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Revista Psicologia Política

versão impressa ISSN 1519-549X

Rev. psicol. polít. vol.15 no.32 São Paulo abr. 2015

 

ARTIGOS

 

Formação em psicologia e prática comunitária: problematização da psicologia social comunitária no Brasil

 

Psychology training and community practice: questioning the social community psychology in Brazil

 

Formación en psicología y práctica comunitaria: problematización de la psicología social comunitaria en Brasil

 

Formation em psychologie et pratique communautaire : questions de psychologie sociale communautaire au Brésil

 

 

Larissa Soares BaimaI; Raquel Souza Lobo GuzzoII

IMestre em Psicologia e pesquisadora no Laboratório de Avaliação e Medidas Psicológicas da Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Campinas, São Paulo, Brasil. baima.larissa@gmail.com
IIProfessora titular nos cursos de graduação e pós-graduação em Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Campinas, São Paulo, Brasil. rguzzo@mpc.com.br

 

 


RESUMO

O objetivo deste estudo é o de realizar uma avaliação da formação em Psicologia Social Comunitária (PSC) no Brasil. Compreende-se que a PSC compõe o movimento de crítica da psicologia na América Latina e no Brasil. A partir da técnica de pesquisa de levantamento, apreendeu-se dados referentes ao quadro geral da formação em psicologia e ao âmbito específico da formação em PSC em uma seleção de instituições que oferecem o curso de psicologia no país. Uma análise qualitativa de conteúdo subsidiou a análise de programas de disciplinas de PSC. Os resultados sugerem que a presença da PSC nos projetos pedagógicos de graduação não corresponde a uma mudança na tendência tradicional de formação em psicologia. O estudo aponta para a necessidade do debate acerca da formação em psicologia e em PSC para a análise mais criticamente fundamentada do papel que a PSC tem cumprido na psicologia brasileira.

Palavras-chave: Psicologia, Psicologia Política, Formação do Psicólogo, Psicologia Comunitária, Projeto Político-Pedagógico.


ABSTRACT

This study aims to lead an evaluation of training in Social Community Psychology (PSC) in Brazil. It is understood that the PSC is part of the Psychology critical movement in Latin America. By the survey research technique, it was apprehended data on the general framework of training in psychology and the specific scope of training in PSC by a selection of institutions which offer the psychology undergrad program in the country. A qualitative content analysis subsidized the analysis of PSC disciplines. The results suggest that the presence of PSC in the undergraduate programs does not correspond to a change in the traditional tendency of training in psychology. This study points out the need for a debate about the training in psychology and PSC for the most critically reasoned analysis of the role that this area has played in the Brazilian psychology.

Keywords: Psychology, Political Psychology, Psychologist Education, Community Psychology, Project Pedagogical Politician.


RESUMEN

El objetivo de este estudio es realizar una evaluación de la formación en Psicología Social Comunitaria (PSC) en Brasil. Se entiende que la PSC conforma lo movimiento crítico de La Psicología en América Latina y Brasil. A partir de la técnica de búsqueda de levantamiento, fueron incautados datos en el marco general de la formación en psicología y el alcance específico de formación en PSC en una selección de las instituciones que ofrecen el curso de psicología en el país. Una análisis cualitativa de contenido hay subsidiado el análisis de los programas de las disciplinas. Los resultados sugieren que la presencia de la psicología en el plan de estudios de graduación no se corresponde con un cambio en la tendencia tradicional de formación en psicología. El estudio apunta a la necesidad de un debate sobre la formación en psicología y PSC para el análisis más críticamente razonada de lo papel que la PSC ha jugado en la psicología brasileña.

Palabras clave: Psicología, Psicología Política, Formación del Psicólogo, Psicología Comunitaria, Proyecto Politico-Pedagogico.


RÉSUMÉ

L'objectif de cette étude est d'effectuer une évaluation de la formation en Psychologie SocialeCommunautaire (PSC) au Brésil. D'ailleurs, on entend que la PSC constitue le mouvement de la critique de la psychologie en l'Amérique Latine et au Brésil. À partir de la technique de recherche par sondage, les données, relatives au cadre général de la formation en psychologie et le contexte spécifique de la formation en PSC, ont été saisies dans la sélection d'institutions qui offrent le cours de psychologie dans le pays. Une analyse qualitative de contenu a subventionné l'analyse des programmes des disciplines de PSC. Les résultats suggèrent que la présence de la PSC dans les programmes d'études universitaires ne correspond pas à un changement dans la tendance traditionnelle de la formation en psychologie. L'étude montre la nécessité d'un débat sur la formation en psychologie et en PSC afin d'une analyse plus critique et bien fondée sur le rôle que la PSC remplit dans la psychologie brésilienne.

Mots clés: Psychologie, Psychologie Politique, Formation des Psychologues, Psychologie Communautaire, Projet Politique Pedaguogue.


