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Revista Psicologia Política

Print version ISSN 1519-549X

Rev. psicol. polít. vol.15 no.33 São Paulo Aug. 2015

 

ARTIGOS

 

Modos de subjetivação de jovens nas tramas do ambientalismo: uma análise psicopolítica

 

Modes of subjectivization of young people in the webs of environmentalism: a psycho political analysis

 

Modos de subjetivación de los jóvenes en las tramas del ambientalismo: una analise psicopolitica

 

Les modes de subjectivation des jeunes dans les voiles de l'environnementalisme : une analyse psychopolitique

 

 

Rafael Prosdocimi BacelarI; Lucia Rabello de CastroII

IMestre e doutor em Psicologia pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, RJ, Brasil. Professor de Psicologia no Centro Universitário UNA de Minas Gerais, e da Faculdade Pitágoras de Betim, MG, Brasil. rafaelpros@gmail.com
IIMestra em Desenvolvimento Social e da Personalidade pelo Institute of Education da University of London, Reino Unido, Doutora em Psicologia pela University of London, Reino Unido. Atualmente é professora Titular do departamento de Psicologia Clínica do Instituto de Psicologia e docente no Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. lrcastro@infolink.com.br

 

 


RESUMO

Neste artigo discutimos os modos de subjetivação de jovens moradores do Rio de Janeiro engajados em ações ambientais, abordando elementos subjetivos, estratégias de ação e orientações sociopolíticas articuladas ao campo ecológico. A luta em defesa da natureza tornou-se um campo de intensa mobilização social ao redor do mundo encontrando grande apelo, sobretudo, entre os jovens. Entrevistamos sete jovens com diferentes inserções no campo ambiental da cidade do Rio de Janeiro. Na análise das entrevistas focamos nos entrelaçamentos entre elementos subjetivos e a causa ambiental. A emergência de uma consciência crítica acerca dos efeitos das ações humanas sobre o ambiente e o envolvimento sensível desses jovens com diferentes ecossistemas são apontados como condições para o engajamento nessa causa. Finalizamos o trabalho discutindo de que modo o engajamento ambiental desses jovens se constitui enquanto uma luta política promovendo valores igualitários no enfrentamento a diferentes formas de opressão.

Palavras-chave: Juventude, Meio-ambiente, Política, Subjetivação, Ativismo.


ABSTRACT

In this article we discuss the modes of subjectivization of young residents of Rio de Janeiro engaged in environmental actions, questioning subjective elements, strategies and sociopolitical issues articulated to the ecological field. The defense of nature has become a field of intense social mobilization around the world finding great appeal, especially among young people. We interviewed seven young people with different insertions in the environmental field in the city of Rio de Janeiro. In the analysis of the interviews focused on the articulation of subjective elements and the environmental cause. The emergence of a critical awareness about the effects of human actions on the environment and sensitive involvement of these young people with different ecosystems are seen as conditions for engagement in this cause. We end this paper discussing how the environmental commitment of these young people is constituted as a political struggle promoting egalitarian values in facing the different forms of oppression.

Keywords: Youth, Environment, Political Action, Subjectivization, Political Activism.


RESUMEN

En este artículo se discuten los modos de subjetivacion de los jóvenes de Río de Janeiro que participan en las acciones ambiental, con enfoque en los elementos subjetivos, las estrategias de acción y temas socio-políticos articulados el campo ecológico. La lucha en defensa de la naturaleza se ha convertido en un campo de intensa movilización social en todo el mundo y encontra un gran público entre los jóvenes. Entrevistamos a siete jóvenes con diferentes inserciones en el ámbito del medio ambiente en la ciudad de Río de Janeiro. En el análisis de las entrevistas se centraron en los giros de los elementos subjetivos y la causa ambiental. La aparición de una conciencia crítica sobre los efectos de las acciones humanas sobre el medio ambiente y la sensibilidade con la natureza se ven como las condiciones para la participación en esta causa. Terminamos este artículo com la discussion del compromiso ambiental de estos jóvenes como una lucha capaz de promover valores igualitarios para hacer frente a las diferentes formas de opresión en el mundo contemporaneo.

Palabras clave: Juventud, Ambientalismo, Accion Politica, Subjetivacion, Activimo.


RÉSUMÉ

Dans cet article, nous discutons des modes de subjectivation des jeunes résidents de Rio de Janeiro engagés dans des actions environnementales, abordant des éléments subjectifs, des stratégies d'action et directives socio-politiques articulées le domaine écologique. La lutte pour la défense de la nature est devenue un champ de mobilisation sociale intense dans le monde entier de trouver un grand attrait, surtout chez les jeunes. Nous avons interviewé sept jeunes avec différents inserts dans le domaine de l'environnement dans la ville de Rio de Janeiro. Dans l'analyse des entretiens axés sur l'interconnexion entre les éléments subjectifs et la cause environnementale. L'émergence d'une conscience critique sur les effets des activités humaines sur l'environnement et la participation sensible de ces jeunes avec différents écosystèmes sont considérés comme des conditions d'engagement dans cette cause. Nous terminons cet article de discuter comment l'engagement environnemental de ces jeunes est constitué comme une lutte politique la promotion des valeurs égalitaires face aux différentes formes d'oppression.

Mots clés: Jeunesse, Environnement, Politique, La subjectivité, L'activisme.


