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Revista Psicologia Política

versão impressa ISSN 1519-549X

Rev. psicol. polít. vol.15 no.33 São Paulo ago. 2015

 

ARTIGOS

 

"Fazer para transformar": a psicologia política das comunidades de Maritza Montero

 

"To do and to transform": the Maritza Montero's political psychology of communities

 

"Hacer para transformar": la psicología política de las comunidades de Maritza Montero

 

« Faire pour transformer » : la psychologie politique des communautés de Maritza Montero

 

 

José Fernando Andrade Costa

Psicólogo graduado pelo Centro Universitário São Camilo, Brasil, e mestrando no Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil. josefernando.ac@hotmail.com

 

 


RESUMO

Este artigo apresenta e discute aspectos teórico-metodológicos da obra da psicóloga venezuelana Maritza Montero, ressaltando sua importância histórica para o desenvolvimento da Psicologia Política e da Psicologia Comunitária na América Latina. A partir de uma revisão bibliográfica dos trabalhos dessa autora, defende-se que, tomados em seu conjunto histórico, configuram uma forma autêntica de Psicologia Política Comunitária. Por fim, destaca-se a relevância e o potencial da obra de Montero para o desenvolvimento de trabalhos futuros em um enfoque psicopolítico-comunitário que se pretenda transformador da realidade social desde uma perspectiva crítica e libertadora.

Palavras-chave: Psicologia Política, Psicologia Comunitária, Maritza Montero, Práxis, Libertação.


ABSTRACT

This paper presents and discusses both theoretical and methodological aspects of the venezuelan Maritza Montero's work, highlighting its historical importance for the development of Political Psychology and Community Psychology in Latin America. From a literature review, I argue that, taken in its historical context, Montero's work is an authentic form of Political Psychology of Communities. Finally, it is argued about the relevance and potential of Montero's work for the development of future researches on a psychopolitical-community approach, which intends to be transformative of social reality by a critical and liberating perspective.

Keywords: Political Psychology, Community Psychology, Maritza Montero, Praxis, Liberation.


RESUMEN

En este artículo se presenta y se discute los aspectos teóricos y metodológicos de la obra intelectual de la psicóloga venezolana Maritza Montero, destacando su importancia histórica para el desarrollo de la Psicología Política y Psicología Comunitaria en América Latina. A partir de una revisión bibliográfica de los trabajos académicos de esa científica, se argumenta que, tomada en su colección histórica, la obra de Montero se constituye en una forma auténtica de Psicología Política Comunitaria. Por último, se argumenta acerca de la importancia y potencial de la obra de Montero para el desarrollo de futuras acciones desde un enfoque psicopolítico en la comunidad, que se pretendan transformadoras de la realidad social desde una perspectiva crítica y liberadora.

Palabras clave: Psicología Política, Psicología Comunitaria, Maritza Montero, Práxis, Liberación.


RÉSUMÉ

Cet article présente et discute les aspects théoriques et méthodologiques de l'œuvre de la psychologue vénézuélienne Maritza Montero, en soulignant son importance historique pour le développement de la Psychologie Politique et la Psychologie Communautaire en Amérique latine. D'un examen de la documentation de l'œuvre de cette auteur, fait valoir que, pris dans sa collection historique, le travail de l'auteur constitue une forme authentique de la Psychologie Politique de la Communauté. Enfin, il ya la pertinence et le potentiel de l'œuvre de Montero pour le développement de futurs travaux sur une approche psychopolitique communautaire qui doit être transformatrice de la réalité sociale dans une perspective critique et libératrice.

Mots clés: Psychologie Politique, Psychologie communautaire, Maritza Montero, Praxis, Libération.


 

 

Introdução

O objetivo deste artigo é apresentar e discutir aspectos teórico-metodológicos da obra da psicóloga venezuelana Maritza Montero, ressaltando sua importância para o desenvolvimento da Psicologia Social, Psicologia Política e da Psicologia Comunitária na América Latina desde uma perspectiva libertadora, ética e politicamente comprometida com a justiça e a transformação social. Argumento aqui que a obra de Montero constitui-se como uma forma autêntica de Psicologia Política Comunitária latino-americana, pois conjuga orientações para um trabalho comunitário transformador e uma práxis psicopolítica emancipatória essencialmente comprometidas com a interpretação acurada da especificidade das questões mais urgentes de nosso continente. Desse modo, conhecer e refletir sobre os temas e conceitos abordados por essa autora pode ser útil para estimular o desenvolvimento de ações comunitárias desde um viés psicopolítico.

