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Revista Psicologia Política

versión impresa ISSN 1519-549X

Rev. psicol. polít. vol.15 no.33 São Paulo ago. 2015

 

EDITORIAL

 

Produção de conhecimento em psicologia política e a avaliação de periódicos no Brasil

 

Knowledge production in political psychology and evaluation system of periodic in Brazil

 

Producción de conocimiento en psicología política y la evaluación de periódicos en Brasil

 

La production de connaissances en psychologie politique et le système d'évaluation de périodiques au Brésil

 

 

Alessandro Soares da Silva

IUSP - Brasil
IIEditor ABPP

 

 

Este é o penúltimo fascículo que edito. Por certo, esse é um momento de balanço do que foram esses oito anos à frente da Revista Psicologia Política - RPP, anos nos quais tive o privilégio de publicar 200 artigos além de resenhas. Nesse editorial desejo fazer alguns apontamentos sobre essa trajetória e apresentar os textos deste fascículo. Mas também desejo fazer uma breve reflexão sobre os impactos do sistema de avaliação de periódicos na produção de conhecimento veiculada na Revista Psicologia Política.

Tive o imenso prazer de suceder aos professores Salvador Sandoval (PUCSP) e Marco Aurélio Prado (UFMG). Os sete anos que estiveram à frente dos trabalhos editoriais da RPP, os primeiros anos da revista, foram fundamentais para a sua consolidação tanto no campo da Psicologia Política quanto no meio científico. Compor a equipe inicial de editores executivos, juntamente com os colegas Marcia Prezotti Palassi, Soraia Ansara, Maria Ester Rodrigues e Zartú Giglio Cavalcanti, foi um momento de aprendizado e de muito trabalho coletivo dentro do Núcleo de Psicologia Política do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social da PUCSP que foi, mais adiante, assumido pelo Núcleo de Psicologia Política da UFMG.

Com o fim do ciclo editorial dos colegas Sandoval e Prado, concorri em edital da Associação Brasileira de Psicologia Política - ABPP - para a composição de nova equipe editorial. Assumi essa tarefa entre 2008 e 2011, de coeditar a RPP juntamente com o colega Celso Zonta (UNESP). Nesse tempo USP e UNESP compartilharam os trabalhos da RPP e fortaleceram laços de pesquisa por meio do Grupo de Estudos e Pesquisas em Psicologia Política que dava suporte para a produção da revista. Compuseram nossa equipe Hugo Arruda do Carmo, Lorraine Lopes, Thomáz D'Áddio Ferrari, Fabio Bosso, Vivian Ursulino, Guilherme Borges da Costa, Mariana Rocha, Beatriz Cari a quem agradecemos. Nesse tempo, a RPP passou a integrar o Portal de Periódicos da Psicologia (PEPSIC) e o Dialnet.

A partir de 2012 assumi como editor da RPP para um novo período de quatro anos. Nessa fase do trabalho editorial envidamos esforços para que a RPP passasse a ter uma periodicidade quadrimestral. Isso só foi possível porque, com o aval da Associação Brasileira de Psicologia Política, decidi oferecer à nascente Associação Ibero-latinoamericana de Psicologia Política - AILPP - o último fascículo de cada volume, o qual deve ser coeditado pelo editor da RPP e o Secretário de Publicações de dita associação. Esta parceria tem sido um êxito e tem feito com que a RPP tenha maior penetração nessa região.

A revista publicará, nesses quatro últimos anos um total de 120 artigos, distribuídos em quatro volumes e doze fascículos. Destes 120 textos, 28 são estrangeiros e seus autores originários da Argentina, Chile, Colômbia, Costa Rica, Espanha, Equador, Itália, México, Peru, Portugal e Venezuela. Destarte, a RPP torna-se um periódico que ultrapassa as fronteiras nacionais e representa as duas associações científicas. Se, por um lado, isso significa um maior prestígio e penetração na comunidade científica, por outro, implica em maior responsabilidade e trabalho, pois ela é, em certa medida, uma das vozes privilegiadas da Psicologia Política Brasileira e Ibero-Latino-Americana. Vale lembrar que a Psicologia Política é um campo em expansão no Brasil, mas ainda bastante pequeno. Ainda há muito por construir.