 

 

Introdução

Nas últimas décadas observamos ao redor do mundo o fortalecimento do debate acerca dos efeitos da degradação do meio ambiente. Grupos de ambientalistas, pesquisadores, e organizações sociais das mais diferentes orientações vêm se mobilizando para defender a preservação da natureza. A chamada "questão ambiental"1 traduz um amplo - e complexo - debate sobre a degradação de ecossistemas ao redor do mundo, definindo causas e buscando soluções para muitos problemas. De modo geral, os ambientalistas buscam alterar o padrão de interação entre sociedade e natureza, promovendo uma forma de uso do ambiente compatível com a regeneração natural e a preservação da vida.

Neste artigo discutimos o ativismo ambiental de jovens moradores da cidade do Rio de Janeiro, com o foco nos determinantes psicossociais para tal envolvimento político. Para compreender tal processo, realizamos entrevistas com jovens ambientalistas questionando as relações, tensões e conflitos entre a vida desses jovens e a causa ecológica, interrogando-os também acerca de como percebem este campo no bojo das injunções sócio-políticas de nosso tempo.

A partir do início dos anos 1960, pesquisadores de diferentes campos científicos passaram a compreender melhor os efeitos da ação humana sobre o ambiente. Assim, ao analisarem fenômenos como: o súbito desaparecimento de dadas espécies vegetais e animais; a degradação de rios e oceanos; e a redução da camada de ozônio, descobriram que tais problemas eram causados pela atividade humana (Drummond, 2006; Porto-Gonçalves, 2004). As pesquisas correlacionavam drásticas alterações ambientais aos procedimentos utilizados, principalmente, na indústria e na agricultura em larga escala (Drummond, 2006; Hajer, 2005; Yearley, 2005). Com a explicitação das causas e o entendimento da gravidade de problemas ambientais houve um fortalecimento do debate sobre natureza na esfera pública contemporânea.

Talvez nenhum outro movimento social tenha levado tão a fundo essa idéia na verdade, essa prática, de questionamento das condições presentes de vida. Sob a chancela do movimento ecológico, veremos o desenvolvimento de lutas em torno de questões as mais diversas: extinções de espécies, desmatamento, uso de agrotóxicos, urbanização desenfreada, explosão demográfica, poluição do ar e da água, contaminação de alimentos, erosão dos solos, diminuição das terras agricultáveis pela construção de grandes barragens, ameaça nuclear, guerra bacteriológica, corrida armamentista, tecnologias que afirma a concentração do poder, entre outras. Não há, praticamente, setor do agir humano onde ocorram lutas e reivindicações que o movimento ecológico não seja capaz de incorporar. (Porto-Gonçalves, 2006:12)

A demarcação do caráter universal da luta ambiental se traduziu em um processo discursivo de hierarquização da ecologia em relação a outras luta sociais, por aquela ser "capaz de orientar ações de forma convergente em contextos discursivos e com atores de interesses divergentes" (Leis, 1995:32). Assim, ao contrário de outras manifestações políticas enredadas nas marcações de classe, raça, sexualidade ou gênero, a questão ambiental seria verdadeiramente uma luta global, sem divisões ou particularidades.

Embora reconheça a relevância do debate ambiental, Porto-Gonçalves (2004:30), dentre outros, é crítico à perspectiva "planetária" do ambientalismo. Ele enfatiza que a degradação da natureza, com consequente redução da qualidade da vida humana, já acontece "nos bairros pobres mesmo em países ricos, nas regiões mais pobres, mesmo nos países mais ricos". Para este autor, o entendimento da causa ambiental como questão universal obscurece a desigualdade existente no acesso a ambientes limpos e saudáveis, mascarando os privilégios ecológicos daqueles com maior poder político e econômico. Na mesma linha, Gould (2004:70) afirma que "a distribuição dos riscos ambientais por classe social é uma conseqüência normal das economias capitalistas". A crítica à retórica universal do ambientalismo não significa um desconhecimento dos efeitos cumulativos da degradação ambiental e nem uma defesa apaixonada dos localismos. O problema é que ao colocar a defesa do ambiente como algo que está acima ou além das determinações sociais, perde-se de vista que a poluição não é o resultado de uma ação genérica do ser humano sobre a Terra, mas que ela decorre de modos econômicos específicos de apropriação material e simbólica da natureza (Acselrad, 2010; Leff, 2012; Porto-Gonçalves, 2004; Zhouri & Laschefski, 2010).

Se a questão ambiental emerge a partir da trama complexa de relações sociais, das ideias sobre a natureza e sociedade e de relações de poder não é possível estabelecer uma razão única para a mobilização nesta causa. Glynos e Howarth (2007) são precisos quando sustentam que há um "enigma da natureza", ou seja, que há um elemento "misterioso" e imprevisível que leva um sujeito a se afetar e a lutar pelo ambiente. É por meio das práticas, discursos, estratégias que é possível identificar campos de ação, princípios ético-políticos e horizontes de mudança.

