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Revista Psicologia Política

versão impressa ISSN 1519-549X

Rev. psicol. polít. vol.15 no.32 São Paulo abr. 2015

 

RESENHA

 

Por uma educação que reconheça a diferença LGBT

 

For an education that recognizes the LGBT difference

 

Por una educación que reconozca la diferencia LGBT

 

Pour une education qui reconnaît la différence LGBT

 

 

Lauro Victor Nunes

Bacharel em Gestão de Políticas Públicas da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil. lauro.nunes@usp.br

 

 

Teoria Queer: um aprendizado pelas diferenças
Autor: Richard Miskolci
Coleção: Cadernos da Diversidade (Volume 6)
Belo Horizonte: Autêntica, 2012
2ª edição - revisitada e ampliada.
82 páginas.
ISBN: 978-85-65381-28-4

A articulação dos direitos sexuais e reprodutivos no Brasil tem sido temática recorrente na mídia e na agenda política dos governos desde a redemocratização. Pode-se remontar ao período de promulgação da Constituição Federal de 1988, em que a inclusão da discriminação por orientação sexual no artigo 5º da Carta Magna foi vetada por parlamentares da bancada religiosa, o que representaria, em tese, um indicativo das dificuldades de alavancagem dos direitos às pessoas LGBT's que têm protagonizado a arena política brasileira recentemente. Apesar das múltiplas iniciativas do Executivo federal em reconhecer como legítimas as demandas da população LGBT, estabelecendo-se como marco o programa interministerial "Brasil Sem Homofobia", de 2004, o que se observa é que o Legislativo nacional tem se posicionado contrariamente à aprovação destes projetos, comprometendo, assim, a capacidade de cumprimento das agendas políticas que os governos - nacionais e subnacionais - desde a década passada, firmaram junto à população antes das eleições.

Considerando este contexto, a educação pode adquirir um papel instrumental de mudança desta realidade de inacesso a direitos sociais e garantias fundamentais que caracterizam a subcidadania LGBT. Assim sendo, reconhece-se aqui a sua importância enquanto ciência deslegitimadora dos pré-conceitos e prática emancipadora e libertária dos indivíduos, seguindo-se o ideal freiriano.

Para tanto, mostra-se fundamental apresentar a obra "Teoria Queer: um aprendizado pelas diferenças", de Richard Miskolci, oportunidade em que se dissertou a respeito do papel da educação em reconhecer - ou deslegitimar - o exercício da sexualidade e da identidade de gênero na atualidade, apresentando-se a viabilidade de construção de um ambiente escolar alternativo à lógica multiculturalista da "diversidade" e da "tolerância", que, enfim, reconheça a diferença não enquanto elemento de hierarquização e sujeição dos indivíduos, mas sim como um princípio identidário, que revela demandas e necessidades próprias, e até então esquecidas, de grupos sociais tidos como minoritários. Segundo Miskolci (2012:15), "o termo 'diversidade' é ligado à ideia de tolerância ou de convivência, e o termo 'diferença' é mais ligado à ideia do reconhecimento como transformação social, transformação das relações de poder, do lugar que o outro ocupa nelas". Ainda sobre este aspecto, descreve que "[...] lidar com as diferenças impõe encarar as relações sociais em suas assimetrias e hierarquias, reconhecendo que a divergência é fundamental em um contexto democrático" (Miskolci, 2012:52).

 

Memória Política, Consciência Política e a Educação: elementos iniciais

Richard inicia sua obra relatando, em primeira pessoa, suas experiências enquanto estudante de escola pública no período do regime militar. De acordo com o autor, a instituição escolar, neste período, estava claramente comprometida com os ideais autoritários e centralizadores do regime político que se instalara, por meio de um golpe de Estado, a partir de 1964 no Brasil. Neste contexto, a sala de aula representava o cenário de reprodução da lógica positivista do regime, caracterizado pelo nacionalismo exacerbado e pela ênfase à disciplina. Ademais destes aspectos, caracteriza a instituição escolar como produtora de desigualdades sociais, tendo a autoridade e a masculinidade como valores dominantes e complementares que subjulgavam, simbólica e socialmente, a mulher e os homens tidos, por consenso, como efeminados. Neste sentido, pode-se relatar que o machismo, a misoginia e a homofobia se faziam reiteradamente presentes nestas relações escolares. Assim sendo:

