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Revista Psicologia Política

Print version ISSN 1519-549X

Rev. psicol. polít. vol.15 no.32 São Paulo Apr. 2015

 

ARTIGOS

 

Uma análise semiológica de imagens e representações sociais elaboradas por detentos e agentes da Penitenciária Modulada Estadual de Osório /RS /Brasil

 

A semiological analysis of images and social representations made by prisoners and prison guards in the state Penitentiaries Modulate in Osorio /RS /Brazil

 

Un análisis semiológico de imágenes y representaciones sociales elaboradas por encarcelados y agentes de la Penitenciaria Modulada Estadual de Osorio /RS /Brasil

 

Une analyse sémiotique des images et des représentations sociales préparé pour les détenus et les agents de l'Etat Pénitencier Modulée Osorio /RS /Brésil

 

 

Letícia Lara FroesI; Aline Reis Calvo HernandezII; Leandro ForellIII

IPedagoga pela Universidade Estadual do Rio Grande do Sul, São Francisco de Paula, Rio Grande do Sul, Brasil. leticialarafroes@gmail.com
IISecretária Geral da Associação Brasileira de Psicologia Política (2014-2016). Psicóloga pela Pontifícia Universidade Católica do Rio grande do Sul, Brasil, e doutora em Metodologia pela Universidad Autónoma de Madrid, Espanha. Atualmente é Professora Adjunta na graduação em Pedagogia e em Gestão Ambiental da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul, São Francisco de Paula, Rio Grande do Sul, Brasil. alinehernandez@hotmail.com
IIIÉ graduado em Educação Física pelo Centro Universitário FEEVALE, Brasil, mestre e doutor em Ciências do Movimento Humano pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil. Atualmente é Professor Adjunto da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul, Osório, Rio Grande do Sul, Brasil. forell-leandro@uergs.edu.br

 

 


RESUMO

O artigo analisa as representações sociais elaboradas por presos e agentes prisionais da Penitenciária Modulada Estadual de Osório, Rio Grande do Sul, Brasil, por meio de imagens desenhadas nos ambientes da prisão e suas significações. Foi realizada uma pesquisa qualitativa, de tipo exploratório, descritivo e interpretativo que utilizou a análise semiológica de fotografias oriundas do ambiente prisional. As coleções de imagens foram organizadas em torno a quatro campos semânticos: Violência; Sexualidade; Religiosidade e Fé; Inscrições. Foi realizado o procedimento de grupo focal onde os agentes penitenciários assistiam a projeção das fotografias e expunham suas percepções e representações sobre as mesmas. Após a análise de todo o material foram encontrados três campos analíticos: Relações de Poder; Identidades Assumidas; Modos de Subjetivação. As análises problematizam os significados que os agentes penitenciários elaboram, seus preconceitos e estereótipos, além do fatalismo atribuído aos presos e à criminalidade.

Palavras-chave: Representações Sociais, Análise Semiológica, Preso, Agente prisional.


ABSTRACT

This paper analyzes social representations by prisoners and prison guards from the State Penitenciaria Modulada in Osorio, Rio Grande do Sul, Brazil, considering images drawn in the prison surroundings and their meanings. This qualitative, exploratory, descriptive, interpretative research used the semiological analysis of photographs of the prison surroundings. The collections of images were organized in four semantic fields: Violence; Sexuality; Religiousness and Faith; Inscriptions. A focus group procedure was used. The photographs were projected to the prison agents, who showed their perceptions and representations about them. After the analysis of the whole material, three analysis fields were found: Power Relationships; Assumed Identities; Modes and Processes of Subjectivation. The analyses problematize the meanings that the prison guards create, their prejudices and stereotypes, besides the fatalism attributed to both the prisoners and criminality.

Keywords: Social Representations, Semiological Analysis, Prisoner, Prison Guard.


RESUMEN

El artículo analiza las representaciones sociales elaboradas por encarcelados y agentes de la Penitenciaria Modulada Estadual de Osorio, Rio Grande do Sul, Brasil, a través de imágenes dibujadas en los ambientes de la cárcel y sus significados. Fue realizada una investigación cualitativa, de tipo exploratorio, descriptivo e interpretativo que utilizó el análisis semiológico de imágenes del ambiente prisional. Las colecciones de imágenes fueron organizadas a partir de cuatro campos semánticos: Violencia; Sexualidad; Religiosidad y Fe; Inscripciones. Fue realizado el procedimiento de grupo focal dónde los agentes asistieron a la proyección de las imágenes y presentaron sus percepciones y representaciones. El análisis total del flujo de datos encontró tres campos analíticos: Relaciones de Poder; Identidades Asumidas; Modos y Procesos de Subjetivación. Los análisis discuten los significados que los agentes elaboran, sus prejuicios y estereotipos, además del fatalismo atribuido a los encarcelados y a la criminalidad.

Palabras clave: Representaciones Sociales, Análisis Semiológico, Encarcelado, Agente de la cárcel.