 

Os Jovens e a Mobilização Política

A mobilização pelo meio ambiente se estrutura explicitamente a partir dos anos 1960 associada a um contexto de transformações nas relações entre economia, cultura e sociedade. O pacifismo, o feminismo e a ecologia são algumas das lutas que alteram de forma radical o padrão dos debates políticos regidos, até então, pela gramática das classes sociais e das grandes ideologias políticas (Carvalho, 2001; Laclau & Mouffe, 1985; Melucci, 1985). Novos espaços de luta são conquistados e a política incorpora questões até então percebidas como parte exclusiva da vida pessoal. A possibilidade de diferentes formas de manifestação política, o entendimento da cultura como determinante da estrutura social e a consideração do privado como político são alguns aspectos que demonstram deslocamentos em relação ao modelo político herdeiro das revoluções burguesas na Europa. Ora, se anteriormente o campo político se dividia entre capitalistas e socialistas, entre a esquerda e a direita, a manifestação de atores identificados com as questões de gênero, raça e geração provocou uma reordenação, constantemente revista, das fronteiras entre sociedade, cultura e política.

A mensagem dos anos 60 como um todo representou um salutar afastamento da política de classe, e seu impacto se fez sentir até mesmo nas práticas dos partidos tradicionalmente baseados em classe. A oscilação para uma "política de abertura" ou do modo de vida trouxe consigo uma liberação bem-vinda da política de classe, demasiado holística ou unidimensional, que vinha ocultando e suprimindo vários temas que desabrochavam (Heller & Feher, 2002:81).

Os jovens foram um dos atores que emergiram nesse momento com força política em diferentes pontos do globo. Ao final dos anos 1960, rapazes e moças, operários e universitários saíram para as ruas carregando bandeiras contra diferentes formas de autoritarismo, seja na luta contra governos ditatoriais, seja contra o controle das sexualidades (Cardoso, 2005; Ianni, 1968; Mische, 1997; Souza, 2002). O debate contemporâneo sobre a ação política da juventude enfatiza a relevância histórico-política, mas também interpretativo- analítica definida nesse período (Souza, 2002). A crítica radical a toda e qualquer forma de hierarquia; a importância conferida aos afetos; a fidelidade à liberdade; o cotidiano como espaço e tempo privilegiado da luta emancipatória, são características das lutas estudantis dos anos 1960 e 1970 que permeiam as ações contemporâneas dos jovens (Cardoso, 2005; Castro & Mattos, 2009; Pleyers, 2005). Nessa perspectiva, a política não se opõe à vida social ordinária como compreende que "a militância política não deve abdicar do prazer e dos valores, como a camaradagem, os afectos e as emoções" (Castro & Mattos, 2009:820).

Tomando como interrogação quais são os processos de entendimento, mobilização e de ação de jovens brasileiros no cenário contemporâneo buscamos, neste trabalho, pesquisar os contornos específicos da mobilização de jovens no campo ambiental. Ao refletirmos sobre a presença intensa de jovens nas ações ambientais ao redor do mundo, buscamos compreender quais afetos, reflexões, ideais mobilizam estes jovens. A despeito de inúmeras pesquisas sobre a relação entre política e juventude, com destaque para importantes estudos sobre a ação de jovens articulados à cultura, território, gênero e raça, há poucas pesquisas sobre a relação entre a juventude e a luta ambiental (Carvalho, 2004; Gonçalves, 2010).

Neste artigo, analisamos os modos de subjetivação de jovens no campo das ações ambientais, a partir de entrevistas com jovens ativistas ambientais da cidade do Rio de Janeiro. Entendemos por subjetivação o estabelecimento de modos de ser, ver e agir, processos que demarcam a maneira como as pessoas se constituem enquanto sujeitos (Rancière, 1996). Para compreender tais modos de subjetivação questionamos: como a vida dos jovens se relaciona com a questão ambiental? Quais ações e espaços sociais são relevantes para a luta desses jovens? Quais horizontes de mudanças são acionados por meio da atividade desses jovens? Para responder a tais questões realizamos entrevistas individuais com jovens cariocas engajados em organizações e grupos de defesa do meio ambiente, questionando experiências, identificações políticas, formas de ação e sentimentos associados à luta ambiental. Na próxima seção apresentamos a construção da pesquisa.

 

Aspectos Metodológicos da Pesquisa

Nosso foco de análise foi a articulação entre a dimensão subjetiva e o engajamento ambiental, assim, buscamos entender motivos, interesses e as práticas ambientais dos jovens pesquisados, a partir de uma perspectiva de pesquisa qualitativa (Minayo, 2012). Entrevistamos jovens de diferentes grupos e organizações, a partir de um levantamento prévio acerca de grupos ambientais com clara presença de jovens da cidade do Rio de Janeiro. Durante o processo da pesquisa conhecemos o grupo do Coletivo Jovem (CJ) do Rio Janeiro. Os CJs são grupos de jovens fomentados pelo governo federal com o objetivo de discutir educação ambiental e propor políticas públicas sobre juventude e meio ambiente2. Entrevistamos dois membros desse grupo, Antônio e Bruna3. No campo partidário, o Partido Verde (PV), criado em 1986, com franca inspiração em partidos similares da Europa dos anos 1960, é um partido relevante nas discussões acerca do ambientalismo no Brasil (Carvalho, 2001). Ao entrarmos em contato com a juventude do PV, observamos uma intensa mobilização naquele momento devido à filiação de Marina Silva ao partido e sua candidatura à Presidência da República na eleição de 2010. Entrevistamos dois jovens do partido, Cecília e Flávio.

