psicopolítico mais consolidado e forte.

Há muitas formas de se consolidar um campo de conhecimento. Habitualmente se fala das vias da subordinação a tendências hegemônicas ou da transgressão a essas (Sabucedo & Rodríguez, 2000). Mas penso que uma tendência de consolidar um campo passa pelas temáticas e modos de se abordá-las. No caso brasileiro, a psicologia política tem sido bastante plural nos enfoques teórico-metodológicos e no estudo de temáticas variadas. Entretanto, é mister dizer que o campo da luta por direitos e de elementos relativos à construção do humano tem sido a tônica de uma grande parte do que tem sido publicado na Revista Psicologia Política - RPP.

A consolidação de uma psicologia política focada nesses dois elementos tem gerado o desenvolvimento de uma psicologia política dos direitos humanos, da educação para os direitos humanos. Minorias, relações de raça, gênero e orientação sexual e memória coletiva e política tem ocupado espaços significativos nas páginas da RPP e apontam para a tendência de uma psicologia política que, a despeitos dos enfoques metodológicos, buscam contribuir para uma visão de ciência cônscia de seu papel social e político para a transformação da realidade social.

As ditaduras e a pobreza inspiraram atuação de lideranças e de intelectuais latinoamericanos na luta pela democracia e por justiça social. Na psicologia política tivemos como um marco a ação de Ignácio Martín-Baró (Martín-Baró, 2014; Martins & Lacerda Jr., 2014; Montero, 1987; Rodríguez Kauth, 2001; Silva, 2014) contra a ditadura Salvadorenha e em prol de uma ação comprometida com a mudança social e com bases de saber lançadas a partir das realidades locais.

Nessa esteira encontramos as ações político-intelectuais de Silvia Lane e Leôncio Camino e Salvador Sandoval no Brasil, Angel Rodríguez Kauth na Argentina e Maritza Montero na Venezuela que produziram as condições de criação de uma comunidade significativa de interessados em psicologia política e dos lineamentos orientadores dela. Garantia de direitos e da dignidade humana são dois pilares desses lineamentos e estão vivamente presentes nesse número da RPP.

O entendimento dos processos formativos no campo social e em especial da psicologia social e da psicologia social comunitária estão diretamente relacionados à construção de um conjunto de saberes capaz de romper com tendências formativas descomprometidas com a noção de mudança social e ancorada na ideia de impessoalidade e imparcialidade. Essa tendência é relevante para que se possa trilhar as sendas da garantia dos direitos e da dignidade humana. E essa discussão se dá nos textos que se referem aos direitos da infância e da adolescência ou mesmo a vida de quem está em condição de privação de liberdade.

Mas um tema que tem ainda muito a ser explorado na psicologia política brasileira refere-se às questões relativas aos fatos que a ditadura brasileira e seus herdeiros tentaram ocultar. Recentemente veio a público o relatório da Comissão da Verdade instalada em maio de 2012. Após intensas disputas políticas no Congresso Nacional Brasileiro em torno do período de abrangência e capacidade de ação da Comissão esta foi instalada com o fim de apurar e esclarecer fatos ocorridos entre 1946 e 1988, indicando as circunstâncias e a autoria, as graves violações de direitos humanos praticadas neste período.

Com o fim dos trabalhos da comissão nacional e a publicação de seu relatório podemos verificar a força que ações dessas comissões podem ter a hora de efetivar o direito à memória e a verdade histórica, de promover a justiça e a reconciliação nacional. Dito de outro modo, os trabalhos de comissões da verdade são um fator relevante à garantia de direitos e da dignidade humana, sobretudo quando o humano foi desprovido de sentido em tempos de regimes de exceção.