A RPP foi e é estratégica para o avanço da Psicologia Política porque ela trouxe a público a Psicologia Política como um importante campo de saber até aqui quase que olvidado no Brasil (Silva, 2012, 2015) e passou a contribuir para a "reabilitação de um paradigma perdido" como já disse Alexandre Dorna (2004), editor da revista francesa Cahiers de Psychologie Politique.

Mediante a publicação da RPP muitos pesquisadores passaram a colocar-se a seguinte questão: o que faço não seria Psicologia Política?! Com certeza a RPP é um dos pilares da redescoberta e do recente crescimento do campo e tem ajudado a impulsionar a emergência de grupos de pesquisa. Juntamente com os Simpósios Nacionais de Psicologia Política iniciados em maio de 2000 e criação da ABPP, em 10 de dezembro de 2000, a Revista Psicologia Política tem desempenhado um papel privilegiado na consolidação de um olhar aberto, interdisciplinar e pluritemático para o campo psicopolítico.

Nela, podemos encontrar distintas maneiras de pensar a Psicologia Política e isso certamente faz com que o debate acadêmico floresça e com ele a própria área de saber. Muitos contatos entre pesquisadores se deram em função de textos publicados na RPP, o que faz com que ela seja um canal na geração de redes de investigação que ultrapassam as fronteiras da psicologia. Mediante o conhecimento veiculado na RPP filósofos, administradores, gestores, cientistas políticos, sociólogos, antropólogos, educadores e psicólogos têm se encontrado e feito da psicologia política um lugar de interação e produção de conhecimentos complexos que vão mais além dos limites disciplinares. Não por acaso foi que a AILPP decidiu não criar uma revista própria, mas atuar para impulsionar a RPP e a revista argentina REPP. Consideramos esse um ganho importante para a RPP nesse último período editorial.

Nesse processo, a RPP é um instrumento importante, pois permite conhecermos quais são, e podem vir-a-ser, os caminhos da Psicologia Política no Brasil e as tendências desta na América Latina. Uma amostra disso pode ser vista nas temáticas que mais frequentemente são apresentadas para a consideração da Revista: participação política, movimentos sociais, juventude, políticas públicas e educação. Estas temáticas, inclusive, dão a tônica, como veremos, do presente número.

Não obstante, do ponto de vista editorial a RPP ainda padece num sistema de avaliação marcado por distorções e que privilegia aspectos quantitativos na avaliação sem que análises verdadeiramente qualitativas sejam realizadas. Pesam questões de forma e métricas bibliométricas e, desafortunadamente, análises qualitativas do conteúdo não são consideradas.

O sistema brasileiro de avaliação de periódicos baseado na lógica de que nem todos podem ser tão bons obriga a que bons periódicos, com conteúdo de alta qualidade sejam não tão bem avaliados. O sistema de avaliação de periódicos da CAPES foi criado, supostamente, para medir a qualidade na produção de docentes e estudantes do sistema de pós-graduação nacional e a este fim deveria restringir-se. Contudo, ele acabou, na prática, tornando-se o balizador de quais são os periódicos que devem ser priorizados no instante de se enviar manuscritos. Isso fere mortamente a um número enorme de veículos científicos. Mas não só. Ele também acaba servindo como instrumento de aferição de qualidade de trabalho e de produtividade de pesquisadores, como base, inclusive, para avaliações institucionais que buscam impor métricas universalistas e que não consideram a diversidade mesmo entre pares de uma mesma área.

Num sistema no qual a cada cem periódicos apenas doze podem ser A1, treze A2, vinte e cinco B1 e cinquenta estão distribuídos entre os níveis B2, B3, B4, B5 e C não há espaço para que se faça justiça e se reconheça a qualidade real de cada periódico. Nesse sistema piramidal para que um periódico cresça e mude de nível algum outro precisa retroceder. Isso é cruel. O fato de a RPP receber um número maior de textos de autores estrangeiros que não participam do sistema nacional de pós-graduação, o que me parece meritório e demostra o grau de reconhecimento da revista, acaba por "prejudicar" o seu desempenho nos estratos de avaliação de periódicos da CAPES e, por conseguinte, regular a oferta de submissões: quanto menor seu desempenho menos submissões ela recebe. Revistas nos estratos mais elevados têm um número muitíssimo maior de submissões de manuscritos do que revistas em níveis intermédios.

