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Revista Psicologia Política

versão impressa ISSN 1519-549Xversão On-line ISSN 2175-1390

Rev. psicol. polít. vol.17 no.39 São Paulo maio/ago. 2017

 

ARTIGOS

 

Algumas considerações sobre a possível atual relevância do conceito gramsciano de senso comum para a psicologia da política

 

Some reflections on the possible contemporary relevance to the psychology of politics of Gramsci's concept of common sense

 

Algunas consideraciones sobre la posible relevancia actual del concepto gramsciano de sentido común para la psicología política

 

Quelques réflexion à propos de l'importance actuelle du concept de sens commun chez Gramsci pour la psychologies de la politique

 

 

Francesco Paolo ColucciI; Leandro Amorim RosaII

IProfessor de Psicologia Social aposentado da Università degli Studi di Milano-Bicocca. francescopaolo.colucci@unimib.it
IIDoutorando em Psicologia Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Docente no curso de Psicologia do Instituto Municipal de Ensino Superior de Catanduva (IMES / Catanduva). Compõe o corpo docente do Curso de Especialização em Psicologia Política (EACH - USP). psi_doug@yahoo.com.br

 

 


RESUMO

O presente trabalho desenvolve um percurso histórico, em especial no que se refere à Itália, do papel contraditório e contrastante do pensamento de Gramsci na política e na cultura. São abordados motivos da descoberta tardia e da escassa valorização das ideias sobre senso comum desenvolvidas nos "Cadernos do Cárcere". Questiona-se sobre a atualidade de tais ideias, as quais se relacionam com a hegemonia cultural e o vínculo entre élites e massas. É elaborada uma reflexão sobre a contribuição que essas ideias podem dar na atual fase de mudança social caracterizada por novos movimentos e novas formas políticas, bem como novos meios de comunicação. Emergem assim questões que, especialmente em países como o Brasil, podem ser trabalhadas a partir da relação entre as ideias de Gramsci, as propostas de Lewin - em particular a sua pesquisa-ação - e uma psicologia crítica e emancipatória.

Palavras-chave: Gramsci; Senso Comum; Psicologia Crítica; Pesquisa-ação; Psicologia Política.


ABSTRACT

A historical outline, with particular reference to Italy, is traced of the contradictory and conflictual role of Gramsci's thought in politics and culture. The reasons are examined for the late discovery and scarce utilization of the ideas on common sense formulated in his Prison Notebooks. The questions are to what extent these ideas, connected with cultural hegemony and the relation between elites and masses, are still valid today and what contribution they can make in the current phase of change characterized by new movements and forms of politics and by new means of communication. This with reference also to the role of Gramsci in South American and Brazilian culture. From this there emerge issues that, primarily inside Country as Brazil, can be addressed by linking Gramsci's ideas with the psychology of Lewin, especially the action research, and with a critical, emancipatory psychology.

Keywords: Gramsci; Common Sense; Critical Psychology; Action Research; Political Psychology.


RESUMEN

El presente trabajo desarrolla un recorrido histórico del rol contradictorio y contrastante del pensamiento de Gramsci en la política y en la cultura, especialmente en lo que se refiere a Italia. Son abordadas razones del descubrimiento tardío y de la escasa valorización de las ideassobre sentido común desarrolladas en los "Cuadernos de la cárcel". Se cuestiona sobre laactualidad de dichas ideas, las cuales se relacionan con la hegemonía cultural y el vínculo entrelas elites y las masas. También se elabora una reflexión sobre la contribución que estas ideaspueden hacer en la fase actual de transformación social caracterizada por nuevos movimientos y nuevas formas políticas, así como nuevos medios de comunicación. Esto con referencia también al papel de Gramsci en la cultura sudamericana y brasileña. De esto surgen cuestiones que, principalmente dentro de países como Brasil, se pueden abordar al vincular las ideas de Gramsci con la psicología de Lewin, especialmente la investigación de acción, y con una psicología emancipatoria crítica.

Palabras clave: Gramsci; Sentido Común; Psicología Crítica; Investigación acción; Psicología política.


RÉSUMÉ

On va tracer une référence historique, surtout rapporté à l'Italie, du rôle, contradictoire de la pensée de Gramsci, auprès de la politique et de la culture, en enquêtant les raisons de la tardive découverte et de l' insuffisante mise en valeur des idées à propos du sens commun, qui ont été développées dans les Cahiers de Prison. Nous irons nous interroger à propos de l'actualité de ces idées, qui sont liées avec l'hégémonie culturelle et la relation entre élites et masses, sur la contribution que elles peuvent fournir, pendant la phase actuelle de changement, caractérisée par nouveaux mouvements et nouvelles formes de la politique, si bien que par des nouveaux moyens de communication. Des problèmes vont apparaitre qui, particulièrement dans des Pays comme le Brésil, peuvent être affrontées en comparant les idées de Gramsci avec la psychologie de Lewin, particulièrement la recherche action et, plus en général, avec une psychologie critique et émancipatrice.

Motsclés: Gramsci; Sens Commun; Psychologie Critique; Action Recherche; Psychologie Politique.


 

 

O Problema

A concepção de senso comum desenvolvida por Gramsci nos Cadernos do Cárcere é minoritária, ou seja, se contrapõe a concepção mais difundida no pensamento filosófico e nas ciências humanas em geral. De maneira ampla, a partir de um ponto de vista próximo à epistemologia e à teoria do conhecimento, o senso comum é frequentemente entendido como forma de conhecimento que se distingue do conhecimento científico. Tal ideia remete a filosofia grega clássica que separava a episteme (o conhecimento científico com suas características de universalidade e necessidade) da doxa (a mutável opinião). Baseando-se nessa distinção - ou melhor, cisão - entre ciência e senso comum, por exemplo, uma mesa para a ciência é um "aglomerado de átomos no vazio" e para o senso comum é um móvel que serve prioritariamente para comer e trabalhar1. A psicologia cognitiva de raiz estadunidense em seu mainstream entende o senso comum como forma de pensamento caracterizada, ou como se poderia também dizer "viciada", por vieses e heurísticos. O estudo de tais vieses e heurísticos levou a propostas de reconhecida importância com aplicações, sobretudo, em âmbito econômico - como demonstram as pesquisas de Kahneman e Tversky (Kahneman & Tversky, 1979; Tversky, Kahneman, 1986) No entanto, na rotina das pesquisas, heurísticos e vieses tendem a tornarem-se objeto de experimentos geralmente repetitivos.

De um ponto de vista propriamente social, o conhecimento mais difundido entende o senso comum como o lugar do óbvio, dos conhecimentos banais e não críticos; um pensamento reacionário e conservador que se coloca na origem da aquiescência e do conformismo. A própria teoria das representações sociais de Serge Moscovici, ainda que declare a intenção de valorizar o senso comum, na realidade o entende como uma forma de "pensamento menor" (Colucci, 1998). De fato, Moscovici não somente distingue, mas separa ciência e senso comum em modalidades de conhecimento fundadas sobre regras e sistemas distintos: "o universo reificado" e "o universo consensual" (Moscovici, 1984; Doise, 1990). Esse último é caracterizado pelos processos de "objetivação" e "ancoragem" que se colocam como universais (Billig, 1991). Tais processos são entendidos como mecanismos de "familiarização" que reorientam o novo ao já conhecido. Evidencia-se, assim, uma tendência à conservação que de fato nega ao senso comum a possibilidade de produzir mudanças (Colucci, 1999).

Gramsci, ao contrário, partindo da valorização do folclore ("uma coisa séria para se levar a sério"), ou mesmo do pensamento popular, entende o senso comum como "polimórfico" e "polissêmico", antigo, com elementos ancestrais que remetem "aos homens das cavernas", e ao mesmo tempo capaz de acolher e mesmo descobrir o novo; conservador e revolucionário (Gramsci, 1977, p.1375-1382). O senso comum seria potencialmente racional em seu "núcleo são", o "bom senso" (Gramsci, 1977, p. 1380), o qual não se relaciona com a passiva e resignada aceitação da realidade, ou seja, tal realidade não é tomada aqui como dada e inevitável. Elaborando essa concepção, Gramsci redescobre uma tradição de pensamento que retoma Gian Battista Vico, os enciclopedistas e Voltaire (Rosa, 2013; Colucci, 1991; 1994; 1999).