Marcado por um processo educacional autoritário e violento, conheço suas marcas tanto naqueles que saem como esperado quanto nos que resistem ou são expelidos. Essa memória sombria sobre minha geração me veio à mente enquanto pensava em como transformar a Aula Magna em que proferi em Ouro Preto, em agosto de 2010, na abertura do curso Educação para a Diversidade e Cidadania, neste livro, que aspira ser uma breve e modesta contribuição para - quiçá - começar a transformar a realidade vivenciada por aquelas e aqueles que viveram um longo e doloroso conflito com os objetivos educacionais. (Miskolci, 2012: 11 - grifo meu)

A psicologia política enquanto área interdisciplinar do conhecimento (Silva, 2012, 2015) teoriza a memória política enquanto elemento cognitivo e social de produção de percepções, recordações e lembranças subjetivas a respeito de determinado fato histórico vivenciado pelo sujeito. Para além desta definição, tem-se que "a memória não é só pensamento, imaginação e construção social; ela é também uma determinada experiência de vida capaz de transformar outras experiências a partir de resíduos deixados anteriormente" (Santos, 2003:25-26).

No caso em questão, observa-se que, tendo o autor vivenciado tais situações de desrespeito e exclusão social e, posteriormente, utilizando-se delas para a produção de um livro de educação para a diversidade, isso demonstra que "a memória política é capaz de motivar, alterar, rever comportamentos políticos na sociedade, ou seja, ela está comprometida com a transformação social" (Ansara, 2008:52), ao passo em que os referenciais do passado são ressignificados visando a mudança de determinada realidade atual. A percepção de que as instituições escolares brasileiras já representaram, e ainda constituem, um cenário multicausal de reprodução legítima da violência contra a mulher e as pessoas LGBT's é fato suficiente para teorizar a respeito da necessidade de um modelo escolar que contemple a cidadania em todas as suas especificidades, inclusive e principalmente as demandas por igualdade, justiça e reconhecimento destes grupos sociais supracitados.

Ainda sob uma articulação com a psicologia política, pode-se analisar este fato tomando emprestada as considerações de Salvador Sandoval (1994) a respeito da consciência política dos indivíduos. Segundo este Sandoval,

[...] consciência é um conceito psicossocial referente aos significados que os indivíduos atribuem às interações diárias e acontecimentos em suas vidas. [...] A consciência não é um mero espelhamento do mundo material, mas antes a atribuição de significados pelo indivíduo ao seu ambiente social, que servem como guia de conduta e só podem ser compreendidos dentro do contexto em que é exercido aquele padrão de conduta. (Sandoval, 1994:59 - grifo meu).

Para o caso exposto por Miskolci (2012), pode-se considerar que o recente questionamento deste autor no que tange ao papel social cumprido pela escola, especialmente quando da sua contribuição com a reprodução de estigmas justificados por questões de gênero e sexualidade, representa, por parte de Richard, a tentativa de superação de uma consciência política dominante que, segundo Silva (2001), seria a responsável pela manutenção do status quo da sociedade. Assim sendo, tem-se uma consciência política alinhada à desconstrução das normas sociais vigentes que legitimam exclusões e violências de toda ordem e que se propõe, no caso aqui analisado, a repensar a permanência de certas relações de poder dentro do ambiente escolar, levando em conta que estas não foram de todo superadas sequer com a ascensão do Estado Democrático de Direito e suas diretrizes atuais para a educação básica e superior.