Durante todo o tempo em que estamos exercendo a editoria da Revista Psicologia Política buscamos fazer a crítica desta realidade de maneira pública e republicana. Não somos contra avaliações, mas sim a imposição de um sistema que acentua as distorções e incremente lógicas de poder que colocam em risco a existência de periódicos relevantes para muitas comunidades científicas. Somos contrários a um sistema no qual a primeira indagação de um potencial autor a quem é o editor seja "qual é a avaliação da revista?". Não seria, por exemplo, mais significativo saber sobre que temas e quem são os autores que a escolhem como veículo para a difusão do conhecimento por eles produzido?

Como disse, o sistema Qualis se pretende como um instrumento que tem como finalidade única auxiliar na avaliação dos programas de pós-graduação brasileiros, mas na realidade termina sendo também um instrumento impositivo de onde se deve publicar para que possa seguir credenciado como docente e como orientador na pós-graduação. Ademais de ser algo perverso e ferir a muitas revistas, as quais acabam com estoques menores de textos e com maior dificuldade de manter a alta qualidade de suas publicações, esse sistema interfere diretamente na liberdade de escolha de pesquisadores de onde veicular suas produções. Em certa medida há uma imposição do medo como variável de controle e que direciona a todos à adaptação às regras do jogo: é preciso que se publique nas revistas com maior fator de impacto bibliométrico, é preciso que se publique em inglês.

Essa imposição faz com que revistas que estão no topo da pirâmide nos estratos A1 e A2 terminem não tendo condições de dar vazão aos textos que recebem, pois são tantos que superam suas capacidades de avaliar (há revistas que suspendem o fluxo de submissão temporariamente!) e de publicar aos aprovados sem que, para isso, necessitem seus autores esperar, por vezes, anos. Esse fato afeta tanto a qualidade quanto a periodicidade de muitas revistas. E com a RPP não é diferente.

Essa realidade é agravada pelo custo de manutenção das revistas, sendo as dificuldades de financiamento uma barreira para se manter a regularidade das revistas. Boas revistas que não consigam atender aos critérios de ingresso no Programa SciELO, ISI ou SCOPUS são gravemente penalizadas. O que não se diz é que para atender a muitas dessas bases é necessário um recurso que não está disponível, sobretudo quando a revista não possui um fluxo financeiro constante.

Certamente estamos de acordo com a crítica feita na Carta de São Paulo firmada por editores da ABRASCO (Associação Brasileira de Saúde Coletiva) na qual se lê:

Chamamos a atenção [...] para o fato de que é necessária uma reflexão densa sobre os conceitos-chave dessa discussão, como, por exemplo, "qualidade" e "internacionalização". A qualidade de periódicos não deve ser avaliada exclusivamente ou mesmo principalmente por indicadores bibliométricos, crescentemente criticados (Adler e col., 2008; Cagan, 2013; Casadevall & Fang, 2014)1. Do mesmo modo, a internacionalização de periódicos brasileiros não pode ser entendida apenas como a publicação em inglês de artigos de autores residentes no exterior, nem pode, ou deve, ser exigida uniformemente de todos os periódicos. (ABRASCO, 2014:1)

São muitas as manifestações feitas individualmente e coletivamente por editores de muitas áreas do saber desde que o sistema teve início. Mesmo que a questão da avaliação seja posta com diferentes nuances, o cerne delas converge e indica um problema que tem um viés ideológico como já alertou Maria Luisa Sandoval Schimidt (2011).