Tal concepção de senso comum - por Gramsci ser um pensador e também um político - não é somente um assunto teórico, mas se realiza no agir social, na ação na polis, ou seja, na ação política, na práxis. Esta é conceito central na obra do marxista sardo, a própria concepção gramsciana de marxismo é definida como "filosofia da práxis". A realização do conceito de senso comum em práxis emerge por meio da "hegemonia cultural", que se refere à relação bidirecional - e nesse sentido dialética - entre élites e massas em suas diversas modalidades, a qual deve levar, como objetivo final, a formação de um "novo senso comum" (Colucci, 1991; 1999).

A relevância de tais aspectos do pensamento gramsciano para a psicologia - em particular para a psicologia que enfrenta problemas sociais reais e concretos, ou seja, os problemas "políticos" entendidos em seu significado mais autêntico e original - e, ainda mais, para o próprio agir político, deveria apresentar-se de forma evidente. A relevância de Gramsci aqui mencionada foi discutida nesta mesma revista (Rosa, 2013). No entanto, "estranhamente" tal relevância é uma "descoberta" relativamente recente. Ela se dá no final do século passado2 e ainda não parece suficientemente valorizada.

Ao mesmo tempo - como poderia demonstrar uma content analysis - paradoxalmente surgem com frequência no discurso político, típico de lideres ou daqueles que se propõem como tal, os apelos ao senso comum e ao bom senso. Tais apelos se dão sem que seja de algum modo explicado o que se entende de fato por senso comum e bom senso. Podemos, contudo, intuir que os políticos se referem ao senso comum e ao bom senso como gostariam que fossem, ou seja, atribuindo-os aos outros, compartilhados por uma indefinida maioria silenciosa. Mesmo os apelos a Gramsci, ao menos na Itália, estão frequentemente presentes nos discursos dos políticos de diversas e opostas tendências. Aqui novamente surge um Gramsci indefinido, entendido como se quer entender. Um Gramsci "così è se vi pare"3, ou seja, um Gramsci instrumentalizado.

No presente artigo serão propostas explicações para a "estranha" descoberta tardia e insuficiente valorização do conceito gramsciano de senso comum. A partir disso, será realizada uma reflexão sobre a contribuição que o pensamento de Gramsci - com os conceitos de senso comum, bom senso, hegemonia cultural - pode dar aos problemas da política hoje; uma situação profundamente transformada em relação aos tempos nos quais a sua teoria foi elaborada.

 

Explicações Sobre a Tardia e Insuficiente Valorização da Relevância do Pensamento de Gramsci para a Psicologia

As possíveis explicações são muitas. Em primeiro, lugar devemos considerar que as ideias de Gramsci começaram a difundir-se depois da segunda guerra mundial; seu pensamento, porém, não era e nem podia ser completamente conhecido, pois faltavam traduções completas dos seus escritos a partir de sua obra fundamental, os Cadernos do Cárcere. Como foi lembrado em um evento (Reading Gramsci in Latin America) organizado em Buenos Aires em 2017 para recordar os oitenta anos da morte de Gramsci, a primeira edição não italiana dos Cadernos foi editada em Buenos Aires em 1950. No entanto, era uma publicação incompleta, pois naqueles anos os Cadernos foram tornados públicos apenas parcialmente. Foi necessário esperar até 1996 para a edição completa em inglês dos Cadernos do Cárcere traduzidos por Joseph Buttieg e publicado pela Columbia University Press. Tal conhecimento parcial e fragmentário de um autor que nunca escreveu - ou nunca pode escrever - obras sistemáticas, mas apenas cartas, artigos de jornal, apontamentos, reflexões - os quais são os próprios Cadernos do Cárcere - levou, se não a verdadeiros mal entendidos, a não serem reconhecidos conceitos essenciais de seu pensamento em sua correta relevância.

No entanto, para buscar entender o que acima foi definido como "estranheza" é necessário em primeiro lugar referir-se à Itália, onde o problema nasceu e tomou forma. Na Itália, por motivos culturais e políticos, a relação com a "herança" de Gramsci é problemática, contraditória e ambígua.

Em primeiro lugar, devemos lembrar-nos das relações problemáticas e mesmo conflituosas entre Togliatti e Gramsci. Relações que podem ser atribuídas às condições diversas nas quais os dois se encontravam: Gramsci prisioneiro no cárcere fascista; Togliatti em Moscou, influente membro do Partido Comunista da União Soviética (PCUS), fiel e estimado colaborador de Stalin e de fato o líder dos comunistas italianos4. Resulta disso, nas primeiras décadas após a guerra, uma relação contraditória e ambígua entre o Partido Comunista Italiano (PCI) guiado por Palmiro Togliatti e o pensamento de Gramsci. Tudo isso remetia a uma substancial diferença entre a concepção do marxismo e da política de Gramsci e aquela do PCUS e de Togliatti. Resumidamente, a concepção gramsciana ainda antes da prisão emergia como original, adepta da história e da cultura italiana, humanística, liberal e crítica ao marxismo "oficial" do PCUS, ou melhor, ao marxismo stalinista. Ao ponto que "... parece definir-se sobre (...) o principio de que o socialismo não pode ser alcançado pela via burocrática; e ainda menos, obviamente, pelas vias diretamente coercitivas" (D'Orsi, 2017, p. 205, tradução nossa)5. A concepção de Togliatti - que devia considerar as relações com Moscou seja antes ou depois da queda do regime fascista e durante os anos de Guerra Fria - era necessariamente mais adepta a "ortodoxia" do PCUS, ao menos formalmente. Na verdade, o secretário do PCI, chamado de "o melhor" - em razão, entre outras coisas, de sua hábil duplicidade política -, já nos primeiros anos difíceis depois da guerra conseguia de fato realizar uma "via nacional" ao socialismo. Tal problemática e ambiguidade foram por muito tempo ignoradas ou retiradas do PCI, assim como de boa parte da cultura italiana de esquerda, que celebrava Gramsci como seu fundador e nobre pai.

Em relação à questão aqui abordada, é necessário lembrar que Togliatti exerceu uma forma de censura sobre os escritos de Gramsci. Assim, as primeiras publicações dos Cadernos do Cárcere, editadas a partir dos anos cinquenta pela Editori Riuniti, a casa editorial do PCI, apresentavam uma versão parcial dos escritos originais - sem contar a hipótese recentemente existente do Caderno "desaparecido"6. De fato, para ler em italiano os Cadernos do Cárcere em sua completude, e em uma versão filologicamente correta, foi necessário esperar a edição organizada por Valentino Giarratana, publicada pela editora Einaudi em 1975 - trinta anos depois do fim da guerra e do fascismo.

No que se refere de modo mais específico a "tardia e insuficiente descoberta" da relevância do pensamento de Gramsci, às considerações históricas citadas acima, deve-se somar que a cultura de esquerda na Itália foi tradicionalmente fechada, se não hostil, à psicologia, taxada como "ciência burguesa". Tal fechamento pode ser atribuído a uma dupla ordem de motivos. De uma parte a concepção hegemônica no marxismo - aquela "oficial" do PCUS e dos seus partidos "irmãos" nos países ocidentais, entre os quais figura, na Itália, o PCI - era, como todas as ideologias totalitárias, avessa à ciência da subjetividade, isto é, à ciência que valoriza o sujeito e a sua liberdade. De outra parte, no que se refere à situação particular da Itália, se deve considerar a forte e persistente influência sobre os intelectuais, mesmo os de esquerda, de Benedetto Croce, o qual com seu idealismo historicista havia desvalorizado o pensamento científico e a psicologia em particular, considerando-a uma "não ciência" (Mecacci, 1998). Pode-se assim pensar que por esses motivos a cultura de esquerda na Itália, mesmo quando distante do stalinismo e não suprimida pelas posições de Togliatti, não estava predisposta a afirmar a relevância e o significado psicológico das concepções de Gramsci.

