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Revista Psicologia Política

versão impressa ISSN 1519-549Xversão On-line ISSN 2175-1390

Rev. psicol. polít. vol.16 no.35 São Paulo jan./abr. 2016

 

EDITORIAL

 

Revista Psicologia Política: fomento à revista, crises democráticas na América e expectativas de mudança

 

Revista Psicologia Política: promotion to the journal, democratic crises in America and expectations of change

 

Revista Psicologia Política: fomento a la revista, crisis democráticas en América y expectativas de mudanza

 

Revista Psicologia Política: promotion des périodique, crises démocratiques en Amérique et attentes de changement

 

 

Adolfo PizzinatoI; Aline Reis Calvo HernandezII; Conceição Firmina Seixas SilvaIII; Frederico Alves CostaIV; Frederico Viana MachadoV

IEditor - UFRGS - Brasil
IIEditor - UFRGS - Brasil
IIIEditor - UERJ - Brasil
IVEditor - UFAL - Brasil
VEditor - UFRGS - Brasil

 

 

Esse é o primeiro número da REVISTA PSICOLOGIA POLÍTICA organizado pela Comissão Editorial que teve sua proposta selecionada a partir de Edital Público e que iniciou o trabalho na Revista em novembro de 2016, após sua homologação na Assembleia Geral do IX Simpósio Brasileiro de Psicologia Política (SBPP), em Natal, Rio Grande do Norte.

A realização do SBPP pela primeira vez no nordeste foi uma iniciativa importante para a ampliação do debate sobre a psicologia política no Brasil, aumentando a visibilidade deste campo de conhecimento nesta região e a possibilidade de trocas com as regiões sudeste, sul e centro-oeste, nas quais ocorreram os Simpósios anteriores. Ainda vivemos o desafio de uma maior inserção da psicologia política na região norte, esperamos que no período em que estaremos à frente da RPP possamos contribuir com a publicação de artigos de pesquisadores/as desta região.

Também nesse caminho de fortalecimento da Psicologia Política nos diferentes cantos do país, salientamos que a Comissão Editorial atual reúne duas pesquisadoras e dois pesquisadores que atuam em universidades públicas situadas em três regiões: nordeste (UFAL), sudeste (UERJ), sul (UFRGS). O que caracteriza uma novidade na história da RPP, na medida em, que desde sua criação, teve como editores pesquisadores que atuam na região sudeste: Salvador Sandoval (PUC-SP), Marco Aurélio Máximo Prado (UFMG), Celso Zonta (UNESP), Alessandro Soares da Silva (USP). Desde já, ressaltamos a valiosa contribuição destes editores para a construção da REVISTA PSICOLOGIA POLÍTICA e para a consolidação da psicologia política no Brasil e na América Latina.

A Psicologia Política é um campo de conhecimento interdisciplinar que, apesar de distintas formas de concebê-lo na literatura (Costa, 2012; Dorna, 2007; Montero, 2009; Sabucedo & Rodriguez, 2000), tem como foco a produção de análises psicopolíticas sobre fenômenos que impactam a constituição, manutenção e transformação da ordem social. Neste sentido, ampliar a divulgação deste campo nas diferentes regiões brasileiras é uma forma de contribuir para melhor conhecermos os modos como as relações de poder são estabelecidas e mantidas nestes contextos, bem como as lutas pela expansão da democracia têm sido organizadas, desenvolvidas e articuladas ao redor do país.

No cenário em que vivemos, marcado por um golpe de Estado no Brasil, arregimentado por forças políticas que buscam transformá-lo em um evento democrático, consonante com a rearticulação de governos de direita no continente latino-americano, consideramos que a psicologia política assume um papel relevante para a reflexão crítica sobre estes processos e, concomitantemente, para a intervenção sobre eles. Deste modo, queremos salientar a importância da psicologia política como campo de conhecimento interdisciplinar que assume a tarefa epistemológica de desnaturalizar as relações de poder e os processos de hierarquização social.