Parece-me que a obra Inimigos da esperança - publicar, perecer e o eclipse da erudição escrito, em 2006, por Linsdsay Waters continua atual e suas críticas bem servem ao sistema de avaliação das publicações científicas em uso no país. Como indica o autor (e todos já sabemos por experiência), a cobrança por produtividade intelectual leva ao produtivismo (irrefletido), ao plágio e ao autoplágio com sérias implicações éticas e a um estado quase que fratricida no qual o modelo vigente impõe e justifica uma falaz hierarquização da produção acadêmica que determina o acesso a recursos cada vez mais escassos. Como indica Ozaí Silva Antônio (2005).

A produtividade é muito mais valorizada do que o processo do conhecimento, da produçãoe da elaboração teórica. É salutar que os indivíduos produzam, mas a pressão produtivista gera o efeito perverso do agir instrumental e do abandono do essencial (o processo em si gerador de conhecimento e enriquecedor da formação intelectual) pelo aparente, isto é, o resultado espelhado na pontuação. (Silva, 2005:89)

Essa realidade não pode ser negada e afeta sobremaneira aos sistemas de avaliação em geral e que não estão livres de matizes ideológicos ou de interesses. Nessa lógica, retratada por Sheila Slaughter e Larry Leslie (1997) como capitalismo acadêmico, reside o perigo de que acabe por contar mais o lugar onde se publica e menos o conteúdo publicado. De certo, podemos dizer que sob essa perspectiva o sistema de avaliação é uma das várias engrenagens que compõem o capitalismo acadêmico e que afetam diretamente a identidade dos pesquisadores e sua liberdade de organização do trabalho. Como destacou Eduardo Ibarra-Colado (2003):

[...] es muy relevante observar que el investigador ha visto igualmente reinventada su identidad, pues ha sido desprendido de su libertad de investigación, perdiendo paulatinamente el control del contenido y organización de su trabajo. Los académicos han ido perdiendo su condición de artesanos del saber para conformarse paulatinamente en engranajes de alguna de las grandes maquinarias que integran las nuevas formas de producción del conocimiento. (Ibarra-Colado, 2003:1061-1062)

A livre escolha de onde publicar é um princípio de liberdade que, como apontou Ibarra-Colado tem sido posta em xeque. No caso presente, a pressão para que se publique em veículos que estão avaliados no topo da pirâmide, associada a um conjunto de exigências que dificultam o ingresso em sistemas como o programa SciELO ou mesmo a permanência nele, terminam por fragilizar não apenas a alguns periódicos, mas ao parque nacional de periódicos científicos e a limitar a escolha de autores que muitas vezes desejam divulgar suas produções a comunidades menores, mas a cujo conjunto aquele saber é mais relevante e interessante. São, portanto, alarmantes as distorções que o sistema produz. Como recorda Lucíola Santos

[...] a preocupação crescente dos docentes universitários em realizar o maior número de pesquisas e de publicações, mesmo que estas não satisfaçam seus interesses e estejam aquém de seu potencial intelectual em termos de qualidade, mas que sejam capazes de garantir a quantidade, o que resultará, muitas vezes, em um melhor conceito sobre seu trabalho e da sua instituição, por parte dos comitês criados pelo Estado avaliador. (Santos, 2004:1153)

A contabilidade acadêmica (Waters, 2006) que é imposta atualmente implica em um certo darwinismo social, pois não há tempo para a maturação do pensamento, não se pode perder o ritmo da produção e muito menos perder de vista os lugares onde ele se deposita. Apenas quem logre contabilizar dentro de um determinado volume terá seu salvo-conduto garantido e sobreviverá. E isso se traduz se reconhecerá em acesso a recursos e a permanência no sistema de pós-graduação. Quem não se submeter a essa lógica não tem lugar, não é produtivo.