 

Cultura, Poder e Normalização: o gênero e a sexualidade

Considerando que o exercício da sexualidade está circunscrito a uma lógica de hierarquização dos sujeitos, tendo-se, por base, a norma heterossexista dominante, o autor faz uma importante diferenciação entre os conceitos de heterossexismo, heterossexualidade compulsória e heteronormatividade. Em relação ao primeiro, descreve-o como a "pressuposição de que todos são, ou deveriam ser, heterossexuais" (Miskolci, 2012:46). Utilizando-se por base os estudos de Adrianne Rich, caracteriza a heterossexualidade compulsória como a "imposição de relações amorosas ou sexuais entre pessoas do sexo oposto" (Miskolci, 2012:46). Por fim, a heteronormatividade é vista como "a ordem sexual do presente, fundada no modelo heterossexual, familiar e reprodutivo. Ela se impõe por meio de violências simbólicas e físicas dirigidas principalmente a quem rompe normas de gênero" (Miskolci, 2012:46-47).

Ademais destas diferenciações conceituais, o que se nota é que o argumento dos heterossexistas frente a liberação sexual é que a equiparação homo-hetero questiona a diferenciação secular dos sexos e das sexualidades o que, em tese, colocaria em risco a estruturação psíquica do indivíduo e a continuidade da sociedade, pois representaria um suposto impedimento à reprodução da espécie. Desta forma, tem-se um elemento doutrinário, apresentado como "ciência", a fim de legitimar uma desigualdade construída socialmente e que visa atribuir à heterossexualidade um caráter de exclusividade, de normalidade e de protagonismo. Tendo em vista que a normalização é um instrumento de negação ou silenciamento do diferente, do incomum, do tido socialmente como "anormal", no caso as pessoas LGBT's, isto demonstra que a sociedade é (re)produtora de discursos e técnicas que levam a certos indivíduos a serem circunscritos em sistemas de exclusão e rechaço. De acordo com Miskolci (2012:34), a normalização pode representar a "indução a comportamentos heterossexuais" ou até mesmo uma complexa concepção de poder responsável pelo disciplinamento e controle social dos "diferentes". Neste sentido, pode-se considerar que:

Em uma perspectiva sociológica, há uma lógica de imposição de normas por trás de uma forma de violência sempre à espreita, pois quando sabemos que ela pode acontecer, mas não quando nem de onde ela virá, aprendemos a nos comportar de forma 'segura', ou seja, de uma forma que nos coloque ao abrigo de suas manifestações. O terrorismo cultural é um nome que busca ressaltar a maneira como opera socialmente o heterossexismo, fazendo do medo da violência a forma mais eficiente de imposição da heterossexualidade compulsória. (MISKOLCI, 2012:34)

 

Os Movimentos LGBT's: "da cidadania homossexual" à pluralidade d@s queers

Na década de 1960, era perceptível o surgimento daqueles que seriam os novos movimentos sociais, sendo eles compostos pelo movimento negro, pelo movimento feminista e pelo movimento homossexual. São coletivos que, de forma pioneira, trazem para o espaço público demandas que extrapolam a então pressão social existente pela redistribuição econômica. De acordo com Richard,

[...] de forma geral, esses movimentos afirmavam que o privado era politico e que a desigualdade ia além do econômico. Alguns, mais ousados e de forma vanguardista, também começaram a apontar que o corpo, o desejo, a sexualidade, tópicos antes ignorados, eram alvo e veículo pelo qual se expressavam relações de poder. (Miskolci, 2012:22)

Ainda que a ascensão do movimento homossexual possa ter representado um avanço pela conquista e ampliação de direitos às diversidades sexuais e de gênero, mostra-se relevante apontar que estes grupos sociais estiveram circunscritos a um sistema de crenças e valores próprios, em muito reprodutores da lógica de pensamento vigente: a heterossexualidade e seus instrumentos de negação, dominação e exclusão. Neste sentido, o autor relata que "em sua maior parte, o movimento homossexual emerge marcado por valores de uma classe média letrada e branca, ávida por aceitação e até mesmo incorporação sexual" (Miskolci, 2012:24), esforços estes com vistas à criação de uma "imagem limpa e aceitável da homossexualidade" (Miskolci, 2012:26 - grifo meu), o que revela que, em um primeiro momento, os "estudos gays" e as então demandas pelas diversidades não incluíam aqueles que rompiam as normas de gênero e, consequentemente, acabavam submetidos a maiores retaliações sociais. Isso demonstra o grau de assimilação, ou seja, da não-desconstrução cognitiva da heterossexualidade em que gays e lésbicas estavam inseridos. Para tal, tem-se que "muitos homossexuais também normalizados ajudam na estigmatização e na percepção negativa daqueles que não cabem na heteronormatividade" (Miskolci, 2012:15).