Nos últimos anos observamos a organização de grupos e coletivos voltados para formas sustentáveis de agricultura, com grande presença de jovens universitários. Esses jovens se reúnem com o objetivo de produzir e consumir produtos agrícolas baseando-se em sistemas tradicionais de cultivo, criticando tanto o uso de agrotóxicos quanto a estrutura capitalista da produção agrícola (Santos & Chalub-Martins, 2012). Entrevistamos Marcos, um jovem participante desse movimento.

O Greenpeace é uma organização conhecida no mundo inteiro por suas ações midiáticas de protesto contra a degradação do meio ambiente, sendo ao mesmo tempo uma das mais respeitadas e também polêmicas organizações ambientais mundiais. Por essa razão entramos em contato com membros da organização no Brasil e entrevistamos Otávio, um jovem líder ativista do Greenpeace. Além desses seis jovens, que fazem parte de grupos organizados, entrevistamos também uma jovem que se declara ativista, mas que não tem vinculações institucionais, identificando sua ação no cotidiano por meio de práticas nas relações pessoais e profissionais.

As entrevistas foram realizadas nas casas ou outros locais escolhidos pelos entrevistados, e foram baseadas em roteiro semiestruturado comum a todos os entrevistados, no qual questionamos: o tipo de ação ambiental dos jovens; ligação com grupos e instituições; motivos para a preocupação com o meio ambiente; momentos mais marcantes ao longo da trajetória; relação entre rotina diária e a questão ambiental; como percebe a situação do planeta do ponto de vista ambiental; como é o movimento ambientalista brasileiro; relação entre meio ambiente e outras lutas sociais. As idades dos jovens variam entre 19 e 28 anos. Como observamos no Quadro 1 as áreas de estudo e de profissão, com exceção às de Marcos, são diretamente ligadas às questões da natureza.

 

 

Após a realização das entrevistas e das suas transcrições passamos então a ler o material, retardando ao máximo a categorização (Thiollent, 1987). Isso implicou um envolvimento maior com os dados e uma precaução para que nossa perspectiva não dominasse a narrativa dos sujeitos entrevistados. Em primeiro lugar focamos a entrevista na sua singularidade, posteriormente estabelecemos eixos que atravessavam estas entrevistas. Dentre os eixos mais importantes focamos na maneira como o agente ambiental emerge, a partir de quais experiências sociais, e através de quais conceitos/discursos esses atores problematizam a relação entre sociedade e meio ambiente. Ou seja, identificamos os sentidos e razões que determinam o agir considerando o esforço de apropriação dos sujeitos de suas histórias, seus modos de subjetivação em torno da questão ambiental.

 

"Agir com Consciência": o despertar para a questão ambiental

Quando perguntamos a uma das entrevistadas como o meio ambiente estava presente em sua vida, ela respondeu: "Eu sempre fui muito ligada à natureza, eu fazia trilha, cachoeira, sempre amei [...] eu sempre viajei pra lugares, sempre fiz trilha, nas trilhas eu sempre catei lixo, eu sempre fui, é... Mais favorável aos orgânicos, eu sempre fui assim" (Gláucia). Na narrativa dos jovens uma relação diferenciada com o meio ambiente se inicia na infância ou nos primeiros anos da adolescência, configurando-se como uma referência em suas escolhas futuras. Em nossa pesquisa buscamos compreender os processos subjetivos ligados à emergência de formas de ação contra a degradação ambiental. Quando questionamos sobre o que é fundamental para a transformação da realidade ambiental um termo apareceu de forma recorrente: "consciência". Para os jovens pesquisados, nenhuma mudança ambiental terá efeito sem que a pessoa entenda as implicações de seus atos e as causas da degradação ambiental. Ao falarem de "consciência" grande parte dos jovens entrevistados expressa que a prática ambiental é mediada pela forma de ver e entender os efeitos ambientais de nossas atividades cotidianas5.

É realmente você ver e entender o porquê que isso vai ter uma reação, porque tudo que a gente faz tem uma reação, então porque usar plástico? O que que acontece em eu usar plástico, as pessoas entenderem o porquê do plástico ali... Ah e demora mais de 500 anos, ó quantas pessoas tem... é mudar os hábitos que a gente tem assim (Bruna).

Para se envolver em práticas ambientais, o sujeito deve, portanto, se informar e se mobilizar em torno dessas informações. Ao nos contarem sobre as razões para o engajamento, os jovens falam da importância de compreender as relações entre práticas sociais e efeitos ambientais. E o termo "consciência" é o que melhor sintetiza a busca por uma vida sem degradação ambiental: "Agir com consciência. Primeira coisa é consciência, você não consegue ver uma cartilha, você tem que escolher a cada minuto" (Gláucia). É a partir da articulação entre o que vivemos e como sentimos os acontecimentos do mundo que a subjetivação ocorre, dessa forma a sensibilidade também se mostra importante na subjetivação ambiental.

