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Revista Psicologia Política

versão impressa ISSN 1519-549X

Rev. psicol. polít. vol.15 no.34 São Paulo dez. 2015

 

ARTIGOS

 

Discurso e identidade: a construção discursiva do Nordeste na mídia paraibana

 

Discourse and identity: the discursive construction of the Northeast in the paraibana media

 

Discurso e identidad: la construción discursiva del Nordeste en la mídia paraibana

 

Discours et identité : la construction discursive du Nord-Est dans la midia de la Paraíba

 

 

Edgley Duarte LimaI; Pedro Oliveira FilhoII

IPsicológo pela Universidade Federal de Campina Grande, Brasil. Atualmente é mestrando do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal de Pernambuco, Recife, PE, Brasil. edduartelima@hotmail.com
IIPsicologia pela Universidade Estadual da Paraíba, mestrado em Psicologia Social pela Universidade Federal da Paraíba e doutorado em Psicologia Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Brasil. É professor Associado I no curso de psicologia da Unidade Acadêmica de Psicologia da Universidade Federal de Campina Grande, PB, Brasil, e colaborador no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Pernambuco, PE, Brasil. deoliveirafilhopedro@gmail.com

 

 


RESUMO

Este trabalho analisa as representações discursivas acerca do Nordeste Brasileiro na mídia paraibana, destacando as semelhanças e diferenças das representações atuais em relação às representações tradicionais que constituíram a identidade regional nordestina ao longo do século XX. Utilizamo-nos da técnica de Análise de Discurso desenvolvida pelos teóricos da Psicologia Social Discursiva. Foram analisadas as edições dominicais dos dois maiores jornais do Estado da Paraíba: Jornal da Paraíba e Correio da Paraíba, no período entre os meses de abril e julho do ano de 2012. Observou-se a presença recorrente de velhas imagens que associam o Nordeste a fenômenos como seca e subdesenvolvimento. Ao lado desses conteúdos, observou-se a emergência de novas representações que o apresentam como uma região em franco desenvolvimento econômico e social e como uma região produtora de conhecimento e tecnologia. Tais resultados mostram que a mídia paraibana constrói uma identidade nordestina multifacetada e contraditória.

Palavras-chave: Representações Discursivas, Identidade; Nordeste, Análise de Discurso, Psicologia Social Discursiva.


ABSTRACT

The present study analyzes the discursive representations about Brazilian Northeast in the paraibana media, highlighting the similarities and differences of current representations in relation to traditional ones that constituted the Northeastern regional identity throughout the twentieth century. To do so, we used the Speech Analysis technique developed by theorists of Social Discursive Psychology. The Sunday editions of the two major newspapers in the state of Paraíba were analysed: Jornal da Paraíba and Correio da Paraíba, between April and July of 2012. In these sources were observed the recurring presence of old images that associate the Northeast to phenomena such as drought and underdevelopment. Futhermore, the emergence of new representations that portray northeast as a region in social and economic development and as a producer of knowledge and technology was noted. These results show that the paraibana media builds a multifaceted and contradictory northeastern identity.

Keywords: Discursive Representations, Identity, Northeast, Speech Analysis, Social Discursive Psychology.


RESUMEN

Este trabajo analisa las representaciones discursivas acerca del Nordeste Brasileño en la mídia paraibana, destacando las semejanzas y diferencias de las representaciones atuales en relación a las representaciones tradicionales que constituiyeron la identidad regional nordestina al largo del siglo XX. Utilizandóse de la técnica de Análise del Discurso desenrollada por los teóricos de la Psicología Social Discursiva. Fueron analisadas las ediciones dominicales de los dos mayores periódicos del Estado de Paraíba: Jornal de Paraíba y Correio de Paraíba, enel período entre los meses de abril y julio del año de 2012. Observandóse la presencia recorriente de viejas imagens que associan el Nordeste a los fenómenos como la seca y sub-desarrollo. Al lado de estos contenidos, observandóse a la emergencia de nuevas representaciones que presentan como una región en franco desarrollo econômico y social y como una región productora de conocimiento y tecnología. Tales resultados muestran que la mídia paraibana construye una identidad nordestina multifacetada y contraditória.

Palabras clave: Representaciones discursivas, Identidad, Nordeste, Análise del Discurso, Psicología Social Discursiva.


RÉSUMÉ

Ce document analyse les représentations discursives au sujet du Nord-Est brésilien dans Paraiba médias, mettant en évidence les similitudes et les différences de représentations actuelles par rapport aux représentations traditionnelles qui constituaient l'identité régionale nord tout au long du XXe siècle. Nous comptons sur la technique d'analyse vocale développée par les théoriciens discursive Social Psychology. les éditions du dimanche ont été analysés à partir de deux grands journaux de l'État de Paraíba : Jornal da Paraiba et Correio da Paraíba, entre les mois d'Avril et Juillet 2012. Il y avait la présence récurrente de vieilles images qui associent le Nord-Est des phénomènes tels que la sécheresse et le sousdéveloppement. A côté de ces contenus, l'émergence a été observé de nouvelles représentations qui présentent comme une région de développement rapide économique et social et en tant que zone de production de la connaissance et de la technologie. Ces résultats montrent que les médias de paraibana construit une identité nord-est multiforme et contradictoire.

Mots clés: Représentations Discursives, L'identité; au Nord-est, Analyse du Discours, Psychologie du Discours Social.