Segundo o autor, o conjunto de reinvidicações por "direitos sexuais", no Brasil, inicia-se com o advento do HIV na década de 80, situação em que "o enfrentamento da epidemia aproximou Estado e movimento social em meio ao processo de redemocratização vivido depois de 20 anos de governo militar" (Miskolci, 2012:23). Neste período, faziam-se presentes certos discursos de ódio que associavam o vírus HIV e a AIDS a um "câncer gay", ou seja, um suposto "castigo para aqueles que não seguiam a ordem sexual tradicional" (Miskolci, 2012:23), no caso, as pessoas LGBT's que questionavam a norma social, sexual e gênero vigente.

Os movimentos queers, de origem dos movimentos feministas, pregaram a transformação social via superação de estigmas culturais que legitimavam a exclusão e o preconceito contra àqueles definidos pela sociedade como "anormais" ou "não normalizados", ou seja, os homossexuais que tinham dificuldade e/ou que não se encaixavam nos padrões tipicamente heternormados. Neste sentido, "o queer buscar tornar visíveis as injustiças e violências implicadas na disseminação e na demanda do cumprimento das normas e das conversões culturais, violências e injustiças envolvidas na criação dos "normais" quanto dos "anormais" (Miskolci, 2012:26). Desta forma, os queers podem ser considerados um movimento contracultural, se for levado em consideração que a cultura ocidental judaico-cristã é a principal reprodutora do modelo familiar patriarcal, de dominância masculina e essencialmente heterossexual, com vistas ao cumprimento da reprodução da espécie. Assim sendo, "em termos políticos, o queer começa a surgir neste espírito iconoclasta de alguns membros dos movimentos sociais expresso na luta por desvincular a sexualidade da reprodução, ressaltando a importância do prazer e a ampliação das possibilidades relacionais" (Miskolci, 2012:22).

 

Como Repensar a Educação Atual?

Miskolci (2012) relata que as sociedades são as responsáveis por reproduzir valores culturais que inscrevem certas práticas sexuais como normais ou patologizantes. Considerando esta premissa, o autor teoriza a respeito da viabilidade, bem como os desafios, de se construir uma educação voltada ao reconhecimento da diferença da diversidade sexual e da identidade de gênero em sua pluralidade. Segundo o autor, a primeira dificuldade se encontra nos próprios educadores, que partem do pressuposto de que o "ato de educar" é neutro, o que não necessariamente é verdade. Sobre este aspecto, relata que:

Isso é impossível porque todos/as trazemos uma bagagem cultural para nossas atividades profissionais, mas, sobretudo, porque educar nada tem de neutro, seus métodos e conteúdos têm objetivos interessados. [...] Essa suposta neutralidade da formação dos professores e da própria estrutura da escola fazia dela umas das principais ferramentas para a construção da heterossexualidade não como uma opção, mas sim como algo compulsório. (Miskolci, 2012:14)

Apesar desta premissa da neutralidade do ensino, a escola, em maior ou menor grau, ainda representa uma instituição que exerce a vigilância legítima, ou seja, autorizada pelo Estado, dos corpos e controle dos desejos. Outro desafio apontado pelo autor se refere aos discursos produzidos pela religião, emergidos em práticas sexuais voltadas para a reprodução biológica, além da exclusividade de expressão pública do amor entre pessoas de sexos opostos, sendo a figura do casamento religioso como tutela máxima da monogamia enquanto comportamento moralmente aceito e até mesmo idealizado. Miskolci (2012) relata que tais fatores historicamente levaram os indivíduos-alvo destes discursos a um sentimento pessoal de culpa e autorejeição que deve ser problematizado e desconstruído pela escola, ao contrário do que tem acontecido atualmente em que as instituições escolares, em geral, naturalizam os discursos heterossexistas, bem como a empreendem a sua reprodução programática.