De modo geral, os trabalhos de Montero ainda são pouco conhecidos no Brasil. Isso se deve possivelmente por haver poucos textos traduzidos para o português, pois a maior parte da obra da autora encontra-se em língua castelhana, inglesa ou francesa. Não obstante, é possível notar que nos últimos anos diversos trabalhos seus têm sido citados em relatos de pesquisas, ensaios teóricos ou utilizados como bibliografia básica em cursos de Psicologia Comunitária em nosso país. Por isso considero importante apresentar as contribuições dessa autora no âmbito da Psicologia Política e Comunitária latino-americanas, a partir de uma revisão narrativa de parte de sua vasta produção intelectual, de modo a torná-la mais familiar às pesquisadoras e pesquisadores interessados no trabalho psicossocial comunitário. Os desafios e riscos de tal empresa estão, evidentemente, relacionados à inevitável limitação decorrente de minha leitura particular da obra de Montero, obra esta que certamente possui uma riqueza impossível de ser limitada a apenas um artigo. Não obstante, convido a leitora ou o leitor a tomar este ensaio como uma introdução à obra de Maritza Montero e não como um resumo ou síntese. A intenção é que os temas aqui abordados auxiliem o trabalho de pesquisadores interessados em "fazer para transformar" (Montero, 2006a) e ao mesmo tempo sintam-se, assim como nossa autora, "apaixonados pela Psicologia" (Montero, 2008).

 

Trajetória Acadêmica e Influências Teóricas

Graduada inicialmente em Direito e posteriormente em Psicologia pela Universidade Central da Venezuela (UCV), Montero afirma que sempre teve como sua paixão a psicologia:

[...] yo no soy abogada, yo tengo sólo un título en Derecho y ejercí durante dos años mientras estudiaba todavía psicología [...] A mí, muchísimo más que la cuestión jurídica, me interesaba el cómo eran esas personas cuyos litigios estaba atendiendo. Me preocupaba la situación de vida de esas personas. Y cuando entré a la Escuela de Psicología de la UCV, sentí que ese era mi nicho académico, me encantó. (Montero, 2008:1)

Passou então a dedicar-se aos estudos em psicologia e, ainda na graduação, foi assistente de pesquisa, ditando algumas aulas de metodologia científica. Logo depois de formada, ingressou na carreira de pesquisadora social na Escola de Sociologia e Antropologia da UCV.

Em 1979, Montero obteve o título de mestre em psicologia pela Universidad Simón Bolívar (Venezuela) e em 1982 doutorou-se Sociologia pela École des Hautes Études em Sciences Sociales da Universidade de Paris com uma tese sobre identidade nacional dos venezuelanos (Montero, 1984a). Ao longo de sua carreira, Montero recebeu vários prêmios e participou da organização de diversos encontros científicos, além de ter coordenado cursos de pós-graduação em Psicologia Comunitária e orientado dezenas de teses. Atualmente é professora titular da UCV e professora convidada em diversas universidades nas Américas, Europa e Oceania. É membro de comitês editoriais de revistas científicas, tendo sido presidente da International Society of Political Psychology (2006) e membro da SociedadeInteramericana de Psicologia (1997-1999). É internacionalmente reconhecida por dedicar-se à construção da identidade da Psicologia Social, Comunitária e Política desde uma perspectiva crítica e libertadora. (Montero, 1987; Montero & Serrano-Garcia, 2011; Montero & Sonn, 2009).

A vasta produção bibliográfica de Maritza Montero tem por principal característica o compromisso ético e político com o desenvolvimento de uma práxis latino-americana crítica libertadora, ou seja, uma ação psicossocial orientada para a transformação social. Neste sentido, segue o caminho teórico inaugurado por seu amigo e também psicólogo, Ignácio Martín-Baró, um dos mais importantes pensadores da psicologia latino-americana, que foi covardemente assassinado por um "esquadrão da morte" (treinado pela CIA estadunidense) em El Salvador, no ano de 1989 (Chomsky, 1998). Martín-Baró defendia que a Psicologia se desvencilhasse de sua soberba cientificista e se voltasse para os problemas urgentes das maiorias populares, construindo assim uma nova epistemologia e uma nova práxis, diretamente vinculada ao próprio lugar em que é produzida: em outras palavras, Baró entendia que assumir um compromisso histórico com o destino dos povos oprimidos exige a construção de uma nova Psicologia, uma "Psicologia da Libertação" (Martín-Baró, 1986). De acordo com Montero (2000a:10), o conceito de Libertação, no contexto latino-americano, refere-se à:

[...] emancipación de aquellos grupos sociales que sufren opresión y carencia, de aquellas mayorías populares (populares en el sentido poblacional, demográfico) marginadas de los medios y modos para satisfacer dignamente las necesidades tanto básicas como complementarias, y para desarrollar sus potencialidades, para autodeterminarse. Y también abarca esa liberación, la emancipación de los grupos opresores, respecto de su propia alienación y dependencia de las ideas socialmente negativas.

Esta definição mostra que libertação corresponde a um movimento que envolve uma série de processos que produzam modificações substanciais tanto nas condições concretas de vida dos grupos sociais marginalizados, quanto na ideologia dominante de justificação da dominação e naturalização da injustiça social. O aspecto crítico da construção de uma prática libertadora centrada na transformação social exige uma redefinição do rol de atribuições dos pesquisadores e "interventores" sociais, bem como a definição dos grupos e pessoas interessados não apenas como destinatários, mas também como atores da ação psicossocial. Neste sentido, tais ações pressupõem uma relação dialógica, a valorização do saber popular e a criação de vias para o exercício do autocontrole por parte das pessoas e grupos interessados. Assim, a perspectiva libertadora diz respeito antes a um princípio orientador da práxis do que ao "campo" ou à "especialidade" da ação psicossocial.