Também os psicólogos italianos não possuíam tal predisposição. Depois da segunda guerra mundial, a psicologia italiana, que fora sufocada pelo regime fascista, foi predominantemente influenciada pela psicologia estadunidense: primeiro pelo behaviorismo e em seguida pelo cognitivismo. Ambos referenciais teóricos distantes dos problemas que o pensamento de Gramsci colocava. Os próprios psicólogos italianos, política e ideologicamente alinhados à esquerda, tendiam a dividir suas atividades de psicólogos de sua militância política. Muitos sustentavam que tal divisão era necessária para proteger a pureza da pesquisa. Simplificando, se poderia dizer que muitos psicólogos de esquerda se dedicavam à atividade cientifica durante a semana, trabalhando nos institutos universitários; e, aos fins de semana e feriados, dedicavam-se à militância política, indo às sessões do PCI ao invés da Igreja (Romano, 1974).

A psicologia fechou as portas ao pensamento gramsiano. Ao contrário, o pensador sardo obteve reconhecimento no âmbito pedagógico e educativo, no qual foi rapidamente entendido o valor que Gramsci atribuía à escola, lugar por excelência do processo de luta pela hegemonia cultural. Houve, por exemplo, grande difusão de uma ampla coletânea de seus escritos pedagógicos: "La fomazione dell'uomo" organizada por Giovanni Urbani e publicada pela Editori Riuniti em 1969. O pensamento de Gramsci sobre a escola e sobre a educação torna-se de fato ponto de referência para os(as) pedagogos(as) e para os (as) professores(as) de esquerda que procuravam opor-se ao controle quase absoluto exercido sobre as instituições de ensino pelo catolicismo e pelo partido da Democrazia Cristiana. A relevância do pensamento de Gramsci no âmbito educacional não se refere apenas à Itália, mas possui caráter internacional com ligações entre seu pensamento e as propostas de Paulo Freire, como é evidenciado por uma ampla literatura (consultar entre outros: Ledwith, 2001; Mayo, 2015). Aparentemente, a psicologia na Itália, como em outros países "ocidentais" (Europa e Estados Unidos), evidenciou, em relação a outras ciências humanas, um peculiar fechamento auto-referenciado.

Podemos hipotetizar que os motivos indicados de modo muito sintético possam servir para explicar porque a relevância psicológica dos escritos de Gramsci, mesmo sendo evidente, tenha sido apreendida com atraso. É significativo a esse respeito que a relação de Gramsci com a psicologia tenha estado miseravelmente reduzida às poucas linhas dedicadas pelo autor a um novo tratamento inventado por um médico vienense da época. Sobre tal tratamento, ele declara definitivamente não o conhecer em algumas cartas à cunhada Tatiana, nas quais aborda o problema da doença mental da mulher Julia. Em outros termos, a relação entre Gramsci e a psicologia foi reduzida ao pouquíssimo ou nada que em seus escritos se apresenta de forma explícita, ignorando o tanto que há implícito.

 

Possível Atualidade para a Política das Ideias de Gramsci sobre o Senso Comum

Se referências históricas podem servir para entender o presente, é importante refletir sobre qual pode ser a contribuição das ideias de Gramsci hoje, em especial aquelas que possuem relevância psicológica. Ao levar a cabo tal reflexão devemos considerar as mudanças ocorridas desde os tempos do marxista italiano, em particular a partir do final do século passado. De forma geral, é o mesmo problema que foi colocado recentemente pela já citada semana comemorativa dedicada a Gramsci em Buenos Aires: "Gramsci today: continued relevance?"7

Para lidar com a questão posta podemos começar considerando "clássicos" - ou seja, teoricamente válidos em seus princípios essenciais - os conceitos fundantes do pensamento "psicológico" de Gramsci: o senso comum, o bom senso, a hegemonia cultural. Caracterizar Gramsci como clássico justifica-se pela sua persistente relevância na filosofia e na política. É significativo sobre essa questão que o pensamento de Gramsci seja conhecido mais amplamente e aprofundado com mais originalidade na América Latina8 em comparação à Europa e à própria Itália. Ou seja, tal apropriação latino-americana se dá em situações históricas muito diferentes daquelas diretamente conhecidas pelo pensador italiano; emigrado para Torino da Sardenha e, depois de estadias temporárias em Moscou, trancado em uma prisão ao sul da Itália. O sucesso latino-americano de Gramsci é explicado pelo fato de que "os Cadernos apresentam uma reinterpretação do marxismo tradicional, tomando a história nacional como seu principal ponto de referencia"9.

Ao mesmo tempo, depois de reafirmado o caráter clássico dos conceitos ou construtos teóricos de Gramsci, é oportuno que nos perguntemos sobre a possibilidade e as formas de sua aplicação na situação atual. Em outros termos, retomando um conceito de Piaget, se coloca o problema de sua "acomodação". O problema diz respeito em primeiro lugar à hegemonia cultural pelas suas diretas implicações práticas, ou seja, refere-se às formas com as quais tal conceito pode hoje ser colocado em prática.10

A hegemonia cultural - que tem como finalidade última a formação do "novo senso comum" - requer que a luta não seja apenas política em senso estrito, baseada em relações de força. Junto à luta política - e esta inclui o conflito, armado se necessário - deve obrigatoriamente ocorrer a luta cultural contra o domínio, ideologicamente fundado, das classes privilegiadas ou dominantes. Uma luta que envolve os conhecimentos e as consciências, em suma, a subjetividade das pessoas que devem ser sempre consideradas conscientes e senhoras de seus destinos, ou seja, livres. Tal luta necessita de um trabalho cultural contínuo e cotidiano, minucioso, que deve se desenvolver não apenas em nível formalmente político por meio do Partido. O trabalho cultural deve se dar em instituições e organizações diversas: na escola em primeiro lugar - a qual Gramsci atribui máxima importância-, nos locais de trabalho, quarteis, cárceres... Instituições que devem ser consideradas terreno de luta cultural e não apenas e necessariamente "aparelhos ideológicos do Estado" (Althusser, 1969); ou seja, não devem ser entendidas apenas como destinadas a serem funcionais aos interesses das classes dominantes. Tudo isso remete aquilo que Gramsci define de forma geral como relação entre élites e massa. Uma relação dialética, pois não é unidirecional do alto para baixo - não existe um alto e um baixo -, mas bidirecional. Uma troca de experiências e conhecimentos, ainda que quem saiba mais ou tenha mais experiência tenha também maior responsabilidade. Em outros termos, uma comunicação no sentido próprio do termo, pois objetiva tornar comum, partilhado, conhecimentos e experiências. Nesse sentido, em Gramsci é paradigmática a relação entre mestre e aluno. Ambos são responsáveis, o primeiro tem maior responsabilidade, mas deve acima de tudo ser capaz de entender as experiências e os conhecimentos dos alunos e aprender com eles: "(...) a relação entre mestre e estudante é uma relação ativa de vínculos recíprocos e, por tanto, cada mestre é sempre estudante e cada estudante mestre" (Gramsci, 1977; Quaderno 10, p.1331. Traduação nossa11) Podemos considerar que esta proposta de Gramsci desenvolve a ideia aristotélica de democracia.

É possível melhor compreender a relação entre élites e massas, segundo Gramsci, a partir da pesquisa sobre estilos de liderança e atmosferas de grupo - autocrática, democrática, laissez faire - que Lewin, em um contexto teórico diferente, mas que apresenta afinidades fundantes com Gramsci12, conduz no final dos anos 30 (Lewin, Lippit, White, 1939). Não casualmente aqueles anos eram marcados pelas ditaduras fascistas e nazistas e pela autocracia de Stalin. Nos Estados Unidos, depois da falência do liberalismo (laissez faire), abortado na crise de 1929, procurava-se afirmar a democracia ao estilo de Roosevelt. De fato, Lewin, estudando em laboratório as dinâmicas de grupo, se propunha a entender as formas da política13, como indicam seus conceitos e termos propriamente políticos: autocracia, democracia, laissez faire. A possibilidade de estender o que foi verificado nas pesquisas experimentais com pequenos grupos a nações inteiras se baseava no conceito gestáltico de "transposição". Em outros termos, sendo a estrutura gestáltica dos fenômenos observados essencialmente a mesma independentemente de sua dimensão, as pesquisas de laboratório sobre grupos poderiam contribuir para a compreensão do que acontecia na Alemanha. Lewin analisa em Resolving Social Conflicts14 o problema do fracasso de uma experiência democrática e da prevalência da autocracia, mais especificamenteo processo no qual depois da queda da "fraca democracia" da República de Weimar, triunfa na Alemanha o nazismo.