 

 

Introdução

A compreensão do Nordeste como uma região diferenciada, com características próprias que a distinguem das outras que existem no país, é mais recente do que se imagina (Albuquerque Junior, 2001; Viana, 2012). De fato, a formação do regionalismo nordestino é um processo que tem início no século XIX, período de mudança na forma do espaço interno nacional por conta da expansão capitalista (Penna, 1992).

Segundo Albuquerque Junior (2001), no país como um todo o discurso regionalista da segunda metade do século XIX, no Nordeste e em outras regiões do país, é uma espécie de reação ao crescente centralismo do Império. Era, segundo o autor, um regionalismo marcado por seu interesse exclusivo pelas questões locais. Mas, a partir da segunda década do século XX, emerge, segundo esse autor, um novo regionalismo, diferente do "difuso" e "provinciano" regionalismo do século XIX, um regionalismo produzido pelas novas formas de representação do espaço que emergiam em diferentes regiões do Brasil. Essas novas formas de representação do espaço interno têm relação com o processo de industrialização, com a vinda dos brancos europeus para as regiões Sul e Sudeste, e com o enriquecimento extraordinário de São Paulo. Ao lado disso, ainda segundo Albuquerque Junior, no "antigo Norte", agora Nordeste, a crise iniciada no século anterior acentua-se em decorrência do aumento de sua "dependência econômica" e "submissão política" em relação às outras regiões do país.

As diferenças materiais entre o Norte e o Sul do Brasil nessas primeiras décadas do século XX passam a ser explicadas a partir de uma suposta superioridade dos imigrantes do Sul em relação às populações do Norte. Intelectuais de prestígio passam a retratar o nordestino como o exemplar perfeito da "degeneração racial" (Albuquerque Jr., 2001; Zanforlin, 2008).

A continuação da história é bem conhecida. A região Nordeste passa a ser vista cada vez mais nos anos que se seguem, pelos seus habitantes e pelos habitantes de outras regiões, principalmente os do Sul e Sudeste, como uma região marcada pela miséria, atraso e desalento (Oliveira, 2005; Coelho & Santos, 2006).

Mas essa representação não foi construída somente pelos sulistas. É, pelo menos em parte, produto de discursos produzidos no próprio Nordeste. Essa é uma tese defendida por Albuquerque Junior (2001:21). Segundo esse autor, nós também, ao longo do século passado, nos apresentamos como "pedintes lamurientos", "pobres coitados", "constantemente derrotados", "o outro lado do poder do sul, que nos oprime e nos explora".

Essa imagem do Nordeste como região desprovida de urbanidade, lugar de miséria e de desalento, segundo Albuquerque Junior (2001), começa a ser construída desde que o Nordeste foi "inventado" no início do século XX. Ao longo de todo esse século, nordestinos com poder para disseminar representações contribuíram de diversas formas, e usando diferentes gêneros discursivos, para a construção dessa imagem do Nordeste.

Os romances de Graciliano Ramos e Jorge Amado, da década de trinta, a poesia de João Cabral de Melo Neto, a pintura de caráter social da década de quarenta, e o Cinema Novo, do final dos anos cinquenta e início dos anos sessenta, tomarão o Nordeste como exemplo privilegiado da miséria, da fome, do atraso, do subdesenvolvimento, da alienação do país. (Albuquerque Jr., 2001:191-192)

A esquerda, "fascinada pelo discurso desenvolvimentista", advogava que a soberania nacional só seria possível com o encontro das duas regiões. E nesse encontro o Nordeste entraria com a tradição e o Sul levaria a racionalidade aos "nordestinos irracionais" (Albuquerque Jr., 2001).

Na mídia, o Nordeste tem sido apresentado, quase sempre, com o uso de signos clássicos e cristalizados, que fazem referência direta ao atraso, à miséria e ao subdesenvolvimento, além dos símbolos tradicionais utilizados para caracterizar a imagem do homem nordestino e da paisagem da região, como o chapéu de couro, a peixeira, o cacto, dentre outros (Baracuhy, 2010; Carvalho, 2012; Zanforlin, 2008).

Contudo, como aponta Carvalho (2012), nas últimas décadas novos atributos passaram a constituir a identidade do Nordeste no discurso da mídia. A beleza das praias nordestinas, por exemplo, tem sido recorrentemente exaltada em discursos midiáticos que mencionam o potencial turístico da região.

No que diz respeito aos aspectos econômicos, o conteúdo das descrições que têm o Nordeste como objeto vem também sofrendo transformações. Só para citar um exemplo, a revista Carta Capital de 7 de dezembro de 2011 (A Segunda Onda..., 2011:46-49) afirma que a região estaria passando, depois da primeira onda de crescimento impulsionada pelos programas sociais como o bolsa família, por uma "segunda onda" que estaria mudando o "cenário regional" e seria caracterizada pelos "investimentos em infraestrutura" e em "novas fábricas".

O surto de desenvolvimento da última década, todos os projetos de infraestrutura desenvolvidos na região e todos esses discursos da mídia nacional sobre o Nordeste estariam associados à produção, pelos nordestinos, de novos conteúdos identitários para si próprios? Se novos conteúdos identitários estão sendo construídos, qual a natureza desses conteúdos? Estariam convivendo, de maneira contraditória, com aqueles exaustivamente repetidos no passado? Que recursos retóricos estariam sendo utilizados para torná-los convincentes e persuasivos?