 

 

Introdução

O presente artigo apresenta parte de uma pesquisa de mestrado que buscou realizar uma leitura e um mapeamento preliminar de como a psicologia social comunitária (PSC1 ) vem sendo incluída nos programas de formação básica dos(as) Psicólogos(as) brasileiros(as). É um trabalho inicial, que se insere numa proposta de trabalho mais ampla e que tem como objetivo um aprofundamento posterior dos limites e possibilidades da PSC como um espaço crítico de formação profissional e suas relações com a realidade brasileira.

A PSC, no Brasil, surge de um processo histórico pelo qual passa a psicologia brasileira, tendo seus elementos fundamentais constituídos na crítica e na tentativa de alternar a psicologia tradicional (Freitas, 1996; Montero, 2011; Yamamoto, 1987). Constituiu-se enquanto um campo que ofereceu importantes contribuições para as ciências humanas e sociais, ao colocar comunidades e setores populares no papel de atores políticos (Freitas, 2001) e para a configuração da área da Psicologia Política, onde era adotada na contestação da psicologia dominante e como possibilidade de intervenção político-comunitária (Sandoval, Dantas & Ansara, 2014). Assim é que, num período em que teorias e práticas dessa ciência e profissão começaram a ser alvo de crítica, a psicologia comunitária surge como uma das tentativas de se construir uma alternativa à psicologia elitista que pouco servia em responder às demandas da maioria da população brasileira.

Essas demandas, nesse período de início das primeiras práticas em contextos comunitários, nos anos de 1960 e 1970, ligavam-se diretamente às condições básicas de sobrevivência da maioria da população, numa realidade social de carência dessas condições básicas. E, em face de uma realidade social tão distante dos modelos teóricos tradicionais, evidenciava-se a insuficiência de tais modelos em oferecer respostas a esta realidade (Freitas, 2001).

Nessa perspectiva, desenvolviam-se propostas dentro do campo que, com muita frequência, denunciavam o distanciamento da psicologia dos problemas sociais e apontavam para a necessidade da psicologia se comprometer com projetos políticos de transformação social (Gonçalves & Portugal, 2012). A aproximação com teorias e métodos de orientação marxista, a influência da educação popular de Paulo Freire (Montero, 2011) e o próprio caráter inicial de marginalidade dos primeiros trabalhos desenvolvidos no campo (Freitas, 1996) refletem uma tentativa de se construir uma psicologia que cumprisse um papel social diferente do histórico papel de manutenção do status-quo cumprido pela psicologia hegemônica.

A mudança na conjuntura política e social do país, a partir dos anos de 1990 e da implementação da estratégia de governo neoliberal, a institucionalização do psicólogo na saúde e, mais tarde, nos serviços de assistência, mudam o quadro da profissão no país. O trabalho comunitário que, antes, era realizado de forma voluntária e às vezes marginal, passa, a partir dos anos de 1990 e da implementação da estratégia de governo neoliberal, a também ser realizado dentro de equipamentos institucionais do Estado ou mesmo de instituições do chamado "terceiro setor2".

E a existência de tais trabalhos levanta a necessidade de se pontuar, com muita clareza, que, na atual conjuntura, quando falamos em intervenções comunitárias em psicologia, não estamos falando necessariamente de contribuição em lutas de transformação social (Lacerda Jr., 2010). Por essa razão é que marcar a diferenciação da PSC com as demais práticas comunitárias é fundamental para que não se perca o horizonte da luta pela libertação e pela transformação social

Com o intuito de tornar uma investigação nesse sentido um pouco mais viável e menos ampla, iniciamos a pesquisa, da qual se originou este artigo, analisando uma das partes que compõem a totalidade desse campo que se apresenta como crítica e alternativa à psicologia hegemônica no Brasil. Dessa forma, é que prosseguimos com o objetivo de realizar uma leitura e um mapeamento inicial da formação em PSC oferecida nos projetos pedagógicos dos cursos de graduação em Psicologia no Brasil.

 

Formação em Psicologia no Brasil: perfil e diretrizes

Lisboa e Barbosa (2009), em pesquisa documental que buscou caracterizar os cursos de graduação em psicologia no Brasil, chegaram a um perfil de formação do psicólogo brasileiro pouco diferente daquele já traçado em estudos nos anos de 1980. A formação do psicólogo brasileiro, que nos anos de 1980 era avaliada como deficitária no que se referia à fundamentação filosófica, metodológica e científica (Bock, 1997; Bastos & Gomide, 1989), altamente voltada para a atuação clínica em consultórios e com pouca discussão acerca da realidade socioeconômica brasileira e do papel social do psicólogo é uma situação que se mantém. Naquela década, evidenciava-se a concentração de psicólogos formados em ampla maioria nas instituições de ensino privadas (70% deles). O sudeste aparecia como a região com maior número de profissionais (75%), com distribuição nacional caracterizada por grande presença de profissionais nas capitais (Bastos & Gomide, 1989).

Quase três décadas mais tarde, o trabalho de Seixas (2014) constata a manutenção deste mesmo quadro nos dias de hoje. A grande maioria dos cursos de graduação em psicologia no Brasil permanece nas instituições de ensino privadas e na região sudeste. O crescimento no número de cursos, propiciado pela Reforma Universitária de 1968, pela promulgação da LDB de 1996 e a implementação das políticas educacionais de caráter neoliberal, desde o período dos anos de 1990 e mantida a partir do ano de 2006, não representou uma equivalente mudança na qualidade da formação.