Apesar de fortemente influenciada pelo movimento da Teologia da Libertação (Martín-Baró, além de psicólogo era padre jesuíta), Montero entende que as ideias iniciais para essa concepção libertadora remontam igualmente a duas escolas ou tendências latino-americanas de grande influência nas décadas de 1960 e 1970: a Educação Popular de Paulo Freire, no Brasil, e a Sociologia Militante, de Orlando Fals Borda, na Colômbia. Ambos os movimentos partiram de práticas transformadoras em círculos comunitários, tendo a mudança social como meta a partir das potencialidades de indivíduos e grupos concretos. Essa influência é marcante em toda a obra de Montero, principalmente em sua concepção de indivíduo, considerado sempre como sujeito histórico ativo, produtor de seu mundo de vida e capaz de transformar-se a si mesmo e a sua realidade coletiva.

Em Fals Borda, Montero encontrou as bases para a formulação de sua proposta metodológica mais adequada na atuação com comunidades: a Pesquisa-Ação Participante. Este método é desenvolvido a partir da integração dos princípios da "pesquisa de ação" de Kurt Lewin e da "investigação participativa" de Fals Borda, mas na perspectiva de Montero guarda uma orientação intrinsecamente política do fazer investigativo. Isto porque ao incluir as pessoas e grupos interessados enquanto partícipes do processo investigativo - com igual direito a voz, voto e veto - produz-se a democratização do conhecimento, ao mesmo tempo em que se busca fortalecer a capacidade das pessoas de refletir sobre sua realidade e sobre ela empreender ações transformadoras. Deste modo, como também entendia Paulo Freire, o processo investigativo é, ao mesmo tempo, um processo pedagógico. Não por acaso, é precisamente nos trabalhos de Freire, a quem a autora considera como "el más grande científico social del siglo XX" (Montero, 2010a:84), que Montero percebeu o caráter relacional fundamental a toda prática libertadora. "Ninguém liberta ninguém; ninguém se liberta sozinho. Os homens se libertam em relação uns com os outros, mediatizados pelo mundo". Esta célebre frase de Paulo Freire é uma das prediletas de Montero, recorrente em seus artigos - exceto pelo uso da categoria "homem" como sujeito universal, que comete uma injustiça linguística para com as mulheres -, expressa o princípio ético de sua obra. Nesse sentido, influenciada pela filosofia latino-americana de Enrique Dussel, Montero concebe a centralidade de uma episteme da relação para o desenvolvimento de uma práxis libertadora (Montero, 2002; 2010a). Nas palavras da autora:

La episteme de la relación postula que todo conocimiento es producido en y por relaciones sociales. Es en esas relaciones donde se construyen el Uno y el Otro, a la vez que ellas son construidas por la interacción relacionadora de esos dos elementos. Por lo tanto, la unidad esencial a partir de la cual se produce el conocimiento no es el individuo, el ser individual aislado, sino la relación entre seres. Nadie pude construir conocimiento sólo desde sí misma. Siempre hay una relación en la cual se produce el saber. Esto no quiere decir que las personas individuales desaparecen, ellas existen dentro de esas unidades dinámicas que son las relaciones. (Montero, 2010a:91)

Uma relação libertadora é aquela de caráter horizontal, ético, na qual se produz um diálogo em que ambas as partes podem aportar a construção do saber e conduzir a ação. Os sujeitos envolvidos em uma ação transformadora são igualmente capazes e responsáveis pela construção de relações inclusivas ou excludentes. Assim, a "episteme da relação" supõe uma redefinição ontológica do ser do Outro e demanda um método ética e criticamente comprometido com a libertação. Montero (2002), baseando-se na filosofia de Dussel, defende a expansão do método dialético em direção à inclusão do Outro que está além da totalidade, isto é, um método analético, ou melhor, ana-dialético - que significa um momento do método dialético, mas que vai mais além (ana) da totalidade do método dialético, pois considera o outro em sua liberdade plena e criativa, enquanto alteridade absoluta - enquanto fundamento da episteme da relação. Nas palavras da autora, a analética:

[...] es un momento del método dialéctico que da prioridad a lo que está más allá de la totalidad. Es decir, el otro como otro, como 'diferente'. Esta dialéctica modificada difiere debido a la inclusión de la otredad del otro. Una otredad que se añade a la otredad construida por el uno. Y, tanto si otro ajeno, como si otro complementario son incluidos en la totalidad. (Montero, 2002:49)

A centralidade da "episteme da relação", incluindo as dimensões ética e política, mostra que não existe conhecimento que se produza somente a partir de si-mesmo, tampouco que o "outro", em sua alteridade constitutiva, possa ser reduzido à condição de "objeto" de um "sujeito" da ciência. O que existe são as relações. E nessas relações ambos os participantes são sujeitos do conhecimento. Na perspectiva da autora, não existe relação Sujeito-Objeto, mas relação entre Sujeito/Sujeito-Objeto, sendo que ambos os polos (pesquisadores profissionais e participantes da pesquisa) contribuem igualmente, a partir de seus recursos específicos, para a compreensão de uma determinada questão (objeto de investigação). Desse modo, aceitar o outro em sua "outredade" é uma via essencial para a libertação.