RÉSUMÉ

Cet article analyse les représentations sociales faites par les détenus et agents pénitentiaires modulée Estadual de Osorio, Rio Grande do Sul, au Brésil, à travers des images tirées des environnements de prison em et leurs significations. Cette étude a effectué une recherche qualitative descriptive et interprétative, exploratoire, qui a utilisé l'analyse sémiotique des images de l'environnement correctionnel. Les collections d'images ont été organisées à partir de quatre champs sémantiques : la violence; Sexualité ; Religiosité et la foi; Inscriptions. Il a été mené le processus de groupe de discussion où les agents ont assisté à la projection d'images et ont présenté leurs perceptions et représentations. L'analyse globale des flux de données trouvé trois champs d'analyse : Relacones électriques ; Identités assumées; Les méthodes et les processus subjectifs. L'analyse examine les significations que les agents produisent, préjugés et les stéréotypes, outre le emprisonné attribué à la criminalité et le fatalisme.

Mots clés: Les représentations sociales, Analyse Sémiotique, Prisonnier, Pénitentiaire.


 

 

Introdução

O presente artigo é resultado do projeto de pesquisa1, cujo objetivo foi identificar as produções e expressões subjetivas e intersubjetivas elaboradas à margem de um ambiente tradicional de circulação artística: a prisão. Buscou, ainda, analisar e discutir as representações sociais elaboradas pelos agentes penitenciários acerca das imagens, inscrições e discursos produzidos pelos detentos da Penitenciária Modulada de Osório.

Devido às expressões elaboradas e estampadas nas celas pelos detentos no ambiente prisional da PMEO, surgiu o interesse de explorar e investigar os conteúdos e significados dessas produções e criações, bem como, analisar como essas são interpretadas pelos agentes prisionais. Os desenhos e outras expressões artísticas, não representam somente uma realidade visível, mas também uma linguagem que contém características próprias, envolvendo dimensões individuais, intersubjetivas e que informam sobre as culturas coletivas e locais.

Desta forma, pudemos acessar modos de subjetivação que não conhecemos cotidianamente, pois nossas subjetividades estão impregnadas de imagens que orientam nossas percepções, atitudes e contribuem decisivamente aos nossos comportamentos e formas de agir.

Compreende-se por subjetivação a constituição dos sujeitos a partir de suas relações de poder/saber, a partir de técnicas de sujeição que lhes são exteriores e influenciam constantemente seus comportamentos, desejos e modos de proceder. Ao mesmo tempo em que exercem sua expressão e resistência em um contínuo processo de autoformação e de "conhecimento de si". Conforme Foucault (2004b:235) "A questão é determinar o que é o sujeito, a que condições ele está submetido, qual o seu status, que posição deve ocupar no real ou no imaginário para se tornar sujeito legítimo deste ou daquele conhecimento, trata-se de determinar seu modo de subjetivação".

Quanto à prisão, pensamos ser um lugar excelente para refletir sobre conceitos e representações que, muitas vezes, recaem em discursos que reafirmam este espaço a partir de aspectos marginais, transgressores e criminosos. Logo, é possível compreender que existe uma dicotomia entre o que é tradicional e o que é transgressor. A noção de representação social nos ajuda a perceber que as "normalidades" são sempre relacionais. Segundo Hall (1997:25): "A representação é uma prática, um tipo de trabalho, que usa objetos materiais e efeito, cujo significado depende, não na qualidade material do signo, mas de sua função simbólica". Moscovici (1978:25) ao discorrer sobre Representações Sociais destaca que "toda representação é composta de figuras e de expressões socializadas. Conjuntamente, uma representação social é a organização de imagens e linguagens, porque ela realça e simboliza atos e situações que nos são e que nos tornam comuns". O autor salienta que as representações estão presentes na realidade, compreendendo-as como entidades "quase tangíveis", manifestando-se a partir de palavras e expressões, em produções de objetos, em relações sociais. Desta forma, as representações "correspondem, por um lado, à substância simbólica que entra na elaboração e, por outro, à prática que produz a dita substância, tal como a ciência ou os mitos correspondem a uma prática científica e mítica" (Moscovici, 1978:41).

Refletir sobre essas representações, expressões culturais é tentar compreender os modos de subjetivação dos detentos, compreendendo o sistema penitenciário a partir de sua cultura de regras, normas, saberes, poderes. As expressões imagéticas permitem a exploração e a interpretação deste contexto, compreendendo aspectos simbólicos, implícitos e conotativos, que complementam o plano denotativo da imagem, ampliando sua polissemia.

 

Imagens, Representações e Significações

O qualificativo de uma pesquisa semiológica reside em sua relevância histórica: capturar, colocar em evidência aqueles elementos narrativos, históricos e culturais guardados nos diferentes planos da imagem.

Considerar a imagem com uma linguagem visual composta de diversos tipos de signos equivale, a considerá-la como uma linguagem e, portanto, como uma ferramenta de expressão e de comunicação. Seja ela expressiva ou comunicativa, é possível admitir que uma imagem sempre constitua uma mensagem para o outro, mesmo quando 'o outro' somos nós mesmos. (Joly, 2007:55)

A análise de imagens é um meio de dialogar com acontecimentos. Implica em considerar a complexidade dos contextos. Para muitos, a análise de imagens pode ser considerada uma espécie de "índice" cultural, dada a riqueza de informações que pode aportar (ECO, 1980; Cardoso & Mauad, 1997). As imagens movimentam o imaginário social através de uma linguagem simbólica que lhes é própria. Quando interpretada, a imagem pode ser reinventada e colocada em questão, problematizada para além de sua fixidez.

Joly ao designar os significados que a palavra imagem pode remeter, define "compreendemos que ela designa algo que, embora não remetendo sempre para o visível, toma de empréstimo alguns traços ao visual e, em todo o caso, depende da produção de um sujeito: imaginária ou concreta, a imagem passa por alguém, que a produz ou a reconhece" (Joly, 2007:13).