Assim, é fundamental explicitar o desafio de manter "viva" a RPP, mesmo diante da escassez de recursos financeiros decorrentes tanto da fragilidade econômica da Associação Brasileira de Psicologia Política (ABPP) quanto da ausência de editais de financiamento a revistas que se encontram com publicações atrasadas. No que diz respeito à ABPP, cabe-nos ressaltar o caminho que tem sido traçado nos últimos anos de reorganização da associação e o apoio que, mesmo diante de dificuldades, tem sido dado à RPP.

No que se refere aos editais de financiamento, consideramos que talvez seja necessário repensar os critérios de fomento, na medida em que garantir o apoio a revistas que apresentam números atrasados pode ser uma forma de contribuir para ampliação e diversificação de revistas de qualidade no Brasil. No caso da RPP o atraso não se trata da ausência de manuscritos com qualidade acadêmica, mas de recursos financeiros que possibilitem a publicação. O financiamento a revistas já estruturadas é importante para propiciar a elas condições de manutenção, mas reduzir o financiamento apenas a elas é um modo de preservá-las em detrimento daquelas que necessitam de investimento para continuarem a existir e para aprimorarem seus processos editoriais.

Este sistema de financiamento aumenta a hierarquização entre os periódicos, impactando, inclusive, diante das exigências de avaliação da produção dos pesquisadores, no acúmulo de submissões para alguns periódicos em posições superiores no Qualis e na diminuição da diversificação das possibilidades de publicação. Não é possível pensarmos o desenvolvimento científico do país sem refletirmos sobre as formas de construção das políticas de fomento à ciência em seus diferentes aspectos, entre estes, o dos periódicos científicos.

Atualmente, há periódicos que cobram das autoras e dos autores para avaliarem e publicarem seus artigos. Nossa escolha, em concordância com a deliberação da ABPP, tem sido a de, mesmo enfrentando dificuldades financeiras, não cobrarmos em nenhum momento do processo editorial. Acreditamos que a publicação de conhecimento científico deve ser aberta a todas e todos que estejam desenvolvendo pesquisas e reflexões com qualidade acadêmica, de modo que, considerando as dificuldades de financiamento vivenciadas por pesquisadoras e pesquisadores brasileiros, transformar a publicação em um mercado significaria privilegiar como critério a produção daquelas e daqueles que "podem" pagar. Escolhemos, em consonância com a dimensão política que caracteriza a ABPP, privilegiarmos produções de qualidade orientadas para a reflexão crítica sobre a ordem social, independentemente, da capacidade financeira dos sujeitos.

Ao contarmos apenas com os poucos recursos da ABPP e com a construção de parcerias na divulgação e produção do processo editorial, para que este número se tornasse possível foi fundamental o apoio das autoras e autores na submissão de manuscritos, de pareceristas de diferentes universidades do país para a avaliação destas submissões, bem como da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, que nos possibilitou a revisão dos manuscritos. Agradecemos enfaticamente a todas e todos vocês.

Ao assumirmos a RPP, buscamos aprimorar nossas parcerias e o trabalho em rede para divulgar a revista e para agilizar os processos editoriais. Revisamos as submissões antigas da revista, limpando e atualizando o sistema. Assumimos o periódico com apenas duas submissões ativas, o que nos levou a um intenso trabalho de divulgação e articulação acadêmica para conseguirmos colocar em dia as publicações e rever processos editoriais com prazos vencidos. Estamos trabalhando para que até 2019 os atrasos sejam superados e, desse modo, possamos garantir uma boa avaliação no Qualis, o que aumentará o fluxo de submissões. Cada vez mais estamos investindo em uma comunicação mais efetiva com os/as autores/as e buscando a celeridade e a excelência do processo editorial.

Apesar dos desafios que enfrentamos para manter "viva" a RPP, é um prazer podermos contribuir com a Psicologia Política no Brasil a partir da editoria desta Revista, que completou quinze anos em 2016. Estamos cientes da relevância deste periódico e da importância de trabalharmos para que esteja cada vez mais consolidado e articulado nacional e internacionalmente.

