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Revista Psicologia Política

versão impressa ISSN 1519-549Xversão On-line ISSN 2175-1390

Rev. psicol. polít. vol.17 no.38 São Paulo jan./abr. 2017

 

ARTIGOS

 

Da Saúde Pública à homofobia: spillover e as transformações nas reivindicações do movimento LGBT em interações com o Estado

 

From Public Health to homophobia: spillover and grievance transformation in interactions between LGBT activists and the Brazilian State

 

De la Salud Pública a la homofobia: spillover y las transformaciones en las demandas del movimiento LGBT en interacciones con el Estado brasileño

 

De la Santé Publique à l'Homophobie: spillover et les transformations des revindications du mouvement LGBT dans les interactions avec l'État brésilien

 

 

Matheus Mazzilli Pereira

Membro do Grupo de Pesquisa Associativismo, Contestação e Engajamento (GPACE) (www.ufrgs.br/gpace). matheus.mazzilli@gmail.com

 

 


RESUMO

Durante a década de 1990, ativistas LGBT engajados nas chamadas ONG-AIDS criaram importantes redes de relação com o Estado no Brasil. Nessas interações, questões vinculadas à saúde justificaram e legitimaram suas reivindicações. A moldura da saúde pública - desenvolvida em grande medida pelo movimento de reforma sanitária - moldou as percepções dos ativistas sobre políticas públicas na área da saúde. Transformações nessas interações ocorreram na década seguinte. Como apontou Sérgio Carrara, a sexualidade se tornou cada vez mais um plano específico de exercício de direitos, não mais vinculada necessariamente a considerações relativas à saúde ou à demografia. Ativistas passaram a usar a moldura da homofobia em suas interações para interpretar a violência e o preconceito contra pessoas LGBT. Que processos moldaram essa transformação nas reivindicações dos ativistas? Este artigo argumenta que a moldura da homofobia foi parcialmente construída por um processo de spillover entre o movimento sanitarista e o movimento LGBT. Nesse processo, a moldura da saúde pública ofereceu e legitimou princípios normativos e visões sobre problemas sociais que foram apropriados criativamente por ativistas LGBT na formação de sua moldura da homofobia.

Palavras-chave: Movimento LGBT; Homofobia; Saúde Pública; Reivindicações; Spillover.


ABSTRACT

In the decade of 1990, LGBT activists, engaged in the so-called AIDS-NGOs, created important net-works with the State in Brazil. In these interactions, health issues justified and legitimized their grievances. The "public health" frame - mainly developed by the sanitary reform movement - shaped activist's perceptions about health policy. But transformations in these interactions occurred in the following decade. How affirmed Sergio Carrara, sexuality increasingly became an independent and specific dimension of the practice of rights, no more necessarily connected to health concerns. Activists started using the "homophobia" frame in these interactions to interpret violence and prejudice suffered by the LGBT population. Which processes shaped this grievance transformation? This article argues that the homophobia frame was partially shaped by a spillover process between the sanitary reform movement and the LGBT movement. In this process, the public health frame offered and legitimized normative principles and theories about social problems that were creatively used by LGBT activists to form their homophobia frame.

Keywords: LGBT Movement; Homophobia; Public Health; Grievances; Spillover.


RESUMEN

En la década de 1990, activistas LGBT de las ONGs-SIDA crearan importantes redes con el Estado en Brasil. En estas interacciones, temas conectados a la salud justificaran y legitimaran sus demandas. El encuadre de la "salud pública" - desarrollado principalmente por el movimiento de reforma sanitaria - conformó las percepciones de los activistas sobre las políticas de salud. Sin embargo, transformaciones en estas interacciones ocurrieran en la década siguiente. Como ha afirmado Sergio Carrara, la sexualidad se ha tornado una dimensión específica y independiente del ejercicio de derechos, no más necesariamente conectada a consideraciones relativas a salud y a demografía. Activistas empezaran a utilizar el encuadre de la "homofobia" para interpretar los prejuicios y la violencia sufrida por la población LGBT. Qué procesos amoldaran esa transformación en las demandas? Este artículo propone que el enmarcado de la homofobia fue parcialmente moldado por un proceso de spillover entre el movimiento de reforma sanitaria y el movimiento LGBT. En ese proceso, el marco de la salud pública ha ofrecido y legitimado principios normativos y teorías sobre problemas sociales que fueran utilizadas de forma creativa por las activistas LGBT en la formación de su moldura de la homofobia.

Palabras-clave: Movimiento LGBT; Homofobia; Salud Pública; Agravios; Spillover.


RÉSUMÉ

Au cours des années 1990, des militants LGBT engagés dans les NGO-AIDS ont crée d'importants réseaux de relations avec l'État au Brésil. Dans ces interactions, les problèmes de santé justifiaient et légitimaient leurs revendications. Le cadre de la santé publique - développé principalement par le mouvement de la réforme sanitaire - a façonné les perceptions des militants à propos des politiques publiques de santé. Transformations dans ces interactions sont survenues au cours de la décennie suivante. Comme l'a souligné Sérgio Carrara, la sexualité est devenue de plus en plus un plan spécifique pour l'exercice des droits, qui n'est plus nécessairement lié à des considérations sanitaires ou démographiques. Les activistes ont commencé à utiliser le cadre de l'homophobie dans leurs interactions pour interpréter la violence et les préjugés contre les personnes LGBT. Quels processus ont façonné cette transformation dans les revendications des activistes? Cet article soutient que le cadre de l'homophobie a été partiellement construit par un processus de "spillover" entre le mouvement de la réforme sanitaire et le mouvement LGBT. Dans ce processus, le cadre de la santé publique a offert et légitimé des principes normatifs et des visions sur les problèmes sociaux qui ont été appropriés de manière créative par les activistes LGBT pour façonner leur cadre d'homophobie.

Mots clés: Mouvement LGBT; Homophobie ; Santé Publique ; Revendications ; Spillover.


 

 

Introdução1

Nunca antes na história desse país.... Essa era uma frase comum nos discursos do ex-presidente do Brasil Luís Inácio Lula da Silva (Partido dos Trabalhadores - PT) ao longo de seus dois mandatos presidenciais (2003-2010). Essa sentença era apropriada para descrever algumas das iniciativas desse governo em relação às demandas do movimento brasileiro de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBT). Embora pessoas LGBT já fossem um dos focos de políticas públicas relacionadas à saúde e aos direitos humanos ao longo da década de 1990, as primeiras políticas e fóruns de participação exclusivamente relacionados a essa população foram criados ao longo dos mandatos de Lula. Talvez por isso, na abertura da primeira Conferência Nacional LGBT no Brasil em 2008, o ex-presidente tenha ido ainda mais longe e dito que "Quando o Toni Reis [então presidente da ABGLT2] fala que nunca antes na história do Planeta um presidente convocou uma conferência como essa, eu fico orgulhoso, porque nós estamos vivendo no Brasil um momento de reparação" (Secretaria Especial de Direitos Humanos [SEDH], 2008, p. 248).

Esse momento foi curto. Os resultados práticos das políticas públicas desenvolvidas pelos governos de Lula são fortemente questionados por ativistas LGBT e especialistas no tema. Pesquisas apontam que a falta de recursos e de institucionalização dessas políticas as tornaram pouco duradouras e efetivas (Mello, Avelar e Maroja, 2012). Ainda, ao longo dos governos seguintes - de Dilma Rousseff, também do PT -, o comprometimento da presidência da República com o tema diminuiu. O veto ao kit anti-homofobia produzido pelo Ministério da Educação em parceria com ativistas do movimento é apontado como um forte indício desse processo (Aguião, Vianna & Guterres, 2014; Machado & Rodrigues, 2015).

Mas iniciativas de combate à homo-lesbo-transfobia3 no Governo Federal existiram e compreender suas origens e características pode ser uma tarefa útil para compreender também seu decréscimo, bem como para estimular a criação de novos caminhos para a construção de agendas futuras. O processo que tornou possível esse momento de reparação começou durante a década de 1990 no Brasil, quando o movimento LGBT criou importantes redes com o governo brasileiro por meio das políticas de enfrentamento à epidemia do HIV/AIDS. Influenciadas pelo movimento de reforma sanitária (ou sanitarista) - que lutou para garantir um sistema de saúde pública gratuito e universal no Brasil -, formuladoras de políticas públicas vinculadas ao Ministério da Saúde consideraram que a luta contra o preconceito para com a população LGBT era uma importante estratégia de enfrentamento à epidemia do HIV/AIDS (Facchini, 2003; Grangeiro, Silva e Teixeira, 2009; Pereira e Nichiata, 2011; Ramos, 2004).