A dialética entre élites e massas, entre mestres e alunos, delineada por Gramsci corresponde a um "estilo de liderança democrática". A modalidade de comunicação na qual consiste tal estilo - rigorosamente analisado em experimentos pelo psicólogo berlinense - se distingue profundamente da comunicação unidirecional e "top down" do líder autocrático (Lewin, Lippit & White, 1939; Lewin 1948).

A realização de uma "atmosfera democrática" em um grupo de trabalho (ou na democracia em um Estado) requere um longo e difícil processo de "aprendizagem"15. A democracia "não pode ser imposta com os canhões", mas deve envolver diversas gerações, passar por conflitos, experiências e sofrimentos. Além disso, o processo de formação da democracia se baseia sobre uma relação bidirecional (Lewin, 1948) que envolve o líder e os membros do grupo. Se o líder, o mestre, tem pelo seu papel a principal responsabilidade, a difícil realização da democracia depende também dos membros do grupo, que devem estar dispostos a assumir as obrigações e responsabilidades que a democracia porta. Do mesmo modo, Gramsci se refere a uma interação que envolve a responsabilidade: seja das élites, seja das massas.

A democracia, como havia explicado primeiramente Aristóteles, nunca deve ser entendida como um ideal completamente realizado, mas como projeto sempre por realizar. Um ideal que permanece no campo do constituinte e não se imobiliza enquanto constituído. Também devem ser entendida como um ideal em constituição a relação dialética entre as élites e as massas proposta por Gramsci, assim como, os grupos democráticos abordados por Lewin. Em certos períodos históricos tais ideais são ao menos parcialmente realizados, em outros períodos parecem desaparecer.

Para explicar o que é abordado aqui podemos nos referir ao que aconteceu na Itália no segundo pós-guerra: um país - passada a ditadura fascista, devastado pela guerra e regenerado pela Resistência, a lotta partigiana de libertação - onde foi possível realizar-se ao menos em partes a relação entre élites e massas pensada por Gramsci. Naqueles anos, os líderes dos dois principais partidos - a Democracia Cristã e o Partido Comunista Italiano - mantinham severo conflito entre eles, mas unidos na busca do bem comum conseguiram se comunicar com as massas, compreendendo-as e conseguindo fazer-se compreender. Assim, o líder democrático cristão Alcide De Gasperi - o primeiro chefe de governo da Itália republicana, um rigoroso católico de Trentino, deputado no parlamento de Vienna antes da Guerra Mundial - conseguiu compreender grande parte dos italianos e se fez compreender por eles, mesmo pelos camponeses do sul que viviam em condições sub-humanas. Do mesmo modo, do outro lado, Palmiro Togliatti, que possuía uma refinada cultura humanística de matriz oitocentista, conseguia entender-se com os operários do norte e os camponeses do sul - fazia-se entender para eles - e, assim também, depois dele, o seu sucessor à frente da secretaria do PCI, Enrico Berlinguer, que provinha de uma família aristocrática da Sardenha.

Em seguida, essa capacidade de comunicaçãocompreensão entre élites e massas desaparece, é perdida. Um processo que se repete na história, ainda que em formas e contextos diferentes, perfeitamente descrito por Ernst Jünger que se refere a quando observava o exército alemão durante a primeira guerra mundial:

"[O tenete Sturm n.d.r] o havia visto durante as visitas dos oficiais do Estado Maior na primeira fila. Entre eles havia sem dúvida inteligências excepcionais,... e todavia Sturm tinha a clara impressão que não teria podido falar com a gente... Aqueles discursos retornavam a sua mente como um jogo de troca na qual as palavras pas savam de uma mão a outra como moedas às quais cada um atribuía um valor com pletamente diferente. As palavras deslizavam através de afiados discos de gelo e perdiam assim seu calor. Mesmo com toda a boa vontade, uma profunda fenda estava aberta. Cem anos antes [no tempo da guerra de libertação contra Napoleão. N. d. r.] fora mais simples, a mesma mentalidade, desenvolvida sobre um terreno idêntico, unia os nobres oficiais aos camponeses armados" (Jünger, 2012, p. 27, tradução nossa).16

As consequências dessa perda são conhecidas: o triunfo de Hitler e do partido nacional-socialista, o "conformismo", a submissão absoluta a uma ditadura nazista de uma nação inteira entre as mais desenvolvidas do ponto de vista cultural e econômico.

Atualmente nas democracias ocidentais, na Europa e nos Estados Unidos, parece se delinear a mesma perda de relação entre élites e massas descrita por Jünger17. Uma consequência é a afirmação de líderes populistas como Trump nos Estados Unidos, Le Pen e a Frente Nacional na França, o humorista Grillo com o Movimento 5 Stelle na Itália e o militar da reserva de extrema direita Bolsonaro no Brasil. Populismo é um termo de diversos e incertos significados e, talvez, se pode concordar que o líder populista, como uma caixa de ressonância que repete e amplifica, diz ao povo aquilo que o povo quer ouvir com apelos ao senso comum superficial, entendido e instrumentalizado assim como é ou se gostaria que fosse. Os líderes populistas prevalecem se as élites falham em seu compromisso de comunicar-compreender. Nesse sentido é emblemático o que aconteceu nos Estados Unidos com a vitória de Trump. Não somente porque Trump venceu, mas porque a sua vitória não apenas não fora prevista, mas também fora excluída como possibilidade pela quase totalidade dos políticos, politólogos, jornalistas, intelectuais, filósofos estadunidenses e europeus, expoentes de élites incapazes de compreender. Dessa forma, tais élites falham e tornam-se de tal forma auto-referentes que flertam com o autismo.

Nesta fase de crise, as modalidades de hegemonia cultural e de relacionamento dialético entre élites e massas delineadas nos Cadernos do Cárcere devem ser repensadas levando em consideração a situação atual em sua complexidade.

Em primeiro lugar, como é sabido, a composição própria da sociedade em diferentes classes é atualmente acometida por mudanças contínuas. Assim, classes sociais fundamentais em certo tempo, como a operária ou a pequena e média burguesia, tendem a desaparecer da cena; tipos que na Europa e Estados Unidos tornam-se incertos ao ponto de que haja quem negue a sua atual existência. A tradicional classe média parece estar extinguindo-se com o aumento das desigualdades, as quais tendem a gerar uma polarização entre uma classe restrita de muito ricos e uma classe cada vez mais ampla e indistinta em risco, se não da pobreza, ao menos de uma mobilidade social descendente (Piketty, 2016). A classe operária, embora continuando a existir, não é reconhecida, parece ter desaparecido da percepção coletiva (Berselli, 1990; Tomeo, 2017). Ainda como consequência disto, falha a centralidade dos partidos políticos tradicionais. Como consequência, hoje parece anacrônica a ideia de Gramsci do Partido como "príncipe moderno", protagonista e responsável principal pela luta pela hegemonia cultural, além da luta política. Nesse cenário emergem os movimentos das mais diversas naturezas: ocasionais e fugazes, logo esquecidos depois de surgirem com grande evidência e ressonância, ou mesmo dotados de certa persistência. Podem ser citados como exemplos dos primeiros: Occupy Wall Street nos Estados Unidos; os indignados espanhóis; os movimentos que atravessaram o norte da África da Tunísia ao Egito, fazendo esperar a primavera árabe; os movimentos supostamente contra corrupção no Brasil, os quais levaram milhões às ruas, mas desapareceram imediatamente após a saída da presidenta Dilma Rousseff e se calam mesmo diante de casos gravíssimos de crimes envolvendo os altos escalões do governo de Michel Temer. Outros movimentos são persistentes e são organizados de forma parecida com os partidos, ainda que se recusem a definir-se como tal, pois defendem que tal forma de organização política está superada. Na Itália o "Movimento 5 Stelle" representa um exemplo paradigmático desse modelo.