Para Barthes a imagem é subversiva "não quando assusta, perturba ou até estigmatiza, mas quando é pensativa" (1984:61). Segundo o autor, a imagem traz consigo duas significações, o studium significando estudo, investimento e o punctum, significando ponto, picada. Assim, Barthes propõe a análise do plano imagético sob dois movimentos: um explícito aos olhos do expectador e outro como suplemento implícito acrescentado à fotografia, mas já nela contido. O studium é o conteúdo evidente, o punctum é o conteúdo expressado, mas sem um sentido óbvio. É o que captura, toca e "fere" o olhar, podendo ser interpretado como ponto aberto, o ponto de efeito subjetivo.

Para Barthes (1984) as imagens devem ser vistas desde sua latência. A imagem guarda polissemia, ambiguidade e é o texto que pode reduzir sua ambivalência, assim, imagem e texto formam o sentido completo da explicação semiológica.

Para efetivar a análise semiológica, Barthes propõe que a análise de imagens passe pelos processos de conotação e a denotação. A imagem conotada envolve aqueles conhecimentos culturais que permitem compreendê-la, desmistificando o processo de "obviedade" imposto pela denotação.

 

Procedimentos Metodológicos

Tratou-se de uma pesquisa qualitativa, de tipo exploratório, descritivo e interpretativo, desenvolvida em duas etapas. Primeiramente, foi feito o registro de 256 imagens elaboradas pelos detentos (fotografias), extraídas do ambiente carcerário. Conforme Gaskell (2002:65) métodos qualitativos nos fornecem "os dados básicos para o desenvolvimento e a compreensão das relações entre os autores sociais e sua situação". A organização do fluxo de dados se deu mediante a elaboração de coleções temáticas contendo: a) data; b) local fotografado; c) especificação do módulo da penitenciária; d) numeração sequencial em relação ao total de fotos da coleção. Após, procedeu-se à construção de um inventário denotativo, como nos propõe Barthes (1984), onde se fez a breve descrição da imagem através da identificação de seus elementos objetivos: figuras contidas nos diferentes planos, formas, elementos, palavras etc. Usamos metodologia similar em outro estudo com imagens, já publicados na Revista Brasileira de Psicologia Política (Hernandez & Scaparo, 2009). As imagens que incluíam textos tiveram os mesmos descritos como parte fundamental de sua composição. As coleções de fotografias foram organizadas em torno a 4 campos semiológicos: Violência; Sexualidade; Religiosidade e Fé; Inscrições.

Na segunda etapa foi realizado um grupo focal com cinco 5 agentes penitenciários, onde assistiam a uma sequência de 14 imagens extraídas das coleções semiológicas, descritas anteriormente. O grupo focal foi gravado e transcrito, com autorização prévia de todos os participantes. Optou-se em utilizar grupos focais pelo fato de que essa técnica permite o registro dos dados empíricos de modo que se possa abranger comunicações simultâneas, as intercomunicações, fazendo uso dos instrumentos de gravação. Em relação a grupos focais Gaskell (2002:82) destaca que apesar de haver críticas em relação aos grupos focais, eles tornam-se vantajosos no momento em que os participantes "partilham um meio social em comum".

Esta etapa procurou compreender os níveis de significação, a fim de encontrar os significados dos elementos da imagem para os agentes e as conotações socioculturais e contextuais que são explicitadas. Foi importante considerar os "termos de efeito", para Barthes (1971) as consequências, os efeitos que a imagem produz nos observadores.

Outros campos analíticos emergiram a partir dos discursos dos agentes penitenciários sobre as fotografias, foram elaborados a partir dos significados e representações atribuídas pelos agentes às produções imagéticas dos presos. Os resultados acerca de suas percepções, crenças e opiniões indicaram três campos representacionais que denominamos: Relações de Poder; Identidades Assumidas; Modos de Subjetivação.

Os campos analíticos foram formulados a partir de similitudes e diferenças entre as imagens elaboradas pelos detentos e os discursos dos agentes penitenciários. Os campos são encontrados a partir do "agenciamento" (Barthes, 1971), momento de traçar regras associativas capazes de reconciliar, reintegrar as análises num todo maior denominado "sintagma". O sintagma inclui as explicações e inter-relações entre os elementos das imagens, suas correspondências e contrastes.

 

Análise e Discussão: dialogando com as representações do cárcere

As análises relativas às coleções das imagens e inscrições elaboradas pelos detentos estão plasmadas no Mapa Representacional exposto a seguir. A elaboração do mapa permite uma leitura de conjunto dos dados encontrados, definindo as ideias-fonte da representação. Conforme Spink (1999) alguns passos foram necessários à formulação do Mapa de Representação: a) leitura do conjunto dos achados; b) definição do núcleo da representação; c) estruturação de campos semânticos emergentes da representação; d) elementos cognitivos, afetivos e cotidianos relacionados.

 

 

Quanto aos discursos dos agentes penitenciários acerca das imagens, as análises auxiliaram no reconhecimento de percepções, crenças, sentimentos expressados nos discursos que evidenciam muitos aspectos sociais, espaços e tempos culturais distintos, conflitos e concepções acerca da prisão e dos que ali estão. A análise dos significados atribuídos às imagens está representada através do Mapa Representacional (Spink, 1999), formulado a partir das recorrências e diferenças entre as significações, sentidos e representações dos agentes no grupo focal.