Contudo, foi apenas ao longo dos mandatos de Lula que o movimento LGBT pôde construir junto ao Governo Federal uma agenda de políticas públicas autônoma para assuntos relativos aos direitos das pessoas LGBT. Para citar algumas iniciativas governamentais nessa área, em 2004, o Governo Federal criou o Programa Brasil sem Homofobia (BSH). Esse programa tinha como um de seus principais objetivos a introdução da temática da não discriminação em políticas desenvolvidas por diversos ministérios e secretarias no Governo Federal. Desde 2005, chamadas para financiamentos de projetos desenvolvidos pela sociedade civil ligados a esse objetivo foram criadas. A Secretaria de Direitos Humanos (SDH) estimulou a criação e a manutenção de centros de referência, serviços que operavam diretamente junto à população para prevenir e receber denúncias de violência homo-lesbo-transfóbica, bem como dar suporte às vítimas desses tipos de violência. Conferências nacionais LGBT - que reuniam representantes do governo, de movimentos sociais, da academia, entre outros para discutir políticas públicas -, foram organizadas em 2008 e 2011. Ainda, entre 2011 e 2012, a SDH produziu relatórios oficiais compilando dados anuais sobre a violência homo-lesbo-transfóbica no Brasil (Carrara, 2010; Facchini, 2003; Ramos e Carrara, 2006).

Essas políticas públicas foram desenvolvidas a partir de reivindicações que tinham forte conexão com a agenda dos direitos humanos no Brasil e enfatizavam as particularidades de grupos identitários específicos da população LGBT (Facchini, 2009; Machado, 2013). O conceito de homofobia se tornou central nessas iniciativas para compreender a violação de direitos LGBT, enfatizando a violência e suas conexões com o preconceito e a discriminação (de la Dehesa, 2010; Masiero, 2014; Ramos e Carrara, 2006). Ativistas LGBT construíram suas reivindicações, assim, ao redor das ideias de direitos humanos, identidades particulares, homo-lesbo-transfobia, violência e preconceito.

As reivindicações desse movimento em interação com o Estado foram moldadas dessa forma apesar de críticas internas do movimento aos limites das noções de "direitos" e da "cidadania" (Anjos, 2002), bem como apesar de uma preocupação mais ampla de ativistas e pesquisadoras em relação à "política de identidade" (Bernstein, 2002, 2005; Butler, 1990; Gamson, 1995). Caminhos alternativos eram possíveis. Ativistas LGBT no Brasil e no mundo já construíram suas reivindicações a partir de outros conceitos e interpretações da realidade social. Em outras experiências de militância, por exemplo, basearam-se nas ideias de "libertação sexual", "libertação gay", "justiça social", "queer", entre outras (Armstrong, 2002; Gamson, 1995; Ghaziani, 2008; Valocchi, 2005). Dessa forma, esse artigo busca responder à seguinte pergunta: por que as reivindicações do movimento LGBT em suas interações com o Estado foram construídas dessa forma nesse período no Brasil?

Estudos sobre o movimento LGBT no Brasil indicam que as ideias de violência homo-lesbo-transfóbica e de violação de direitos já vinham sendo utilizadas por ativistas do movimento LGBT ao longo da década de 1990 e do início dos anos 2000. Iniciativas como o desenvolvimento de relatórios extraoficiais sobre violência homo-lesbo-transfóbica e o envolvimento de ativistas LGBT com experiências locais com os centros de referência contra esses tipos de violência são exemplos desse processo (Ramos e Carrara, 2006). A literatura sobre o tema também sugere que discursos produzidos pelo Governo Federal em suas relações com movimentos sociais nesse período limitaram a gama de reivindicações que o movimento LGBT poderia apresentar aos governos, direcionando-o à participação política institucional e à política de identidade4(Machado, 2013). Mas a partir de quais influências o movimento LGBT desenvolveu tais ideias e as instituições políticas desenvolveram seus discursos sobre esse tema?

Seguindo a trajetória histórica do movimento, argumento que tais reivindicações se moldaram a partir da influência da onda anterior do movimento, em grande medida, focada na política de enfrentamento à epidemia do HIV/AIDS, que utilizou "o incentivo à política de identidade como estratégia para a redução da 'vulnerabilidade' de populações estigmatizadas" (Facchini, 2003; Facchini e França, 2009, p. 64,). Sugiro que o movimento de reforma sanitária e seus debates em torno do conceito de saúde pública influenciaram decisivamente, via política de combate à epidemia do HIV/AIDS, as reivindicações do movimento LGBT em interação com o Governo Federal em um momento posterior. Proponho, portanto, que ocorreu um processo de spillover de movimentos sociais que afetou a formação das reivindicações do movimento LGBT. Spillover de movimentos sociais é o processo pelo qual as "ideias, táticas, estilos, participantes e organizações de um movimento 'transbordam' (spill over) sobre suas fronteiras para afetar outros movimentos sociais" (Meyer e Whittier, 1994, p. 227, tradução livre).

Este artigo está dividido da seguinte maneira. Na sua próxima seção, é apresentada a literatura sobre reivindicações de mobilização e movimentos sociais. A seguir, o conceito de spillover é detalhado, bem como sua relação com processos de formação de reivindicações no caso em análise. Na seção seguinte, são apresentados os dados e os métodos deste trabalho. Em seguida, é apresentada a análise sobre como as ideias defendidas pelo movimento sanitarista no Brasil influenciaram a formação de reivindicações do movimento LGBT em suas interações com o Estado em um período posterior.

Reivindicações e Movimentos Sociais

Reivindicações de mobilização mobilizing grievances são "questões ou condições problemáticas e os sentimentos associados a elas - tais como insatisfação, medo, indignação, ressentimento e choque moral - que contribuem para a emergência e para a atuação de movimentos sociais" (Snow & Soule, 2010, p. 23-24). Elas são compartilhadas por uma população de atores que sentem a necessidade de se engajar em esforços coletivos de mobilização para solucioná-las.

Na "era clássica" dos estudos de movimentos sociais, diferentes perspectivas tomaram as reivindicações e os problemas sociais e sentimentos a elas associados como as principais fontes de explicação para o confronto político (Snow & Soule, 2010). Por um lado, de acordo com o marxismo clássico, a mobilização coletiva resultava das contradições objetivas do capitalismo (Marx & Engels, 1998). Por outro, inspirados pelo funcionalismo durkheimiano, as chamadas "teorias da tensão e da ruptura" (strain and breakdown theories) argumentam que mudanças na organização das sociedades são responsáveis pela geração da mobilização de massa, geralmente descrita como uma resposta irracional a essas rupturas (Buechler, 2013).

Confrontando as ideias de irracionalidade e desorganização presentes nas teorias da tensão e da ruptura, a "teoria da mobilização de recursos" (TMR) descreveu a contestação como o resultado de esforços racionais para a defesa de interesses coletivos possibilitada pela presença de recursos. Nessa tradição, as reivindicações e os problemas a elas associados não são mais vistos como fatores relevantes para explicar a emergência da mobilização coletiva, já que haveria "sempre descontentamento suficiente em qualquer sociedade para garantir o suporte das bases para os movimentos sociais" (McCarthy & Zald, 1977, p. 1215). Reivindicações se tornaram, assim, um tema secundário no estudo de movimentos sociais.

Estudos recentes têm rompido com essa tendência, defendendo que reivindicações não são fenômenos sociais espontâneos e constantes. Tais estudos concordam que reivindicações não são condições suficientes para a mobilização, mas sugerem que elas são condições necessárias e não espontâneas e que, portanto, devem ser estudadas por pesquisadores de movimentos sociais para que processos de mobilização coletiva possam ser mais bem compreendidos. Perspectivas direta e indiretamente relacionadas a esse tema podem ser dividias em três grandes grupos, teorias baseadas em: condições; categorias; e contextos5. Esse trabalho foca-se no exame das categorias e dos contextos e em como tais elementos moldam a formação de reivindicações de mobilização.

 

Condições

Alguns estudos defendem que condições materiais e estruturais estão fortemente relacionadas à formação de reivindicações. Pesquisadoras revisam os argumentos da "teoria da privação absoluta", que defende que condições extremas de pobreza e outras formas de privação podem favorecer a formação de reivindicações (Snow & Soule, 2010). Tais estudos argumentam que condições materiais - tais como desigualdades de classe e raça, desemprego e mudanças econômicas estruturais - são parte de um conjunto amplo de fatores que leva à contestação política (Jenkins, Jacobs & Agnone, 2003; Klandermans, Roefs & Oliver, 2001; Snow, Soul & Cress, 2005; Van Dyke & Soule, 2002). Outras pesquisadoras propõem um refinamento da teoria da privação absoluta por meio do conceito de "ruptura do cotidiano". De acordo com essas autoras, condições materiais e estruturais podem estimular a formação de reivindicações, mas apenas quando provocam mudanças bruscas e severas nas rotinas de grupos sociais (Snow, Cress, Downey & Jones, 1998).