O "movimentismo", como é definido, certamente não é um fenômeno novo. Em períodos históricos com rápidas e radicais mudanças, em revoluções ou revoltas, emergem movimentos, os quais assumem um papel protagonista, ainda que às vezes instrumentalizado. Os exemplos históricos são diversos: dos movimentos religiosos que se opunham à igreja de Roma, como os "catari", os "albigesi" e os "anabattisti, aos movimentos camponeses que a partir do século XVI se opuseram ao poder dos proprietários de terras na Franca (le jacqueries) e Alemanha; o ludismo durante a primeira revolução industrial, e até mesmo os movimentos estudantis, um fenômeno global do final da década de 60 do século passado.

Todavia as formas de manifestações de tais tipos de movimento são radicalmente transformadas em consequência das mudanças dos meios de comunicação. Se o movimentismo que caracterizou o período a Revolução Francesa foi fortemente determinado e descrito pela difusão dos "quotidianos", os vários "jornais" e "folhetos", o movimentismo atual é determinado e descrito pela difusão da internet. Assim, as multidões das primaveras árabes, nas quais prevalecem os jovens, agregavam-se aparecendo improvisadamente na praça, sobretudo graças à internet. O papel da comunicação telemática é central em um movimento estável como o "5 Stelle" desde quando foi fundado pelo comediante Grillo e pelo senhor Casaleggio, dono de uma companhia de informática milanesa (Casaleggio & Associati) que agora suporta a estrutura organizativa do movimento.

Difundem-se assim formas de comunicação que, ainda que não excluam o uso dos meios de comunicação de massa tradicionais e os próprios comícios em praças, mudam a relação entre as élites e as massas - para usar os velhos termos - além de transformarem a própria natureza das élites e das massas. De qualquer forma, é significativo que seja apresentada como realização contemporânea da democracia participativa a participação nas comunicações telemáticas, nas redes que ligam todos os membros ao movimento; no caso do Movimento 5 Stelle, a participação na "piattaforma Rousseau" como tem sido chamada por reivindicar exatamente esta ideia de democracia.

Assim, tem sido proposta pela via telemática a aprovação de escolhas políticas estratégicas, como o novo sistema eleitoral de votação para o Parlamento; e têm sido escolhidos "com um click" os(as) candidatos(as) às eleições nacionais e locais: candidatos a prefeito de cidades como Parma, Roma, Torino, Milão e Genova; e, mais recentemente, o candidato a primeiro ministro do Movimento. Não é bem claro, porém, o papel do líder e fundador do Movimento, Beppe Grillo, e da citada Casaleggio & Associati no controle de tais escolhas. Podemos citar como exemplo, a rejeição de alguns candidatos escolhidos "popularmente" com um "click", em especial o caso da candidata a prefeita de Genova. Há, além disso, o problema do número normalmente muito baixo de "clicks", ou seja, de participantes nesta democracia virtual. O fato de que são excluídas da participação várias pessoas - não somente muitos idosos, mas também diversos operários (as), camponeses (as), etc. - não parece ser um problema para o movimento. De fato, isto não tem sido minimamente levado em consideração pelos líderes e pelos mantenedores (jornalistas, intelectuais...) do citado movimento ou mesmo pelos seus adversários, o que é interessante e alarmante. Tem sido dado como fato que quem não faz parte da internet, quem não acessa a rede, não é um cidadão. Essa exclusão absoluta feita pelo Movimento 5 Stelle tende a aparecer também em outros movimentos e partidos: a política segue, assim, uma tendência social geral, que se manifesta desde o sistema tributário - onde quase tudo acontece por via telemática - à escola e à universidade. Assim, na Itália, o jovem Matteo Renzi, que fez da inovação - a "demolição do velho" - a sua bandeira, nas funções de premier e de secretário do Partido Democrático comunica-se prevalentemente via Twitter e Facebook, como o menos jovem Trump.

Ao mesmo tempo, um processo estrutural e de relevância social primária, iniciado nos anos 80 do século passado, continua. A informatização e a robotização estão mudando cada vez mais rapidamente o mundo do trabalho levando ao desaparecimento de diversos tipos de trabalho e trabalhadores. Tal processo que, em sua fase inicial, dizia respeito, sobretudo, ao mundo operário, os "coletes azuis", age atualmente sobre os profissionais e trabalhadores "burgueses", os "coletes brancos". São afetados bancários, professores do ensino básico e também professores universitários graças à progressiva difusão de universidades telemáticas e de cursos à distância nas universidades tradicionais.

Em todo caso, a internet e as redes em seu complexo estão inevitavelmente cada vez mais difusas e apresentam, como todas as inovações, profundas contradições. Assim, se por um lado podem ser um espaço de liberdade, por outro podem levar à padronização e à centralização18. Por um lado, são um centro de difusão de conhecimentos, por outro correm os riscos de serem um centro de mistificações e de propagações de falsas crenças. Dessa maneira, são também alteradas as modalidades de formação do senso comum.

Retornando a Gramsci, torna-se evidente diante de tudo isso que os modos de realização da hegemonia cultural e a relação entre élites e massas cujo objetivo é a formação de um "novo senso comum", de consciências livres e críticas, devem ser repensados para sua "acomodação". Isto requere uma reflexão teórica e a experimentação de novas práxis políticas. Assim, podemos perguntar qual pode ser a contribuição da psicologia para tais reflexões teóricas e tais experimentações.

 

O Compromisso da Psicologia

É oportuno nos perguntamos sobre a possível contribuição da psicologia a partir do atual estado da disciplina. O "mainstream" - a psicologia cognitiva e sócio cognitiva (Social Cognition) estadunidense e europeia - parece distante de poder enfrentar os problemas aqui postos. Simplificando por necessidade de síntese, no atual mainstream da psicologia parece prevalecer o naturalismo: a psicologia é frequentemente considerada uma ciência natural, uma parte da biologia. Tal naturalismo leva a explicações reducionistas dos processos psíquicos - prevalentemente explicações neurológicas. Há um significativo progresso técnico dos meios de pesquisa do sistema nervoso, ao ponto de mesmo alguns neuropsicólogos advertirem sobre os perigos daquilo que chamam de "neuromania" (Legrenzi & Umiltà, 1992). A neuropsicologia frequentemente não se limita a dar uma contribuição ou a propor uma explicação, mas assume dar "a" explicação de qualquer tipo de comportamento. Ela se propõe a explicar comportamentos sociais, relações de grupo, comportamentos econômicos, comportamentos políticos; posições de direita assim como de esquerda são explicadas, ou se pretende explicar, sobre bases neurais (Amodio, Josrt, Master e Yee, 2007)19. Essa concepção que coloca a psicologia em relação privilegiada, se não predominante, com as ciências naturais acabou com a predominância do projeto inicial do cognitivismo que se propunha a ser uma constelação de diversas disciplinas. Tal projeto colocava a psicologia em relação não apenas com a neurologia, mas também com outras ciências como a informática, a linguística e a antropologia.

Uma consequência do naturalismo é que a psicologia se apresenta como ahistórica e descontextualizada em relação às situações sociais concretas nas quais vivem os sujeitos. Outra consequência, não menos importante, é a forma de entender a relação da psicologia com a sua própria história e com os autores clássicos que compõem tal história. Do mesmo modo que as ciências naturais, a psicologia geralmente olha para seus clássicos como uma galeria de antepassados e considera a sua história simplesmente como passado, como um conjunto de conhecimentos progressivamente superados pelo desenvolvimento da pesquisa. Um modo de entender a história talvez sustentável para as ciências da natureza, mas que traz consequências negativas para a psicologia: um desenvolvimento da disciplina sem raízes pode ser frágil. Acabamos por encarar problemas já enfrentados como novos e a propor e repropor como novidades conceitos e teorias já definidos.