A orientação para a transformação social desde uma práxis libertadora é, sem dúvidas, um dos traços mais importantes da obra de Montero. Obra que se situa predominantemente em dois campos do saber: a Psicologia Política e a Psicologia Comunitária. Vejamos a seguir quais as contribuições da autora em cada uma dessas áreas.

 

Psicologia Política: uma resposta latino-americana

Apesar das origens da Psicologia Política (PP), enquanto tema de interesse nas ciências humanas, remontar ao final do século XIX e início do XX, costuma-se indicar seu surgimento como disciplina científica autônoma somente a partir dos anos 1970, quando passa a se institucionalizar nos círculos acadêmicos (Silva, 2012). Uma das características da PP é sua heterogeneidade temática, congregando uma pluralidade de aportes teóricos e metodológicos oriundos de diversas áreas do conhecimento como a Ciência Política, a Sociologia, História, Psicologia Social, entre outras, e, por este motivo, costuma ser considerada uma disciplina interdisciplinar. Por isso também que é difícil falar em Psicologia Política de modo absoluto; antes, tratar-se-iam de Psicologias Políticas, no plural, ou ainda, como defende Alessandro Soares da Silva (2012:87), devemos entendê-la não como uma disciplina, mas como um campo interdisciplinar dinâmico do saber, constituindo-se justamente pelo diálogo entre diversas disciplinas voltadas para compreensão dos fenômenos psicológicos e políticos em suas interações. O fato é que permanece aberto o debate sobre a definição e especificidade da PP, de seu(s) objeto(s) de estudo, métodos e de seu lugar nas Ciências Humanas e Sociais. Não obstante, abundam ensaios e relatos de pesquisa situados no campo da Psicologia Política, sob os mais variados enfoques teóricos e metodológicos, ressaltando sua pluralidade e vitalidade.

Assim como toda ciência, a PP possui uma história e um ritmo próprio em cada país onde se desenvolve. Em pesquisa sobre as origens e o desenvolvimento da psicologia política na Venezuela, Acosta (2012) aponta Maritza Montero como uma das mais importantes autoras da disciplina, responsável pela "más larga y completa producción" disponível em seu país (Acosta, 2012:538). Desde os princípios da década de 1970, Montero tem produzido pesquisas sobre temas políticos diversificados, tais como: atitudes eleitorais, decisões políticas, voto, imagem e discurso de partidos e candidatos políticos, entre outros.

Em 1987, Montero organizou uma obra chamada "Psicología Política Latinoamericana" (Montero, 1987) na qual reuniu trabalhos de autores como Wanderley Codo (Brasil), Pablo Fernández Christlieb (México), Fernando Gonzalez Rey (Cuba), Ignácio Martín-Baró (El Salvador), Angel Kauth (Argentina), José Miguel Salazar (Venezuela), entre outros. Neste livro, Montero apresenta um estudo de revisão bibliográfica das publicações em PP entre 1956 e 1986 em nossa parte do continente, traçando um panorama dos principais temas abordados na literatura e das perspectivas futuras deste campo, apontando desde então para a importância do compromisso crítico e transformador da PP. Em outro texto, na mesma obra, Montero analisa a autoimagem e consciência social do povo latino-americano, à época, destacando o papel da ideologia e alienação na formação de uma "mentalidade dependente" e de menos-valia, pela qual se afirmam enquanto sujeitos "periféricos" (Sul), em relação ao "centro" do poder econômico global (Norte), sem questionarem o papel da dependência e história de dominação das relações entre países do norte e do sul.

No início da década de 1990, Montero e Alejandro Dorna (1993) apontam seis grandes áreas temáticas de interesse da PP: lideranças políticas, processos cognitivos relacionados a comportamentos políticos, comunicação persuasiva, situações de conflito e negociação, identidade e consciência social, e a ideologia como fenômeno político, instrumento e processo de mediação social, tendo como correlatos a alienação e seus efeitos sobre sociedades e indivíduos. No mesmo período, Montero publica um artigo intitulado "Una orientación para la Psicología Política en América Latina" (Montero 1991) no qual traça o panorama e analisa as características dos trabalhos publicados, até então, no âmbito da PP, apontando para três modos de produção acadêmica nessa área:

1) da "política inconsciente" ou "implícita", caracterizado por ser uma psicologia social aplicada aos fenômenos políticos mas não consciente da especificidade da relação entre esses dois temas;

2) da "política consciente" ou "explícita", caracterizado por trabalhos de psicologia social conscientemente aplicada aos fenômenos e teorias políticas; e,

3) da "psicologia política dos fatos políticos" ou "psicologia política propriamente dita", esta caracterizada pela consciência acerca do campo, de seu objeto, de sua necessidade de elaboração teórica, da aplicação e construção de métodos e técnicas próprias.