No limite entre explicações baseadas nas condições e nas categorias, a "teoria da privação relativa" sugere que a distância entre o sentimento de direito e de merecimento de um sujeito e a avaliação que ele faz de suas capacidades de conquistar e manter determinada condição de vida compatível com esse sentimento gera reivindicações. Nesse processo, comparações feitas por indivíduos com outras pessoas, grupos sociais ou com suas próprias trajetórias são centrais (Geschwender & Geschwender, 1973; Klandermans, Roefs & Olivier, 2001; Snow & Soule 2010). Essa teoria, no entanto, não é capaz de explicar como essas comparações ocorrem, qual o critério de definição do "outro" ao qual os sujeitos se comparam e nem como eles decidem que a distância observada é justa ou injusta. As teorias baseadas nas condições, portanto, ignoram processos interpretativos que são o foco das teorias baseadas nas categorias (Snow & Soule, 2010).

 

Categorias

Perspectivas culturalistas no estudo dos movimentos sociais argumentam que os significados não emergem espontaneamente das condições tomadas como problemáticas pelas reivindicações dos ativistas. A perspectiva do enquadramento interpretativo sugere que ativistas são produtoras ativas e criativas de significados que descrevem tais condições como moralmente problemáticas. Ativistas "dão significado e interpretam eventos e condições relevantes de forma a mobilizar potenciais aderentes e suas bases, garantir o apoio dos espectadores e desmobilizar seus antagonistas" (Snow & Benford, 1988, p. 198, tradução livre). Em outras palavras, ativistas enquadram as situações através de molduras interpretativas da ação coletiva (de agora em diante, apenas como molduras). Reivindicações, portanto, não são produtos automáticos das condições materiais, mas o resultado de um processo ativo de interpretação e negociação de sentido.

Para descrever eventos, situações e condições como problemas sociais e, assim, produzir reivindicações, ativistas devem criar indignação moral ao argumentar que algum tipo de injustiça que está ocorrendo (Gamson, 1995). Movimentos sociais produzem diagnósticos sobre situações para identificar problemas e definir suas causas, bem como prognósticos que apontam as soluções para suas reivindicações e as linhas de ação que devem ser tomadas para que o sucesso seja atingido. Eles também motivam a ação coletiva ao produzir um "chamado à luta" para as suas bases (Snow & Benford, 1988). Algumas dessas molduras que trazem diagnóstico, prognósticos e motivações são compartilhadas por diversos movimentos sociais, facilitando a cooperação entre eles, as "macromolduras" (Benford & Snow 1992).

Molduras são construídas por movimentos sociais a partir de dois processos básicos: a articulação de molduras e a amplificação de molduras. A articulação de molduras se refere à conexão entre elementos ideacionais já existentes, eventos e experiências de forma a criar uma nova interpretação e um novo recorte da realidade. Já a amplificação de molduras se refere ao processo de destacar determinadas crenças, eventos e experiências (Benford & Snow, 2000). Dessa forma, novas molduras são sempre criadas através da articulação e ampliação criativa e inovadora de elementos, crenças e recortes da experiência já existentes. Partindo-se dessa premissa, uma questão se impõe: a partir de quais matérias-primas tais molduras são construídas?

Estudos sobre enquadramento interpretativo e movimentos sociais oferecem respostas múltiplas a esse questionamento (Silva, Cotanda & Pereira, 2017). São apontadas como fontes para esse processo elementos como a "cultura política" (Tarrow, 1992) e as "ideologias" (Snow & Byrd, 2007). Neste trabalho, sigo as contribuições de Valocchi (2005) que sugere que movimentos sociais constroem suas molduras tendo como base as contribuições das gerações anteriores do movimento, bem como a partir da influência de movimentos contemporâneos. Argumento que a moldura da saúde pública desenvolvida pelo movimento de reforma sanitária foi uma importante fonte para a construção da moldura da homofobia. Para compreender melhor o fenômeno da construção de molduras a partir das contribuições de outros movimentos sociais e das gerações anteriores do mesmo movimento, utilizo o conceito de spillover (Meyer e Whittier, 1994).

 

Contextos

Uma vez formuladas, nem todas as molduras geram uma resposta positiva de compreensão, aceitação ou mobilização. Em outras palavras, nem todas as molduras obtêm "ressonância" (Snow & Benford, 1988). Assim, uma vez formuladas, apenas determinadas reivindicações são aceitas como plausíveis e legítimas pelas próprias ativistas, bem como por suas interlocutoras, tais como formuladoras de políticas públicas.

O que torna uma moldura mais ou menos ressonante? Alguns estudos indicam que aspectos ligados à situação de interação na qual uma moldura é utilizada são essenciais para explicar sua ressonância. Uma moldura tem diferentes níveis de ressonância em diferentes interações, variando de acordo com as características das porta-vozes do movimento (como sua credibilidade e o seu carisma) e com as características das suas interlocutoras (como seu grau de conhecimento e aceitação prévia dos elementos presentes na moldura das ativistas). Outros estudos indicam que características mais estáveis das molduras podem ser importantes para obtenção de ressonância, tais como sua coerência interna e sua flexibilidade (Noakes & Johnston, 2005; Snow & Benford, 1988; Silva, Cotanda & Pereira, 2017).

Neste trabalho, sigo argumentos que indicam que fatores contextuais estruturais estão relacionados ao sucesso de uma moldura e, assim, explicam em parte porque determinadas reivindicações são aceitas como plausíveis e legítimas por ativistas de movimentos sociais e seus interlocutores. Diversos conceitos foram formulados por pesquisadores de movimentos sociais para compreender o contexto cultural no qual movimentos agem, enfatizando que o ambiente no qual as molduras são criadas molda suas características e suas possibilidades de sucesso (Williams, 2004; Silva, Cotanda & Pereira, 2017), tais como os conceitos de "sistemas simbólicos" (Kane, 1997) e de "campos discursivos" (Fiss & Hirsch, 2005).

Na medida em que se refere de forma mais específica às características do contexto político que influenciam às possibilidades de formação e sucesso de molduras, destaco aqui o conceito de "oportunidades discursivas"6 (Koopmans & Statham, 1999), criado a partir da influência do conceito de "oportunidades políticas". Oportunidades discursivas são

Os limitadores e facilitadores político-culturais ou simbólicos externos da mobilização de movimentos sociais (...) que podem ser vistos como determinantes de quais ideias são consideradas 'sensatas', quais construções da realidade são vistas como 'realistas' e quais demandas são avaliadas como 'legítimas' em dado sistema político em um período específico (Koopmans & Statham 1999, p. 228).

A literatura sobre esse conceito sugere que a relação entre as molduras desenvolvidas pelos ativistas e as oportunidades discursivas disponíveis pode determinar as possibilidades de acesso de um movimento social às instituições políticas e sua influência em políticas públicas (Koopmans & Statham, 1999; McCammon, Newman, Muse & Terrell, 2007). Ela pode, ainda, moldar as táticas dos movimentos, tais como a opção por táticas mais violentas (Koopmans & Olzak, 2004). Argumento que essa relação molda, também, a formação de reivindicações de mobilização.

Enquanto a literatura se foca em como a mídia de massa, redes sociais virtuais e documentos legais conformam as oportunidades discursivas para um movimento (Koopmans & Olzak, 2004; McCammon e cols. 2007; Molaei, 2015), este trabalho tem como foco examinar como interações anteriores entre movimentos sociais e Estados e as molduras e reivindicações produzidas nessas interações moldam tais oportunidades. Novamente nesse caso, utilizo o conceito de spillover (Meyer & Whittier, 1994) para compreender esse processo.

Spillover de Movimentos Sociais: ativistas sanitaristas e LGBT na resposta brasileira à AIDS

Ao compararem o movimento feminista estado-unidense - em especial, suas gerações das décadas de 1960 e 1970 (Whittier, 1995, 1997) - e o movimento pacifista dese país na década de 1980 - que defendia o "congelamento" de armamentos nucleares (Nuclear Freeze) (Meyer, 1990, 1993) -, Meyer e Whittier (1994) encontraram grandes semelhanças. A partir de tal estudo, propuseram o conceito de spillover para analisar a influência de um movimento sobre outro movimento subsequente (Meyer & Whittier, 1994).