A fim de analisar o conjunto de representações elaboradas pelos agentes sobre as imagens produzidas pelos presos na prisão, traremos alguns fragmentos discursivos oriundos do grupo focal. Analisamos os campos semânticos do Mapa Representacional (Figura 2), identificando os participantes como: agente penitenciário 1, 2, 3, 4, 5, a fim de preservar as identidades.

 

 

Nas análises que seguem, as imagens extraídas do ambiente prisional serão apresentadas em sequência, conforme projetadas no grupo focal aos agentes penitenciários e estarão significadas a partir das falas, percepções e crenças dos agentes sobre os presos.

 

Relações de Poder

No que tange às representações e significações sobre as imagens do campo semiológico "Violência", constata-se que para os agentes penitenciários a imagem simboliza uma forma de poder, onde os detentos são vistos de uma forma homogênea como criminosos que tentam coagir a segurança pública, subvertendo as normas sociais, tentando transmitir, através da imagem, ameaças e uma postura de força.

Essas significações ficam evidentes na fala do Agente 2:

É uma forma de intimidar que eles não têm medo da polícia, eles dominam a polícia, e a foto no fundo prova também que é o mundo da arma, eles vivem a mil, mostra também e representa a velocidade que eles agem, que eles dominam, que eles vivem, a vida loca deles, como se fosse vida loca.

 

 

Foucault (2004a) explicita que as relações de poder manifestam-se no contexto social de maneira a não se concentrar, pois o poder circula entre nós, nunca está em posse somente de alguns, mas difuso na sociedade, distribuído de forma capilar. Somos constituídos pelo poder, somos fabricados por ele. Conforme o autor, "o indivíduo é um efeito do poder e simultaneamente, ou pelo próprio fato de ser um efeito, é seu centro de transmissão. O poder passa através do indivíduo que ele constituiu" (Foucault, 2004a:103).

 

 

A expressão "vida loca", recorrente em muitas imagens, é representada como um estilo de vida que não segue os padrões impostos pela sociedade, na qual indivíduos transgridem normas sociais que estipulam comportamentos e características fixadas por regras sociais que definem posições e contextos.

Louro (2003:24) argumenta que na sociedade estabelecem-se "padrões e regras arbitrárias" definindo e regulando comportamentos, maneiras de se relacionar, de se portar, de se vestir, e os que tendem a não se adequar a esse modelo estão sujeitos à estigmatização por uma parte da sociedade, dita "normal", a qual se enquadra nesses "moldes" sociais, excluindo os que não correspondem às expectativas.

Essa questão fica evidente na fala dos agentes:

Pra mim é uma tentativa de inversão de valores. Tentam na cabeça deles inverter os valores (Agente Penitenciário nº 1).

No mundo deles, lá fora, eles que têm as regras, muitas vezes, a gente não consegue, a gente fica de mãos amarradas, eles têm a liberdade de fazer, eles têm as regras deles próprias (Agente Penitenciário nº 4).

Através dos discursos dos agentes observa-se que os mesmos reproduzem significações construídas a partir de regimes de verdades instituídas. Fica visível que os agentes penitenciários, de certa forma, desacreditam na segurança pública, pois em suas concepções existe um poder paralelo, um espaço privilegiado de poder que resiste às regras e às normas sociais.

 

 

As representações expressadas no campo analítico "Sexualidade: Relações de Poder", novamente giram em torno à temática do poder. O poder é representado por um domínio do sexo masculino sobre o feminino, que se utiliza dos corpos das mulheres como objetos de prazer e lucro.

 

 

Na fala do agente penitenciário 4: "Essa imagem representa dentro da cultura deles sucesso, realização, poder, status, dinheiro, bandido com duas mulher, fumando uma maconha com arma na mão, cheio de dinheiro, sentado em um lugar provavelmente mandando nos outros".

Diante dos significados atribuídos pelo agente à imagem desenhada pelo preso, as mulheres assumem o poder somente para dar continuidade à criminalidade e comandar o tráfico na ausência do criminoso-chefe, estando sempre recebendo ordens em uma condição de submissão. "E não é só eles que fazem, as mulheres também fazem, as mulheres tem armas, tem tudo, mesmo eles tando aqui dentro, tem mulheres lá fora que comandam o crime, prostituição" (Agente Penitenciário nº 1).

 

 

Chama a atenção como o agente generaliza a condição das mulheres que se relacionam com os detentos, atribuindo-lhes funções sociais ancoradas na criminalidade. Essas concepções tomam uma melhor definição na narrativa do agente penitenciário nº 4:

Pode apresentar também que ele tá dentro do carro comandando. Uma trabalha na prostituição, a outra é assaltante e a outra pode ser traficante e ele comanda essa, essa [...] de dentro do carro, de longe, digamos dentro do carro, longe, ele comanda uma facção um grupo de mulheres de prostituição, tráfico e assalto. E as mulheres trabalhando pra eles.

Louro (2003:17) assinala que mesmo as mulheres rompendo gradativamente com discursos que estipulavam que a elas pertencia somente ao mundo doméstico e, mesmo quando começaram a exercer atividades fora do lar, elas continuam de certa forma sobre um controle rígido do sexo masculino no qual, muitas vezes, suas representações estão elaboradas a partir de descrições e modos que as classificam como secundárias, auxiliares, que ao homem, independente, da camada social a que pertencem.