O conceito de identidade é central neste trabalho. Na psicologia social, o conceito de identidade é fundamental para o entendimento das relações de poder entre os diferentes grupos sociais e tem sido estudado por autores das mais diferentes orientações teóricas, desde teorias interessadas na relação entre processos cognitivos e processos sociais (Tajfel, 1978; Turner 1987; Vala, 1996) até perspectivas teóricas interessadas na relação entre discurso e sociedade e que privilegiam a construção discursiva das identidades (Wetherell & Potter, 1992; Wetherell, 1996).

Hall (2006:47-48), discorrendo sobre a identidade nacional, faz algumas considerações que servem para a análise de uma identidade regional como a nordestina. Segundo ele, as identidades nacionais "não estão literalmente impressas em nossos genes", apesar de "pensarmos nelas como se fossem parte de nossa natureza essencial". Para esse autor, essas identidades são "formadas e transformadas no interior da representação". Em outras palavras, Hall está dizendo que as identidades nacionais são construídas e transformadas por meio de representações discursivas, muitas vezes contraditórias, mobilizadas por diferentes dispositivos, grupos e instituições sociais.

Diferentes teóricos na psicologia social (Antaki & Widdicombe, 2008; Wetherell & Potter, 1992; Wetherell, 1996) e em áreas afins (Benwell & Stokoe, 2006) têm destacado a íntima relação entre processos identitários e processos discursivos. De fato, o processo de construção de identidades é um processo no qual identificamos pessoas e coletivos humanos, inserimos pessoas e coletivos humanos em categorias. Como afirmam Benwell e Stokoe (2006:6), identidade é "quem as pessoas são umas para as outras".

Segundo Antaki e Widdicombe (2008), temos uma identidade quando somos inseridos, não só por nós mesmos, mas também pelos outros, numa categoria. Assim, quando fazemos afirmações como as seguintes: "ele é nordestino", "os nordestinos são religiosos", estamos mobilizando o processo discursivo de categorização, inserindo uma pessoa na categoria dos nordestinos, no primeiro caso, e inserindo os nordestinos na categoria de pessoas religiosas, no segundo caso. Estamos, portanto, construindo discursivamente uma identidade para um indivíduo e para um coletivo de pessoas.

Esse processo nunca é pacífico. Na teoria do discurso de Laclau e Moufe (1985), diferentes discursos lutam para definir a verdadeira natureza dos objetos do mundo, inclusive desses objetos que são as identidades das diversas categorias sociais. Essa luta dos diferentes discursos se atualiza em sujeitos individuais e coletivos e se manifesta por meio de negociação, rejeição de determinados conteúdos identitários, aceitação de outros, mudança dos conteúdos identitários de determinadas categorias sociais ao longo do tempo, etc.

Partindo dessas considerações, podemos hipotetizar que a identidade nordestina, que foi criada por discursos das mais diferentes origens, está sendo transformada por novas maneiras de falar do Nordeste que emergiram nos últimos anos.

Este artigo aborda o impacto desses discursos, dessa nova maneira de falar sobre o Nordeste, no modo como a mídia paraibana, como parte da mídia nordestina, fala sobre o Nordeste e os nordestinos. Seu objetivo, portanto, é analisar os discursos sobre o Nordeste na mídia impressa paraibana, procurando identificar e analisar os conteúdos utilizados para definir o Nordeste e os nordestinos e os recursos retóricos utilizados para dar credibilidade à identidade nordestina que está sendo discursivamente construída.

 

Método

Trata-se de um trabalho de natureza qualitativa que se utilizou da técnica de análise de discurso desenvolvida pelos teóricos da psicologia social discursiva (Billig, 1985, 1987, 1991; Potter & Wetherell, 1987; Potter, Wetherell, Gill, & Edwards, 1990; Wetherell; Potter, 1992; Wetherell, 1996; Potter, 1996) na análise de material de domínio público.

Foram analisados exemplares dos dois maiores jornais do Estado da Paraíba: Jornal da Paraíba e Correio da Paraíba. A amostra é composta por todos os exemplares dominicais dos dois jornais supracitados com tiragem entre os meses de abril, maio, junho e julho de 2012, totalizando 36 edições. Escolhemos esses meses da primeira metade do ano de 2012 porque queríamos identificar o modo como se construía a identidade nordestina naquele momento histórico em que realizávamos a pesquisa. Tratava-se do ano de 2012, o Brasil ainda crescia economicamente e o Nordeste crescia mais do que a média nacional. A escolha dos exemplares dominicais se justifica pelo fato de apresentarem reportagens e artigos de opinião mais densos do que aqueles apresentados pelos exemplares dos outros dias da semana.

O acesso aos exemplares dominicais dos meses supracitados se deu por meio dos sites dos dois jornais, onde estão disponibilizadas na íntegra, de forma digitalizada, as edições atuais e as de anos anteriores.

Após a seleção do material discursivo foram realizadas leituras atentas e cuidadosas de todos os exemplares dos jornais, um passo necessário para a codificação. Fez-se então a codificação retirando-se dos exemplares as reportagens, os artigos de opinião, as pequenas notícias, etc., que fizessem referência ao Nordeste e aos nordestinos. A codificação, na perspectiva teórico-metodológica desenvolvida pela psicologia social discursiva, é apenas uma análise preliminar cujo objetivo não é encontrar resultados, mas organizar as categorias determinadas pelas questões de pesquisa para estudos mais aprofundados (Gill, 2002; Potter & Wetherell, 1987).