Neste número 35 da RPP as leitoras e os leitores poderão ter contato com discussões produzidas por pesquisadoras e pesquisadores que atuam em três regiões do país: nordeste, sudeste e sul. Os artigos debatem relações de poder em torno de olhares distintos, possibilitando-nos reflexões teóricas e empíricas sobre ideologia, feminismo, homofobia e juventude.

No artigo O Conceito de Ideologia na Psicologia Social de Martín-Baró o autor Gabriel Silveira Mendonça e as autoras Vera Lucia Trevisan de Souza e Raquel Souza Lobo Guzzo (PUC-Campinas) discutem o conceito de ideologia a partir da análise de uma obra central na produção do psicólogo social salvadorenho Martín-Baró. Analisam o livro "Acción e Ideología" (1983) e apontam as fortes influências da obra nas diretrizes epistemológicas da Psicologia Social Crítica latino-americana e brasileira. A partir do prisma da Psicologia da Libertação e das influências teóricas marxistas, Martín-Baró analisa que a ideologia se constitui a partir de uma dimensão de dominação, de encobrimento do real. A ideia de visão de mundo, também considerada por Martín-Baró como uma das acepções do conceito é determinada pelos interesses das classes dominantes em alinhamento com as mídias oficiais. Assim, o conceito de ideologia e de alienação caminham juntos e, para além de conceitos, são fenômenos sociais que impedem as camadas populares de protagonizarem sua própria história. A ideologia enquanto instrumento de dominação contribui ao sentimento de fatalismo, sentimento psicológico de enfraquecimento e de estagnação política. Na contramão dos processos de alienação e dominação está a conscientização e os processos de memória histórica, armas de luta e libertação dos grupos populares.

Marília Saldanha e Henrique Caetano Nardi (UFRGS), a partir da leitura foucaultiana de discursos acadêmicos, propõem o artigo Uma Psicologia Feminista Brasileira? Sobre destaque, apagamento e posição periférica. O artigo é construído com base na análise de seis produções acadêmicas, sendo quatro artigos científicos, uma dissertação e uma tese, um recorte parcial feito pela autora e pelo autor de uma pesquisa maior que analisou 29 textos acadêmicos extraídos de periódicos científicos e repositórios digitais. As análises perpassam as tensões entre a neutralidade científica e a proposição epistemológica e crítica de uma psicologia feminista e de uma clínica feminista e sua legitimação no campo acadêmico. As posições teóricas variam entre a marginalização e invisibilização de uma Psicologia Feminista no Brasil e a expressão de uma área de estudos de gênero ativista que precisa de investimentos em estudos e pesquisas. O artigo analisa ainda a constituição de uma Psicologia Feminista no hemisfério norte (Portugal, Espanha, Canadá e Estados Unidos) e suas influências à consolidação do feminismo como um campo de estudos e práticas preocupado com as relações de equidade, diversidade sexual, interseccionalidade e mudanças sociais. No Brasil a Psicologia Social expoente nos anos 70 e 80, do século XX, abriu portas aos estudos feministas e de gênero, a partir de suas múltiplas vertentes teóricas, mas ainda estamos distantes de um campo de Psicologia Feminista. O vazio curricular nos cursos de Psicologia de disciplinas e ações de extensão que tratem do feminismo e das questões de gênero também contribui à negação de uma identidade profissional de psicólogas feministas e intelectuais ativistas.

O artigo Nenhuma Mulher Será Livre até que Todas as Mulheres Sejam Livres: um olhar sobre o conflito israelense-palestino sob o prisma feminista de Rafaela Barkay (USP) propõe que compreendamos de forma ampliada o conflito israelense-palestino superando as simples dicotomias. A autora aponta para o importante papel dos grupos feministas como articuladores de diálogo para além das fronteiras geopolíticas, tendo em vista que a posição patriarcal e machista está presente nas duas sociedades. O universo feminista israelense vem operando um projeto de luta pelo fim das ocupações em território palestino, ocupado pelo Estado de Israel desde 1967. A análise feita pela autora traz as duas narrativas sobre o conflito de forma muito completa e situa a Primeira Intifada como um marco histórico no ativismo de grupos feministas israelenses. A autora examina formas de ativismo e de empoderamento feminino desses grupos e a eficácia das ações junto às mulheres palestinas que rompem as barreiras da "vitimização" e se colocam como protagonistas na resistência civil contra a ocupação. Demonstra, ainda, que a superação do conflito só será possível com a parceria de grupos feministas e cooperação efetiva entre mulheres israelenses e palestinas.