Eu tinha quinze anos, quatorze, foi quando teve aquele grande acidente, não sei se você vai lembrar, é o segundo maior acidente da história da Petrobrás, o primeiro tinha sido 4 anos antes, em 97... Assim, um absurdo, toneladas de óleo derramado, eu tava em Ilha Grande é... E tinha acabado de chegar com uns amigos de São Paulo, com revistas, totalmente chocado... Pessoal já fazia oceanografia, pessoal um pouco mais velho [...] E aquelas fotos os bichos [...] Todos sujos de óleo, as garças sujas de óleo... Foi na baía de Guanabara, os pescadores desesperados, a pesca proibida, porra! Aquilo me deu um estalo, me deu um negócio. (Otávio)

A compreensão racional dos efeitos e o envolvimento afetivo com a natureza emergem como partes indissociáveis no processo de mobilização ambiental, articulando atenção, interesse, estratégia, reflexão. Na narrativa de Otávio a recordação de uma viagem de férias, os passeios e os diálogos com amigos "mais velhos" surgem associados ao desastre ambiental. Norval (2007:114-116) traz elementos para entender o processo sócio-político no qual um novo entendimento e consequentemente novas ações se estabelecem mediante uma forma original de perceber o mundo e suas interconexões. Ao ser informado sobre um vazamento de óleo no oceano, pode-se entender tal fato de diferentes maneiras: como algo triste que "acontece"; como uma violência causada por seres humanos à mãe Terra; ou como um crime de grandes corporações capitalistas contra o meio ambiente. Otávio, no prosseguimento de sua entrevista, conclui: "A partir desse fato [da viagem para Ilha Grande], e eu acho que foi o pensamento, com a identidade de que eu fui também buscando esses lugares, e... eu fui trocando idéia com essas pessoas, eu fui criando um vínculo de cotidiano muito ligado a natureza". Para Norval (2007:115) transformamos nossa ação no mundo a partir de uma mudança de perspectiva sobre a realidade, processo complexo pelo qual dados objetos são simbolicamente articulados a diferentes tramas de relações, o que culmina por alterar nosso modo se ver, ser e agir, o que entendemos por subjetivação: "a produção, por uma série de atos, de uma instância e de uma capacidade de enunciação que não eram identificáveis num campo de experiência dado, cuja identificação, portanto caminha a par com a reconfiguração do campo da experiência" (Rancière, 1996a:47).

A interrogação acerca da estrutura e da divisão do mundo sensível coloca em questão nossas fronteiras subjetivas, o modo como até então percebíamos e sentíamos as coisas do mundo. Os jovens ambientalistas invocam a figura da consciência e da sensibilidade, como formas de dar nome ao "estalo" deque nos conta Otávio, momento que precipita uma mudança e que desestabiliza posições, reconfigurando subjetividades. Antônio, ao buscar em sua biografia, a questão do meio ambiente, diz:

Quando era adolescente eu ia, gostava de passar as férias lá na Ilha Grande acampando... Aí de repente, naquele momento, lá nos meus 15 anos eu não tinha, assim, uma ideia de preocupação ambiental, mas eu, de certa forma, eu gostava de estar em locais que tivesse uma natureza mais presente e tal... Enfim, aí com isso o fato de eu também ter...muito tempo que eu surfo, pego onda, então também tem esse preocupação com a natureza muito forte... Aí por exemplo, eu fui... Na hora de escolher minha profissão, eu escolhi ser oceanógrafo, que é uma ciência da terra... Então foi uma coisa que veio comigo não como uma coisa latente [sic]: 'Ah eu tenho uma preocupação ambiental!', a questão ambiental é importante, mas foi uma coisa que foi acontecendo na minha vida, né. (Antônio)

A identificação com as coisas da natureza não é o resultado de uma escolha anterior ao ato, ela se faz na medida em que o sujeito é envolvido por práticas significativas. A subjetivação acontece nesse envolvimento, que se traduz em novas formas de ação, pensamentos, sentimentos. A figuração excessivamente racional e abstrata das concepções de sujeito esbarra no contorno passional da experiência sensível. E assim, ao falar do meio ambiente como causa política, os jovens dificilmente conseguem separá-lo deles mesmos. Gláucia, quando perguntada sobre o meio ambiente em sua vida, diz: "quando eu vou comprar comida, eu vou comprar de cooperativa de orgânicos". Bruna também remete a algo pessoal, ela diz: "Foi pelo coletivo jovem que eu entrei assim nesta parte mais da educação ambiental e num larguei, porque é uma coisa que você assim, [faz] no amor". Norval (2007:124) mais uma vez nos ajuda a entender esse processo: "a pessoa se torna um sujeito democrático não apenas porque ela é racionalmente convencida de que é a melhor opção, ainda que essa possa ser parte da história, mas ao invés disso porque ela participa de práticas democráticas, que retroativamente a orientam a se identificar como um sujeito democrático."6

O uso racional da água, as escolhas de transporte menos poluentes, as práticas de consumo, a melhor forma de resolver o problema dos rejeitos, surgem nas falas dos jovens provocando reflexão e escolha. As situações corriqueiras revelam valores ambientais que pautam conversas e negociações cotidianas. "A questão do saco de lixo, você usando essas sacolas de algodão, de malha. Pô cara, economia de água, você... você, usar o filtro, ao invés de água de garrafa mesmo, para diminuir a produção de plástico" (Cecília). Quase todos eles dizem que são chamados de "eco-chatos" pelos amigos, mas embora alguns afirmem não gostar desse rótulo, ele também demarca um traço identitário do qual se orgulham.