Para os agentes penitenciários, as imagens correspondentes a essa categoria apresentam conotações de sucesso. Para se ter poder no mundo do crime é necessário que os "criminosos", termo utilizado pelos agentes para denominar os detentos, estejam rodeados por mulheres, dinheiro, muitas drogas e armas, pois desta forma conseguirão ser considerados dentro do mundo do crime.

Esse aspecto fica evidente na fala do Agente Penitenciário nº 4:

Começa que lá onde ele mora, lá na favela, não sei aonde, na vila, no morro (interrupção na fala), exatamente olha o referencial de sucesso que ele tem bandido só anda com roupa de marca dinheiro, cercado de mulher, um carro, moto. Aí ele fica pensando, porque eu vou trabalhar pra ganhar um salário mínimo?

Quando o agente penitenciário faz referência ao "bandido" utiliza-se de termos classificatórios, ancorados em estereótipos, os quais evidenciam uma organização social excludente. Aos "bandidos" estão reservados lugares socioculturais específicos: os morros, as favelas, associando o crime a lugares marginalizados e pessoas que possuem uma condição econômica inferior. É uma forma de distribuir os corpos, de marcar as diferenças, de lhes atribuir uma identidade.

Moscovici considera que as representações sociais exercem duas funções, a prescritiva e a convencional. Primeiramente elas convencionalizam os objetos, pessoas, dando-lhes uma "forma definitiva, as localizam em uma determinada categoria" e gradualmente as inserem em um determinado tipo de modelo, "distinto e partilhado por um grupo de pessoas" (Moscovici, 2003:34). Já as prescritivas, as representações "se impõem sobre nós". "Essa força é uma combinação de uma estrutura que está presente antes mesmo que nós comecemos a pensar e de uma tradição que decreta o que deve ser pensado" (Moscovici, 2003:36).

Conforme Louro (2000) na sociedade os processos de reconhecimento das diferenças estão imbricados por "redes de poder", as quais delimitam os espaços e instituem as desigualdades, criando barreiras que, ordenadas através de normas estabelecidas historicamente, separam os sujeitos. Esta norma tem como referência geralmente o homem branco, a classe média urbana e cristã. Os sujeitos que se distanciarem dessas referências serão nomeados como os "outros", sendo rotulados e identificados.

O reconhecimento do "outro", daquele ou daquela que não partilha dos atributos que possuímos, é feito a partir do lugar social que ocupamos. As sociedades realizam esses processos e, então, constroem os contornos demarcadores das fronteiras entre aqueles que representam a norma que estão em consonância com seus padrões culturais e aqueles que ficam fora dela, às suas margens. (Louro, 2000:9)

Conforme Foucault (2004a) a sexualidade e a criminalidade são utilizadas como estratégias pelo poder, para o autor, ambas são dispositivos pelo qual o poder se exerce estrategicamente, não contra elas, mas através delas.

A partir mais ou menos de 1830, assiste−se a uma reutilização imediata deste efeito involuntário e negativo em uma nova estratégia, que de certa forma ocupou o espaço vazio ou transformou o negativo em positivo: o meio delinquente passou a ser reutilizado com finalidades políticas e econômicas diversas (como a extração de um lucro do prazer, com a organização da prostituição). E isto que chamo de preenchimento estratégico do dispositivo. (Foucault, 2004a:137)

Mas, apesar de perceberem que as mulheres são subordinadas e dominadas pelo poder masculino, não demonstram nenhuma problematização em relação à situação. Conforme o agente penitenciário nº 5 "Acho que também vem mostrando que ela é cúmplice ao crime". Ao colocarem as mulheres numa única categoria social, de cúmplices e criminosas, a homogeneização apaga aquelas que lutam cotidianamente para manter suas famílias, apesar da ausência do companheiro que está cumprido pena. Somente o agente penitenciário nº 4 conotou que os detentos possam ter um possível sentimento sincero por suas namoradas, esposas.

Às vezes eu penso que eles desenham inclusive as companheiras deles [...] não parei pra tentar analisar [...] lá tem um desenho de uma mulher na cela vamos ver se alguma visita é parecida com a da cela, mas acredito que eles desenhem as amadas, tipo, vou desenhar aqui na parede daí eu fico vendo ela todo dia e não só no dia de visita.

 

Modos de Subjetivação

Neste campo analítico, reunimos as opiniões dos agentes acerca dos detentos, suas trajetórias e destinos. Os agentes expressaram uma série de preconceitos e estereótipos sobre os presos, evidenciando modos de subjetivação produzidos no e sobre o cárcere.

A imagem contendo a frase "Preço da liberdade é a eterna vigilância", apresenta diversos significados. Após os detentos "pagarem" suas penas e adquirirem novamente a liberdade serão, ainda, constantemente vigiados, pois os sentimentos de vigilância e medo acabam internalizados, aprendidos através de uma "pedagogia do cárcere", mediante os modos de subjetivação da prisão.

 

 

Os agentes penitenciários, ao interpretarem a frase a associaram a uma condição de cuidado, de alerta contra seus inimigos, seus rivais, garantindo desta forma a sobrevivência extramuros. A representação se evidencia na fala do Agente Penitenciário nº 5: "acho que ele se refere à liberdade enquanto a vida dele, tá sempre atento, permanecendo contra o oponente dele, no caso".