Depois de selecionados todos os textos que seriam analisados, foram feitas leituras exaustivas de todos eles, leituras essas que permitiram a emergência das primeiras categorias. É importante ressaltar que, na técnica de análise de discurso utilizada aqui, as categorias, diferentemente da técnica de análise de conteúdo, são tão inclusivas quanto possível. Nessa fase de codificação procura-se construir categorias sem muita preocupação com os seus limites (Potter & Wetherell, 1987); as categorias colocam ordem no caos e permitem o início da análise propriamente dita.

Nessa perspectiva, entende-se que é fundamental uma mudança no modo como pensamos sobre a linguagem; em vez de procurar algo que estaria além do discurso, algo ao qual teríamos acesso por intermédio do discurso, focalizaremos nossa atenção no modo como o discurso é construído, na sua forma de organização, nas suas funções (Gill, 2002; Potter & Wetherell, 1987).

 

Resultados e Discussão

A Persistência das Velhas Imagens

O Nordeste, como qualquer objeto no campo social, é construído continuamente por produções discursivas que assumem as mais diferentes formas e veiculam conteúdos marcadamente polissêmicos; nessas produções, podemos encontrar consistências ao lado de contradições e inconsistências, e podemos encontrar velhas imagens ao lado de novas que começam a emergir. No material analisado neste estudo, ao lado de novas imagens que se insinuam, destacam-se velhos retratos do Nordeste que o posicionam como uma região assolada pela seca, miséria e subdesenvolvimento e como uma região apegada à tradição. Podemos afirmar, usando os termos da teoria do discurso de Laclau e Moufe (1985), que essas imagens conflitantes fazem parte de diferentes discursos que lutam para definir a natureza do Nordeste e de seu povo.

O tema da seca é recorrente nos exemplares dos dois jornais sob análise, fato que não surpreende em um ano de forte estiagem na região Nordeste. Mas a menção da seca por si só não reproduz velhos retratos do Nordeste. O que reproduz esses velhos retratos é o modo como o fenômeno da seca é descrito e nomeado. Nos dois jornais analisados, as consequências desse fenômeno são descritas com o uso de termos e metáforas característicos das descrições de décadas anteriores. O fragmento abaixo, do Correio da Paraíba, exemplifica bem esse tipo de descrição.

"A presidenta Dilma Rouseff reunirá os governadores nordestinos, amanhã, em Aracajú. E ouvirá, como seus antecessores, preocupações e reivindicações por conta da seca que castiga a região, mais uma vez, revelando um Brasil que está longe do que se espera da sexta economia do planeta." (Correio da Paraíba, Lena Guimarães, abril de 2012)

No trecho supracitado, a seca é descrita como castigo, metáfora que produz associações imediatas com a ideia de punição divina. Essa imagem de uma região "castigada" por estiagens que produziam sofrimentos indescritíveis era frequente ao longo do século XX (ver Albuquerque Jr., 2001). Além disso, o texto constrói a ideia de um Nordeste que necessita de políticas assistenciais que deem subsídios para o enfrentamento da seca, ou seja, a ideia de um Nordeste que se posiciona em relação ao poder central como pedinte. Diferentes categorias (castigados, pedintes), algumas não mencionadas diretamente, mas inferidas da descrição das ações, vão sendo "coladas" à categoria "nordestinos", reproduzindo assim a velha identidade nordestina em que o sofrimento e a dependência do Governo Federal aparece como um traço central.

No texto a seguir, do Jornal da Paraíba, a seca ainda é retratada como um fenômeno que produz intenso sofrimento, mas, diferentemente do texto anterior, os políticos nordestinos são posicionados como responsáveis por parte dos efeitos negativos da seca.

"O problema da seca no Nordeste é secular e por isso não deveria 'pegar' tantos gestores de surpresa. A opinião é do historiador José Octávio de Arruda Mello. 'A seca traz consequências terríveis para parte da população desde os séculos anteriores, não é novidade para ninguém. O grande problema é que os gestores públicos querem colocar sobre esse fenômeno a culpa de todas as mazelas', afirma. Ao fazer um breve passeio pela história, o professor disse que a incidência da seca não é generalizada, como a oligarquia faz querer crer. [...] 'A seca é, acima de tudo, um grave problema social decorrente do descaso dos políticos', frisa." (Jornal da Paraíba, Valéria Sinésio, Maio de 2012)

Nessa passagem, a seca é apresentada como um fenômeno natural que produz "consequências terríveis" (consequências localizadas, que não atingem toda a população), que seriam majoradas em decorrência da ação dos políticos da região. A "oligarquia" (termo que remete à figura emblemática do coronel explorador do povo) responsabilizaria a seca por todas as "mazelas da região" com o objetivo de esconder a sua própria responsabilidade por essas mazelas, o seu "descaso". Há que se destacar o uso que o jornal faz do recurso retórico denominado por Potter (1998) de categoria de crédito, que é a mobilização de um discurso de um especialista no assunto em questão, de uma pessoa com autoridade para falar sobre ele, para dar mais credibilidade à versão que o jornal constrói sobre a seca e suas consequências.

Há muito tempo que a imagem do Nordeste se encontra associada à miséria e ao subdesenvolvimento. Essa representação do Nordeste foi construída em contraste com a representação dos estados do Sul e Sudeste do país, que eram descritos como lugares de grande desenvolvimento industrial e econômico.