Heller (2008) construiu uma sofisticada teoria sobre a vida cotidiana e recorre a alguns elementos para descrever suas propriedades, tais como: praticidade, imitação, e ultrageneralização. Contudo, ainda que o cotidiano seja marcado por esses elementos, a filósofa sustenta que há uma margem para sairmos da imediaticidade pela ação e reflexão ético-política. Para ela a vida cotidiana se traduz na tensão entre a particularidade e a dimensão humano-genérica. Na particularidade agimos guiados exclusivamente pela vontade do "eu". Já na relação com o humano-genérico a orientação se dirige a um "nós" (Heller, 2008:37).

A vida cotidiana está carregada de alternativas, de escolhas. Essas escolhas podem ser inteiramente indiferentes do ponto de vista moral (por exemplo, a escolha entre tomar um ônibus cheio ou esperar o próximo); mas também podem estar moralmente motivadas (por exemplo, ceder ou não o lugar a uma mulher de idade). Quanto maior é a importância da moralidade, do compromisso pessoal, da individualidade e do risco (que vão sempre juntos) na decisão acerca de uma alternativa dada, tanto mais facilmente essa decisão eleva-se acima da cotidianidade e tanto menos se pode falar de uma decisão cotidiana. (Heller, 2008:39)

Ao questionar a função social dos recursos naturais e as práticas consumistas novos sentidos são construídos. Assim, desligar a torneira enquanto se faz a barba passa a significar tomar partido da defesa das águas. A busca por soluções para todo o tipo de dano ambiental coloca o indivíduo e suas práticas em questão. Por outro lado, parte dos ambientalistas se mostra preocupada quando os sujeitos passam a focar em ações "microscópicas" desconsiderando os efeitos nefastos da expansão mercantil sobre a natureza, como denunciam os movimentos por justiça ambiental (Acselrad, 2010; Carvalho, 2004). Embora engajado em suas ações cotidianas, Otávio se mostra irritado com a despolitização de parte dos ambientalistas.

Se a gente parar pra pensar é fundamental que a gente economize água no nosso dia-adia, fazer a barba com a torneira desligada [...] mas o medo que eu tenho [...] é do discurso ficar muito nas pessoas né... E daquele cara achar que só por estar, talvez fazendo a barba de torneira fechada, ele não necessariamente ele tem que gritar contra a Bayer, achar que... Que a Monsanto7 faz o uso racional da água dela, ou que o condomínio, que é uma escala mais local utilize a água dele de forma racional (Otávio).

Assim, a relação entre prática cotidiana e os grandes problemas ecológicos é de continuidade, não de cisão. O cuidado com as práticas diárias não reduz a relevância do protesto político contra indústrias poluentes e outras formas de manifestação. A referência à "coerência" traduz o valor que eles conferem a radicalidade do sujeito ambiental. Antônio, por exemplo, critica os membros de uma organização social da qual ele faz parte e que se mobilizavam para protestar contra a Coca-Cola, mas que não deixavam de consumir o produto na organização. "Então veja a contradição, você quer fazer um protesto contra a coca-cola, mas você alimenta a coca-cola...".

Marcos, membro de um coletivo de agroecologia, conta com bastante empolgação sobre as práticas de uma comunidade agroecológica que ele conheceu. Ao nos explicar as diferenças no campo da agroecologia ele diz que há a "agricultura orgânica que ainda usa estrume e depois finalmente a agroecologia, né, que não usa. A linha deles [da comunidade que Marcos visitou] não usa nada [...] Por que o estrume do animal, vem do quê? Vem do pasto né. E o pasto não é uma coisa sustentável. Não se usa estrume, tá entendendo?" (Marcos).

Marcos demonstra profundo respeito aos idealizadores desta comunidade, pelo compromisso com os princípios éticos da prática ambiental. Em sua fala ele lembra como é impossível não provocar nenhum dano ambiental e como isso é difícil nas condições em que vivemos, nas grandes cidades, no contexto de consumo e de produção capitalistas. Enquanto discutíamos a respeito da "coerência" dos fundadores da tal comunidade, ele conta que propôs aos idealizadores da comunidade que fossem utilizadas garrafas de plástico e embalagens de leite para a fabricação de vasos de plantas., algo que ele utilizava em sua casa. A liderança da comunidade respondeu a ele que nenhum material industrializado seria usado naquele sítio. Marcos fala com orgulho do posicionamento desses militantes e finaliza: "Pode fechar a fábrica, tá entendendo... que a gente dá um jeito".

Outros termos como "verdade" e "pureza" se somam à "coerência" demarcando contornos mais ou menos rígidos de um compromisso com a perspectiva ambiental. Este aspecto mostra a questão da identidade política dos ambientalistas, pois são termos que remetem a formas de definir problemas, princípios e formas de ação. Ao falar de elementos como "verdade e coerência", esses jovens demarcam um "nós" e, conseqüentemente, um "eles", estabelecendo um campo de identificações coletivas (Melucci, 1996; Prado, 2001)8. Na próxima seção abordamos a relação entre a luta ambiental e o campo político para os jovens ambientalistas.