A lógica de mercado continua sendo a grande determinante da organização e funcionamento dos cursos de graduação em psicologia no país, empurrando instituições para o abismo da formação tecnicista com vias ao atendimento do mercado de trabalho. A organização curricular também é apontada pelos autores como elemento que contribui para o fosso entre o que se espera e o que de fato existe enquanto formação desse profissional (Lisboa & Barbosa, 2009).

A própria expansão dos cursos de psicologia no país na última década deve ser problematizada. Esta coincide, como observa Seixas (2014), com o movimento das políticas de ensino superior de forma geral no país. Houve, entre 2001 e 2007, um aumento de 200% na quantidade de cursos de psicologia no Brasil, tanto na rede pública quanto na rede privada. Este vertiginoso crescimento relaciona-se com a LDB de quase dez anos antes, de evidente caráter mercadológico e íntima sintonia com os ideários da agenda neoliberal (Lisboa & Barbosa, 2009). Na última década, sob o governo do PT, essa expansão tem-se dado, primordialmente, devido às novas políticas - de caráter privatista e neoliberal - de expansão do ensino superior (ProUni e REUNI3), marcada pela submissão às pressões dos organismos internacionais, pelo enxugamento de verbas, pela consequente precarização das IEs e pela compensação via abertura à captação de recursos externos, no caso das IEs públicas (Léda & Mancebo, 2009) No caso das IEs privadas, vê-se, com o ProUni, a defesa dos direitos políticos e econômicos destas em detrimento do investimento público em educação pública e de qualidade. Isso se expressa, por exemplo, nos dados recuperados por Ribeiro (2013) acerca dos recursos financeiros não arrecadados pelo governo devido à isenção de impostos às IEs privadas que aderem ao programa: cerca de R$ 4 bilhões desde a criação do programa até o ano de 2013.

A graduação em psicologia no Brasil tem suas diretrizes curriculares instituídas na Resolução 8/2004 do MEC. Vale destacar que a instituição das DCNs (Diretrizes Curriculares Nacionais) do curso de Psicologia consolidou uma discussão que já vinha se desenhando desde o início dos anos de 1990, e que, em suma, fazia a crítica ao modelo médico-clínico em torno do qual se centrava a formação em Psicologia com base no currículo mínimo (fixado em 1962, quando da regulamentação da profissão no país) (Tizzei, 2014). Desta forma, ainda que somente em 2004 essa discussão tenha se consolidado nas novas diretrizes curriculares, desde os anos de 1990, havia um movimento de adequação dos projetos de curso à formação, tal qual colocada como modelo nas DCNs.

De acordo com as DCNs, a formação em psicologia deveria se basear em alguns princípios e compromissos que, em suma, determinam que o psicólogo deva ser formado com o objetivo de produzir conhecimento e atuação em diferentes contextos, visando à promoção da qualidade de vida de grupos, indivíduos, organizações e comunidades. Define-se que essa formação deveria se basear em múltiplos referenciais, capazes de dar conta da complexidade do fenômeno psicológico, e deveria fomentar a compreensão crítica de fenômenos econômicos, políticos, culturais e sociais do país.

De acordo com as DCNs (Diretrizes Curriculares Nacionais), nacionalmente, o curso deveria ser identificado por um núcleo comum de formação, que se expressaria em um conjunto de habilidades, competências e conhecimentos que se espera, de maneira geral, dos psicólogos formados no país. E, pela grande diversidade teórica e metodológica, de práticas e áreas de atuação, a resolução institui que os cursos de graduação em psicologia devem se organizar em torno de ênfases curriculares. Além das ênfases, é exigência do MEC aos cursos um conjunto de atividades individuais ou coletivas que compreendem aulas, conferências, palestras, atividades em laboratório, observação em diferentes contextos, projetos de pesquisa dirigidos por docentes da instituição, monitorias, aplicação e avaliação de instrumentos psicológicos, visitas a locais de atuação em psicologia, projetos de extensão e estágio supervisionado.

Segundo Seixas (2014), a forma de orientação das DCNs, ainda que baseada em princípios gerais e inespecíficos, representa um avanço ao considerar necessidades sociais como um princípio. Para o autor, isso se relacionou ao dilema em responder às demandas sociais brasileiras, e que aparecia nas bandeiras dos movimentos da categoria desde a década de 1980. O mesmo vale para a preocupação com formação para a atuação em diferentes contextos, o que significa uma ampliação da atuação para além dos espaços hegemônicos. Mas, o autor pontua que, ainda que a atual legislação represente um avanço no estabelecimento de conteúdos curriculares, princípios gerais, ampliação da noção de campos profissionais e locais de intervenção, elas são limitadas por seu caráter demasiado amplo e ambíguo, que permitem aos cursos reproduzirem os mesmos antigos formatos.