Segundo Meyer e Whittier (1994, p. 282, tradução livre), movimentos influenciam as molduras, táticas e formas de organização de outro movimento de duas formas: "ao alterar as condições políticas e culturais que um movimento confronta no ambiente externo e ao transformar os indivíduos, grupos e normas dentro do próprio movimento". Seguindo tal argumentação, sugiro que movimentos sociais podem influenciar as reivindicações de um movimento posterior também de duas formas. Primeiramente, no que se refere à formação das categorias que formam reivindicações, movimentos sociais podem fornecer novos elementos simbólicos para movimentos posteriores que podem articulá-los e acentuá-los criativamente formando suas próprias molduras. Em segundo lugar, no que se refere ao contexto no qual reivindicações são formuladas, movimentos sociais podem modificar o contexto político e cultural que determinará em parte a ressonância das molduras que serão construídas por um movimento posterior. Defendo que por meio de tais processos o movimento sanitarista e sua moldura da saúde pública influenciaram as reivindicações do movimento LGBT.

Processos de spillover ocorrem a partir de quatro mecanismos. Em primeiro lugar, movimentos sociais não são atores unitários e fixos, mas sim coalizões temporárias entre ativistas e grupos com características diferentes. Dessa forma, por meio da formação de coalizões, um movimento pode influenciar outro (Meyer & Whittier, 1994). O processo de formação de coalizões entre ativistas sanitaristas e LGBT é visível na construção e no desenvolvimento da resposta brasileira à AIDS. O modelo de combate a essa epidemia no Brasil foi inicialmente formulado por administrações progressistas no âmbito de governos locais, principalmente no estado de São Paulo. Nessas experiências, ativistas sanitaristas inseridas na burocracia estatal foram pressionadas por ativistas gays, de direitos humanos e portadoras do HIV para que uma política de combate a essa epidemia fosse formulada. A partir de tal pressão política, uma coalizão se formou. Nos anos seguintes, com o surgimento das ONGs voltadas exclusivamente ao tema - as ONGs-AIDS - tal coalizão seguiu atuando no âmbito federal de maneiras diversas, tais como pela ocupação de cargos, pela construção de mecanismos de participação social e pela execução de projetos de prevenção e combate à estigmatização (Berkman, Garcia, Muñoz-Laboy, Paiva e Parker, 2005; Galvão, Bastos e Nunn, 2012; Grangeiro e cols. 2009; Parker, 2003; Pereira e Nichiata, 2011; Ramos, 2004). Por meio dessa coalizão para o enfrentamento à epidemia do HIV/AIDS que envolveu ativistas da reforma sanitária e LGBT, a moldura da saúde pública pode ter influenciado as ideias de uma geração posterior de ativistas LGBT.

Em segundo lugar, ao longo de sua trajetória, ativistas não permanecem apenas em um movimento social, circulando entre movimentos ao longo do tempo de acordo com suas prioridades contextuais. Assim, o spillover pode ocorrer pelo compartilhamento de ativistas (Meyer & Whittier, 1994). A trajetória do movimento LGBT no Brasil demonstra tal circulação de ativistas. A "primeira onda" do movimento nas décadas de 1970 e 1980 foi fortemente afetada pela emergência da epidemia7. Boa parte de suas organizações foram extintas e muitas de suas lideranças passaram a militar nas ONGs-AIDS8, nas quais também militavam outros grupos de ativistas, tais como portadores, amigos e familiares de portadores do HIV das mais diversas orientações sexuais, bem como ativistas sanitaristas (Berkman & cols. 2005; Facchini, 2003; Facchini e França, 2009; Galvão e cols. 2012; Grangeiro e cols. 2009; Parker, 2003; Pereira & Nichiata, 2011; Ramos, 2004). A partir da década de 1990, muitas dessas ativistas LGBT voltaram a militar em organizações focadas na defesa dos "direitos LGBT", dando origem à "terceira onda" desse movimento9 (Facchini, 2003, 2009; Facchini e França, 2009). Assim, ao estabelecerem diálogos mais intensos com o Governo Federal a partir dos anos 2000 em busca da criação das primeiras iniciativas governamentais voltadas de forma exclusiva às pessoas LGBT, tais ativistas provavelmente levaram consigo a influência de suas experiências anteriores de militância nas ONGs-AIDS, possibilitando a ocorrência do spillover pelo compartilhamento de ativistas.

Em terceiro lugar, movimentos sociais podem afetar movimentos subsequentes ao alterarem o ambiente político e cultural no qual tais movimentos irão agir (Meyer & Whittier, 1994). O movimento sanitarista influenciou o contexto no qual ativistas LGBT posteriormente criaram suas reivindicações de formas múltiplas. Em primeiro lugar, ativistas sanitaristas se tornaram importantes atores na formação da resposta brasileira à AIDS, por exemplo, ao ocuparem cargos no Ministério da Saúde. Por defenderem a participação como um preceito essencial da política de saúde e agirem em uma coalizão com organizações compostas por ativistas LGBT, abriram espaços e legitimaram a participação de tais ativistas no âmbito da política de combate à epidemia do HIV/AIDS, colocando-os em contato direto com a estrutura burocrática do Estado (Facchini, 2003; 2009; Facchini & França, 2009).

Ademais, a política de combate à epidemia do HIV/AIDS financiou organizações do movimento LGBT por meio da execução de projetos de prevenção e combate à discriminação (Berkman & cols. 2005; Galvão & cols. 2012; Facchini & França, 2009; Parker, 2003; Pereira e Nichiata, 2011; Ramos, 2004). Tais projetos estavam baseados na linguagem e nos princípios da moldura da saúde pública, conectando organizações LGBT de diversos locais do país a essa moldura. Um exemplo claro dessa influência é o principal encontro nacional de ativistas travestis e transexuais no Brasil que, a partir do momento em que começou a ser financiado pelo Programa Nacional de DST-AIDS, passou a se chamar ENTLAIDS (Encontro Nacional de Travestis na Luta Contra a AIDS) (Carvalho, 2011). Ainda, as primeiras respostas em termos de políticas públicas para demandas relacionadas de forma mais específica aos direitos sexuais - como o Projeto Somos e o Programa Brasil Sem Homofobia - foram formuladas no âmbito do Ministério da Saúde, em parceria entre ativistas LGBT e formuladoras de políticas públicas, muitas delas com trajetória de ativismo no movimento sanitarista e que, logo, utilizavam a linguagem e os princípios da saúde pública nessas iniciativas.

Por fim, o spillover pode ocorrer por meio de "comunidade de movimentos sociais", ou seja, de redes de movimentos que compartilham determinados objetivos e determinada cultura (Meyer & Whittier, 1994). Esse parece ser o caso dos movimentos em análise. Como será tratado de forma aprofundada posteriormente, tanto o movimento sanitarista quanto o movimento LGBT tem como um de seus princípios a defesa dos "direitos dos cidadãos", compartilhando, assim, a macromoldura dos direitos e da cidadania.

A literatura sobre o movimento LGBT e sobre a resposta brasileira à AIDS indicam, portanto, que as relações estabelecidas entre o movimento sanitarista e o movimento LGBT, principalmente, no âmbito do desenvolvimento das políticas públicas de combate à epidemia do HIV/AIDS no Brasil, possibilitaram a ocorrência de um spillover entre esses movimentos. Através desse processo, ativistas sanitaristas podem ter oferecido elementos simbólicos novos para serem utilizados de forma criativa por ativistas LGBT no processo de formulação de suas reivindicações. Ainda, o sucesso da moldura da saúde pública pode ter ajudado a criar as oportunidades discursivas para que as reivindicações que se alinhassem aos seus princípios pudessem ser vistas como plausíveis e legítimas por formuladoras de políticas públicas.

Esse processo de spillover realmente ocorreu? Se sim, quais elementos da moldura da saúde pública foram efetivamente utilizados pelo movimento LGBT na produção de sua moldura da homofobia auxiliando, assim, seu sucesso (ainda que parcial) em decorrência de seu alinhamento com as oportunidades discursivas moldadas por ativistas sanitaristas? A análise empírica deste artigo busca responder essas questões.

 

Dados e Métodos

Para avaliar a influência do movimento sanitarista e de sua moldura da saúde pública sobre o desenvolvimento das reivindicações do movimento LGBT, este trabalho compara o conteúdo de documentos oficiais relacionados a políticas de saúde a documentos oficiais relacionados a políticas para a população LGBT no Brasil. Os dados analisados consistem: nos relatórios da 8a e 9a Conferência Nacional da Saúde (CNS - 1986 e 1992); no documento que estabelece os princípios e diretrizes da Política Nacional de DST/AIDS (1999); no Programa BSH (2004); e nos anais da 1a e da 2ª Conferência Nacional LGBT (2008 e 2011). Os documentos relacionados a diretrizes de políticas públicas foram desenvolvidos por formuladoras de políticas públicas em conjunto com ativistas, em certos casos, ocupando cargos nas próprias estruturas burocráticas do Estado. Já os documentos relacionados às conferências reúnem: discursos de representantes do Estado e dos movimentos sociais; demandas apresentadas por grupos de trabalho constituídos pelo governo e pela sociedade civil (usuários e trabalhadores da saúde, no caso das Conferências de Saúde); entre outros. Esses documentos, portanto, expressam a construção interativa de reivindicações entre movimentos sociais e Estado.