Será a partir dessa representação da região como essencialmente caracterizada pelo atraso socioeconômico que serão realizadas intervenções que visavam o seu desenvolvimento. A criação da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), no ano de 1959, é o principal exemplo de frentes e autarquias criadas com o objetivo de desenvolver esse espaço regional. Como aponta Calazans (2007), a SUDENE pretendia ser a força renovadora de desenvolvimento unificado para o Nordeste.

Nos dois jornais analisados encontramos poucos casos de categorização do Nordeste como uma região miserável. Quando esse atributo identitário, "miserabilidade", tão presente nas representações do Nordeste no século passado, foi mobilizado ele não tinha a força dramática que tinha no passado.

[...] "Ocorre que mesmo a herança de Lula (transposição, Transnordestina, refinaria) consiste apenas em empreendimentos isolados e que acabarão por formar "clusters" (enclaves prósperos, como Camaçari, na Bahia) no meio da miséria geral, sem capacidade de modificar o panorama da desigualdade entre o Nordeste e as demais regiões do país (mesmo o Norte e o Centro-oeste começam a se aproximar dos padrões de vida do Sul/Sudeste) [...]." (Jornal da Paraíba, Duciran Farena, maio de 2012)

"Hoje, pelo menos 3.825 pequenos agricultores paraibanos estão sujeitos a perder suas terras devido a dívidas rurais com bancos oficiais do País. A execução judicial só não ocorreu por força de lei, que fez a suspensão do sequestro dos bens por um ano, prazo que vence em março de 2013. Para discutir esses débitos, que atingem 111 mil produtores na Paraíba, cinco mil pessoas são esperadas, durante todo o dia de amanhã, para participar do 1º Encontro Nordestino do Grito da Seca e do Perdão das Dívidas, organizado pela Associação dos Mutuários do Crédito Rural do Estado da Paraíba (AMCRE-PB)." (Correio da Paraíba, Tássio Ponce de Leon, abril de 2012)

"Com certeza, não poderia ser diferente. No Nordeste, sem o FPM acho que não teria a sobrevivência dos municípios, mas mesmo assim diante das dificuldades e problemas a gente tem que se manter de acordo com o que é oferecido." (Correio da Paraíba, Mislene Santos, maio de 2012)

No primeiro texto, o autor destaca os investimentos que foram feitos no Nordeste, no entanto afirma que seriam investimentos localizados que não privilegiariam o desenvolvimento homogêneo da região. Seriam investimentos sem "capacidade de modificar o panorama de desigualdade entre o Nordeste e as outras regiões". Num texto marcadamente pessimista em relação ao suposto desenvolvimento que teria finalmente chegado à região, o autor faz uso de uma imagem de grande apelo retórico, a imagem ominosa de um Nordeste em que ilhas de prosperidade serão rodeadas pela "miséria geral". Esse texto ilustra bem o caráter retórico e argumentativo do discurso apontado pelo psicólogo social inglês Michael Billig (Billig, 1987; 1991). Ao destacar a natureza retórica do discurso, esse autor chama a atenção para o conflito presente nas diferentes produções discursivas. De fato, o "contexto da retórica" não se resume às relações entre o orador e a audiência. Tal contexto inclui geralmente as "opiniões" que o orador está tentando tornar justas e legítimas para seu público; mas nele também se encontram as "opiniões contrárias" que estão sendo combatidas, de maneira implícita ou explícita (Billig, 1987:88). Assim, "o argumento a favor de uma posição é sempre um argumento contra uma outra posição" (Billig, 1991:17). No texto em questão, o autor procura desacreditar a versão segundo a qual o Nordeste teria finalmente encontrado o caminho do desenvolvimento, sem mencioná-la explicitamente.

No segundo trecho, o jornal fala do Nordeste com o foco em um de seus estados, a Paraíba, e argumenta que, apesar dos empréstimos liberados pelos bancos para alavancar o desenvolvimento da agricultura regional, o problema não é resolvido, e pelo contrário, só aumenta, com o endividamento dos agricultores que não têm como pagar suas dívidas. O modo como o jornal apresenta a situação reproduz a velha imagem do Nordeste como sinônimo de atraso econômico, mas, ao lado dessa imagem, apresenta-se outra: a de um povo mobilizado e organizado politicamente em busca dos seus direitos. Um povo que, promove um encontro onde possa refletir sobre a situação dos débitos com os bancos (1º Encontro Nordestino do Grito da Seca e do Perdão das Dívidas).

No terceiro trecho, ao se referir ao ano eleitoral, o jornal Correio da Paraíba, evidencia a importância do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) na manutenção, conservação e custeamento dos municípios nordestinos. O jornal reproduz uma fala de uma prefeita da região que afirma ser impossível a "sobrevivência dos municípios" nordestinos sem o FPM. Em outras palavras, a reportagem é construída de tal modo a retratar o Nordeste, como nas passagens sobre a seca, anteriormente analisadas, como uma entidade fortemente dependente do governo federal para sua sobrevivência, uma entidade que ainda não dispõe de fontes de renda que possam movimentar suas economias, e que, portanto, precisa dessa distribuição que é feita do Produto Interno Bruto (PIB) de cada estado. Reafirma a velha imagem do Nordeste dependente, que precisa sempre da ajuda do Governo Federal para permanecer em pé.

A mídia assume um papel decisivo na veiculação do Nordeste como a figura/espaço regional da tradição, da saudade, em contraposição à modernização que caracterizou os estados do Sul/Sudeste ao longo do século XX (Viana, 2012).