 

Dimensões de uma Formação para a Pesquisa e Prática Comunitária

Montero (2008), ao formular uma definição para o que seria a psicologia comunitária (feita pela primeira vez, pela autora, em 1982), chegou a algumas implicações gerais comuns à concepção de diversos autores em psicologia comunitária na América Latina. A autora definiu a psicologia comunitária como sendo um campo da psicologia dedicado ao estudo dos fatores psicossociais que desenvolvam, fomentem e mantenham o controle e o poder dos indivíduos sobre seu meio social e individual, os instrumentalizando para a condução de mudanças no seu meio e na estrutura social mais ampla.

As implicações que derivam desta definição são: 1) os profissionais da psicologia assumem um papel de agente de transformação social ao compartilhar conhecimento, trabalhar em conjunto e se orientar pelos mesmos objetivos que outros atores sociais da comunidade; 2) O entendimento da subdisciplina como campo interdisciplinar; 3) A identificação e o estímulo de potencialidades psicossociais; 4) Uma mudança no modo de encarar, interpretar e agir na realidade, visando, nisso, sempre a transformação social e individual, num processo dialético de mudança nas relações entre indivíduo, grupo e sociedade (Montero, 2008).

Uma dimensão fundamental inerente à entrada dos psicólogos no contexto comunitário diz respeito aos valores e concepções adotados pelo psicólogo ou psicóloga na orientação de seu trabalho. Para Freitas (1998), o papel exercido pelo psicólogo no processo de análise de necessidades na comunidade é de muita importância. Os instrumentais de análise, juntamente com o tipo de inserção que é feito na comunidade revelam diferentes orientações e compromissos políticos. Aqui, vale retomar de forma mais precisa a compreensão daquilo que se defende enquanto PSC, e que define princípios específicos para o campo.

A expressão Psicologia Social Comunitária não coincide com todas as práticas que fogem dos contextos tradicionais de atuação. Como discute Freitas (2001), é preciso que se faça a distinção entre as práticas comunitárias, indiscriminadamente identificadas como tal, com a PSC. Esta, como já discutido anteriormente, teve sua origem intimamente ligada a uma realidade social de desigualdade e injustiça bem como da reação popular a este quadro através de lutas por condições de vida mais justas e dignas. Representou um compromisso político com essa indignação e luta popular por transformações. E, esse compromisso, aponta para a necessidade de se trabalhar processos psicossociais que favoreçam essa transformação. Esses processos seriam, prioritariamente, a conscientização acerca das condições concretas de vida das pessoas e o fomento da participação, participação que se traduz no envolvimento consciente e ativo dos atores sociais (internos e externos, individuais e coletivos) nas ações comunitárias.

Ou seja, na concepção da autora, uma prática realmente identificada com o compromisso político que caracteriza a PSC deve considerar duas dimensões fundamentais: 1) a dos processos psicossociais; e, 2) a dos atores envolvidos no trabalho e ação comunitária. A primeira demanda uma compreensão de homem baseada em aportes teóricos de uma psicologia social crítica, capaz de fornecer elementos para uma análise histórica e material do cotidiano das pessoas. A segunda exige uma atenção para o papel desempenhado pelos atores sociais envolvidos nas ações comunitárias, de onde a dimensão metodológica se evidencia como outro eixo de cuidado fundamental. A contribuição da PSC no fomento da participação comunitária só se possibilita por meio de intervenções baseadas em metodologias participativas, além do constante compromisso com a produção de conhecimento (Freitas, 2001).

Mas, a formação em Psicologia no Brasil, não parece estar, de fato, preparando psicólogas e psicólogos para a atuação na prática comunitária. Para Paiva e Yamamoto (2010), um dos fatores que permitem evidenciar isso é a dissociação da formação com a prática social. Forma-se psicólogos no Brasil orientados para a atuação na clínica e pouquíssimo debate acerca dos problemas sociais do país. Há, além disso, um quadro de isolamento de disciplinas, que não se conectam e nem contam com metodologias capazes de dar conta de novas demandas. A construção de novos referenciais de atuação em psicologia comunitária, nesse sentido, passa, de acordo com seus princípios fundamentais, necessariamente, pela união entre teoria e prática. O que se quer dizer é que não devemos nos livrar de instrumentos e técnicas da psicologia tradicional, mas que toda e qualquer metodologia deve ser realizada com uma orientação voltada à comunidade, à participação e à mudança social (Paiva & Yamamoto, 2010).

A defesa que, neste trabalho, se faz, é a da construção e fortalecimento de uma PSC comprometida com o poder popular e a mudança real nas condições de vida da maioria da população. E, com base no que sugerem os autores trabalhados, as dimensões necessárias para a investigação e prática comunitária coerentes com estes princípios foram, por nós, sistematizadas nas seguintes dimensões:

1) Um aporte teórico que instrumentalize uma leitura e análise social, concreta e histórica de indivíduo e sociedade (dimensão teórico-epistemológica);

2) A apropriação de metodologias participativas de trabalho e ação comunitários (dimensão metodológica);

3) Uma orientação para a transformação social, que exige o exame crítico do papel social do psicólogo na colaboração com a transformação ou a manutenção das realidade social vivida pelos indivíduos, grupos e comunidade (dimensão ontológica);

4) O reconhecimento da PSC como campo interdisciplinar que deve, necessariamente, estabelecer diálogo com outros campos da Psicologia e das Ciências Sociais;

5) A não dissociação entre teoria e prática, que exige, necessariamente, da prática, o compromisso com a produção de conhecimento, e do conhecimento com a atuação e transformação da realidade.