As frases também significaram situações pelas quais os detentos podem passar quando não correspondem à disciplina exigida, tanto intramuros como em uma possível fuga. Desta forma, devem permanecer em vigilância constante para que não sejam pegos, descobertos, punidos em momentos de transgressão das normas institucionais, pois ao mesmo tempo em que vigiam estão sendo vigiados. "[...] se ele tá foragido na rua tem que tá vigilante pra não ser pego ou se ele tá guardando algo ilícito na cadeia também, ele tem que tá vigilante pra dispensar antes que alguém pegue com flagrante né" (Agente Penitenciário nº 4).

Em suas análises sobre as prisões, Foucault (1997) observa que os dispositivos de controle social e institucional que visavam o disciplinamento dos corpos, utilizavam-se de sistemas de vigilância. Criado por Bentham, o Panopticon2 era um modelo arquitetônico que permitia a vigilância constante das pessoas nas instituições. Foi adotado por instituições que tinham a disciplina como um dispositivo de controle e coerção. O modelo adaptou-se aos aparelhos de estado que tinham como propósito a vigilância ininterrupta dos sujeitos, evitando aglomerações, bem como, articulações que poderiam vir a resultar em algum poder. "O poder era exercido segundo uma figura hierárquica contínua, o que permitia que cada um fosse constantemente localizado, examinado e distribuído" (Foucault, 1977:174).

Foucault (2004) argumenta que ao criar o dispositivo Panópticon, Bentham foi muito confiante na "força penetrante do olhar", e não considerou os movimentos de "resistências do material a corrigir, a reintegrar a sociedade, os prisioneiros". Perrot, em seu diálogo com Foucault (2004a), afirma que ignoraram de certa forma as resistências e que os detentos sempre resistiram incrivelmente ao domínio nas prisões. Os sujeitos sempre desenvolverão estratégias de escapar às malhas dos poderes.

Conforme Araújo (2007), as técnicas de vigilância e punição penetram na instituição penal, com a finalidade de conquistar efeitos reais de sujeição dos corpos e endireitar, modificar o comportamento dos criminosos e delinquentes. Mas essas técnicas de controle e vigilância difundem-se, alastrando-se na esfera pública.

Nesta perspectiva, Araújo (2007) esclarece que os resultados alcançados por uma sociedade que está fundamentada nos mecanismos do disciplinamento e da vigilância, são a identificação e localização dos corpos. Os que fogem às normas de condutas serão punidos.

Através dos campos de significações elaborados podemos perceber que as representações dos agentes penitenciários giram em torno a estigmas e preconceitos construídos em relação à permanência do sujeito na criminalidade.

Moscovici esclarece que há dois processos formativos da representação social, a ancoragem e a objetivação, na qual há uma "construção de uma rede de significados" (Moscovici, 1978:289). O processo de ancoragem é aquele em que transformamos "algo estranho e perturbador, que nos intriga, em nosso sistema particular de categorias e o compara com um paradigma de uma categoria que nós pensamos ser apropriada". Neste processo temos a capacidade de categorizar um objeto ou pessoa, posicioná-los em determinado grupo social, ou seja, "rotulá-los com um nome conhecido" "Categorizar alguém ou alguma coisa significa escolher um dos paradigmas estocados em nossa memória e estabelecer uma relação positiva ou negativa com ele" (Moscovici, 2003:61-63). O processo de objetivar caracteriza-se por relacionar o conceito à imagem, é o processo pelo qual se transforma ideias em algo concreto, "é descobrir a qualidade icônica de uma ideia" (Moscovici, 2003:71).

Além disso, as opiniões expressam um fatalismo subjetivo quanto ao "presente psicológico" dos presos, fixado e ancorado numa identidade sem possibilidades de mudança. Na percepção dos agentes, os presos nunca estão bem intencionados, por isso suas "liberdades" dependem de uma "eterna vigilância".

 

 

Quanto à frase "O sofrimento aumenta mais a minha coragem", os agentes entendem que os detentos manifestam sentimentos de revolta e agressividade. Compreendem que não há o arrependimento por parte dos mesmos. Conforme o agente 2:

Acho que é uma forma deles dizer como estão aqui, estão sofrendo por estar presos, mas a coragem de enfrentar, sei lá, a polícia é uma maneira deles se fortalecer contra o sistema [...] sofrendo aumenta mais a vontade dele continuar nessa linha, continuar o crime, continuar contra o sistema, aumenta a coragem dele.

Conforme Goffman (1988:13) o indivíduo estigmatizado considera o sofrimento uma "benção", pois geralmente crê que o ato de sofrer está relacionado aos ensinamentos sobre a vida, que proporcionam crescimento pessoal e moral.

Através das representações elaboradas, os agentes penitenciários desacreditam de uma possível ressocialização dos presos. Desta forma, o descrédito perpassa a "motivação pela mudança" percebida nos presos, e alcança a desesperança do sistema prisional a partir dele mesmo, a partir das próprias crenças dos agentes em relação aos sujeitos privados de liberdade. Foucault em suas análises ao sistema prisional observa a ineficiência das prisões:

Desde o começo a prisão devia ser um instrumento tão aperfeiçoado quanto à escola, a caserna ou o hospital, e agir com precisão sobre os indivíduos. O fracasso foi imediato e registrado quase ao mesmo tempo em que o próprio projeto [...] a prisão, longe de transformar os criminosos em gente honesta, serve apenas para fabricar novos criminosos ou para afundá-los ainda mais na criminalidade [...] A prisão fabrica delinquentes [...]. (Foucault, 2004a:75)

As imagens produziram representações que estão em conformidade com o que Foucault denominará de resistências. Sobre os sujeitos presos se depositam uma série de olhares e expectativas que, como efeito, irão produzi-los a partir de uma subjetividade marginal e criminosa.