Todos os documentos foram examinados por meio de uma análise de molduras inspirada nos princípios da análise de conteúdo, focando-se no seu elemento de diagnóstico (Pereira, 2016). O processo de categorização foi prioritariamente indutivo, sendo construídas quatro subdimensões do diagnóstico: os princípios normativos utilizados para descrever como a sociedade deveria ser (tais como as molduras dos direitos e da liberdade); diagnósticos sobre as origens e dinâmicas dos problemas sociais (como a ideia de que problemas sociais afetam diferentes grupos de forma distinta); a identificação e a nomeação das condições que constituem problemas sociais (como violência e a homo-lesbo-transfobia); e diagnósticos sobre como as instituições operam no Brasil (como por meio de uma agenda neoliberal). As categorias pelas quais os documentos foram efetivamente codificados foram reunidas sob essas subdimensões. Após o processo de codificação, foi analisada a recorrência das categorias criadas em cada um dos tipos de documentos: aqueles relacionados às políticas de saúde e aqueles relacionados às políticas para pessoas LGBT. As categorias recorrentes em cada um desses grupos de documentos foram consideradas parte do diagnóstico da moldura da saúde pública e da homofobia.

Da Saúde Pública à Homofobia: Criando Diagnósticos

Antes da exposição da análise comparada das molduras da saúde pública e da homofobia para caracterizar um possível processo de spillover entre o movimento de reforma sanitária e o movimento LGBT, é necessária uma breve revisão da literatura sobre as principais características dessas molduras que são a base simbólica das reivindicações de ativistas sanitaristas e LGBT.

O movimento de reforma sanitária enfatizou ao longo de sua atuação as dimensões sociais dos agravos em saúde. A sua "moldura da saúde pública" está organizada em torno de quatro princípios. Primeiramente, a universalidade de acesso à saúde, defendendo que a oferta de serviços de saúde deve ser universal. Em segundo lugar, a integralidade da atenção médica, conceito que se refere à articulação entre serviços assistenciais e preventivos bem como a uma crítica à redução da paciente a um objeto com determinado agravo que lhe causa sofrimento. Tal conceito indica, portanto, a necessidade de olhar para o paciente como um sujeito de discursos e direitos que está inserido em determinado contexto social que deve ser analisado para a compreensão de suas necessidades múltiplas. O conceito de integralidade amplia, assim, a percepção sobre as necessidades das pacientes, gerando uma resposta ampla aos problemas de saúde, que inclui a defesa dos direitos humanos (Mattos, 2004, 2009; Paiva, 2013). Em terceiro lugar, o princípio de equidade leva a uma análise de como as desigualdades sociais impactam os problemas em saúde, defendendo assim que elas devem ser combatidas pelas políticas de saúde (Barata, 2009). Por fim, o princípio da participação social enfatiza a importância de mecanismos de participação da população no desenvolvimento de políticas públicas e no processo decisório.

Por meio dessa moldura, o movimento de reforma sanitária influenciou de forma decisiva o desenvolvimento das políticas públicas de saúde no Brasil ao longo da década de 1980. A moldura da saúde pública se tornou um dos principais enquadramentos utilizados para a compreensão dos problemas e das soluções na área da saúde após a 8ª CNS. Essa moldura influenciou, ainda, a Constituição de 1988, que garantiu um sistema público e gratuito de saúde no Brasil, bem como a ideia de necessidade de participação social para a construção de políticas públicas.

Subsequentemente, essa moldura influenciou a política brasileira de enfrentamento à epidemia do HIV-AIDS. Tal influência remonta às origens dessa política em experiências estaduais, principalmente no estado de São Paulo, onde governos progressistas tornaram possível a presença de ativistas sanitaristas na burocracia estatal que formularam, a partir de tais princípios, as primeiras respostas à epidemia no Brasil em parceria com ativistas gays, de direitos humanos e portadores do HIV. O "modelo brasileiro" de resposta à AIDS foi, assim, influenciado pelas ideias da saúde como um direito, enfatizando as noções de cidadania e de solidariedade como necessárias para a garantia de tal direito. Desafiando a posição de instituições internacionais - que à época defendiam que países em desenvolvimento deveriam se focar apenas na prevenção da doença - a resposta brasileira à AIDS defendeu a necessidade de oferta gratuita de serviços de prevenção e tratamento à doença. Propôs também um olhar integral ao paciente que estivesse atento ao contexto social em que estava inserido e, assim, concebeu a defesa de seus direitos e o combate ao preconceito e aos estigmas relacionados a portadoras e portadores do HIV como importantes iniciativas de combate à epidemia. Por fim, sua trajetória foi marcada pela mobilização e pela participação social nos processos de decisão, tal como demonstra a própria história do "modelo brasileiro" construído "de baixo para cima" por uma coalizão de ativistas nos estados e, posteriormente, adotada no Governo Federal (Berkman & cols. 2005; Galvão & cols., 2012; Grangeiro & cols. 2009; Paiva, 2013; Pereira & Nichiata, 2011; Parker, 2003; Ramos, 2004).

Já a moldura da homofobia, tem sido desenvolvida no Brasil pelo movimento LGBT desde o final da década de 1980 - como por meio dos relatórios de violência homo-lesbo-transfóbica - e influenciou o desenvolvimento de políticas públicas direcionadas à população LGBT a partir da década de 2000 nesse país. O conceito de "homofobia" tem um histórico internacional. Tem sido desenvolvido desde a década de 1960 e se tornou importante para a descrição de preconceitos contra a população LGBT na década de 1990. Em suas origens, a "homofobia" se refere a um estado mental de aversão contra pessoas LGBT. Ao longo dos anos, no entanto, o conceito incorporou novas dimensões sociais e culturais. O primeiro uso dessa categoria pelo movimento e pela mídia de massa no Brasil enfatizou a violência letal contra a população LGBT. Gradualmente, a "homofobia" se tornou um importante conceito no país para descrever um conjunto mais amplo de preconceitos e discriminações que tornam essa população mais vulnerável, influenciando as políticas públicas voltadas às pessoas LGBT na década de 2000 (Fernandes, 2012; Masiero, 2014; Ramos e Carrara, 2006).

Nesse período, a mobilização de ativistas lésbicas, travestis e transexuais pela criação de novos sujeitos políticos, por maiores espaços dentro do movimento e por uma resposta das instituições políticas às suas reivindicações deu origem ao uso dos conceitos de lesbofobia e transfobia. Tais conceitos buscam produzir diagnósticos mais precisos e atentos às peculiaridades da discriminação e da violência sofrida por cada grupo específico de pessoas LGBT. As relações entre os conceitos de lesbofobia, transfobia e homofobia não são consensuais entre pesquisadoras e militantes do movimento LGBT. Carvalho (2011) indica, por exemplo, que entre ativistas travestis e transexuais o termo "transfobia" é ora interpretado como uma vertente da homofobia, ora como um tipo específico de discriminação, com características e lógicas próprias.

Terminada essa breve revisão da literatura, as próximas seções apresentam a análise comparativa dos elementos de diagnóstico da moldura da saúde pública e da moldura da homofobia. Essas seções são divididas de acordo com as subdimensões do diagnóstico citadas anteriormente.

Princípios Normativos

Três princípios normativos foram identificados no diagnóstico da moldura da saúde pública. O mais importante deles é a macromoldura dos direitos e da cidadania. Essa moldura defende que a atenção à saúde é um direito básico, bem como um elemento essencial para a construção da cidadania. Essa ideia foi profundamente desenvolvida ao longo da 8ª CNS que define o direito à saúde como "a garantia, pelo Estado, de condições dignas de vida e de acesso universal e igualitário às ações e serviços de promoção, proteção e recuperação de saúde, em todos os seus níveis, a todos os habitantes do território nacional" (Ministério da Saúde [MS] & Ministério da Previdência e Assistência Social [MPAS] 1986, p. 4). Seguindo esse princípio, a Política Nacional de DST/AIDS reconhece a prevenção e o tratamento da AIDS como direitos (MS, 1999, p. 25).

Na medida em que o acesso à saúde é visto como um direito, a oferta de serviços de saúde é vista como uma obrigação do Estado brasileiro. A clara definição dessa obrigação na Constituição Federal é uma das demandas apresentadas pelo movimento em 1986 (MS & MPAS, 1986, p. 8). Após a conquista dessa demanda, a Constituição de 1988 é mobilizada tanto na 9ª CNS quanto na Política Nacional de DST/AIDS para exigir respostas dos governos a problemas na área de saúde, em especial, à epidemia da AIDS (MS, 1992, p. 15; MS, 1999, p. 30). Dessa forma, a responsividade do Estado é um elemento dessa moldura, defendendo-se que políticas públicas devem ser formuladas para a proteção dos direitos da cidadã e do cidadão.