A este último modo de fazer PP, consciente de sua especificidade, mas ainda epistemologicamente em construção, Montero (1991) propõe uma orientação que seja voltada para a denúncia da opressão e para a transformação social: "una psicología que al tomar consciencia de su inserción en una peculiar formación económicosocial y en un sistema político y económico internacional, se vuelca hacia los problemas, fenómenos y necesidades proprios de las sociedades en que surge, a la vez que intenta definirse y construirse a sí misma." (Montero, 1991:35). Isto é, assumir a via da libertação para assim estudar os fenômenos políticos e a conduta política, buscando desvelar seu caráter alienante ou libertador; estudar a ideologia para desvelar seus modos de operação; estudar a identidade social para redefini-la e potencializá-la como veículo de desenvolvimento e fonte de realização pessoal, grupal, nacional, supranacional (Montero, 1991:37). Montero aponta as seguintes características desta nova PP: a redefinição crítica do papel do(a) psicólogo(a) na sociedade; tomar como ponto de partida temas e objetivos de libertação; e o enfoque dinâmico e histórico da construção de conhecimento. A orientação libertadora busca responder politicamente aos problemas políticos do momento e do lugar em que é produzida.

Partindo de conceitos clássicos como ideologia, alienação, identidade social e poder, a PP latino-americana orientada para a libertação desenvolveu aportes teórico-metodológicos como problematização, desideologização, desnaturalização, conscientização e uma redefinição da noção de poder1. Veremos adiante que estes conceitos são fundamentais também na construção da Psicologia Comunitária defendida pela autora (Montero 2004), o que já aponta para a imbricação destes dois campos em sua produção teórica.

Não obstante a orientação libertadora da PP defendida pela autora, cabe ponderar qual seria, de fato, a capacidade deste campo interdisciplinar para influir na vida política e, portanto, no espaço público, na vida das pessoas e em geral. Quais seus impactos e efeitos? Em última instância, para quê a Psicologia Política? Montero (2009a) problematiza essas questões a partir de uma revisão das definições de PP mais frequentes na literatura especializada, assinalando suas principais forças e fraquezas. Ao passo que o desenvolvimento do campo da Psicologia Política em seu todo, por um lado, permitiu que se compreendesse melhor certos fenômenos políticos para propor intervenções com vistas à mudança social, por outro, não se viu imune aos "efeitos perversos" das relações sociais e dos fenômenos políticos, no sentido dado por Boudon, qual seja: quando dois (ou mais) indivíduos buscam lograr um objetivo em comum, mas acabam produzindo um estado de coisas não esperado e indesejado. A autora cita casos de intervenções que assumiram um caráter negativo, oposto ao projeto inicial dos próprios agentes envolvidos, causando repercussões psicológicas e políticas inesperadas. Portanto, Montero (2009a) alerta para o risco constante de que a PP padeça de "Síndrome de Cassandra", isto é, antever o futuro, mas sem poder alterá-lo. São situações em que:

[...] la PP anuncia, presenta datos y resultados, produce análisis y cifras, o análisis y hechos; citas y documentos, sin ningún efecto. Es hablar sin ser escuchados; decir sin ser comprendidos; explicar sin obtener crédito; revelar sin obtener respuesta. Como si las voces de la PP no se oyeran. El clamor en el desierto; el grito sin retorno de eco. Todo es negado, rechazado o ignorado, cuando la respuesta y la discusión y el debate habrían sido necesarios. Los reconocimientos tardíos son oportunidades perdidas; pues de nada sirven los 'Yo te decía', 'XX tenía razón', cuando ya se está más allá del fenómeno y la sociedad es otra. (Montero, 2009a:210)

Este aspecto autocrítico acerca dos limites da PP pode ser considerado um componente reflexivo fundamental para o desenvolvimento deste campo do saber. Ante esta dificuldade, Montero (2000b; 2003b) ressalta o caráter dialético do tempo social: se o tempo flui e tudo muda, algo permanece. Ocorre que a permanência, em um contexto de mudanças, necessariamente se transformará ante os olhos de quem a contempla. Deste modo, à pergunta "para que Psicologia Política?" (Montero, 2009a), pode-se obter como resposta: por muitas razões. Em primeiro lugar, para ser essa voz que insiste em mostrar à sociedade suas múltiplas facetas, sua diversidade e instabilidade; que não é perfeita nem estável; que dentro dela há forças que se debatem e que quando se acredita ter alcançado um limite, outros se põem a superar. Para manter ativa a condição dinâmica e cambiante da sociedade, contribuindo com um olhar crítico para a construção dessa sociedade que sempre se deseja melhor, que sempre pode e deve ser melhor. Para não permitir o esquecimento. Para exercitar a memória coletiva e a criatividade individual e coletiva, despertando a consciência da força, da fraqueza e da necessidade de mudar. E para manter viva a busca contínua de um mundo melhor para todos os seres humanos, fazendo da utopia a esperança motivadora para caminharmos sempre em frente, como no horizonte de Galeano. "Por la libertad. Para la democracia. Por la vida." (Montero, 2009a:211).