 

Identidades Assumidas

Neste campo analítico reuniram-se aquelas características que definem, a partir de significações dos agentes, o sujeito preso e suas "identidades assumidas". Em relação às imagens da categoria semiológica "Religiosidade e Fé" o agente nº 2 exemplifica: "esse é o santo guerreiro né, eles tão se referindo que eles são guerreiros também, da maneira deles eles são guerreiros, eles tão matando um dragão por dia pra tentar sobreviver". Neste exemplo, o agente penitenciário admite que na prisão é preciso sobreviver.

 

 

Foucault (2004) nos ajuda a compreender essas condutas que tendem a enfrentar e reagir aos mecanismos de poder e disciplinamento, no caso a prisão.

É preciso analisar o conjunto das resistências ao panópticon em termos de tática e de estratégia, vendo que cada ofensiva serve de ponto de apoio a uma contraofensiva. A análise dos mecanismos de poder não tende a mostrar que o poder é, ao mesmo tempo, anônimo e sempre vencedor. Trata-se ao contrário de demarcar as posições e os modos de ação de cada um, as possibilidades de resistência e de contra-ataque de uns e de outros. As novas relações às quais estão expostos, novos controles, disciplinamento, a uma nova tecnologia de poder institucional (Foucault, 2004a:126).

As crenças, religiões e a fé dos detentos, expressas nas imagens da categoria "Religiosidade e Fé", são vistas pelos agentes penitenciários como insignificantes. Em suas concepções seria uma forma dos apenados se eximirem da culpa dos crimes que cometeram, pois responsabilizam a "Deus" pelos atos cometidos.

 

 

Essa análise se sustenta pela representação do agente penitenciário 2:

Apesar deles estarem nessa vida do crime eles são bem religiosos dentro da concepção deles [...] até alguns tem tatuagens de imagens de santos. Pelo que ele coloca ali ele tenta passar uma imagem que ele não é culpado do que ele tá fazendo, ele é apenas [...] mais uma vítima, eles não tem culpa de estarem ali, a sociedade não dá condições [...] aí eles se apegam a religião pra dizer não é culpa minha, foi Deus que me colocou aqui [...] é uma maneira de tirar a culpa dele mesmo, botar a culpa em algo maior, né.

Desta forma, os agentes supõem que os detentos não refletem pelas infrações e crimes cometidos, cuja justificativa é direcionada a Deus ou a um poder maior, onde seriam estes poderes os que realmente determinam a hora da morte de alguém (das vítimas). Essa representação destaca-se com mais evidência na fala do agente 4:

Também tem aquele aspecto, tem vários deles não é um, nem dois por ser assaltante que já tomou vários tiros e facadas, como diz assim, não chegou minha hora, a mesma coisa ele joga pras vítimas dele, tipo, eu fiz a minha, mas quem mata mesmo é Deus, Deus é quem sabe a hora de levar a pessoa.

Os discursos mostram que mesmo os detentos sendo punidos e estando privados de liberdade, não são capazes de se redimir pelos seus erros, portanto, os agentes não depositam nenhuma esperança nestes sujeitos. Goffman (1988:7) esclarece que o estigma que os indivíduos carregam são rótulos, categorias que lhes são atribuídas socialmente.

Quanto aos presos, dentre esses rótulos está: a falta de caráter, a desonestidade, crenças falsas inferidas a sujeitos ligados aos vícios, desemprego, entre outros. Cria-se, assim, uma identidade social reduzida ao descrédito, estigmatizada, mesmo que o indivíduo mostre possuir ideias e comportamentos "esperados", será sempre inferiorizado e desacreditado no convívio social.

 

 

A representação que expressa os significados em torno às identidades, é concebida pelos agentes:

É uma forma também de demonstrar para os outros que ele é 157, que ele é bandido, que ele é assalto, que ele tá sempre armado. Outra coisa que pode representar também que cada cruz é um homicídio que ele cometeu, quatro cruz quatro homicídio, ele é um homicida ele é um matador [...] acho que a cruz, a tatuagem de cruz é homicida, né? É matador, né? (Agente Penitenciário nº 2).

Silva (2000) nos traz a discussão entre duas perspectivas que definem as identidades como "essencialista" e "não essencialista". Na perspectiva essencialista, as identidades são vistas como fixas, imutáveis, autenticando e marcando os sujeitos, servindo como caracterizações para diferenciar uns dos outros. É a maneira pela qual a sociedade se organiza os rótulos dos sujeitos, marcas simbólicas e representacionais que permanecerão por muito tempo. Desta forma, se criam grupos identitários que irão compor um sistema hierarquizado e, consequentemente, excludente.