No Brasil, foram diversos os estados e cidades que instalaram comissões para apurar os fatos e cresce o número de pesquisadorxs interessados no tema. Esperamos em breve ver trabalhos sobre os resultados dessas comissões publicados na RPP. Por ora, abordaremos questões correlatas por meios das análises que pesquisadores latino-americanos e europeus nos oferecem de outras experiências, mas que nos ajudam a entender a relevância de trabalhos focados na verdade histórica, na memória política (Ansara, 2008).

Nesse fascículo 32 do volume 15 da Revista Psicologia Política encontramos dois textos que se dedicam à análise da psicologia social. A Psicologia Social foi, junto com as ciências políticas, uma das fontes que deu origem à Psicologia Política. Portanto entender os espaços de ação e de desenvolvimento da Psicologia Social é relevante para nossa compreensão de um determinado modo de ser da Psicologia Política.

Em Fundamentos Teórico-Práticos da Psicologia Social: um debate histórico e necessário Ruth Maria de Paula Gonçalves (UECE - Brasil) e Oswaldo Hajime Yamamoto (UFRN - Brasil) se propõem fazem a defesa de uma psicologia social praxiológica e se opõem a visões subjetivistas. Para tanto, buscam retomar as contribuições de Silvia Lane e o movimento que levou à criação da Associação Brasileira de Psicologia Social.

Como que dando continuidade a esse debate Larissa Soares Baima e Raquel Souza Lobo Guzzo (PUC-CAMPINAS - Brasil) trazem o texto Formação em Psicologia e Prática Comunitária: problematização da psicologia social comunitária no Brasil. Ao debruçarem-se sobre a formação em Psicologia Social Comunitária no Brasil, as autoras procuram compreender o movimento de crítica à psicologia na América Latina e no Brasil. Sua pesquisa parte de uma seleção de cursos de psicologias no Brasil que ofertam a disciplina de Psicologia Social comunitária, sendo esses conteúdos objeto de análise. Infelizmente a oferta dessa disciplina nos cursos de Psicologia não aponta para a mudança de tendências como bem demonstram no manuscrito.

O manuscrito Um Menino Suspeito de Praticar a Prostituição, Segundo as Instituições que o Governam escrito por Ana Molina e Nilson Dinis (UFSCar - Brasil) é um estudo sobre caso de um menino suspeito de prostituição para sustentar seu vício em jogos eletrônicos. Ainda que ele tenha passado por instituições como o Conselho Tutelar não se confirmou a suspeita inicial, mas se produziram discursos que legitimaram o lugar da prostituição. Tal situação revela graves problemas na forma com que as instituições de proteção do menor atuam em muitos casos.

A questão da discursividade e do direito segue na pauta do artigo seguinte. Em Direitos e a Grande Mídia Brasileira Flávia Cristina Silveira Lemos (UFPA - Brasil), Dolores Galindo (UFMT - Brasil), Gustavo Ferreira Queiroz (UFPA - Brasil), Thais de Souza Nogueira e Nathalia Dourado Frazão Costa (UFPA - Brasil) abordam as lutas por democratização da mídia. Ao analisarem os discursos dos meios de comunicação deixam patente as influências desses veículos sob a consciência política e social da população, em especial, a exercida sob crianças e adolescentes.

Letícia Lara Froes, Aline Reis Calvo Hernandez e Leandro Forell (UERGS - Brasil) realizam Uma Análise Semiológica de Imagens e Representações Sociais Elaboradas por Detentos e Agentes da Penitenciária Modulada Estadual de Osório/RS/Brasil. Ao estudarem as imagens desenhadas nos ambientes da prisão e suas significações mostram um conjunto de imagens organizadas em torno à violência, a sexualidade, a religiosidade e a fé, sendo que elas refletiam relações de poder, identidades assumidas e diferentes modos de subjetivação.