Considerando este contexto, Richard estabelece a Teoria Queer como marco analítico-referencial deste necessário processo de retificação do papel exercido pela escola quanto ao reconhecimento - ou a falta deste - da pluralidade nas questões de gênero e sexualidade. A afirmação de uma diferença hierárquica entre o binômio heterossexual-homossexual, o esquecimento de outras formas de manifestação da sexualidade, como as pessoas assexuais e bissexuais, e das identidades de gênero trans não impedem a existência, ainda que silenciada, de outras práticas sexuais e outras formas de manifestação dos gêneros, ainda que incondizentes com os valores culturais e morais do patriarcado, alicerçadas sob o estigma da marginalização, do "pecado" e da deslegitimação social e estatal. Assim sendo, tem-se que:

A demanda queer é a do reconhecimento sem assimilação, é o desejo que resiste às imposições culturais dominantes. A resistência à norma pode ser encarada como um sinal de desvio, de anormalidade, de estranheza, mas também como a própria base com a qual a escola pode trabalhar. Ao invés de punir, vigiar ou controlar aqueles e aquelas que rompem as normas que buscam enquadrá-los, o educador e a educadora podem se inspirar nessas expressões de dissidência para o próprio educar. Em síntese, ao invés de ensinar e reproduzir a experiência da abjeção, o processo de aprendizado pode ser de ressignificação do estranho, do anormal como veículo de mudança social e abertura para o futuro. (Miskolci, 2012:67)

Neste caso, o queer enquanto elemento identitário dos movimentos LGBT's, por representar uma palavra em que a tradução literal significa "estranho", "diferente", "abjeto", visa transgredir o padrão estabelecido socialmente como ideal e, neste caso, trazer para o debate público e político a necessidade de se repensar a forma de atuação dos educadores e o papel social desempenhado pelas instituições escolares no seu trato com as demandas feministas e das pessoas LGBT's, considerando que é dever da escola, sobretudo em um contexto político de democracia representativa e participativa, reconhecer a cidadania destes grupos sociais em sua plenitude.

 

Considerações Finais

Esta resenha não se objetivou a tão somente apresentar a forma de sistematização do conteúdo abordado pelo livro em questão, pelo contrário, priorizou-se por abandonar a ordem de pensamento estabelecida pelo autor em prol da construção de uma análise interdisciplinar que contemplasse um processo maior: o papel da memória política, empreendido por Miskolci (2012), contra o esquecimento e o silenciamento das demandas das diversidades sexuais e das identidades de gênero protagonizados pelo ambiente escolar, relações estas que já existiam durante o regime civil-militar brasileiro, segundo o próprio autor, e que foram continuadas na democracia que o sucedeu. Deste aspecto, concorda-se com autores como Silva (2006, 2007) e Ansara (2012) ao apontar que a memória dos oprimidos pela ditadura brasileira colabora com um processo de emancipação da consciência política destes indivíduos. De acordo com esta Ansara (2012:301):

[...] embora admitamos que exista um processo de "esquecimento" forjado e legitimado por uma "memória oficial" [...] é fundamental destacar a importância de uma consciência política proporcionada pelos movimentos sociais na construção da memória, que é uma verdadeira luta contra o esquecimento.

Em uma linha de pensamento complementar, Santos (2003:85) descreve que:

[...] enquanto a história representa a esquematização arbitrária do passado com seus cortes artificiais estabelecendo sequências e períodos, a memória coletiva representa uma corrente de pensamento que envolve seres humanos reais relacionando-se uns com os outros. O passado que existe no presente é o passado que existe na consciência do grupo. Os indivíduos sempre constroem o passado de acordo com preocupações e situações presentes.

Para o caso em questão, tem-se que as vivências de escolares de exclusão dos "diferentes", vivenciadas e descritas por Miskolci, relacionam-se com o papel da consciência política deste em negar e desconstruir a reiterada influência da norma heterossexista dominante na educação brasileira. Assim sendo, pode-se concluir ratificando que a obra "Teoria Queer: um aprendizado pelas diferenças" representa um esforço da memória política silenciada de seu autor contra o secular esquecimento das demandas LGBT's por parte da educação brasileira.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Recebido em 11/03/2015.
Revisado em 21/04/2015.
Aceito em 30/04/2015.

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