 

"Onde o Político Tradicional Vai, o Ambiental Vai Muito Mais Profundo": a luta pela transformação socioambiental

A poluição ambiental, por mais conhecida e por mais grave que possa ser, não gera de forma automática uma ação coletiva. Há algo que desperta nos sujeitos individuais e coletivos a mobilização entorno da ação contra práticas degradantes. Quando questionado sobre como percebe o problema ambiental no planeta, Antônio diz:

Então a gente vai passar por uma era pós-tecnologica né, então a gente se meteu nessa empreitada de desenvolver tecnologia e colocar toda a nossa força nisso [...] Desenvolveu, desenvolveu, desenvolveu, chegou agora... 2009, crise ambiental, crise econômica, fome, crise energética, política, ética, tudo junto né... Esse caos que agente chegou. [...] A gente vai ter que perceber que tudo aquilo que a gente relevou, o saber indígena, o saber dos povos da terra, né [...] Infelizmente o índio, que a gente considera selvagem, o aborígene, eles tem a mais avançada, das mais avançadas da tecnologia, como cantou Caetano. (Antônio)

Para Antônio a solução dos problemas ecológicos não virá por meio de uma descoberta "tecnológica" redentora, pois a degradação de ecossistemas é efeito de uma crise estrutural do modo de ser da sociedade contemporânea. A "solução" depende, portanto, de uma transformação do modo como vivemos, de como nos relacionamos com os outros sujeitos, uma mudança dos valores que regem a sociedade. A posição de Antônio se aproxima da perspectiva de Porto-Gonçalves (2004:18) que afirma:

A problemática ambiental é, sobretudo, uma questão de ordem ética, filosófica e política é desviar de um caminho fácil que nos tem sido oferecido: o de que devemos nos debruçar sobre soluções práticas, técnicas, para resolver os graves problemas de poluição, desmatamento, erosão. Esse caminho nos torna prisioneiros de um pensamento herdado que é ele mesmo, parte do problema a ser analisado.

O ambientalismo de parte dos jovens entrevistados se mostra um princípio de luta ao estabelecer o que deve e o que não deve ser feito em várias esferas:

Eu vejo assim, é que aonde o político tradicional vai o ambiental vai muito mais profundo, que o ambiental, ele vai questionar a política, ele vai questionar o social, ele vai questionar o seu jeito de vida, a sua relação com a natureza... Com o outro ser humano... É a mudança mais profunda que pode ter. (Gláucia)

Ao falar da natureza Gláucia critica a maneira como vivemos nas grandes metrópoles e defende a vida em comunidades sustentáveis. Outros jovens seguem um caminho semelhante apoiando sistemas produtivos antagônicos à lógica capitalista e industrial, negando a distinção tão comum entre natureza e sociedade, entre luta ambiental e luta social. No conteúdo e no tom dessas apostas há a referência, por vezes implícita, aos movimentos libertários da contracultura dos anos 1960, na crítica às premissas modernizantes (Carvalho, 2001; Roszak, 1972). É por meio da negação do capitalismo, industrialismo e consumismo, instâncias que sustentam a vida moderna nas metrópoles como o Rio de Janeiro que esses jovens constroem discursos mais universais, buscando outro horizonte e universo de relações. Para Rancière (1996a:54) "a política não é feita de relações de poder, é feita de relações de mundos". Antes das divisões de classe, da luta entre atores definidos há o momento mesmo de divisão que configura o modo de ser da comunidade.

O dissenso tem assim por objeto o que chamo o recorte do sensível, a distribuição dos espaços privados e públicos, dos assuntos de que neles se trata ou não, e dos atores que têm ou não motivos de estar aí deles se ocupar. Antes de ser um conflito de classes ou de partidos, a política é um conflito sobre a configuração do mundo sensível na qual podem aparecer atores e objetos desses conflitos. (Rancière, 1996b:373)

O jovem Marcos demonstra indignação quando diz que as empresas mais poluentes utilizam o termo "sustentabilidade" para se promover: "Hoje em dia até a empresa de agrotóxico, você entra no site dela ela fala assim da nossa preocupação ecológica". É pela denúncia de Marcos que se estabelece o dissenso no cerne mesmo da "sustentabilidade". Ao afirmar o paradoxo de uma empresa poluente dizer que está ajudando o meio ambiente observamos a tensão entorno do que qualifica propriamente a sustentabilidade. A multiplicidade de atores e a pluralidade de discursos no campo ambiental, antes de um sinal de consenso, é aquilo que evidencia os dissensos.

O ambiente se constitui como um território comum. Contudo, é um território conflituoso, pois nele estão envolvidas relações de uso e apropriação material e de concorrência e dominação por formas culturais de existência. O ambiente é dotado então de um caráter distributivo, dado que suas representações em busca de hegemonia envolvem disputas por projetos de sociedade, ou seja, 'para quê', 'para quem' e 'como' devem ser a natureza, os recursos naturais, os bens materiais, a qualidade ambiental. (Loureiro, Barbosa & Zborowski, 2009:104)

Para compreender como os jovens ambientalistas se posicionam em relação aos conflitos no campo ambiental, perguntamos a eles o que pensavam sobre o slogan característico dos partidos verdes de que "a luta ambiental não está nem à direita nem à esquerda, mas à frente". Mais do que uma resposta objetiva, queríamos ver que tipo de relação cada um deles tecia com os valores identificados por direita e esquerda e suas possíveis relações com o ambientalismo. Cecília, por exemplo, concorda com a expressão e afirma: "Esquerda, direita... você tem que, você vive num planeta, entendeu, independente da sua, da sua ideologia, você vive num planeta que os recursos estão acabando". Outros entrevistados se expressam de forma distinta. Antônio, por exemplo, parece incomodado com a questão e diz uma coisa, mas interrompe sua fala e reflete:

"Eu acho que assim... tem a ver tá à frente, pra pensar no futuro. Acho que... Pode ficar um pouco... Falar que você tà à frente... Não tem que falar nada, tem só que fazer. E... e... Mas eu acho, que tem a ver, que tá à esquerda assim" (Antônio).