De maneira nenhuma estamos contrários a avaliação. Mas avaliar é sempre optar por uma determinada perspectiva ideológica. Recordamos as observações feitas por Maria Luisa Sandoval Schmidt (2011):

[...] admite-se a conveniência de uma combinação de critérios quantitativos e qualitativos, na qual os quantitativos serviriam de apoio aos qualitativos. De certa maneira, essa vertente acolhe as ideias que gravitam em torno da progressão dos sistemas de avaliação no Brasil, numa espécie de acomodação ou negociação que concede privilégios à quantificação e aos "produtos" quantificáveis e continua insistindo, seguindo uma tendência mundial, na publicação em periódicos como critério principal de produtividade. [...] Vê-se, então, com mais evidência, como essas expectativas concentram os desdobramentos da instalação de um sistema de avaliação acadêmica válido para todo o Brasil: ao aceitarem a ideologia da avaliação, circunscreveram o debate de tal maneira que, ontem, como hoje, os questionamentos endereçados aos sistemas de avaliação continuam a reivindicar migalhas de atenção para a heterogeneidade das áreas e das produções ou produtos, sem grande sucesso, diga-se de passagem. [...] A quantificação é a lei da avaliação: suas exigências ensejam problemas técnicos de medição e controle do que se avalia e de quem avalia num espírito mais propriamente vigilante do que crítico. (Schmidt, 2011:318-319)

O sistema brasileiro de avaliação de periódicos, assim como sistemas de avaliação em geral, se pretendem (mesmo que não admitam) universais, mas não há métricas de aplicação universal. No caso da Revista Psicologia Política, cuja comunidade de leitores não é numerosa e sua natureza é diversa por ser um campo interdisciplinar, adaptar-se a essas métricas é bem mais custoso. Se avaliar com critérios universais é uma situação improvável, também o será quando se queria fazer avaliações entre "iguais", entre os que se encontram em uma mesma área. Mas como já apontou Renato Ortiz (2008):

Em nenhum momento, as contribuições são consideradas nelas mesmas, a qualidade não possui individualidade, é suficiente agrupá-la através de sua manifestação numérica. A análise pressupõe ainda a unicidade da ciência, ela é um sistema no qual todas as disciplinas encontram-se niveladas. (Ortiz, 2008:152)

Como apontam os editores que firmam a Carta de São Paulo "O portal SciELO foi criado a partir da ideia generosa de fortalecer as publicações nacionais e contribuir para o diálogo Sul-Sul e ao longo do tempo contribuiu e favoreceu a maior visibilidade dos periódicos nacionais" (Abrasco, 2014:2). Entretanto, entendo que essa lógica já sofre mudanças. Os critérios exigidos pelo programa SciELO no quesito processo de internacionalização das publicações científicas são equivocados, pois aumentam os custos editoriais, favorecem apenas as publicações já consolidadas, além de impor uma situação editorial cada vez mais desfavorável a periódicos mais novos. Além disso, os critérios adotados desvalorizam a língua portuguesa e a cooperação Sul-Sul. No caso da RPP que privilegia o idioma nacional e o idioma originário dos autores, bem como as relações luso-hispânicas (a RPP está associada à AILPP) o prejuízo é mais do que evidente. Em que pese a valorização da língua inglesa no mundo acadêmico, destacamos que é uma opção político-ideológica deste periódico valorizar as línguas latinas, em particular o espanhol, pois ele é estratégico para o aprofundamento das relações da Psicologia Política brasileira com a que se produz na América Latina e na península ibérica.

A nosso ver, o sistema de avaliação deseja forçar a anglonização do saber. A cada dia o uso do inglês é cada vez mais impositivo e a cada dia outras formas linguísticas perdem valor, perdem espaço, perdem poder. No instante em que a SciELO impõe como critério a tradução de artigos para língua inglesa para aceder ao sistema, parece não atentar para o fato de que isso representa custos de tradução inimagináveis para muitos periódicos e faz cada vez mais difícil ingressar e permanecer na SciELO. Fazê-lo parece ser um desejo inalcançável, visto que revistas como a RPP têm dificuldades para manterem-se no patamar em que se encontram, sobretudo quando mantêm um compromisso com o conhecimento aberto e gratuito assumindo para si os custos de sua existência.