Nesse Fascículo de número 32 da RPP temos um importante dossiê sobre as Comissões da Verdade organizado por Darío Paez (UPV - Espanha, Agustín Espinosa (PUCP - Peru) e Carlos Beristain (UD - Espanha). Nesse rico conjunto de manuscritos temos análises dedicadas dos processos levados a cabo na Argentina, Equador, Paraguai, Peru e Uruguai. Esse tema é relevante não só por tratar da memória política e traumática na perspectiva da psicologia política, mas, sobretudo, porque contribui significativamente para a história da América do Sul, para lançar luz onde por muito tempo imperou as trevas, o silêncio e morte. Assim, publicarmos esse dossiê é motivo de esperança e atesta um "que fazer" da psicologia política orientado à justiça social e a verdade. Como veremos, cada comissão tem elementos que são idênticos e outros tantos que as diferencia.

Os objetos e poderes de cada uma delas permitem ações e resultados que geram distintos impactos no âmbito local de cada país. Como veremos, figuram com fins e expectativas diversas em cada processo que conduz à instalação de cada comissão da verdade as ideias de justiça, perdão, reconciliação. Certamente, seus usos dependem de cada jogo político que se deu até que elas fossem viabilizadas. Suas instalações são, efetivamente, processos de luta e negociação política nos quais antagonistas disputaram fortemente sobre suas versões dos fatos. Por tal razão é que vemos comissões com mais poder do que outras no instante de concretizar seus labores. Mais uma vez trabalhos como esses ainda são poucos e necessários para que a verdade das tragédias que as ditaduras impuseram sobre os povos de nossos países venham à luz.

O primeiro de um conjunto de cinco textos chama-se Argentina: o impacto da implementação de medidas de Justiça Transicional pós Ditadura e é da lavra de Elena Zubieta Juan Ignacio Bombelli e Marcela Muratori (UBA - Argentina). O manuscrito aborda a eficácia percebida de medidas de justiça transicional realizados na Argentina com relação à violência política do Estado da última ditadura militar (1976-1983).

Em Avaliação do Impacto da Comissão da Verdade no Equador: contribuições psicossociais na atual discussão sobre reparações às vítimas Carlos Reyes (UAM - Espanha), Gino Grondona e Marcelo Rodríguez (UPS - Equador) analisam os trabalhos da comissão e o relatório que resultou de seus esforços. Tanto a Comissão da Verdade no Equador quanto o Relatório Sem Verdade não há Justiça são considerados como medida de reconhecimento do Estado equatoriano ante as sucessivas violações ocorridas entre 19842008.

No texto A Comissão da Verdade e Justiça do Paraguai: a experiência emocional em rituais de comemoração e percepção da eficácia da comissão Maitane Arnoso, Magdalena Bobowik (UPV - Espanha) e Carlos Beristain (UD - Espanha) analisam os trabalhos da comissão que se debruçou sore 35 anos de ditatura comandada por Alfredo Stroessner. O relatório "Anive Haguä Oiko /Para que não volte a suceder" documentou as graves violações aos direitos humanos no Paraguai e mostra como a comissão atuou como exercício da justiça de transição e oportunidade de debate sobre o passado.

O quarto artigo desse dossiê intitula-se Impacto Psicossocial da Comissão da Verdade e Reconciliação (CVR) em uma amostra de estudantes universitários de Lima-Peru e é da autoria de Agustín Espinosa (PUCP - Peru), Mathias Schmitz (UCL - Bélgica) e Rosa María Cueto (PUCP - Peru). Ao estudarem a percepção sobre a Comissão da Verdade e Reconciliação peruana xs autorxs observam o nível de cumprimento dos objetivos, do compartilhamento social da comissão, bem como do conflito armado interno no Peru. Nesse processo, percepções sobre violência, memória e esquecimento e perdão são geradas pela comissão e as respostas emocionais produzidas são analisadas de modo a entender como os processos decorrentes do conflito armado e da ação do Estado geram a compreensão psicopolítica do conflito.