Ainda, na medida em que a 8a e a 9ª CNS ocorreram ao longo do período de democratização, a moldura da saúde pública associa fortemente direitos e democracia. A garantia de um sistema de saúde baseado nos princípios propostos pelo movimento de reforma sanitária significaria a democratização da política de saúde (MS, 1992, p. 9).

Esses princípios normativos também podem ser observados no diagnóstico da moldura da homofobia. Em primeiro lugar, as reivindicações do movimento LGBT se constroem ao redor da macromoldura dos direitos e da cidadania. Na moldura da homofobia, pessoas LGBT são caracterizadas como "sujeitos de direito" e a sexualidade e a diversidade de gênero se tornam domínios de exercício desses direitos. A sua garantia, assim, é vista como essencial para a construção de uma cidadania plena para pessoas LGBT. Os problemas identificados pelo movimento são, portanto, caracterizados como violações de direitos que vitimizam essas pessoas. O BSH, por exemplo, estabelece como um de seus princípios "A reafirmação de que a defesa, a garantia e a promoção dos direitos humanos incluem o combate a todas as formas de discriminação e de violência e que, portanto, o combate à homofobia e a promoção dos direitos humanos de homossexuais é um compromisso do Estado e de toda a sociedade brasileira" (Ministério da Saúde [MS] & Conselho Nacional de Combate à Discriminação [CNCD], 2004, p. 12). Essa citação ilustra, ainda, a presença da ideia de responsividade do Estado, novamente a exemplo do que ocorre na moldura da saúde pública.

As reivindicações do movimento LGBT também associam direitos e democracia. Nesse caso, porém, essa associação é feita principalmente por representantes do Estado nos documentos analisados. Ao longo da 2ª Conferência Nacional LGBT, por exemplo, uma parlamentar do PT afirma que "quando se avança na homofobia (...) nós estamos retrocedendo na construção democrática desse país" (Secretaria de Direitos Humanos [SDH] & Conselho Nacional LGBT [CNLGBT], 2011, p. 56). Finalmente, a ideia de que direitos e políticas públicas são resultados da mobilização surge com mais frequência nessa análise, apesar de já estar presente na moldura da saúde pública, como indica seu princípio de participação social. Nesse sentido, uma ativista LGBT terminou sua fala na 1ª Conferência Nacional LGBT da seguinte forma: "As leis não bastam. Os lírios não nascem das leis. O que vai garantir a nossa igualdade de direitos é exatamente a nossa capacidade de indignação, a nossa capacidade de organização e de luta" (Secretaria Especial de Direitos Humanos [SEDH], 2008, p.107).

Em suma, é possível observar uma grande continuidade no uso da macromoldura dos direitos e da cidadania e na ideia de responsividade do Estado entre ambas essas molduras. A democracia é associada à conquista de direitos principalmente no caso da moldura da saúde pública. No caso da moldura da homofobia, os direitos são vistos de forma mais recorrente como resultado do ativismo político, ainda que tal princípio já estivesse presente na moldura da saúde pública.

Origens e Dinâmicas dos Problemas Sociais

Ativistas de ambos os movimentos defendem teorias sobre como problemas sociais surgem e afetam a população. A moldura da saúde pública propõe a ideia de que problemas têm origens sociais múltiplas. De acordo com essa perspectiva, problemas de saúde - incluindo a epidemia do HIV-AIDS - estão profundamente relacionados a problemas sociais, como desigualdades, estigmas e preconceitos10. A luta contra tais problemas, portanto, se torna uma importante iniciativa para a prevenção de problemas de saúde. É dessa forma que o combate à discriminação se torna um elemento central da resposta brasileira à AIDS. Na 8ª CNS, por exemplo, defende-se que "a saúde é resultante das condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse de terra e acesso a serviços de saúde" (MS & MPAS, 1986:4).

Essa ideia tem duas consequências. Em primeiro lugar, sugere-se que a atenção à saúde é um processo integral. Assim, políticas de saúde deveriam estar atentas às múltiplas necessidades dos sujeitos (que incluem suas necessidades em saúde, mas também a garantia de seus direitos), bem como deveriam oferecer prevenção, diagnóstico e tratamento dos seus agravos em saúde.

Em segundo lugar, a moldura da saúde pública sugere que problemas sociais têm impactos diferentes em diferentes grupos. Problemas de saúde afetam de formas distintas pessoas de diferentes classes, orientações sexuais e gêneros, na medida em que estão conectados a problemas sociais como a pobreza, a estigmatização e a discriminação que lhes atingem também de forma específica. Nesse sentido, o conceito de "vulnerabilidade" se torna importante nessa moldura ao se referir às diversas condições sociais que tornam determinado público vulnerável, opondo-se a ideia de "risco" que supõe que aspectos individuais explicam variações nos estados de saúde de diferentes grupos populacionais (Paiva, 2013). A Política Nacional de DST/AIDS, por exemplo, defende que "a epidemia não atinge de maneira uniforme toda a população, e sua distribuição é distinta nos diferentes grupos e regiões do país" (MS, 1999, p.14).

Essa ideia de que problemas sociais têm impactos diferentes em diferentes grupos está também presente nas reivindicações do movimento LGBT, que indica a necessidade de políticas públicas que estejam atentas às especificidades de cada grupo identitário específico dessa população. Principalmente em decorrência da luta de ativistas lésbicas, travestis e transexuais pela formação de novos sujeitos políticos e por espaços dentro do movimento (Aguião, 2016), tal ideia foi adotada para indicar que a violência e a discriminação sobre lésbicas, gays, travestis, transexuais e bissexuais têm características distintas.

Ativistas criticam o tratamento da "população LGBT" como um grupo homogêneo, por exemplo. Nesse sentido, uma ativista de uma organização voltada à defesa dos direitos das lésbicas em seu depoimento na 1ª Conferência Nacional LGBT diz: "Quando vão falar da nossa especificidade, 'a população LGBT', como se fosse uma massa, como se fosse um saco, todo mundo ali dentro. Não (...). Somos lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transgêneros e temos especificidades" (SEDH, 2008, p. 28).

Também de acordo com a moldura da homofobia, essa multiplicidade de efeitos ocorre na medida em que problemas sociais têm origens sociais múltiplas. Nesse caso, essa ideia é resumida pelo conceito de interseccionalidade. Orientação sexual, gênero e raça não têm efeitos separados sobre as pessoas. Assim, a homo-lesbo-transfobia, o sexismo e o racismo são fenômenos inter-relacionados que produzem diferentes efeitos sobre pessoas. Seguindo esse diagnóstico, integrantes do movimento defendem a necessidade de combater tais problemas pelo fortalecimento político de grupos identitários marginalizados nas interações entre o movimento e o Estado (tais como lésbicas e travestis negras, por exemplo), bem como por meio de alianças com o movimento feminista e negro.

Em suma, as molduras da saúde pública e da homofobia descrevem de forma semelhante a origem e as dinâmicas dos problemas sociais. Ambas desenvolvem a ideia de que problemas têm origens sociais múltiplas. No caso do movimento de reforma sanitária, isso significa que as doenças não têm apenas origens biológicas, mas também sociais. No caso do movimento LGBT, isso significa que pessoas afetadas pela homo-lesbo-transfobia também são afetadas por desigualdades sociais, pelo racismo e pelo sexismo. Em ambos os casos, essa caracterização dos problemas sociais como tendo origens complexas e múltiplas leva ao diagnóstico de que problemas sociais afetam grupos específicos de diferentes maneiras. No caso da moldura da saúde pública, isso gera um diagnóstico de que respostas aos agravos em saúde devem estar atentas às vulnerabilidades específicas de cada população. Já no caso da moldura da homofobia, isso gera um diagnóstico de que as políticas públicas devem estar atentas às necessidades específicas de grupos identitários particulares.

Identificação e Nomeação de Condições

Até o momento, foi possível observar que as molduras da saúde pública e da homofobia compartilham importantes princípios normativos e teorias sobre como problemas sociais surgem e operam. Mas essas molduras enfatizam condições distintas. Por motivos evidentes, a moldura da saúde pública aponta para problemas de saúde e, no caso da Política Nacional de DST/AIDS, particularmente para as DST.