 

Materiais e Método

Este estudo utilizou-se de duas técnicas de pesquisa e análise. A primeira, uma pesquisa de levantamento que buscou apreender dados referentes ao quadro geral da formação em psicologia e ao âmbito específico da formação em PSC no Brasil. Um levantamento realizado no banco de dados online do MEC (portal e-MEC4) buscou obter os seguintes dados referentes aos cursos de psicologia no país: 1) número total de cursos de graduação em psicologia no Brasil; 2) número de cursos por estado; 3) número de cursos por vinculação administrativa (público federal, estadual ou municipal, e privado com ou sem fins lucrativos).

Uma seleção de quatro cursos por estado5, dois públicos e dois privados, escolhidos dentro do total de cursos de psicologia do mesmo nos levou ao número de 65 cursos de psicologia que compuseram nosso corpus de análise, uma vez que nem todos os estados contavam com ao menos dois cursos públicos e dois privados. Desse corpus de análise composto por 65 cursos de psicologia de todos os estados brasileiros, levantamos os seguintes dados, obtidos na página da internet de cada curso, disponibilizada no portal e-MEC: 1) presença ou ausência de disciplina de psicologia comunitária ou alguma temática diretamente relacionada; 2) presença ou ausência de estágio curricular de psicologia comunitária ou alguma temática diretamente relacionada; 3) presença ou ausência de ênfase curricular de psicologia comunitária ou alguma temática diretamente relacionada.

Para os cursos que oferecessem ao menos uma disciplina dentro da temática, buscou-se, na própria página da internet da instituição, obter a ementa da disciplina. Foi possível acessar 12 ementas, que foram submetidas à técnica de análise de conteúdo. Nele, buscamos realizar uma apresentação dessas ementas através de um quadro indicando a instituição referente, o texto na íntegra de cada ementa e as referências bibliográficas, quando sugeridas e disponibilizadas. Uma análise mais aprofundada poderia ser realizada com base no conteúdo geral das disciplinas e não apenas em suas ementas. Mas, para uma avaliação de caráter preliminar, as ementas já nos apontam dados iniciais acerca da perspectiva da formação. Todos os dados obtidos, tanto pelo levantamento quantitativo, quanto pela análise qualitativa dos dados relativos às ementas, foram submetidos à avaliação guiada pelos referenciais teóricos da psicologia social comunitária, sistematizados nas cinco dimensões apresentadas anteriormente.

A título de estabelecer uma melhor organização do conteúdo das ementas coletadas, realizamos a sistematização de seus conteúdos em algumas categorias. Essas categorias foram: 1) Aspectos históricos; 2) Conceitos e categorias para a área; 3) Questões metodológicas; 4) Questões teórico-epistemológicas; e, 5) Questões ontológicas. Destacamos, apenas, que a categorização é preliminar e foi feita com base em um trabalho minucioso de leitura e releitura do conteúdo das ementas. Nesse trabalho, buscou-se identificar palavras e termos que se repetiam e pudessem ser agrupados em categorias que formulassem uma análise de sentido no campo. Foi, portanto, uma categorização realizada posteriormente à cuidadosa leitura e apreensão de conteúdos do texto das ementas. A análise destas categorias foi realizada à luz das cinco dimensões para a formação e ação comunitária sistematizadas anteriormente.

A categoria de "aspectos históricos" aglutinou termos do programa que anunciavam conteúdos referentes à história, desenvolvimento e/ou evolução do campo de psicologia comunitária. Em "conceitos e categorias para a área" reuniram-se termos que apontavam para discussões que abordassem conceitos e categorias teóricas desenvolvidas dentro da psicologia comunitária ou de outros campos, mas que são funcionais ao estudo e prática no campo. A categoria de "questões metodológicas" compreendeu quaisquer conteúdos que se referiam a aspectos de metodologia, ou seja, agrupou todos os termos que fizessem menção a formas de agir e instrumentos de análise que são funcionais para a pesquisa e intervenção no campo. Em "questões teórico-epistemológicas", foram agrupados os termos que fizessem menção à discussão sobre diferentes abordagens em psicologia comunitária e a questões multidisciplinares que tem determinação no campo. A categoria de "questões ontológicas" englobou termos referentes ao papel social do psicólogo ou do psicólogo comunitário e questões de ética e cidadania.

 

Resultados e Discussão

Com relação à quantidade de cursos e sua distribuição geográfica, foram encontrados, à época da consulta (segundo semestre do ano de 2014), 449 cursos de graduação em psicologia no Brasil reconhecidos pelo MEC. Do total de 449 cursos de psicologia no país, verificou-se uma distribuição discrepante desses cursos por estados e regiões. As regiões com maior número de cursos são a região sudeste, com 177 cursos (39,42% do total de cursos do país) e a região nordeste, com 101 cursos (22,5%). Os cursos de psicologia estão, em grande maioria, concentrados em instituições privadas de ensino (89,29%), seguido por federais (7,74%) e estaduais ou municipais (2,96%).