 

Psicologia Comunitária: práxis psicopolítica para transformação social

Se no âmbito da Psicologia Política Montero pode ser considerada uma importante referência latino-americana, no campo da Psicologia Comunitária sua obra é fundamental. Acosta (2012:538) a considera "mãe da psicologia comunitária" em seu país. Há quatro décadas Maritza Montero desenvolve trabalhos psicossociais em comunidades e possui uma vasta produção acadêmica nesta área.

Se revisitarmos brevemente a história da Psicologia Comunitária (PC) nas Américas, veremos que a disciplina nasce e se desenvolve de maneira distinta ao norte e ao sul do rio Bravo, constituindo verdadeiras "vidas paralelas" (Montero, 1994).

Nos EUA, surge na década de 1960 relacionada às práticas de saúde mental voltadas a intervenções de caráter individual, mas realizadas no âmbito comunitário, com objetivo de reduzir os custos com hospitais psiquiátricos substituindo-os por centros mais econômicos e operativos para o atendimento das populações mais pobres. Costuma-se considerar o mês de maio de 1965 como o marco de nascimento da PC nos EUA, em decorrência da realização da Conferência de Swampscott, Massachussets (Conference on the Education of Psychologists for Community Mental Health), que reuniu profissionais da saúde engajados em movimentos sociais de saúde mental para discutir novos modos de tratamento numa perspectiva desinstitucionalizadora e ambiental. A partir dessa reunião surgiram não apenas novas práticas e programas específicos para o trabalho de psicólogos(as) nas comunidades, mas também se inaugurou um campo de estudos e reflexão sobre a nova prática, como o surgimento da corrente ecológica e os muitos cursos e publicações sobre o tema, como o American Journal of Community Psychology, o Journal of Community Psychology, e o Journal of Prevention and Intervention in the Community, além de uma divisão especial (27th division) na American Psychological Association (APA) (Montero, 2004).

Na América Latina as bases para o surgimento da PC foram os movimentos de crítica aos modelos positivistas importados e a necessidade teórica, metodológica e profissional de dar repostas aos problemas sociais urgentes das maiorias populares latino-americanas. Este período, em meados da década de 1970, ficou conhecido como período de "crise da Psicologia Social" e foi desta disciplina que emergiram os primeiros trabalhos em PC, ainda que não houvesse consciência ou pretensão dos(as) psicólogos(as) em definir um novo ramo da Psicologia. O forte nexo com a psicologia social crítica fomentou o desenvolvimento da práxis comunitária, até hoje chamada de práxis psicossocial comunitária. Não por acaso, a denominação Psicologia Social Comunitária ser, talvez, a mais recorrente no Brasil. O "social" do termo refere-se à corrente latino-americana de Psicologia Social Crítica, desenvolvida em nosso país por pessoas como Silvia Lane, Bader Sawaia, Alberto Andery, Wanderley Codo entre outras.

O novo modo de fazer psicologia propunha alternativas ao tradicional modelo médico predominante na literatura e nas práticas psicológicas, que até então fazia prevalecer apenas as condições negativas dos sujeitos atendidos. Ao contrário, o modelo interventivo emergente procurava partir dos aspectos positivos e dos recursos das comunidades, buscando seu desenvolvimento e fortalecimento através de metodologias criativas e participativas, que centravam nos próprios sujeitos beneficiários a origem da ação. Assim abriu-se assim o caminho para o desenvolvimento de novas teorias, métodos e práticas tendo como horizonte a transformação social (Montero, 1994; 2003a). Hoje, após mais de quatro décadas de trabalhos comunitários aportando construção de conhecimento à psicologia, a PC já se configura como um respeitado campo de pesquisa e prática (Campos, 2007; Montero, 2004).

No entanto, não é simples estabelecer uma definição precisa desta subdisciplina. Apesar de muitos trabalhos serem desenvolvidos em, com e/ou para comunidades, apresentando resultados mais ou menos louváveis, nem todos podem ser considerados Psicologia Comunitária2. Para Montero (1984b:390) a PC pode ser descrita como "[...] la rama de la psicología cuyo objeto es el estudio de los factores psicosociales que permiten desarrollar, fomentar y mantener el control y poder que los individuos pueden ejercer sobre su ambiente individual y social, para solucionar problemas que los aquejan y lograr cambios en esos ambientes y en la estructura social." Esta definição implica psicólogos(as) e membros das comunidades como agentes de transformação social; implica a PC como campo interdisciplinar (pois assume objetivos também presentes em outras ciências sociais); coloca a ênfase nos aspectos positivos e nas potencialidades psicossociais das comunidades; e implica também uma perspectiva libertadora (Montero, 2004).