Mas toda essa representação do Nordeste como lugar da tradição deve ser pensada de maneira crítica, tendo em vista as suas implicações. Refletindo sobre essas implicações, Albuquerque Jr. afirma que:

O Nordeste torna-se tema privilegiado à medida que expressaria a área mais subdesenvolvida e, ao mesmo tempo, seria a área mais nacional do ponto de vista cultural, em que a alienação cultural era menor, seria a área em que a 'massificação da cultura', vista como um processo desnacionalizador, ainda não acabara com as tradições populares. Para a esquerda, fascinada pelo discurso desenvolvimentista, a construção da nação e sua soberania passavam pelo encontro de suas regiões: o Sul fornecendo o desenvolvimento técnico, econômico e político, e o Nordeste fornecendo as tradições culturais, entre elas a da resistência popular. Tratava-se de levar a racionalidade da sociedade paulista, por exemplo, aos nordestinos irracionais. (2001:197)

Nos dois jornais analisados é recorrente o posicionamento do Nordeste como esse lugar de uma tradição que deve ser reafirmada, pois seria o seu traço peculiar, traço que o diferenciaria dos demais recortes regionais brasileiros.

Na passagem a seguir, o Jornal da Paraíba evidencia o grande número de turistas, entre eles, os estrangeiros, esperados para a Copa do Mundo de Futebol que se realizou no ano de 2014 no Brasil, e que teve sedes em quatro capitais do Nordeste e subsedes em outras cidades, como, por exemplo, João Pessoa e Campina Grande.

"O que está para oferecer (referindo-se às cidades de Campina Grande e João Pessoa) aos visitantes nacionais e estrangeiros são praias belas de água morna e manifestações culturais bem representativas da alma nordestina, nelas incluídas a culinária, a história, o artesanato, o teatro e a música. Por sorte, os jogos da Copa de 2014 transcorrerão num instante em que estará a cidade de Campina Grande no exercício pleno de suas festividades, aquelas que a transformam no maior arraial junino do mundo." (Jornal da Paraíba, junho de 2012)

Trata-se da reafirmação do Nordeste como sendo o espaço privilegiado da tradição, que reúne os mais diversos elementos da cultura popular. Enaltece, assim, "a culinária, a história, o artesanato, o teatro e a música", elementos culturais que representariam "a alma nordestina". Somos posicionados, como o lugar da cultura e do apego à cultura.

Referindo-se à música, Albuquerque Jr., ao evidenciar o enaltecimento da cultura e tradição do Nordeste nessa forma de arte, afirma:

Luiz Gonzaga assume a identidade de 'voz do Nordeste', que quer fazer sua realidade chegar ao Sul e ao governo. Sua música, 'quer tornar o Nordeste conhecido em todo o país', chamando atenção para seus problemas, despertando o interesse por suas tradições e 'cantando suas coisas positivas'. (2001:157)

Nesse sentido, é interessante notar que não é de hoje que o Nordeste se utiliza das suas tradições para evidenciar sua singularidade diante do resto do país, numa tentativa de afirmar o Nordeste das coisas boas, e não somente a região assolada por problemas e pela miséria.

A canção popular nordestina, na passagem a seguir, aparece mais uma vez numa posição de destaque na tradição nordestina, quando o jornal Correio da Paraíba evidencia o grande médico e músico José Dantas.

"É verdade: o autêntico baião nordestino nasceu das mãos mágicas de Luiz Gonzaga, Zé Dantas e Humberto Teixeira. Gonzagão, sobre quem já escrevi, lembrando o centenário do seu nascimento, foi o representante do verdadeiro e legítimo cancionista popular nordestino." (Correio da Paraíba, Paulo Gadelha, abril de 2012)

No texto, Luiz Gonzaga, Zé Dantas e Humberto Teixeira são apresentados como os grandes responsáveis pelo surgimento do "autêntico baião nordestino", e o primeiro, além disso, foi o "representante do verdadeiro e legítimo cancionista popular". Os termos "verdadeiro", "autêntico", "legítimo" sugerem um conjunto de traços essenciais para esses objetos (o baião e cancionista popular) que perduram com a passagem do tempo, conjunto de traços essenciais que tem suas raízes numa tradição imemorial e que distinguem o "autêntico baião" e o "verdadeiro" cancionista popular de tudo o que é falso, transitório, sem raízes na tradição.

O Nordeste é tradicionalmente descrito como um espaço de intenso sentimento religioso, e tais descrições apresentam essa região como palco de grandes lideranças veneradas por sua suposta santidade, apesar do não reconhecimento de algumas delas pelo Vaticano, como nos casos de Padre Cícero, Frei Damião e Padre Ibiapina.

Albuquerque Jr., fazendo a descrição da religiosidade na região nordestina tal como aparece nas narrativas tradicionais, afirma:

Nestas, misturam-se topos imagéticos e enunciativos pinçados da Bíblia, das narrativas exemplares de santos, do martírio de D. Sebastião e das aventuras de cavalaria medievais. Profetas de roupetas negras e sujas, homens barbudos, magros e de olhos arregalados, apoiando-se num grande bastão preto, caminhando à frente de um grupo de pessoas também maltrapilhas, sujas, descabeladas, com terços e crucifixos ao pescoço, cantando intermináveis 'incelências', rezando o terço e segurando cruzes e estandartes; acampamentos em que reina a promiscuidade e o terror trazido pelo 'santo', que tem o poder de vida e de morte sobre as pessoas [...] (2001:128)

Nesse relato, as lideranças religiosas assumiam papel central na sentença final sobre a vida dos sujeitos. Além disso, segundo Albuquerque Jr., a religião tradicional (cristã católica) e o misticismo (negro e indígena), nas narrativas tradicionais sobre a religiosidade nordestina, parecem se confundir e, ao mesmo tempo, se fundirem para denotar um caráter único e genuíno à religiosidade nordestina.