Foucault em suas últimas teorizações desloca o pensamento em relação à constituição dos sujeitos, às suas subjetividades. A partir de suas análises, evolui os modos como os sujeitos se constituem, percebendo-os não somente como um produto das relações de poder, e práticas de coerção, mas como um sujeito autônomo, independente, em que se auto constitui, que decide seu modo de ser e a maneira de se portar. Não em um sentido em que renuncia as morais instituídas, "mas o de um exercício de si sobre si mesmo através do qual se procura se elaborar, se transformar e atingir um certo modo de ser" (Foucault, 2004b:265). No entanto, isto não significa dizer que exista uma "essência humana que, após um certo número de processos históricos, sociais e culturais foi mascarada, alienada e aprisionada em mecanismos, e por mecanismos de repressão" (Foucault, 2004b:265).

Refletir sobre essas significações permitiu a compreensão dos modos de subjetivação usados na prisão, onde o sistema penitenciário institui seus processos culturais, de socialização, de relação com as regras e normas, a capilaridade do poder e as interferências das crenças nas atitudes, condutas e formas dos agentes penitenciários se relacionarem com os presos, na qual os mesmos têm suas identidades reduzidas a uma única categoria social "um estigma" como se fizessem parte de um mesmo "pacote subjetivo", sendo que suas existências, trajetórias e modos de subjetivação são diferentes.

 

Considerações Finais

Explorar, analisar e compreender os conjuntos de conhecimentos produzidos a partir das produções imagéticas dos presos e das produções discursivas dos agentes penitenciários nos possibilitou compreender a prática de pesquisa como uma forma de desenvolver aprendizagens, troca de saberes, reflexões e problematizações sobre a prisão que dará suporte às novas compreensões e práticas neste espaço.

Tratou-se, pois, de "descobrir" um lugar sociocultural, a prisão, onde problemas sociais estão evidentes, mas pouco questionados. A coleção de imagens revelando as produções dos detentos, suas representações acerca da sociedade, dos lugares de poder, das hierarquias, do amor, da religiosidade, do sexo, da criminalidade, etc. nos permitiu acessar universos de significado importantes à reflexão crítica acerca da ressocialização, da inclusão social, dos humanos direitos, das perspectivas de mudança.

Quanto às dimensões de significado expressadas nas representações elaboradas pelos agentes penitenciários, muitos aspectos impõem problematizações profundas. A rede de significados, tramada em torno a preconceitos e estigmas, a "desesperança" de uma mudança possível, o fatalismo ancorado num presente psicológico de um sujeito que não mudará (fixado no "erro" e no desvio), a banalização do crime, a imagem da mulher do preso como prostituta ou criminosa, denotam que o sistema prisional não tem qualquer compromisso com a ressocialização destas pessoas ou, sequer, a crença numa existência possível para além da criminalidade ou da privação de liberdade. Tampouco os agentes questionam a função social que o cárcere vem exercendo.

Percebe-se que as significações estão submersas em esquemas normativos que favorecem a perpetuação de um sistema excludente que raramente é problematizado. Sendo que, os próprios agentes em seus discursos, reproduzem e reforçam relações de poder no âmbito prisional. Estas reflexões também foram importantes para entendermos como a sociedade, em suas representações, lida com as diferenças e com os "dissidentes" e "marginais".

A prática de pesquisa é de extrema necessidade, pois o âmbito social é o local onde estão implicadas, as concepções teóricas que constituem os discursos. Em suma, o questionamento e a reflexão são fundamentais para que ocorram mudanças expressivas nas práticas sociais, culturais e educativas. Estas reflexões motivam nossa busca por meios e estratégias que auxiliem o exercício da criticidade e da dúvida em torno a "verdades" estáveis.

Assim, a pesquisa mostrou-se relevante em diversos aspectos. Primeiro, porque possibilitou conhecer conjuntos de saberes elaborados dentro do ambiente prisional, ambiente incomum à prática de pesquisa. Segundo, por acessar os "conjuntos de verdades", os discursos construídos historicamente a partir de concepções hegemônicas de controle, vigilância e disciplina, concepções que envolvem diretamente as práticas sociais. Terceiro, pela dimensão reflexiva que a análise dos resultados introduz. As problematizações e contestações pretendem a não perpetuação de paradigmas normativos e moralizadores, que reforçam as exclusões e rotulam as minorias sociais como politicamente inferiores. Quarto, constatar que as imagens não são simplesmente imagens, mas a manifestação de códigos e práticas culturais que informam sobre os sujeitos, suas histórias de vida e enunciam as denúncias que não podem fazer dentro do ambiente prisional.

Trata-se, pois, de oferecer a possibilidade de descobrir novos modos de olhar, de pensar, de analisar contextos que não conhecemos, ambientes sociais vazios de práticas educativas ou humanizadas. Este é o desafio da educação do pesquisador, desnaturalizar as evidências, pensar as especificidades, romper com as fronteiras, produzir subjetividades que questionem e recriem as malhas do poder.

 

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Recebido em 22/07/2014.
Revisado em 31/10/2014.
Aceito em 29/12/2014.

 

 

1 Pesquisa "Análise das Representações Sociais acerca das imagens e produções artísticas produzidas pelos apenados da Penitenciária Modulada Estadual de Osório", custeada pelo Edital IniCie/Uergs/2012, concluída em dezembro de 2012.
2 Panopticon: foi utilizado pelas escolas, hospitais, prisões, fábricas, hospícios. Arquitetonicamente, um espaço fechado, um edifício em formato de anel divido em pequenas celas, tendo um pátio no meio no qual havia uma torre central com um vigilante que tinha uma visão de todos os seus pontos.

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