Além disso, no que diz respeito à metodologia - ainda se referindo ao mainstream da psicologia - frequentemente é assumido como requisito essencial à mensuração cada vez mais minunciosa. Iniciando, por exemplo, da observação das relações entre bebês e mães dissecadas em micro comportamentos que podem ser cronometrados e medidos (Lavelli & Fogel, 2013): a relação mãocriança é assim reduzida a tais observações objetivas e mensuráveis. No que se refere à psicologia da política são mais frequentes as pesquisas que se propõem a prever o voto e explicar os fluxos eleitorais com métodos quantitativos, como o I. A. T., e refinados modelos probabilísticos (Peruginie, Richetin e Zogmaister, 2014). O cidadão e a cidadã são frequentemente reduzidos ao eleitor, o sentir, o pensar e o agir na cidade são reduzidos às escolhas eleitorais como uma tipologia específica do comportamento de consumo. Ao contrário, as metodologias qualitativas, como aquelas fundadas sobre a relação entre retórica e pensamento (Billig, 1991) - voltadas a compreender não apenas as escolhas eleitorais, mas as orientações ideológicas e políticas das pessoas, o seu sentir e pensar - caracterizam hoje uma corrente cada vez mais minoritária. Em geral o risco - retomando o que escrevia Politzer nos anos 40 referindo-se ao behaviorismo - é que a psicologia encontre o método, mas perca seu objeto, ou seja, a subjetividade e o "significado" (Politzer, 1973). Uma tendência à quantificação e à formalização que corre o risco de esquecer a lição de Lewin, que defendia ser essencial definir os constructos teóricos antes de proceder a qualquer formalização matemática (Lewin, 1931; 1947).

Ao mesmo tempo, para o desenvolvimento da pesquisa e pela crescente especialização, a psicologia é dividida em diversos setores. Um processo negativo que produz uma fragmentação da disciplina em compartimentos isolados, perdendo uma visão unitária do sujeito e do seu ambiente e contexto. Um dos primeiros e mais evidentes efeitos da especialização é a separação entre uma psicologia social e uma psicologia geral que se refere a processos psíquicos tomados como universais e, por isso, ahistóricos e associais; uma ideia que pode ser remetida ao pensamento iluminista, em especial a Kant. Assim, se distingue uma psicologia cognitiva (não social) da política de uma psicologia social da política. Uma separação insensata, pois lhe falta reconhecer que todos os processos psíquicos, a partir de sua gênese, são históricos e sociais como demonstrou Vigotski e a escola históricocultural (Vigotski, 2007). Além disso, a partir do fim dos anos 60 do século passado, a Psicologia Social Europeia sócioconstrucionista20 de Tajfel, Moscovici, Doise e outros21 também se empenharam em evidenciar a impossibilidade de se pensar uma psicologia que não seja "social".

Distingue-se do naturalismo predominante - de forma coerente com a perspectiva interdisciplinar originariamente proposta pelo cognitivismo - a concepção da psicologia como uma ciência, ou disciplina, com caraterísticas próprias, não redutíveis a outras ciências; mas, como demonstra a sua história, uma disciplina de fronteiras seja com as ciências da natureza seja com as ciências sociais: a história, a economia, a antropologia, a sociologia. A relação com as ciências sociais se torna necessária e relevante quando encarados os problemas aqui propostos, os problemas da "polis"22. Uma proposta que se relaciona mais diretamente às ideias de Lewin que, ao enfrentar problemas políticos - por exemplo, conflitos sociais -, assume que o psicólogo deve ser um "cientista social", sendo necessária uma perspectiva interdisciplinar, na qual a economia desempenha papel essencial (Lewin, 1946; 1948).

Além disso, essa psicologia não assimilada pelas ciências naturais deve retomar a sua história e a herança dos clássicos, dos antigos mestres. Sem torná-los mitos, mas relendo-os criticamente, como Billig recentemente fez com Lewin (Billig, 2015).

De um ponto de vista geral, a psicologia, para lidar com os problemas aqui colocados, deve refutar o naturalismo. Entretanto, no que se refere à "acomodação" do pensamento de Gramsci à situação atual, são necessárias a interação e a sinergia entre diversas perspectivas teóricas e metodológicas convergentes entre si.

Se a práxis política não deve ser entendida somente como comunicação de massas e/ou "top down", mas como ação minuciosa de comunicação e transformação nos grupos e nas comunidades, pode ser útil relacionar a hegemonia cultural gramsciana com a pesquisa-ação de Lewin. A pesquisa-ação foi explicitamente proposta e definida por Lewin na última fase de seu percurso de pesquisa para confrontar o problema político - em seu sentido mais autêntico - dos conflitos sociais e dos grupos minoritários ou não privilegiados23 (Lewin, 1946, p. 34). Antes dessa última pesquisa incompleta por sua morte repentina, podem ser consideradas de fato pesquisas-ação as intervenções de Lewin nas fábricas têxteis voltadas para mudar os comportamentos produtivos após a introdução de novas tecnologias (Lewin, 1947); e a conhecida pesquisa sobre as formas mais eficazes de se mudar os hábitos alimentares (Lewin, 1943).

A pesquisa-ação de Lewin não propõe como finalidade a luta política, assim as pesquisas nas fábricas não se propõem a mudar as relações de poder; pretendem envolver os operários tornando-os protagonistas conscientes das mudanças introduzidas. Todavia, os princípios essenciais da pesquisa-ação podem ser relevantes para as modalidades de intervenção na hegemonia cultural. Primeiramente, abordando a interação entre pesquisador e participantes como portadores de saberes e experiências diferentes, mas de igual dignidade que devem ser capazes de se comunicar, ou seja, colocar em comum, para alcançar um objetivo compartilhado. Um processo no qual todos os sujeitos envolvidos são "responsáveis" ainda que os pesquisadores, os quais detêm um saber especializado, tenham maiores responsabilidades; como nas relações entre élites e massas, entre mestres e alunos, delineadas por Gramsci. Além disso, a pesquisa-ação atribui um papel primário - que não elimina a responsabilidade individual - aos grupos e às comunidades que fazem parte das organizações e instituições da sociedade civil como indústrias ou escolas. Sobretudo, a pesquisa-ação de Lewin se propõe a transformar de forma emancipadora os saberes experienciais e cotidianos, componentes essenciais do senso comum.

A adequação teórica de Gramsci para a realidade atual deve estar relacionada a referenciais psicológicos coerentes com seu pensamento e que sejam capazes de potencializá-lo (Colucci, 1999; 1991). Referimonos em particular a Escola Histórico-Cultural a partir de Vigotski (Rosa, 2017) e a Psicologia Social Europeia, antes citada. Propostas teóricas coerentes ainda que diferentes. Elas, assim como a pesquisa-ação de Lewin (Colucci & Colombo, 2018), podem ser entendidas como concepções da Psicologia Crítica, a qual é um movimento tão amplo ao ponto de ser necessário esclarecer a qual Psicologia Crítica nos referimos.

Há duas psicologias críticas. Aquela original que se identifica com a obra de Klaus Holzkamp (1972, 1973) (...). Outra psicologia crítica - diferente daquela original - é atualmente desenvolvida e seguida na Inglaterra e em outros países do norte da Europa, além dos Estados Unidos (...). A meu ver tal psicologia crítica não tem mais nada a ver com o projeto teórico de Holzkamp"24 (Doise, 2012, p. 22-23, tradução nossa).

Em outros termos, há uma Psicologia Crítica genérica ou entendida em sentido amplo. Tal concepção se distingue da Psicologia Crítica da Escola de Berlim fundada por Klaus Holzkamp no início dos anos 70 do século passado, quando os movimentos estudantis de protesto investiram sobre as universidades e sobre toda a sociedade.

A Psicologia Crítica em sentido amplo, como indica a literatura25, é muito presente - mais que no norte da Europa e nos Estados Unidos, como correntes que se contrapõe ao mainstream da psicologia - em países da América Latina onde é mais intenso o conflito entre opressores e oprimidos.