Em Homofobia na Escola: algumas posições assumidas por instituições de Psicologia no Brasil, as autoras Hélen Rimet Alves de Almeida e Luciana Maria Maia e o autor Hamilton Viana Chaves (UNIFOR) realizam uma pesquisa documental onde analisam as publicações de cinco instituições de Psicologia do Brasil entre 2010 e 2015, usando os descritores "homofobia" e "homofobia e escola" na busca de materiais disponíveis nos sites institucionais. As análises evidenciam que quatro das instituições pesquisadas apresentam materiais referentes à homofobia com o intuito de informar, criar espaços de discussão e, inclusive, manifestar uma posição institucional. O artigo alerta sobre a importância dos canais institucionais se afirmarem como espaços de visibilidade, assumindo seus posicionamentos, pois o tema da homofobia é pauta polêmica no Brasil e vem ganhando força junto aos setores políticos e sociais mais conservadores. Assim, o artigo sublinha a importância das instituições de Psicologia se posicionarem publicamente e empreenderem lutas declaradas de combate à homofobia, em defesa das liberdades individuais e da diversidade.

O artigo Juventude (des)politizada? Ampliando perspectivas no olhar à participação política juvenil, de autoria de Érika de Sousa Mendonça, Douglas Bezerra Alves de Andrade Correio e Camille Maria Bezerra de Holanda Correio (UPE), analisa os modos de participação política construídos pelos jovens atualmente em suas vidas cotidianas. Além de um aporte teórico, os/as autores/as contam, para explorar o tema, com uma pesquisa qualitativa realizada com quinze jovens com idade entre 15 e 19 anos. Se, por um lado, estes jovens vinculam negativamente a política partidária e aquela instituída em alguns movimentos político-sociais formais, mantendo certo distanciamento dos modos de ação que prevalecem nesses espaços; por outro, experimentam, por meio das tecnologias da comunicação e informação, da arte e da cultura, formas de participar do mundo comum e das questões que lhes tocam, reinventando modos de se engajar, de agir e de se subjetivar na arena política.

Convidamos a nossas leitoras e leitores e, particularmente, os autores e autoras desse número da REVISTA DE PSICOLOGIA POLÍTICA a se engajarem conosco na leitura destes textos. Esperamos que, junto com autoras e autores que se interessam por este campo de conhecimento e nos honram com a submissão de seus manuscritos, com as e os pareceristas que são fundamentais para a qualidade acadêmica dos artigos publicados, com a diretoria da ABPP, possamos alcançar nossa meta de fazermos da RPP um periódico de impacto na comunidade científica brasileira e latino-americana.

Uma boa leitura!

 

Referências bibliográficas

Costa, Frederico. (2012). A Mudança Social no Contexto de uma Pluralidade de Sujeitos Políticos: contribuições teóricas de Ernesto Laclau, Chantal Mouffe e Slavoj Zizek para a Psicologia Política. Revista Psicologia Política, 12(25),571-590.         [ Links ]

Dorna, Alejandro. (2007). A reabilitação da psicologia política. Em Alejandro Dorna. A psicologia política, o lider carismático e a personalidade democrática (pp. 25-56). Lisboa: Livros Horizonte.         [ Links ]

Montero, Maritza. (2009). ¿Para qué Psicología Política? Revista Psicologia Política, 9(18),199-213.         [ Links ]

Sabucedo, José Manuel.. & Rodriguez, Mauro. (2000). La construccion social de la psicologia política. Suma Psicológica, 7(1),1-14.         [ Links ]

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