Gláucia por sua vez argumenta que houve uma captura ideológica do ambientalismo pela direita principalmente com os partidos verdes europeus.

"Eles não estão nem à direita nem à esquerda, mas à frente? Ele está resumindo a coisa ambiental a uma coisa nova, de que a tecnologia vai vir e vai salvar a gente! De não tocar nessas questões que a gente não quer tocar... Não! Nem à direita, nem à esquerda... Não! À esquerda e pra frente, tipo" (Gláucia).

O que escutamos nas duas últimas respostas, é algo confuso, que em determinado momento afirma a diferença da pauta ecológica em relação ao espectro político, mas em seguida volta atrás, marcando a associação com o campo da esquerda. Nessas falas, cortadas por silêncios e reviravoltas parece haver mais angústia e dúvida do que afirmação. Alguns dos jovens ambientalistas identificam a luta ambiental com a esquerda na medida em que percebem o capitalismo como agente principal de destruição do meio ambiente. Marcos é um deles que ao se posicionar sobre o tema, afirma: "Se as... se os grandes latifundiários e as grandes empresas e agrotóxicos com pecuaristas estão à direita, a luta ecológica tá à esquerda, né?".

Rancière (1996b: 378) diz que os "sujeitos políticos não existem como entidades estáveis", assim a subjetivação pode ser vista como um processo de abertura radical da relação entre o sujeito e o mundo, experiência que "conduz inexoravelmente a um desmancho identitário, à criação de um 'espaço entre', em que se articulam identificações que ainda não estão postas..." (Castro & Mattos, 2009:798). Esquerda e direita demarcam posições objetivadas no campo político e também identidades coletivas. Os partidários da ecologia, sobretudo nas propostas dos partidos verdes, construíram sua posição recorrendo à defesa de uma humanidade abstrata atrelando-a ao signo do "futuro". Nas falas cortadas por vazios e vacilos, percebemos a emergência de um "espaço entre", marcado por contradições, falas que não se fiam unicamente ao espectro político tradicional, mas que tampouco se aliam à versão higienizada de uma humanidade falsamente conciliada na defesa do planeta. Por seus atos e pelas palavras eles se desdobram para traduzir em novos caminhos políticos as experiêmcias, os sentimentos e valores que carregam.

 

Conclusão

A questão ambiental pode ser percebida como um enigma na medida em que em nome do ambiente e da natureza muitas ações e caminhos são propostos. Se os nomes indicam pouca coisa, devemos nos voltar para o que eles significam, suscitam, causam. Foi com essa perspectiva que entrevistamos os jovens ambientalistas nesta pesquisa. Ao mesmo tempo em que os jovens colocam em cena as insuficiências no conteúdo dos projetos de sociedade existentes, eles também apontam para novas maneiras de lidar com as coisas do mundo, apostando na consciência e na sensibilidade como forma de relacionar objetos, espaços e práticas, levando a uma maior responsabilização coletiva acerca dos destinos das comunidades humanas.

O processo de embate político se faz pela tensão entre diferentes modos de ser sujeito, de sentir, pensar e decidir. Como afirma Rancière (1996a) a luta política mais do que uma disputa por poder é uma disputa entre universos de sentido, diferentes articulações entre subjetividades, práticas e o mundo sensível, o mundo que nos cerca. O que esses jovens lutam é por construir uma ação que amplie a defesa da natureza, que rompa cisões abstratas e que fomente um discurso e uma prática de defesa das matas, águas e animais e também da dignidade das pessoas, de suas histórias e comunidades.

 

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Recebido em 07/01/2015.
Revisado em 31/03/2015.
Aceito em 16/05/2015.

 

 

1 Neste artigo utilizamos os termos "ambientalismo" e "ecologismo" como sinônimos, no entanto, para uma discussão crítica a esse respeito, ver Martinez Alier (2007) e Carvalho (2001:28-29).
2 A formação dos CJs gerou desdobramentos interessantes como a criação de uma rede de articulação entre os diferentes CJs no Brasil, a Rede da Juventude pelo Meio Ambiente e Sustentabilidade, a REJUMA: http://www.rejuma.org.br/. Para um estudo sociológico com enfoque nos Coletivos Jovens, ver Gonçalves (2010).
3 Todos os nomes utilizados neste artigo são fictícios.
4 As entrevistas foram realizadas entre setembro e novembro de 2009.
5 O termo consciência é um conceito importante tanto na filosofia como na psicologia. No entanto, abordamos o termo a partir de sua ocorrência nas entrevistas, portanto não o tomamos como conceito teórico.
6 Tradução nossa, no texto original: "The subject becomes a democratic subject, not simply because she is rationally convinced it is the better option, though that may be part of the story, but rather because she participates in democratic practices, which retroactively orient her to identify as democratic subject".
7 A Monsanto é uma grande empresa de insumos agrícolas envolvida em graves denúncias de crimes ambientais em diferentes países.
8 Tais termos (consciência, sensibilidade, coerência) aparecem para definir quem é e quem não é, "verdadeiramente", um ativista ambiental.

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