No material analisado para este trabalho, esta imagem não se faz mais presente com a intensidade de décadas passadas. Em todo o material analisado, só foram encontradas duas passagens que fazem referência à religiosidade nordestina. Elas trazem indiscutivelmente elementos das imagens do passado, mas não têm a mesma força e o mesmo colorido daquelas imagens que nos construíram como um povo com os olhos voltados para o divino, um povo sedento pelo divino. Vejamos a mais representativa das duas passagens.

"Música nordestina da melhor qualidade, fotos marcadas principalmente pelos tons vermelhos e alaranjados, de autoria do fotógrafo Augusto Pessoa, frases que remetem ao aboio, à fé, ao ritual da Jurema, imagens de santo e os costumes de um povo cantado numa mistura de misticismo e sensibilidade que casa com traços fortes da cultura local: essas são algumas das impressões ao ter contato com o CD 'Nordeste Oculto' e o livro 'Nordeste Desvelado' que integram o projeto do grupo Cabruêra. O disco tem produção artística do músico e poeta Alberto Marsicano, que escreveu um texto para cada faixa." (Correio da Paraíba, Rogério Freire, abril de 2012)

Nessa passagem, o autor, ao comentar o lançamento do novo CD e livro de um artista da região, constrói um Nordeste místico, sincrético, Nordeste onde se misturam a "Jurema" (de origem indígena) e imagens de santos da Igreja Católica. Nela, o Nordeste transforma-se num imenso caldeirão composto por crenças, ritos, lendas e mistérios sobrenaturais.

Há que se destacar a quase completa ausência de referências nos dois jornais às igrejas evangélicas, pentecostais e neopentecostais, que cresceram de maneira avassaladora nas últimas décadas no Brasil e, especialmente, no Nordeste, região tradicionalmente católica. Segundo dados do IBGE (2010), a igreja católica perdeu 9% dos fiéis na última década e quase 20% desde 1980, ano em que o catolicismo detinha 83% do total de fiéis no país. Em contraposição, as igrejas evangélicas cresceram aceleradamente nos últimos anos, registrando um acréscimo de 6,8% no número de fiéis na última década. Essas igrejas são citadas rapidamente por um sacerdote da Igreja Católica que comparava o crescimento delas no Brasil com o crescimento da Igreja Católica. Estas (especialmente as neopentecostais, como a Universal do Reino de Deus), são caracterizadas pelo combate às práticas religiosas tradicionais de origem indígena e africana que o jornal nas reportagens analisadas anteriormente apresenta como algo enraizado profundamente na cultura popular nordestina.

A Emergência de Novas Imagens

Como foi possível observar, as velhas imagens ainda se fazem presentes, porém hoje dividem o espaço social com novas representações do Nordeste que as contradizem. Neste tópico, nos deteremos sobre uma nova representação do Nordeste que foi exaustivamente mobilizada numa parte considerável dos textos analisados. Esses textos falam de um Nordeste que se desenvolve, que produz riqueza, de um Nordeste que supera o atraso.

O desenvolvimento econômico do Nordeste tem sido destacado por setores da imprensa nacional como indicador do ressurgimento dessa região no que se refere à sua participação na economia nacional. Nesse sentido, como aponta a revista Carta Capital de 7 de dezembro de 2011, o Nordeste estaria passando por mudanças estruturais, com a instalação de fábricas e investimentos de grande porte, que estariam impulsionando cada vez mais esse surto de expansão da economia nordestina.

Mesmo reconhecendo as diferenças entre as regiões Norte e Nordeste, por um lado, e as regiões do centro-sul do Brasil, por outro lado, os dados do PIB (IBGE, 2010) nos últimos dez anos destacam que a região Nordeste tem sido a região que mais cresce no Brasil, chegando a alcançar índices duas vezes maiores que a região Sudeste, considerada a região mais rica do Brasil.

Os trechos apresentados abaixo, retirados dos dois jornais em análise, ecoam, como muitos outros presentes nos dois jornais, esses discursos que apregoam o desenvolvimento nordestino:

"Para o proprietário da Grand Cru em João Pessoa, é a qualidade dos produtos de luxo que atrai o consumidor [...]. 'Com o crescimento econômico do País e, em especial da região Nordeste, o consumidor está direcionando sua atenção para produtos de qualidadesuperior. É um mercado em potencial', comentou." (Correio Da Paraíba, Marcelo Rodrigo, abril de 2012)

"A consultoria Rizzo Franchise afirma que o mercado de franquias está sendo cada vez mais atraído para o Nordeste por causa do aquecimento da economia local e deve crescer 11,5% este ano na região. Segundo dados levantados pela Rizzo Franchise, o mercado de franchise na região Nordeste alcançou a marca de R$ 2,5 bilhões de faturamento em 2011." (Correio da Paraíba, Thadeu Rodrigues, abril de 2012)

Na fala do empresário apresentada na primeira reportagem, o Nordeste é diferenciado positivamente do Brasil, este é representado como um país em franco desenvolvimento, e aquele é posicionado de maneira ainda mais positiva, como na seguinte passagem: "Com o crescimento econômico do País e, em especial da região Nordeste". Na mesma reportagem, o crescimento econômico estaria associado a uma sofisticação do gosto do consumidor, a um direcionamento da atenção desse consumidor para "produtos de qualidade superior".