Os principais fatores de vulnerabilidade apontados por essa moldura são a desigualdade, a pobreza e a miséria. A 8ª CNS, por exemplo, defende que "a sociedade brasileira é extremamente estratificada e hierarquizada, caracteriza-se pela alta concentração de renda e da propriedade fundiária" e que "as desigualdades sociais e regionais existentes refletem essas condições estruturais que vêm atuando como fatores limitantes do pleno desenvolvimento de um nível satisfatório de saúde" (MS & MPAS, 1986, p.5). Como condições que afetam a vulnerabilidade de grupos sociais, essa moldura ainda aponta para o preconceito e a discriminação contra pessoas afetadas por doenças como a hanseníase e a AIDS. Assim, a Política Nacional de DST/AIDS defende que o tema das DST "traz à tona a questão da sexualidade, uma área em que existe muito medo e preconceitos" (MS, 1999, p. 53).

Essas condições se tornam centrais na moldura da homofobia. Preconceito e discriminação, no entanto, estão comumente associados a outra condição nessa moldura: a violência. O conceito que une todas essas condições em um só "guarda-chuva" conceitual é a homofobia. Esse conceito e essas condições são mencionadas de forma recorrente em todos os documentos analisados, desde o programa BSH, que traz o conceito em seu nome, até os anais da 2ª Conferência Nacional LGBT. Nesse evento, um militante do movimento LGBT no Brasil apresenta, por exemplo, os seguintes dados sobre essas condições: "cerca de 70% da nossa comunidade já foi discriminada e 20% já sofreu violência física" (SDH & CNLGBT, 2011, p. 35).

Devido à luta de ativistas lésbicas, travestis e transexuais por maior visibilidade e, ainda, devido à ideia de que problemas sociais afetam diferentes grupos de formas distintas, os conceitos de lesbofobia e de transfobia se tornam também importantes para demarcar as especificidades dos problemas sofridos por cada um dos segmentos LGBT. Ainda, como problemas sociais não são vistos como isolados uns dos outros, mas sim por meio do conceito de interseccionalidade, menções ao racismo e ao sexismo também são frequentes.

Durante a 2ª Conferência Nacional LGBT, por exemplo, uma ativista da Rede Nacional de Negras e Negros LGBT afirmou: "A gente não fala só da homofobia, lesbofobia, transfobia. A gente fala também do racismo, fala também do machismo, porque ser negra, mulher, lésbica e pobre nesse país é não ter dignidade assegurada de ir e vir todos os dias sem, por isso, sofrer violência" (SDH & CNLGBT, 2011, p. 27). Dessa forma, esses cinco conceitos (homofobia, lesbofobia, transfobia, machismo e racismo) reúnem em si um conjunto de atos de violência e discriminação, dando atenção às particularidades de suas vítimas.

Por fim, as condições de desigualdade, pobreza e miséria também são mencionadas na moldura da homofobia, mas em menor escala em comparação com a moldura da saúde pública. Menções a esse tópico aparecem principalmente ao longo da 2ª Conferência Nacional LGBT, cujo tema foi Por um país livre de pobreza e discriminação. Nesse caso, esse diagnóstico é comumente relacionado à exclusão do sistema educacional e do mercado de trabalho, particularmente, no caso das travestis e transexuais.

Em suma, é possível identificar que as diferenças nessa subdimensão do diagnóstico são mais amplas do que aquelas observadas anteriormente. Apesar de a moldura da saúde pública apontar para o preconceito e a discriminação como problemas sociais importantes, a moldura da homofobia inova ao reunir esses problemas em diferentes conceitos que associam tais condições à violência e enfatizam as particularidades das condições vividas por diferentes grupos identitários específicos de pessoas LGBT.

Diagnósticos Institucionais

Ativistas de movimentos sociais também desenvolvem diagnósticos sobre como instituições ajudam a criar e a reproduzir as condições vistas como problemas sociais. No caso da moldura da saúde pública, o mais importante diagnóstico institucional sugere que as instituições políticas brasileiras operam de acordo com os princípios do neoliberalismo, dos interesses privados e da defesa das privatizações. No relatório da 8ª CNS, por exemplo, ativistas defendem que "na área da saúde, verifica-se um acúmulo histórico de vicissitudes que deram origem a um sistema em que predominam interesses de empresários da área médico-hospitalar" (MS & MPAS, 1986, p. 6). Esse diagnóstico se fortalece ao longo da 9ª CNS, que critica as políticas públicas de perfil neoliberal do Governo Collor. Nesse sentido, no relatório dessa conferência, uma carta defende o impeachment desse presidente.

Os diagnósticos institucionais desenvolvidos pelo movimento LGBT são distintos. O principal diagnóstico, nesse caso, é o de que, no Brasil, as instituições políticas desrespeitam o princípio da laicidade. Na 1ª Conferência LGBT, por exemplo, um ativista defende: "Nós precisamos que o Governo, os Governos, em todas as três esferas (...) garantam e aumentem os esforços para garantir a laicidade do Estado. Não é possível mais a gente conviver com argumentos religiosos combatendo os nossos direitos civis (...) Nós precisamos exigir do Estado que as religiões, com todo o respeito que elas merecem, fiquem fora do Congresso" (SEDH, 2008, p. 35). Três anos depois, outro ativista reforça esse diagnóstico na 2ª Conferência Nacional LGBT ao afirmar que "o fundamentalismo religioso é uma erva daninha que tem se alastrado nas salas onde decisões importantes em relação aos direitos sexuais e reprodutivos devem ser tomadas para a garantia de direitos" (SDH & CNLGBT, 2011, p. 36).

Esse diagnóstico se dirige, principalmente, ao Poder Legislativo. Os ativistas LGBT descrevem o Poder Legislativo como o poder mais conservador no Brasil. Durante a 1ª Conferência Nacional LGBT, um militante compara os três poderes no Brasil: "O poder, hoje, que atravanca os nossos direitos, infelizmente, é o Legislativo; o Judiciário, mesmo com todo o seu conservadorismo, todo o dia, ele pipoca uma decisão de primeira instância, uma decisão até de segunda instância favorável; o Executivo, nós estamos tendo essa Conferência que fala por si" (SEDH, 2008, p.72).

Apesar do otimismo da última citação a respeito do Poder Executivo no Brasil, críticas ao Governo Federal também são apresentadas. A principal é a ausência de ações práticas do BSH. Durante seu discurso na 2ª Conferência Nacional LGBT, um pesquisador e apoiador do movimento avalia que: "Em relação às políticas públicas para a população LGBT, no Brasil. Nunca se teve tanto,

mas o que há é praticamente nada" (SDH & CNLGBT, 2011, p. 85). Já na primeira dessas conferências, um ativista faz uma avaliação semelhante afirmando que: "O Programa BSH não saiu do papel (...). Primeiro, porque falta institucionalização política (...) Segundo, não há recursos (...) Terceiro, não há espaços de controle social e monitoramento". (SEDH, 2008, p. 119).

Esse é um dos motivos pelos quais ativistas avaliam que as instituições operam com preconceito e violência ou que as instituições ignoram a violência e a discriminação. Mas não apenas congressistas e formuladores de políticas públicas operariam dessa forma. O BSH, por exemplo, cita pesquisas que indicam que ações da polícia e o ambiente escolar, em muitos casos, reforçam ou ignoram o preconceito e a violência homofóbica. Ao longo da 1ª Conferência Nacional LGBT, ativistas também citam a mídia de massa, as empresas, advogados e juízes como responsáveis pela reprodução dessas condições.

Em suma, o movimento LGBT e o movimento de reforma sanitária apresentam diagnósticos distintos a respeito de como as instituições ajudam a reproduzir as condições problemáticas por eles identificadas. No caso da moldura da saúde pública, o diagnóstico mais importante é o da lógica do neoliberalismo e das privatizações. No caso do movimento LGBT, o desrespeito à laicidade do Estado (especialmente no Poder Legislativo) é visto como a principal fonte da violência e da discriminação presente nas instituições brasileiras. Essa diferença está provavelmente relacionada aos momentos políticos nos quais tais diagnósticos são apesentados. No primeiro deles, entre as décadas de 1980 e 1990, políticas de orientação neoliberal eram conduzidas pelo Governo Federal. Já no segundo deles, na década de 2000, a construção de alianças entre o governo do Partido dos Trabalhadores (PT) e grupos políticos evangélicos se tornou um entrave para um maior desenvolvimento de políticas públicas que atendessem às reivindicações do movimento.

 

Considerações Finais

Os dados aqui apresentados indicam uma forte semelhança entre as molduras da saúde pública e da homofobia, no que se refere aos seus princípios normativos e à forma como descrevem a origem e as dinâmicas dos problemas sociais. As molduras se diferem, no entanto, no que diz respeito às condições identificadas como problemáticas e aos diagnósticos institucionais.