Simplificando, se pode compreender tal Psicologia Crítica entendida em sentido amplo como um movimento não definido do ponto de vista teórico e que é essencialmente caracterizado pelo fato de ser opositor. Um pensamento crítico de oposição contra as diversas formas de repressão, de marginalização e discriminação26.

A Psicologia crítica berlinense, por sua vez, se apresenta como uma teoria psicológica orgânica e completa27 que compreende todos os processos psíquicos a partir da percepção, objeto de estudo da psicologia clássica, e com uma particular atenção para o problema das necessidades (Holzkamp-Osterkamp, 1975-76). Uma teoria psicológica que se funda sobre uma reinterpretação do marxismo à luz dos problemas atuais da sociedade e da subjetividade. Ela se coloca em relação com a Escola Histórico-Cultural e em particular com a Teoria da Atividade de Leontiev reconsiderada a partir dos problemas das sociedades ocidentais. Como consequência, a Psicologia Crítica berlinense se funda na sociedade, na economia e, em especial, na história, que junto a Leontiev, entende abarcar também a evolução biológica. Uma psicologia assim é por si mesma social e essencialmente "crítica" enquanto tem como seu fim a emancipação dos sujeitos por meio de sua participação ativa. Pode-se argumentar que é assim reproposto o projeto da Filosofia Crítica de Kant com a substancial diferença de que o universalismo e o idealismo do filósofo de Könisberg dão lugar a historicização da subjetividade.

Esta Psicologia Crítica "de origem", como é definida por Doise, do ponto de vista teórico se relaciona com a Psicologia Social Europeia; sobretudo com suas características originais devido à obra de Tajfel, que em seus escritos dos anos 70 (Israel e Tajfel, 1972; Tajfel, 1976) refere-se à Hozkamp (Colucci & Montali, 2013; Colucci, 2016). No que se refere aos aspectos empíricos e a intervenção psicológica, a Psicologia Crítica a qual nos referimos tem atualmente uma importante realização naquela que foi definida como "critical community psychology" (Prilleltensky & Nelson, 2009, p. 129). Tal proposta se diferencia da psicologia comunitária de matriz estadunidense prioritariamente por se basear na consideração das condições materiais de existência e nas relações de poder28. Uma psicologia comunitária crítica que, na Itália, se desenvolveu referindo-se diretamente a Holzkamp ao destacar as diferenças em relação a "North American Community Psychology" (Palmonari & Zani, 1982, p. 193)29. Uma psicologia que continua a ser relevante30 na Itália pela tradição cultural explícita ou implicitamente influenciada por Gramsci.

Esta psicologia comunitária contextualizada e crítica, no que se refere a modalidades de pesquisa e intervenção, tem uma relação orgânica com a pesquisa-ação da "psicologia ecológica" de Lewin.

 

Conclusões

Enfim, defendemos que as ideias de Gramsci sobre senso comum e sobre hegemonia, se atualizadas e potencializadas por teorias psicológicas da escola históricocultural, de Lewin, da psicologia social europeia de Tajfel, Moscovici e Doise e fundamentalmente com a perspectiva da psicologia crítica, podem dar uma relevante contribuição à psicologia da política e à prática política que se propõe a enfrentar problemas da contemporaneidade. Sobretudo, as experiências da psicologia comunitária e da pesquisa-ação podem dar importante contribuição na luta pela hegemonia cultural: enquanto práxis política que tem como fim a emancipação de sujeitos conscientes e ativos.

A proposta trabalhada neste artigo é particularmente relevante em países como o Brasil. A cultura brasileira, e mais geralmente a sul-americana, como abordado, está particularmente atenta às ideias de Gramsci, além de desenvolver e atualizar essas ideias mais que na própria Itália, onde elas foram formadas. Isto confirma a internacionalidade do pensador sardo, mas também está relacionado ao fato de que nesses países são particularmente urgentes e dramáticos problemas políticos fundamentais, em especial aqueles referentes à desigualdade social e à democracia. Assim sendo, emergem com particular relevância, por exemplo, em movimentos como o dos trabalhadores rurais sem-terra, questões que se referem à luta pela hegemonia cultural, à relação entre as elités e as massas e ao papel dos intelectuais.

A práxis política aqui proposta visa um processo de emancipação que se contrapõe às ações top - down. Ao contrário, objetiva um processo assimilável por meio de um lento e trabalhoso aprendizado da democracia que, como advertia Lewin nos anos 40 do século passado, não pode ser exportada ou imposta com os tanques. Da mesma forma como não se pode impor o socialismo, como pensava Gramsci sentindo-se livre ainda que estivesse no cárcere.

 

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Recebido em: 18/12/2017
Aceito em: 24/04/2018

 

 