A contribuição de Montero para o desenvolvimento da disciplina também passa pela importância de suas obras de sistematização teórico-metodológica e divulgação do estado da arte da PC na América Latina e em outros locais do globo. Em 2007, participou de um projeto liderado por Isaac Prilleltensky para divulgar o desenvolvimento da PC ao redor do mundo, co-editando, com Stephanie Reich e Manuel Riemer, o livro International Community Psychology: History and Theories (Reich, Prilleltensky, Reimer & Montero, 2007), no qual são apresentados trabalhos de psicólogas e psicólogos comunitários de mais de vinte países, em todos os cinco continentes. E em 2011 Montero publicou, junto com Irma Serrano-García, a obra Historias de la Psicología Comunitária en América Latina: participación y transformación (Montero & Serrano-García, 2011) com artigos sobre a história da PC em dezenove países latino-americanos. Não obstante, a produção individual de Montero mais significativa ao campo da PC corresponde à tríade formada pelos livros: Teoría y Práctica de la Psicología Comunitaria: la tensión entre comunidad y sociedade (Montero, 2003a), Introducción a la Psicología Comunitaria: desarrollo, conceptos y procesos (Montero, 2004) e uma obra dedicada exclusivamente ao método: Hacer para Transformar: el método en Psicología Comunitaria (Montero, 2006a). É possível afirmar que esses livros têm contribuído em grande medida para fortalecimento do campo da PC na última década, tornando-se bibliografia obrigatória em diversos cursos de graduação e pós-graduação em Psicologia Comunitária. A maioria dos capítulos pode ser lida independente dos demais, de modo a iluminar um tema específico da PC, mas tomados em conjunto, esses três livros significam uma contribuição sumamente original de Montero à construção de um paradigma latino-americano crítico e construcionista para a Psicologia Comunitária.

De modo geral, no primeiro livro (Montero, 2003a) são discutidos temas fundamentais à práxis psicossocial comunitária como o caráter essencialmente político das relações comunitárias; os atravessamentos do poder relacional e a dialética entre maiorias e minorias nas tomadas de decisões; os tipos de lideranças e uma perspectiva de interpretação das redes comunitárias. Além disso, é fundamental a discussão do tema do "fortalecimento comunitário", tratado por Montero em oposição aos termos correlatos presentes na literatura como "potenciação", "empowerment" e "empoderamento". Fortalecimento, na perspectiva da autora, se distingue de "empoderamento" por rechaçar a ideia de "dar poder", como se houvesse ausência de poder de alguns grupos oprimidos, mas ressalta precisamente o processo de reconhecer a possibilidade de desenvolver e mobilizar o poder já existente, para lograr transformações desejadas. Desse modo, o fortalecimento comunitário pode ser definido como:

[...] el proceso mediante el cual los miembros de una comunidad o un grupo - miembros de grupos organizados dentro de esa comunidad o personas interesadas en promover y lograr un cambio respecto de alguna circunstancia que afecta a esa comunidad o grupo - desarrollan conjuntamente capacidades y recursos para controlar su situación de vida (en un momento específico); actuando de manera comprometida, consciente y crítica, para lograr la transformación de las condiciones que juzgan negativas o que deben ser modificadas según sus necesidades y aspiraciones, transformándose al mismo tiempo a sí mismos. (Montero, 2003a:72)

O fortalecimento comunitário costuma ser considerado o objetivo de muitos trabalhos realizados com comunidades; contudo, é importante refletir criticamente acerca do efetivo alcance de tal objetivo e das tensões e influências alienadoras no trabalho comunitário (Montero, 2009b). Não há dúvidas de que se trata de um processo difícil e moroso, que não é definitivo, mas requer continuamente a mobilização das potencialidades individuais e coletivas das pessoas e grupos nas comunidades. Por isso, é fundamental haver compromisso, participação e exercício da democracia em todo o processo para que haja transformações significativas de acordo com os interesses gerais das pessoas envolvidas.

No segundo livro (Montero, 2004), de maneira didática, a autora aborda o surgimento e desenvolvimento da disciplina na América Latina e nos países anglo-saxões; define o campo da PC, suas influências teóricas e sua fundamentação ética e relacional, bem como os valores e princípios orientadores da PC; discute o quefazer comunitário e os conceitos de "comunidade" e "sentido de comunidade"; discorre sobre o tema da participação e compromisso no trabalho comunitário; e, por fim, situa processos comunitários tais como "habituação", "familiarização", "problematização", "desideologização" e "conscientização", entre outros, na dinâmica da práxis psicossocial comunitária. É especialmente relevante a forma como Montero trabalha a ideia freiriana de conscientização. Para ela, através da problematização, isto é, do exercício de submeter ao crivo da crítica tudo aquilo que é dado como natural ou evidente, é possível mobilizar a consciência para uma nova relação com o mundo, de caráter libertador. Neste sentido, conscientização significa um processo de desvelar criticamente a realidade para reivindicá-la diferente, o que supõe conhecer os mitos que enganam e ajudam a manter a realidade da estrutura dominante.