Entre os cursos selecionados (65 cursos) em que se buscou verificar a presença da psicologia comunitária nos projetos político pedagógicos dos cursos de graduação, através da presença ou ausência de disciplina, estágio e ênfase na temática, chegou-se ao seguinte quadro. Vinte e cinco (34,46%) deles disponibilizavam as ênfases presentes no curso, das quais apenas três instituições (4,61%) apresentavam alguma ênfase diretamente relacionada à psicologia comunitária.

Com relação às disciplinas, 43 cursos (66,15%) do total de cursos selecionados oferecem alguma disciplina de psicologia comunitária, psicologia social comunitária ou alguma proposta de disciplina diretamente relacionada à temática. O estágio, na forma de estágio básico, estágio supervisionado ou estágio profissionalizante está presente em oito instituições, das quais quatro são privadas, três federais e uma estadual. De forma geral, as instituições que oferecem o estágio no campo, apresentam em sua matriz curricular uma ou mais disciplinas teóricas que fundamentam a atuação.

Dos cursos que oferecem a disciplina, 12 deles (18,46%) disponibilizam a respectiva ementa em sua página. Nos conteúdos das ementas, as categorias mais frequentemente abordadas são a de questões metodológicas e a de questões teórico-epistemológicas (83,3% das ementas, ambas). Em seguida, na mesma frequência, aparecem as outras três categorias, presentes, cada uma, em cinco das doze ementas. Importante destacar que, das dez ementas que contemplam a categoria de questões metodológicas, em nove delas aparece a categoria de questões teórico-epistemológicas. E que quatro das cinco ementas que abordam os aspectos ontológicos, estão dentro desse grupo. Ou seja, há quatro ementas (33,3% do total de ementas), no grupo de doze, que abordam, ao mesmo tempo, aspectos metodológico, teórico-epistemológicos e ontológicos da psicologia comunitária. As categorias de aspectos históricos e de conceitos e categorias para a área aparecem, cada uma delas, em cinco ementas (41,6%). Apenas uma das doze ementas contempla todas as categorias.

Esses dados, tanto os relativos à presença da psicologia comunitária nos projetos político pedagógicos de graduação em psicologia no Brasil quanto os referentes ao quadro geral da formação, ainda que superficiais, revelam a atualidade daquilo observado por Lisboa e Barbosa (2009) quanto à formação em psicologia no país. A graduação em psicologia no Brasil permanece, majoritariamente, dentro das instituições privadas de ensino (quase 90% delas), concentradas no sudeste do país.

Verificamos que, com relação à presença da disciplina de psicologia comunitária no projeto pedagógico, a maioria dos cursos analisados apresenta uma ou mais disciplinas nodecorrer do curso. É um dado interessante que, superficialmente, poderia nos sugerir uma tendência atual, na formação em psicologia, a se aproximar de uma perspectiva menos focada na formação tradicional da saúde e mais voltada a uma formação socialmente referenciada e voltada ao coletivo. Mas, se olharmos criticamente para esses dados, veremos que eles refletem, nada mais, que o cumprimento dos projetos de curso às atuais exigências do MEC à formação em psicologia. Um núcleo comum de formação que garanta o contato com alguns eixos em que, obrigatoriamente, se espera do estudante o desenvolvimento de competências e habilidades para lidar com contextos não só clínicos, mas grupais e comunitários.

Essa afirmação parece se confirmar se olharmos para a dimensão das ênfases e estágios oferecidos em cada instituição, de acordo com seu projeto. Se, por um lado, verifica-se uma presença consistente de ao menos uma disciplina de psicologia comunitária no projeto dos cursos de psicologia no Brasil, por outro, não se pode verificar o mesmo no que se refere à existência de ênfases curriculares e estágios básicos ou supervisionados. Apenas três das 65 instituições analisadas oferecem alguma ênfase em psicologia comunitária ou alguma temática diretamente relacionada a ela. E, estágios, estão presentes em oito dessas instituições. Apenas três instituições apresentam tanto a disciplina quanto a ênfase e o estágio.

Esses dados nos levam a refletir para além da superfície. Aparentemente, se olharmos apenas para a grande presença de disciplinas de psicologia comunitária nos projetos político pedagógicos de graduação, poderíamos concluir que a formação no Brasil tem adquirido uma perspectiva que contempla um caráter mais social e comunitário. Contudo, ao evidenciarmos que a imensa maioria dessas instituições oferecem apenas tal disciplina, sem uma ênfase curricular constituída de todo um conjunto de disciplinas e atividades que verdadeiramente capacitem e formem o aluno numa perspectiva diferente, veremos que o cenário pouco tem mudado. O mesmo se pode dizer com relação à falta do estágio básico, para o núcleo comum, e do estágio supervisionado, no caso da ênfase.