A segunda reportagem, que faz um relato sobre o crescimento do mercado de franquias na região, afirma que o Nordeste tem atraído grandes investidores nesse setor em decorrência do "aquecimento da economia local" que estaria movimentando bilhões de dinheiro na região e aumentando o faturamento das franquias. Nesse recorte, o uso do recurso retórico (metáfora) "aquecimento da economia" torna mais tangível e poderosa a imagem do Nordeste que o texto produz, afinal algo que aquece é algo que sai de um estado de imobilidade para um estado de frenética agitação.

A temática do desenvolvimento, no material analisado, esteve muito frequentemente associada ao turismo. O turismo compreende um conjunto complexo de relações devido a sua característica de unir segmentos econômicos e multiplicar empresas, em especial as micro, pequenas, e médias, tornando-se um campo favorável para o empreendedorismo, possibilitando a abertura de negócios e desenvolvimento de determinada localidade (Castro, 2002). Conforme Silva (2004), se considera que o turismo pode dinamizar localmente as potencialidades naturais e histórico-culturais de regiões economicamente deprimidas. Esses supostos efeitos do turismo são exaltados numa reportagem do Jornal da Paraíba:

"A ascensão das classes sociais fez com que as pessoas viajassem mais e um dos principais roteiros turísticos do Nordeste e do Brasil, é Campina Grande. 'O São João hoje é um evento totalmente profissional, de porte nacional, recomendado pelo Ministério do Turismo, que propaga o nome de Campina Grande e das marcas que aqui investem para todo o país', acrescentou." (Jornal da Paraíba, Isabela Alencar, julho de 2012)

Nela, Campina Grande é apresentada como referência para o turismo da região Nordeste e do Brasil, principalmente durante as festividades juninas onde algumas localidades preparam-se para receber grande número de visitantes. A reportagem afirma que a ascensão econômica das "classes sociais" do Nordeste e do Brasil, tem feito com que o turismo da região seja mais explorado tanto por nordestinos como por não-nordestinos, e que nesse roteiro o São João de Campina Grande tem um lugar de destaque, como fica claro na passagem "O São João hoje é um evento totalmente profissional, de porte nacional, recomendado pelo Ministério do Turismo". Trata-se, segundo o jornal, de um São João que não só atrai turistas, mas de um evento que "propaga" nacionalmente o nome da cidade nordestina e das "marcas" que lá investem. É uma reportagem que apresenta dois temas recorrentes no corpus analisado neste trabalho: o tema do crescimento econômico que estaria impulsionando o consumo das diferentes classes sociais e o tema das infinitas possibilidades do turismo nordestino, turismo que pode oferecer não só a natureza (belas praias), mas pode oferecer também cultura (o São João).

Tendo em vista esse crescimento e dinamismo do turismo, empresas estariam canalizando seus investimentos para esse setor, conforme pode-se observar nos seguintes trechos do Jornal Correio da Paraíba:

"O investimento para a realização da BNTM (significa: Brazil National Tourism Mart) chega a R$ 2 milhões, de acordo com a Secretaria de Turismo do Maranhão. Irão participar da bolsa de negócios cerca de 300 operadores e agentes de viagem do Brasil, Europa e Estados Unidos, além de 140 empresários do trade. O encontro é uma oportunidade de os nove estados nordestinos fecharem negociações para incrementar a atividade turística na Região." (Correio da Paraíba, abril de 2012)

"O objetivo é discutir estratégias para incrementar o turismo no Nordeste brasileiro através da realização de rodadas de negócios, onde são comercializados pacotes de viagem, principalmente para o Nordeste." (Correio da Paraíba, abril de 2012)

O jornal, mencionando cifras, articulações e estratégias, falando de empresários, operadores e agentes de viagem do Nordeste e até de outras partes do mundo, constrói a imagem de uma região que se mobiliza freneticamente para desenvolver o turismo regional.

 

Considerações Finais

Os resultados discutidos acima mostram a complexidade e o caráter polissêmico da identidade nordestina representada nos dois jornais paraibanos. Observou-se o uso de velhas imagens, que moldaram profundamente a identidade dessa região num passado recente. Representações da seca, da miséria, do subdesenvolvimento, da tradição e da religiosidade ainda fazem parte do repertório que os nordestinos utilizam para representar a si mesmos. Como foi observado na análise, por vezes, algumas dessas características eram apresentadas como elementos profundos e essenciais da alma nordestina, como se fossem características naturais e inatas do povo nordestino, traços estes que dotariam a região de caráter inédito e singular em contraste com as demais regiões do país.

Mas, ao lado dessas representações, observou-se também o uso de novas imagens que começam a construir outros sentidos para a nordestinidade. Nesse sentido, o Nordeste é representado nos dois jornais como uma região em acelerado desenvolvimento econômicosocial e essa representação convive de maneira contraditória com as tradicionais.

Essas representações contraditórias (de um lado representações de miséria e atraso social, de outro lado representações que posicionam o Nordeste como uma região em franco desenvolvimento econômico e social) podem indicar uma mudança em andamento no modo como os nordestinos representam a si mesmos. Podem indicar que não mais estariam reiterando obsessivamente a imagem da região Nordeste como um espaço marcado por uma monótona miséria.

 

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Recebido em 29/05/2015.
Revisado em 11/07/2015.
Aceito em 14/09/2015.

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