Por fim, nosso dossiê é fechado com o artigo Atitudes em Relação ao Passado de Violência Coletiva e as Atividades da Justiça Transicional no Uruguai escrito por Maitane Arnoso e Silvia da Costa (UPV - Espanha). O texto trata do conhecimento que a população uruguaia tem da ditadura (1973-85), aborda a ativação de emoções a esse respeito, assim como dos níveis de compartilhamento social e de percepção da eficácia de medidas transicionais implementadas no Uruguai.

Estes manuscritos são fruto de um esforço coordenado de pesquisa e abrem espaço para tantas outras que podem ajudar a aprofundar nosso conhecimento sobre estes tempos e consolidar as bases para que eventos como esses nunca mais ocorram em nossos países. Ditaduras, nunca mais; torturas, nunca mais!

Concluímos esse primeiro fascículo do volume 15 da Revista Psicologia Política com a resenha Por uma Educação que Reconheça a Diferença LGBT de Lauro Victor Nunes (USP - Brasil). Nela, Nunes aborda a obra Teoria Queer: um aprendizado pelas diferenças da autoria de Richard Miskolci e que foi publicada em 2012 na Coleção Cadernos da Diversidade da Editora Autêntica. O texto aborda os dilemas e dificuldades das lutas por direitos que a população LGBT tem enfrentado desde a formulação da Carta Magna de 1988, quando a proposta de inclusão da discriminação por orientação sexual em seu artigo 5º foi vetada.

Há uma situação de enfrentamento entre os poderes executivo e legislativo quanto a garantia de direitos humanos a esse grupo social, sendo o legislativo reativo a eles, mesmo quando é instado pela mais alta corte deste país a atuar para garantir esses direitos. Esse tema também representa uma forma de violência de estado perpetrada pela negação de direitos.

Mais uma vez, destacamos que a Revista Psicologia Política em seus quinze anos de existência tem procurado exercer o papel de um veículo científico sério e seriamente comprometido com a transformação das injustiças que marcam nosso mundo. E o melhor modo de fazermos isso é, para nós, garantir que cientistas sociais possam difundir uma ciência que contribui efetivamente para que produzamos condições de compreender e instrumentalizar lutas por direitos e por dignidade que consigam realizar ações políticas que tragam mais autonomia e gerem emancipação.

Nesse fascículo que abre o volume 15 sinalizamos para discussões que necessitam maior aprofundamento e para as quais a psicologia política tem muito a dizer e contribuir. Os textos oriundos do fluxo contínuo de avaliação de manuscritos e o dossiê sobre comissões da verdade permite-nos olhar para o campo psicopolítico com mais esperança, sobretudo a esperança de que nosso "que fazer" segue os passos daqueles que nos ajudaram a construir uma ciência consciente dos desdobramentos que pode ter na vida humana.

Desejo a todxs uma boa Leitura!

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Ansara, Soaraia. (2008). Memória Política: construindo um novo referencial teórico na psicologia política. Psicologia Política, 8(15),31-56.         [ Links ]

Martín-Baró, Ignacio. (2013). Psicologia política Latino-Americana. Psicologia Política, 13(28),559-573.         [ Links ]

Martins, Karina Oliveira., & Lacerda Jr., Fernando. (2014). A Contribuição de Martín-Baró para o Estudo da Violência: uma apresentação. Psicologia Política, 14(31),569-589.         [ Links ]

Rodríguez Kauth, Angel. (2001). La Psicologia Social y la Psicologia Politica Latinoamericana: ayer y hoy. Psicología Política, 22,41-52.         [ Links ]

Sabucedo, José Manuel., & Mauro Rodríguez. (2000). La Construcción Social de la Psicologia Política. Suma Psicologica, 7(1),1-14.         [ Links ]

Silva, Alessandro Soares da. (2014). "Si la lucha es larga, el Río está llamando": 25 años del asesinato de Ignácio Martín-Baró. Psicologia Política, 14(29),11-15.         [ Links ]

Montero, Maritza. (1987). Psicologia Política Latinoamericana. Caracas: Panapo.         [ Links ]

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