A RPP tem sido financiada por iniciativas da ABPP e do Grupo de Estudos e Pesquisa em Psicologia Política, Políticas Públicas e Multiculturalismo - GEPSIPOLIM - USP. Quando os novos editores assumirem terão como desafio seguir custeando a disponibilização no PEPSIC e a diagramação dos arquivos PDF, pois a RPP não faz assinaturas e nem cobra pelo acesso de seu conteúdo. Nossas escolhas certamente impactam no estado atual da revista e sempre podem ser revistas por quem assuma o periódico. Contudo, desejamos destacar que o primeiro compromisso que assumimos com a RPP foi o de garantir que seu conteúdo fosse, antes de tudo, de qualidade e que seu acesso fosse universal e acessível a toda classe de leitores.

Infelizmente, entendo que os rumos que a avaliação de periódicos da CAPES e os critérios de ingresso da SciELO geram ônus para publicações como a RPP e contribuem diretamente para a redução do parque nacional de revistas científicas qualificadas. O modelo ora imposto conduz a clara concentração de prestígio e recursos em poucas instituições, periódicos e pesquisadores, gerando elites que se beneficiam dessa lógica da desigualdade, na qual a diferença equivale equivocadamente a desigualdade. Esse modelo perverso torna-se hegemônico e converte-se num claro empecilho à difusão de grande parte do conhecimento nacional e tende a promover o fechamento de revistas de qualidade, mas que não estão em conformidade com essa política.

Esse balanço crítico do sistema de avaliação é a maneira que encontrei para pensar esse tempo em que estou editor deste periódico. Estou convicto da importância e grandeza da Revista Psicologia Política. Bem sei que há muito por fazer e que quem me suceder poderá avançar mais onde não fui capaz de avançar. Exatamente por isso a renovação de editores é fundamental e por tal motivo estará aberto a partir de outubro deste ano o edital de seleção de novos editores para a Revista Psicologia Política.

O presente fascículo é resultado desse esforço constante por manter em pé e com qualidade a RPP. Nesse número temos onze valiosas contribuições de vinte e quatro autores procedentes de doze instituições.

O primeiro texto chama-se Psicologia e Consciência de Classe "Para-Si": ações e desafios na direção da mudança social e é da autoria de Euzébio Filho e Raquel Souza Lobo Guzzo (PUC-Campinas - Brasil). Nele, xs autorxs procuram discutir o papel da Psicologia de base marxista para a promoção da mudança social. Essa questão é desafiadora quando se observa que vivemos numa realidade na qual o individualismo é o signo ordenador da realidade e tende a fomentar um estado de resignação social que se contrapõe aos processos de mudança social, sobretudo quando se tratem de processos marcadamente anticapitalistas e socialistas. Entender o lugar da ideologia na produção da consciência política é um dos elementos destacados desse manuscrito.

José Fernando Andrade Costa (USP - Brasil) é o autor do artigo "Fazer para Transformar": a Psicologia Política das Comunidades de Maritza Montero. Seu texto dá continuidade a diversos pontos trabalhados no texto que precede. Ao analisar a obra de Maritza Montero, Costa apresenta axs leitorxs da RPP aspectos históricos, teóricos e metodológicos da produção de Montero para o desenvolvimento da Psicologia Política e da Psicologia Comunitária na América Latina. A confluência da produção dessa produção intelectual estudada indica que Montero lança sólidas bases para se pensar as especificidades de uma Psicologia Política Comunitária comprometida com a mudança social.

Fruto de um esforço coletivo realizado por Jacqueline de Oliveira Moreira (PUC-Minas - Brasil), Andréa Máris Campos Guerra (UFMG - Brasil), Nathiéle Araújo Oliveira (PUC-Minas - Brasil), Juliana Marcondes Pedrosa de Souza (PUC-Minas - Brasil) e Camila Alves Noberto Soares (PUC-Minas - Brasil) é o texto que segue. Em Medidas socioeducativas com seus dispositivos disciplinares: o que, de fato, está em jogo nesse sistema? Seu olhar crítico sobre a questão das medidas socioeducativas presentes no ECA resulta de estudo baseado na produção acadêmica existente nas bases SciELO e Pepsic no período de 2000 e 2012. Sua análise está focada nos aspectos político-institucionais de medidas socioeducativas e na possibilidade de que tais aspectos gerem políticas públicas que terminem por promover exclusão e enclausuramento aos adolescentes autores de ato infracional e não um processo de emancipação e autonomização desses sujeitos.