1 Sobre a relação entre nossa percepção da realidade e as teorias da física, consultar Searle (2015).
2 Refere-se à obra Ideology and Opinions. Studies in Rhetorical Psychology (Billig, 1991). No mesmo ano de 1991, para celebrar o centenário do nascimento de Gramsci, foi organizado, no l'Istituto Gramsci di Bologna, o Seminário Internacional "Praxis, senso comune, egemonia: la psicologia dei problemi sociali complessi" com o objetivo de evidenciar a relevância do pensamento gramsciano, e em particular do conceito de senso comum, para a psicologia social. Participaram do Seminário os mais importantes representantes da psicologia social europeia inspirada no construcionismo, a qual se opõe a Social Cognition de matriz estadunidense (Serge Moscovici, Willem Doise, Mario von Cranach entre outros) e da Teoria da Atividade que desenvolve-se a partir da escola históricocultural (Charles Tolman, Martin Hildebrand Nilshon, Georg Rückriem entre outros) (Colucci, 1991, 1994).
3 "Assim é, se lhe parece" na tradução para o português. Uma referência à peça do dramaturgo Luigi Pirandello.
4 Gramsci havia fundado e dirigido o "Partido Comunista da Itália", como foi chamado quando nasceu no Congresso di Livorno de 1921 a partir da separação do Partido Socialista. Para mais informações sobre a história do partido comunista italiano, consultar Spriano (1971-1975). Sobre o conflito entre Gramsci e Togliatti, que não pode ser reduzido ao confronto de duas personalidades diferentes, mas a uma situação que envolveu todo o Partido Comunista da Itália, o qual isolou cladestinamente seu secretario encarcerado, consultar D'Orsi (2017, p. 200-205). Pode-se ainda consultar "Gramsci a Roma, Togliatti a Mosca. Il carteggio del 1926" organizado por Chiara Daniele, com prefácio de Giuseppe Vacca, Torino: Einaudi, 1999. Para uma pontual reconstrução das relações entre Gramsci e Togliatti no contexto histórico e político daqueles anos, assim como sobre aos eventos vinculados à publicação dos Cadernos, consultar o trabalho de Giuseppe Vacca (2014).
5 "...sembra definirsi sullo sfondo...il principio che il socialismo non si possa raggiungere per via burocratica; tanto meno, ovviamente, per vie direttamente coercitive"
6 Sobre uma história recente dos Cadernos, suas questões editoriais com a hipótese do Caderno desaparecido, em relação ao conflito entre Gramsci e Togliatti e às formas com as quais Togliatti utilizou Gramsci desde quando retornou à Itália em 1945, consultar Lo Piparo (2013).
7 "Gramsci hoje: relevância contínua?" Tradução nossa.
8 Isto pode ser demonstrado pelos importantes seminários internacionais organizados recentemente por universidades brasileiras: IV Seminário Cientifico Internacional: "Teoria Política do Socialismo: Antônio Gramsci na Periferia", na Universidade Estadual Paulista "Julio de Mesquita Filho" (UNESP) em Marília e o Seminário Internacional Comemorativo dos 120 anos de Nascimento de Antonio Gramsci: "Gramsci Histórico", na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO).
9 "The Quaderni presented a reinterpretation of traditional Marxism, taking National history as its central point of reference". Fala proferida durante a semana comemorativa dedicada a Gramsci em 2017 na cidade de Buenos Aires: "Gramsci today: continued relevance?
10 Uma convenção internacional organizada em Roma (18-20 de maio de 2017) pela Internacional Gramsci Society e pelo Istituto dell'Enciclopedia prometia em seu título abordar tal problema: "Hegemonia e modernidade. O pensamento de Gramsci na Itália e na cultura internacional". Porém, os temas abordados nas apresentações parecem anacrônicos e celebrativos, por exemplo: "Os escritos jornalísticos e políticos"; "O epistolário", "Os afetos", "A vida"; "Marxismo e linguagem" e etc. Um tema atual é abordado por Luis Sérgio Henriques: "O Brasil depois do fim da ditadura. Reflexão grasmciana". Por tanto, a quase totalidade das apresentações parecem não se referirem aqueles considerados como problemas atuais da hegemonia cultural. Propõe-se também a abordar problemas atuais o recente (18-19/10/2017) Seminário organizado pela seção italiana da Internacional Gramsci Society em Bruxelas, no Parlamento Europeu: Gramsci in translation: Crisis, hegemony and revolution in. Em particular a mesa redonda intitulada How is common sense shaped today? Mass media and the struggle for hegemony.
11 "(...) il rapporto tra maestro e scolaro è un rapporto attivo di relazioni reciproche e pertanto ogni maestro è sempre scolaro e ogni scolaro maestro"
12 Lewin é um psicólogo, Gramsci um político e pensador marxista. No entanto, os escritos de Gramsci têm uma relevância psicológica e Lewin possuía interesses políticos não apenas teóricos. De fato, Lewin havia vivido os anos da Republica de Weimar não fechado no laboratório, mas participando ativamente da vida social. Ele conduz, por exemplo, pesquisas sobre a organização Taylorista do trabalho (Lewin, 1920) e interessa-se pelas escolas operarias (Marrow, 1969). Além disso, foi ignorada a relação com o marxismo de Lewin, que ainda que não possa ser considerado um marxista, conhecia o marxismo; foi por ele influenciado durante os anos da República de Weimar, quando adere a uma corrente do partido social democrata. Podemos corroborar tais afirmações a partir, entre outras coisas, da sua colaboração (também subestimada ou esquecida) com o filosofo político marxista Karl Korsch, a qual continuou também nos Estados Unidos (Lewin & Korsch, 1939; van Elteren, 1992).
13 A finalidade e a relevância política das pesquisas de Lewin sobre dinâmicas de grupo foram rapidamente esquecidas ou negligenciadas após sua morte. Os seus estudos continuaram a ser aplicados no âmbito do trabalho (grupos de trabalho), escolar, clínico (Colucci, 2005).
14 Volume póstumo publicado em 1948
15 Lewin e Gramsci, mas pode-se pensar também em Muzafer Sherif, pertencem a uma geração de estudiosos "for ever optmist" como foi escrito por Dewey (Manicas, 2002). Um otimismo, não apenas da vontade, mas também da razão aplicada à pesquisa, a reflexão teórica, que acreditava na possibilidade de educar para a democracia, além de reduzir os conflitos entre grupos.
16 "[Il tenente Sturm n.d.r.] Lo aveva visto durante le visite degli ufficiali di Stato maggiore sulla prima linea. Tra di loro c'erano senza dubbio delle intelligenze eccezionali,... e tuttavia Sturm aveva avuto la netta impressione che non avrebbero potuto parlare con la gente.. Quei discorsi gli ritornavano in mente come un gioco di scambi in cui le parole passavano da una mano all'altra come monete cui ciascuno attribuiva un valore completamente diverso. Le parole scivolavano attraverso affilati dischi di ghiaccio e perdevano così il loro calore. Nonostante tutta la buona volontà, una profonda spaccatura restava aperta. Cento anni prima [al tempo delle guerre di liberazione contro Napoleone. N.d.r.] era stato più semplice, la stessa mentalità, sviluppata su un identico terreno, univa i nobili ufficiali ai contadini armati"
17 Sobre a crise atual ou "decadência" dos intelectuais se pode ver, entre outros, Carlo Carboni (2015).
18 É mais livre, menos sancionável e menos controlável uma aula tradicional ou um curso a distância?
19 Sobre essa questão, consultar o Workshop "The Neural Basis of Political Behavior", organizado por Neuroscence School of Advanced Studies, em Siena, nos dias 3, 4, 5 e 6 de maio de 2017.
20 Na versão em italiano do texto o termo é Socio costruzionista.
21 Sócioconstrucionista por considerar que os processos psíquicos são, por sua própria natureza, sociais. Tais processos são entendidos como construções resultantes das relações sociais, no âmbito dos grupos e da comunicação; e não são sociais simplesmente por terem um objeto social como defende o sociocognitivismo ou Social Cognition. Mesmo Freud nas primeiras páginas da Psicologia das Massas e análise do eu (1921), baseado nas relações com o outro a partir do nascimento, defende que toda a psicologia seja social. Porém, se pode dizer que a psicologia social de Freud seja ahistórica e descontextualizada a respeito de fatores culturais, pois seus construtos teóricos fundamentais, a partir das pulsões, são biológicos, possuindo sua fonte no "soma". A psicologia social freudiana limita-se às relações interpessoais e de grupo, ou seja, ao segundo ou terceiro nível de explicação (Doise, 1982).
22 Pode-se lembrar de que Wundt, conhecido como o fundador da psicologia experimental, dedicou a última fase de sua atividade de pesquisa à Völkerpsychologie (1900 - 1920). Ele defendeu que os "processos mentais superiores" (como o pensamento e a linguagem) e a sua gênese poderiam ser compreendidos a partir de uma psicologia social ou cultural, como a definimos hoje, baseada sobre conhecimentos históricos, econômicos, antropológicos; não a partir da "psicologia fisiológica" com experimentos de laboratório, que podiam analisar somente os elementos da psique como os tempos de reação e as diversas sensações.
23 "minority or underprivileged groups".
24 Il y a deux psychologies critiques. Celle <<d'origine>> qui s'identifie avec l'oeuvre de Klaus Holzkamp (1972, 1973) ...Une autre psychologie critique fait maintenant école en Gran Bretagne, dans d'autres pays de l'Europe du Nord, ainsi qu'aux Etats-Unis. ... Je considère qu'elle ne relève plus du projet théorique de Holzkamp...
25 Consultar o número monográfico do Annual Review of Critical Psychology (10, 2013) dedicada a um panorama da psicologia crítica no mundo.
26 Para uma apresentação desta Psicologia Crítica, consultar: Biglia & López, 2006 e Maiers 1991, p. 599 ss
27 Remete-se em primeiro lugar aos escritos de Klaus Holzkamp: Kritische Psycologie de 1972, traduzido para o Italiano em 1974, que pode ser considerado a apresentação ou o manifesto desta escola. Sinnliche Erkenntnis-Historischer Ursprung und gesellschaftliche Funktion derWahrnehmung de 1974 constitui o seu fundamento teórico; Grundlegung der Psychologie (1983-1985) apresenta a teoria completa. Consultar para a literatura em língua inglesa a antologia organizada por Tolman e Maiers (1991) e o mais recente e atual texto de Billig (2008).
28 Prilleltensky e Nelson distinguem um "mainstream community psychology" de uma "critical community psychology" caracterizada por ser "contextualizada" e "ecológica"; "política" enquanto focada em problemas de desigualdade social e do poder; e crítica por seus princípios "ontológicos, epistemológicos e metodológicos" (Prilleltensky & Nelson 2009, 129).
29 Palmonari and Zani, no ensaio Towards a community psychology in Italy, referem-se aos pontos fortes da Psicologia Crítica de Holzkamp, mas também às limitações da psicologia comunitária norte Americana que possui uma falta de atenção às relações de poder nos contextos sociais. Como resultado, o conceito de "classe é raramente usado" como se fosse substituído pelo de "grupos" (1982, p. 186). Por outro lado, os autores reconhecem a habilidade da Psicologia Comunitária em: "favorecer uma mudança de atitude de forma emancipatória e não manipuladora (no sentido proposto por Holzkamp (1972)" (Palmonari & Zani, 1982, 193).
30 Como evidenciado nos últimos números da Rivista Psicologia di Comunità.

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