Tal como afirmam Paiva e Yamamoto (2010), o isolamento de disciplinas, que não se conectam e nem contam com metodologias capazes de dar conta de novas demandas, e a falta de uma formação que instrumentalize uma leitura filosófica e política da intervenção, não representam uma qualitativa formação do estudante. Não se separa teoria e prática numa formação ampla e plena que realmente possibilite ao aluno compreender e intervir socialmente. E, esse tipo de intervenção, só pode ser construída com uma formação que garanta o domínio de instrumentais teórico-metodológicos capazes de possibilitar uma leitura social e crítica da sociedade, uma intervenção socialmente situada e com perspectiva de real mudança das condições sociais do contexto em que se atua.

A volumosa presença da disciplina de psicologia comunitária nos projetos de curso talvez possa ser explicada por alguns fatores. Com as exigências feitas pelo MEC aos cursos de psicologia por meio de suas diretrizes curriculares, as instituições de ensino tendem a responder a essa exigência contemplando, minimamente, princípios dessas diretrizes em disciplinas que, quase sempre, acontecem isoladamente no projeto, sem o acompanhamento de um estágio e sem a inserção dentro de uma ênfase curricular. Ao que parece, esse seria o grande estímulo aos programas de graduação em psicologia pelo país a oferecerem a disciplina em seu projeto. Mas, de forma qualitativa, a simples presença de uma ou duas disciplinas, quando muito, de psicologia comunitária nos projetos político pedagógicos, concretamente, não muda a realidade da formação em psicologia no Brasil. Pode ser considerada uma presença burocrática na estrutura curricular que, de fato, não tem impactos maiores na formação geral do estudante (Guzzo, 2014). É uma tendência que apenas mascara o quadro que pouco tem mudado desde a institucionalização dos primeiros cursos de graduação em psicologia no Brasil.

O programa das disciplinas, apreendido do conteúdo das ementas, mostra-se, em uma frequência relevante, mais dedicado a uma formação que contemple aspectos metodológicos e teórico-epistemológicos. A dimensão ontológica, que contempla discussões acerca do papel social da psicologia e da psicologia comunitária fica minimizada diante da valorização dos dois primeiros aspectos, ainda que tenham uma frequência significativa (41,6% das ementas). Assim, sugere-se que os cursos têm uma preocupação em fornecer um aporte teórico-epistemológico e metodológico, contudo não costumam oferecer, ao mesmo tempo, uma formação que contemple a dimensão ontológica do conhecimento e prática em psicologia comunitária.

Sabendo que o conhecimento e a prática são dotados das três dimensões (metodológica, ontológica e teórico-epistemológica), fica sugerido que, na maior parte das vezes, a formação fica incompleta. Carente da dimensão ontológica, os cursos, mesmo que atendam a essas duas categorias mais frequentes, correm o risco de formar psicólogos para a prática comunitária sem uma preocupação com os impactos éticos e políticos da sua atuação na vida das pessoas, grupos e comunidades com os quais venham a lidar.

E, mesmo que um número tão alto de ementas aborde a dimensão metodológica, por exemplo, não necessariamente se pode afirmar que o quadro de carência de instrumentais teóricos e metodológicos adequados à prática comunitária, tal como visualizado por Paiva e Yamamoto (2010) venha sendo vencido. Isso porque apenas o contato com diferentes metodologias de trabalho em psicologia comunitária não garante que a intervenção que se realizará na prática vá, de fato, ser uma intervenção relevante para a comunidade. Como colocado por Prilleltensky (2008), a avaliação do grau do impacto das estruturas de poder e do papel exercido pela investigação ou ação do psicólogo na comunidade são elementos necessários para a validação psicopolítica daquela ação. Ou seja, a utilidade da intervenção na promoção de processos de bem estar da comunidade, de libertação, de fortalecimento, devem ser avaliados com base em uma compreensão crítica do papel social da intervenção, da pesquisa e das estruturas de poder existentes.

Além disso, método não existe sem teoria e visão de mundo. Método não é neutro. É preciso que toda metodologia de pesquisa e intervenção seja circunstanciada dentro de um conjunto teórico que instrumentalize a compreensão do objeto. E, a compreensão do objeto só é possível mediante a compreensão dele em sua relação dinâmica com o contexto histórico, político e social, desvelando aparências, e construindo horizontes aonde se espera chegar com determinada atuação. Assim, método, além de uma teoria, inexiste sem uma visão de mundo.

Nesse sentido, compreender e reproduzir instrumentais teórico-metodológicos só é útil para a prática comunitária comprometida com a mudança da vida das populações e grupos se, por trás de seu arcabouço de pesquisa e intervenção, existe uma leitura da realidade social e uma visão de mundo calcada em um horizonte de mudança. Nesse sentido, é muito importante que o conteúdo programático de uma disciplina que visa formar o psicólogo para a prática em comunidades contemple, para além de aspectos metodológicos de pesquisa e intervenção, tópicos de discussão sobre a realidade social, concepções de mundo e papel social da psicologia.