O manuscrito seguinte intitula-se A Gente não Quer Só Comida: políticas inclusivas e adolescência na sociedade de controle, foi escrito pelas pesquisadoras Danielle Jardim Barreto, Bruna Aparecida Anastácio, Leticia do Prado Ganzarolli, Mariana Santos Brassanini (UNIPAR - Brasil) e segue o debate em torno da adolescência e processos educativos problematizando as práticas educacionais inclusivas. Este debate é relevante e segue em linha com os textos anteriores, pois o faz tendo presente que nossa configuração social se dá dentro do marco de uma sociedade capitalista, duma sociedade do controle. Em tal realidade há a clara intenção da disciplinarização dos corpos e a vulnerabilidade dos adolescentes frente a essa lógica de poder é um ponto que merece a atenção da psicologia política.

Rafael Prosdocimi Bacelar (UNA - Brasil) e Lucia Rabello de Castro (UFRJ - Brasil) seguem a discussão com o artigo Modos de subjetivação de jovens nas Tramas do Ambientalismo: uma análise psicopolítica. Ao pensarem sobre os modos de subjetivação de jovens engajados em ações ambientais, Bacelar e Castro apontam para a relevância da participação política juvenil no campo ambiental. Para tanto, sete jovens moradores da cidade do Rio de Janeiro envolvidos com o tema ambiental foram entrevistados com o fim de identificar quais os modos de subjetivação possíveis relativos a sua ação política e a mudança em sua consciência ambiental.

Ainda no campo dos estudos sobre adolescência Aline Gomes da Silva, Thais Christina do Lago Rodrigues (UNIFran - Brasil) e Katia Varela Gomes (USP - Brasil) propõem o texto Adolescência e Uso Abusivo de Drogas: a redução de danos como estratégia de prevenção. Ao estudarem os efeitos da abordagem da Redução de Danos sobre as escolhas e percepção de risco em relação ao uso abusivo de drogas, as autoras analisam os conflitos vivenciados por adolescentes em situação de vulnerabilidade. O trabalho aponta para a importância de sentidos produzidos nesse quadro e que geram dilemas para os adolescentes. Entre eles destacam os dilemas responsabilidade vs. divertimento/prazer; confiança vs. reconhecimento e liberdade vs. controle.

Nos textos que seguem encontramos um conjunto de estudos que tem como eixo condutor aspectos identitários e relativos ao político e a participação política. A diversidade de objetos e metodologias que cada um dos manuscritos que dão corpo a este fascículo são importantes para que possamos aprofundar o conhecimento sobre os campos de interesse da Psicologia Política.

Os Pesquisadores Agustin Espinosa Pezzia (PUCP - Peru) e Dario Paez (UPV - Espanha) nos brindam com o texto Reliability and Capability as self-stereotypical contents of National Identity in Peru (Confiabilidade e Capacidade como Conteúdos Autoestereótipos da Identidade Nacional no Peru). A partir de três estudos com mostras urbanas de níveis socioeconômicos médios de Lima-Peru, Espinosa e Paez mostram que o grau de identificação com o Peru, a autoestima coletiva nacional e os conteúdos autoestereótipos estão positivamente correlacionados entre eles. Entretanto, o grau de identificação com o Peru está mais fortemente relacionado à autoestima coletiva que aos autoestereótipos positivos e negativos sobre o endo-grupo nacional, sendo a autoestima um aspeto central da identidade nacional. Este artigo aprofunda os estudos acerca de elementos constitutivos do caráter nacional que contém clara dimensão política e subjetiva e são bastante comuns nas tradições anglo-saxãs e europeias de estudos psicopolíticos.