O terceiro livro (Montero, 2006a) traz o sugestivo título "Fazer para transformar" e é dedicado exclusivamente ao método em PC. Nesta obra, a autora aborda os fundamentos para a construção do método comunitário e apresenta as principais estratégias e técnicas frequentemente utilizadas nos trabalhos comunitários. De acordo com Montero, este método se produz na práxis,

[...] a partir de la definición ontológica de los sujetos que lo emplean y de la relación epistemológica en la cual la práctica produce teoría y la teoría genera práctica. Pues la praxis no es otra cosa. En la psicología comunitaria esa praxis tiene una orientación ética y responde asimismo a una dimensión política, en el sentido de que trabaja sobre acciones que se producen en el espacio público, mediante el ejercicio de la ciudadanía. (Montero, 2006a:30)

Os recursos metodológicos descritos por Montero nesta obra incluem uma ampla variedade de técnicas, procedimentos e processos de investigação, tais como: familiarização com a comunidade (processo que costuma levar um longo tempo e nem sempre acompanha a dinâmica das instituições interventivas ou acadêmicas, pois cada qual possui seu próprio "ritmo" ou "compasso" temporal); identificação e hierarquização de necessidades e recursos da comunidade para fortalecer-se de acordo com seus interesses e prioridades; entrevistas participativas e discussões reflexivas, bem como a estratégia de discussão sistemática avaliadora e comunicação socializadora do conhecimento produzido entre outros. No entanto, o modelo metodológico por excelência da práxis comunitária abordado por Montero nesta e em outras obras é a investigación-acción participativa (IAP), também conhecida como pesquisa-ação participante (PAP) ou "participatory action research" (PAR) (Montero, 2006a; 2009c; 2009d).

A autora define a IAP como:

A methodological process and strategy actively incorporating those people and groups affected by a problem, in such way that they become co-researchers through their action in different phases and moments of the research carried out to solve the problem. Their participation places the locus of power and control within their groups, mobilizes their resources, leads them to acquire new ones, in order to transform their living conditions, their immediate environment and the power relations established with other groups or institutions in their society. (Montero, 2009c:76)

Nesses termos, Montero destaca o caráter participativo e libertador do método em PC: "participation is basic for liberation" (Montero, 2009c:76). Neste ponto, Montero segue a perspectiva de autoras(es) brasileiras(os) como Silvia Lane (2004), Bader Sawaia (1987) e Carlos Brandão (1981), que também consideram a pesquisa-participante como a práxis científica por excelência, ressaltando-o enquanto um modelo metodológico propriamente latino-americano devido ao modo como foi desenvolvido em nossa América (Montero, 2006a).

Em síntese, a contribuição de Maritza Montero para a PC pode ser considerada de extrema relevância para o desenvolvimento desta disciplina na América Latina. Sua obra é uma referência obrigatória nesta área e influencia pesquisadores que se interessam pelos trabalhos psicossociais em comunidades. No entanto, parece ser ainda pouco conhecida em muitos centros e grupos de pesquisa no Brasil, o que restringe o aprofundamento no debate e reflexão sobre a potencialidade e os limites dos trabalhos da autora para orientar o desenvolvimento de novas ações e pesquisas em comunidades em nosso país.

 

Considerações Finais: uma Psicologia Política das Comunidades

Com base nos elementos apresentados até aqui, posso sugerir que a obra de Maritza Montero se configura como uma autêntica Psicologia Política das Comunidades. Evidentemente não pretendo enquadrar o trabalho de Montero em um novo campo do saber, ou encaixar a Psicologia Comunitária como ramo da Psicologia Política ou vice-versa. Discussões sobre a intersecção entre esses dois campos já foram realizadas, por exemplo, por Montero (2010b) e Freitas (2001). Estou aqui apenas sugerindo que a Psicologia Política Comunitária se trata de um campo que já existe e que transcende a intersecção entre estas duas disciplinas, pois, apesar de ambas possuírem seus próprios caminhos evolutivos, nos trabalhos de Montero se encontram tão imbricadas quão podem ser as próprias categorias "comunidade" e "política".

Assim, penso que o termo "Psicologia Política da Comunidade" - já utilizado por Montero em um artigo sobre poder e comunidade (Montero, 2006b) - caracteriza bem sua obra e permite refletirmos sobre o futuro deste campo, uma vez que tanto o trabalho comunitário quanto a práxis psicopolítica (na perspectiva da autora) têm buscado responder criticamente às condições estruturais de injustiça social a partir da construção de uma nova práxis. Fazendo a crítica ao poder, ao mesmo tempo em que ressalta o potencial transformador das comunidades, Martiza Montero indica um caminho para a construção de uma práxis libertadora, de "fazer para transformar".

 

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Recebido em 04/08/2014.
Revisado em 15/03/2015.
Aceito em 20/08/2015.

 

 

1 Especificamente em relação à releitura da noção relacional de poder, refiro-me aqui à concepção "simétrica" proposta por Serrano-García e López-Sánchez a partir da práxis psicossocial comunitária. Este assunto é abordado em detalhes por Montero (2003a; 2006b).
2 O debate sobre a definição do campo da Psicologia Comunitária tem sido objeto de análise para diversos autores. A esse respeito recomendo conferir especialmente Campos (2007), Góis (2003) e Montero (2004).

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