A realidade da comunidade não é uma realidade isolada. É uma realidade complexa, constituída de determinantes históricos, políticos e sociais, que não pode ser apreendida sem uma leitura crítica e comprometida com a compreensão de processos quase nunca exclusivos do âmbito da psicologia. Compreender a realidade de uma comunidade exige uma leitura séria de mundo e conjuntura que demanda uma formação preocupada com aspectos políticos, sociais e históricos da realidade.

Assim, é que, na formação, é necessário que existam tópicos de discussão em ciências sociais, filosofia, sociedade atual, dentre outros, que fomentem uma leitura filosófica e política de intervenção, tal como colocado por Paiva e Yamamoto (2010). A compreensão da realidade de uma comunidade não é suficiente com a compreensão solta do significado de comunidade. O real entendimento da complexidade de determinantes da situação de uma comunidade exige uma visão crítica calcada numa mínima leitura desses processos. E, como podemos ver no nosso quadro de disciplinas selecionadas, mais uma vez os dados são pouco animadores. Apenas 33% das ementas revelam disciplinas dedicadas a este aspecto.

 

Considerações Finais

Se a situação da PSC no Brasil puder ser avaliada a partir da análise de alguns âmbitos em específico, que, juntos, compõem o conjunto do campo, o diagnóstico acerca do âmbito da formação pode ser desanimador. Os dados aos quais se chegou neste estudo não nos permitem, contudo, estabelecer um diagnóstico conclusivo, dados seus vários limites. Não obtivemos, do banco de dados, dados relativos a todos os cursos, o que nos demanda muito cuidado para não se cair em generalizações indevidas. Entretanto, dentro dos limites deste estudo, que se configurou muito mais como uma leitura e um mapeamento inicial acerca da formação em PSC ofertada nos projetos de curso, podemos tecer algumas pressuposições ou projeções.

Essa leitura e mapeamento inicial nos permitem pressupor que se formam pesquisadores e profissionais em psicologia no Brasil pouco capazes de lidar com os problemas cotidianos da população. Pouco capazes, também, de contribuir na construção de um projeto ético de profissão, que politize o debate acerca da ciência e profissão. Menos capazes, ainda, de servir à população explorada na contribuição para a construção de um projeto de sociedade libertador.

Mas, não queremos dizer, com isso, que uma mudança na formação em psicologia, por si só, garantiria à ciência e à profissão um caráter diferente daquele de contribuição na manutenção do status-quo. Um caráter combativo e verdadeiramente comprometido com a mudança radical dessa sociedade. Não coube a este estudo conduzir uma reflexão neste aspecto, mas vale destacar a discussão feita por Yamamoto (2007) que chama a atenção para os limites da psicologia, como profissão, em conduzir ações de mudança social concretas, uma vez que não cabe a nenhuma profissão, na atual divisão do trabalho, essa tarefa.

Mas, a PSC, por sua atuação diretamente com as populações mais atingidas pelos efeitos perversos do sistema, e por levantar a necessidade de se mudar essa realidade, ainda que muitas vezes de forma abstrata, pode ser um interessante instrumento para a psicologia crítica, a crítica da psicologia e a crítica da sociedade, tendo sempre, no horizonte, a construção de um projeto societário emancipador. Ainda que nem ela, nem a mais radical das propostas críticas em psicologia seja capaz de conduzir este projeto, ela pode atuar como um catalizador na mudança. E, avaliar, entre outros âmbitos, o âmbito da formação em psicologia e a formação em psicologia social comunitária, pode contribuir nessa tarefa, revelando nexos e contradições entre psicologia e sociedade.

 

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Recebido em 14/01/2015.
Revisado em 19/03/2015.
Aceito em 16/04/2015.

 

 

1 É importante que se coloque em termos precisos de que Psicologia Comunitária estamos falando neste trabalho. Na América Latina, o termo "Psicologia Social Comunitária" tornou-se corrente devido ao fato de que, nesta região, a Psicologia Comunitária teve suas origens no campo da Psicologia Social (Montero, 2011). A preocupação com uma atuação crítica e comprometida com a transformação social animava a construção de uma nova práxis no campo da Psicologia Social na América Latina. E, essa guinada, nas palavras de Silva e Bonfim (2011:251), "tem contribuído fortemente para a construção de uma práxis cujo enfoque seja a mudança no panorama atual e a criação de uma Psicologia Social Comunitária latinoamericana que difere da que se constituiu nos Estados Unidos e Europa".
2 De acordo com Montaño (2001), o "terceiro setor" se constitui muito mais como uma instrumentalização de um conjunto de práticas, valores, sujeitos e instâncias a serviço das transformações do capital, especialmente nas modalidades de trato à "questão social" dentro do capitalismo neoliberal.
3 ProUni: Programa Universidade para Todos. REUNI: Programa do Governo Federal de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais.
4 O e-MEC é um sistema eletrônico oficial do Ministério da Educação que possibilita o acompanhamento dos processos que regulam a educação superior no Brasil. (<http://emec.mec.gov.br/>)
5 A escolha dos cursos nesta etapa se deu com base, unicamente, no critério de ordem alfabética dos cursos apresentados no portal e-MEC.

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