A partir de tais dados, esse artigo argumenta que um processo de spillover entre, por um lado, o movimento sanitarista e sua moldura da saúde pública e, por outro lado, o movimento LGBT e sua moldura da homofobia moldou parcialmente a formação das reivindicações desse último movimento em interações com o Estado na década de 2000. O movimento sanitarista parece ter oferecido elementos simbólicos essenciais para a criação do disgnóstico da moldura da homofobia, bem como legitimado tais elementos por seu sucesso em influenciar as políticas de saúde no Brasil na década anterior, abrindo oportunidades discursivas para movimentos sociais que alinhassem seus diagnósticos a tais elementos. Os dados indicam, ainda, que esse processo afetou de forma mais intensa duas subdimensões do diagnóstico da moldura da homofobia, seus princípios normativos e suas visões sobre as origens e dinâmicas dos problemas sociais, que foram criativamente adaptadas pelas ativistas LGBT a sua luta, bem como articuladas a outros elementos simbólicos por elas utilizados.

Em primeiro lugar, em decorrência da mobilização do movimento de reforma sanitária e de outros movimentos sociais, a macromoldura dos direitos e da cidadania se tornou uma linguagem comum nas interações entre movimentos sociais e governos no Brasil. Ativistas sanitaristas utilizaram esse princípio normativo não apenas defendendo o direito à saúde, mas também os direitos humanos de grupos estigmatizados, auxiliando ativistas LGBT a conectarem suas demandas a essa macromoldura. Ainda, em decorrência do sucesso desse e de outros movimentos que militavam na área dos direitos humanos - formalizado no desenho da Constituição de 1988 -, as reivindicações por direitos sociais se tornaram aquelas vistas como legítimas do ponto de vista das interações entre movimentos sociais e governos no Brasil, abrindo oportunidades discursivas para grupos que alinhassem suas reivindicações a esse princípio normativo.

Em segundo lugar, a moldura da saúde pública está marcada por teorias sobre como problemas sociais surgem e operam e, assim, sobre qual tipo de resposta governos devem dar a esses problemas. Tal moldura dá grande ênfase à ideia de que problemas sociais têm origens múltiplas e afetam cada grupo social de forma distinta. Assim, sugere que as respostas governamentais aos agravos em saúde devem levar em consideração as peculiaridades dos grupos sociais aos quais se dirigem. Tal perspectiva se combinou aos conflitos internos do movimento LGBT e à militância de ativistas lésbicas, travestis e transexuais pela afirmação de novos sujeitos políticos e pela busca por maior protagonismo nas interações com o Estado. Assim, essa caracterização dos problemas sociais pela moldura da saúde pública parece ter fornecido ferramentas simbólicas para que ativistas LGBT que defendiam a necessidade de atenção às características específicas de cada um de seus grupos identitários formulassem suas reivindicações. O sucesso da moldura da saúde pública em defender tal perspectiva sobre os problemas sociais também parece ter ajudado a criar junto às formuladoras de políticas públicas uma ideia de legitimidade das reivindicações específicas de cada grupo identitário LGBT, abrindo oportunidades discursivas para tais reivindicações.

As tensões entre a universalidade da macromoldura dos direitos e da cidadania e a especificidade dos esquemas sobre os problemas sociais parecem estimular ativistas a seguirem diferentes direções, impondo dilemas já identificados pela literatura sobre o movimento LGBT no Brasil (Facchini, 2009; Facchini & França, 2009; Machado, 2013). Por um lado, o diagnóstico do movimento enfatiza a necessidade da criação de coalizões para a defesa dos direitos humanos. Tais coalizões não seriam formadas apenas por diferentes grupos específicos LGBT, mas também entre tais ativistas e militantes de outros movimentos, como o movimento feminista e o negro. Por outro lado, esse mesmo diagnóstico indica a necessidade de atenção às peculiaridades dos problemas e das reivindicações dos grupos identitários específicos que compõem o movimento. Afinal "como lidar com as desigualdades que suscitam a ideia de diferença sem encerrar esta última em si mesma, impedindo a construção de alianças com outros sujeitos políticos" (Facchini & França, 2009, p.76)?

Já a identificação e nomeação de condições problemáticas e o desenvolvimento de diagnósticos institucionais parecem ser processos afetados em menor medida pelo spillover. Parece necessário, no entanto, que os conceitos adotados para a identificação de condições se alinhem às oportunidades discursivas abertas pelos princípios normativos e visões sobre os problemas sociais que são dominantes. O conceito de "homofobia", por exemplo, se alinha à macromoldura dos direitos e da cidadania ao indicar um novo fator de violação de direitos. Já os conceitos de lesbofobia e transfobia se alinham ao mesmo tempo, por um lado, às necessidades dos grupos que buscam a afirmação de novos sujeitos políticos e disputam internamente maior protagonismo no movimento e, por outro, à lógica das teorias sobre problemas sociais presentes nas molduras da saúde pública e da homofobia ao nomear problemas específicos que atingem diferentes grupos.

As origens de tais conceitos devem ainda ser investigadas em maior profundidade. Estudos sobre o movimento LGBT no Brasil indicam a importância da história internacional desses conceitos (Fernandes, 2012; Ramos & Carrara 2006), bem como a importância das disputas internas ao movimento para sua formulação e adoção (Aguião, 2016; Carvalho, 2011). Assim, pesquisas que investiguem como movimentos sociais no Brasil se apropriam criativamente de conceitos e molduras desenvolvidas em contextos internacionais de militância, bem como estudos sobre o poder criativo das disputas internas aos movimentos sociais (Aguião, 2016; Benford, 1993; Ghaziani, 2008) formam uma agenda de pesquisa promissora para o estudo da formação das reivindicações dos movimentos sociais.

 

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Recebido em: 2017-03-09
Aprovado em: 2017-06-25

 

 

1 Uma primeira versão desse artigo foi apresentada durante o evento 12th Annual California Graduate Student Conference, realizado em Irvine, Califórnia, Estados Unidos. Agradeço aos comentários das pareceristas anônimas da Revista Psicologia Política que muito contribuíram para a qualificação desse artigo.
2 Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais
3 A relação entre os conceitos de homofobia, lesbofobia e transfobia é pouco consensual entre ativistas e pesquisadoras. Ao longo desse trabalho, quando me referir à violência e à discriminação sofrida por lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais, utilizarei o termo sintético de homo-lesbo-transfobia, agrupando tais fenômenos, mas, ao mesmo tempo, buscando manter a referência às suas especificidades. No entanto, me refiro ao longo do trabalho à moldura da homofobia, na medida em que esse é o conceito relacionado à moldura desenvolvida pelo movimento LGBT em suas interações com o Estado ao longo dos anos 2000 que obteve maior ressonância junto a formuladoras de políticas públicas, estando presente, por exemplo, nos títulos de programas de políticas públicas e outras iniciativas governamentais. Adoto tal critério, na medida em que o conceito de moldura se dirige às estratégias simbólicas dos movimentos e seus efeitos junto a seus interlocutores. Portanto, não busco afirmar que o conceito de homofobia é capaz de fornecer uma caracterização mais correta dos fenômenos aos quais se dirige (debate esse que foge ao escopo desse artigo), mas apenas que ele foi conceito central em termos de ressonância nas trocas simbólicas que ocorreram entre o movimento LGBT e o governo brasileiro ao longo de determinado período.
4 Outro fenômeno apontado pela literatura como importante para o direcionamento do movimento à "política de identidade" é o desenvolvimento de um mercado segmentado (Facchini e França, 2009).
5 A distinção entre "condição", "categoria" e "contexto" é baseada em debates teóricos sobre problemas sociais (Best, 1993; Ibarra e Kitsuse, 1993). A revisão de literatura feita por Snow e Soule (2010) é outra forte inspiração para a revisão apresentada aqui.
6 Oportunidades política são "dimensões consistentes - mas não necessariamente formais ou permanentes - do ambiente político que fornecem incentivos para a ação coletiva ao afetarem as expectativas das pessoas quanto ao sucesso e ao seu fracasso" (Tarrow, 2009, p. 105).
7 Outras mudanças importantes que afetaram a trajetória do movimento nesse momento foram o fim do jornal Lampião que possibilitava uma articulação simbólica do movimento, bem como o fim do regime autoritário, um dos grandes "alvos" do movimento no período anterior (Facchini & França, 2009).
8 Outros grupos, no entanto, optaram por não se dedicar exclusivamente ao combate à epidemia do HIV/AIDS, buscando evitar a associação negativa entre a epidemia e pessoas LGBT (Facchini & França, 2009)
9 Essa terceira onda foi marcada pelo crescimento no número de organizações do movimento, por uma ampliação de suas redes em direção, por exemplo, ao mercado, aos partidos políticos e às organizações internacionais, bem como pelo surgimento de novas categorias políticas de identificação coletiva (Facchini, 2003; Facchini & França, 2009).
10 Para uma discussão teórica sobre esse tema, ver Barata (2009).

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