Em Amizade e Política: considerações sobre a philía e a fraternidade, Joana Sampaio Primo (PUCSP - Brasil) e Miriam Debieux Rosa (USP - Brasil) tratam das vicissitudes dos usos da política com a discussão sobre a amizade a partir dos escritos de Hannah Arendt a respeito dos sentidos da política na modernidade. Para Arendt, a política na atualidade se constitui, em certa medida, como gestão de Estado, diferente do que ocorria na Grécia Antiga, onde estaria mais relacionada à ação das pessoas no espaço público. Dito isso, as autoras procuram refletir sobre a aproximação entre amizade (philía) e política (polis/politika) e destacam que na modernidade a afirmação do Estado de direito baseado na tríade da revolução francesa fraternidade, igualdade e liberdade conduzem a uma realidade na qual a afirmação da philía relacionada à política desaparece em prol da ideação de fratria. Essa discussão transcende um debate conceitual, visto que ele tem efeitos diretos nas formas de subjetivação política e, portanto, na ação política humana.

No artigo Participação Política: diálogos entre consciência política e práxis política Leandro Amorim Rosa (PUCSP - Brasil) articula o modelo de consciência política de Salvador Sandoval e a práxis política a partir de Vigotski e Gramsci para discutir a participação política. A pretensão do autor abre portas para novas leituras do modelo de consciência política e suas potencialidades no entendimento de ações coletivas, bem como do lugar das emoções na produção de sujeitos políticos. O entendimento da participação política por meio do entrelaçamento de elementos cognitivos e afetivos abre espaço para que o estudo da consciência política se configure como uma estratégia analítica práxis política que ganha a cada dia mais centralidade na Psicologia Política.

O último artigo é da lavra de Dennis de Oliveira (USP - Brasil). O manuscrito Ação Direta do Capital: o poder do capitalismo contemporâneo debate como o poder no capitalismo contemporâneo assume novas formas. Esta nova configuração chamada de Ação Direta do Capital é resultante dos legados político-ideológicos da guerra fria, do modelo de acumulação de riquezas no Estado capitalista. Essa questão ganha força nesse quadro de crise sociopolítica e tem reflexos nos modos de constituição do sujeito. Para o autor, a ação direta do capital se centra no monopólio das armas, do dinheiro e da voz. Essa base faz com que ela centre a sociedade na vivência do consumismo, dificultando uma experiência do vivido capaz de fazer a crítica social.

Finalizamos este fascículo 33 do volume 15 com a resenha de Domênico Uhng Hur (UFG - Brasil) Guattari e a Ecosofia sobre o livro ¿Qué es la Ecosofía? Essa obra foi organizada por Stéphane Nadaud com textos de Félix Guattari e publicada em Buenos Aires pela Cactus Editorial no ano de 2015 e contém 447 páginas. Hur destaca que a obra apresenta posicionamentos de Guattari que combatem a tudo o que pode despotencializar e empobrecer a vida, a subjetividade e o planeta, sendo essa uma temática que é importante para a psicologia política ambiental e estabelece pontes para a compreensão das relações entre subjetividade e política.

Ao concluirmos a apresentação desse número no qual os textos nos conduzem a reflexão sobre consciência política e mudança social, não posso deixar de reiterar que o teor desse editorial que toca no tema da avaliação de periódicos também é um indicativo desse pensar crítico. Não é nosso desejo fazer críticas que soem corporativas. Antes o contrário. Nosso desejo é contribuir para que se possa pensar avaliações que garantam igualdade na diferença. O processo de avaliação precisaria converter-se em um momento para discutir e trocar experiências sobre uma política editorial que valorize as especificidades da produção acadêmica brasileira. É mister a construção de convergências que incluam perspectivas não hegemônicas no processo de avaliação. Só assim se poderá para almejar justiça. A existência de regras suficientemente claras, não é suficiente para que alcancemos esse objetivo. Estas necessitam ser reconhecidas como legítimas tanto por avaliadores quanto por avaliados.

Espero que essa breve reflexão nos ajude repensar os rumos da ciência que queremos. Espero também que juntos, leitorxs, avaliadorxs, autorxs e pesquisadorxs em psicologia política aumentemos nosso empenho para que essa publicação aumente seu alcance, para que ela seja mais conhecida, procurada para submissões e para as pesquisas que gerem citações em outros trabalhos, exatamente porque estas refletem sua qualidade reconhecida pela comunidade científica.

Como sempre, desejo a todxs uma boa leitura!

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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