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Revista Psicologia Política

versão impressa ISSN 1519-549Xversão On-line ISSN 2175-1390

Rev. psicol. polít. vol.17 no.40 São Paulo set./dez. 2017

 

ARTIGOS

 

Entre justiça e patologização: reflexões sobre a violência epistêmica e material na pesquisa sobre migração transnacional e violência doméstica

 

Entre justicia y patologización: reflexiones sobre la violencia epistémica y material en la investigación sobre inmigración transnacional y violencia domestica

 

Entre justice et pathologisation: réflexions sur la violence épistémique et matérielle dans la recherche sur la migration transnationale et la violence estique

 

 

Erica Burman

Professora titular em Educação na Manchester University. Cofundadora do Discourse Unit. erica.burman@manchester.ac.uk

 

 


RESUMO

Este artigo aborda dilemas ético-políticos levantados por um projeto de pesquisa-ação transnacional sobre e com mulheres paquistanesas solicitantes de refúgio no Reino Unido, às quais a condição de refúgio se deu por conta da violência doméstica, e em um contexto marcado não somente pelas relações coloniais entre a Grã-Bretanha e o Paquistão, mas intensificado pelo clima atual de islamofobia. Este artigo baseia-se em críticas feministas ao multiculturalismo liberal que mostram como este privilegia discursos sobre 'cultura' e 'respeito cultural' em detrimento de gênero e assim reinstauram a cisão público-privado que assegura a opressão das mulheres. O artigo explora como o contexto prático-político de produção documental para melhorar o processo de tomada de decisão sobre as reivindicações de refúgio pressiona os relatos a focarem em um caráter vitimista, que limita a concepção de mulheres como agentes, junto com a demonização em potencial dos contextos nacionais, culturais e religiosos dos quais as mulheres estão fugindo. O artigo oferece uma perspectiva e exemplos importantes de estratégias para a retomada de um olhar problematizante a partir dessas "outras" esferas para o normalizado, mas igualmente potente contexto cultural, nacional e religioso da Grã-Bretanha/o Norte.

Palavras-chave: gênero; cultura; representação; refúgio, imigração, lei


RESUMEN

Este articulo trata de dilemas éticos-políticos que emergieran en un proyecto de investigación-acción transnacional sobre y con mujeres paquistaníes solicitantes de asilo en el Reino Unido, por la violencia domestica, y en un contexto marcado no solo por las relaciones coloniales entre Gran-Bretaña y Paquistán, pero intensificado por la atmosfera actual de la islamofobia. Este articulo se tiene su base en criticas feministas al multiculturalismo liberal que apuntan como este privilegia discursos sobre "cultura" y "respecto cultural" en detrimento del genero y así reinstauran una cisión público-privado que mantiene la opresión de las mujeres. El artículo explora como el contexto práctico-político de producción material para mejorar el proceso de la tomada de decisión sobre los pedidos de refugio presiona los relatos a un carácter victimista, que limita la concepción de mujeres como agentes, junto con la demonización en potencial de los contextos nacionales, culturales y religiosos de las mujeres que están escapando. El artículo ofrece una perspectiva y ejemplos importantes de estrategias para la retomada de una mirada que problematiza a partir de esas "otras" esferas para el normalizado, pero igualmente potente contexto cultural, nacional y religioso de la Gran-Bretaña/el Norte.

Palabras clave: genero; cultura; representación; asilo, inmigración, ley


RÉSUMÉ

L'article aborde les dilemmes éthiques et politiques posés par un projet de recherche transnationale sur et avec des femmes pakistanaises en quête d'asile au Royaume-Uni, dont le statut de réfugié est dû à la violence domestique et non seulement aux relations coloniales entre la Grande-Bretagne et le Pakistan, et intensifié par le climat actuel d'islamophobie. Le chapitre s'inspire des critiques féministes du multiculturalisme libéral qui montrent comment cela privilégie les discours de «culture» et de «respect culturel» sur le genre et rétablit ainsi la scission public-privé qui sécurise l'oppression des femmes. L'article explore comment le contexte politico-pratique générant un soutien documentaire pour éclairer la prise de décision autour des demandes d'asile pressurise les comptes vers une «axé sur la victime» - concernant des conceptions de l'agence des femmes, parallèlement au potentiel de diabolisation du national, culturel et religieux. contextes que les femmes fuient. Le chapitre offre une justification et des exemples clés de stratégies pour ramener le regard problématisant de ces «autres» arènes au contexte (culturel, national et religieux) normalisé mais tout aussi puissant de la Grande-Bretagne / du Nord.

Mots-clés: genre: la culture; représentation; refuge, immigration, loi


 

 

Entre justiça e patologização: reflexões sobre a violência epistêmica e material na pesquisa sobre migração transnacional e violência doméstica1

Este artigo aborda dilemas ético-políticos colocados por e num projeto de pesquisa-ação transnacional entre o Paquistão e o Reino Unido (Siddiqui, Ismail and Allen, 2008) conduzido (sob minha supervisão) num período de 30 meses e finalizado em fevereiro de 2008.2 O projeto investigou a prestação de serviços a mulheres paquistanesas solicitantes de refúgio3 para e no Reino Unido, mulheres cujas situações de pedido de refúgio surgiram em decorrência de violência doméstica.4 A pesquisa enfrentou desafios particularmente complexos devido aos diferentes significados e focos que o projeto acabou assumindo nos dois contextos nacionais (serviços voltados à violência doméstica no Paquistão, processo de concessão de asilo no Reino Unido). No entanto, além disso, fomos provocadas por alguns dilemas de representatividade fundamentais, a partir dos quais incluo debates que tem a configuração de confluência das teorias social e feminista em circulação nos anos 90 preocupadas com quem fala por quem, com a problemática de falar ou dar voz, as distinções feitas entre falar e ouvir ou escutar, entre falar e falar por e, finalmente, sobre 'representar o outro' (e.g. Ahmed, 2000; Hooks, 1990; Wilkinson and Kitzinger, 1996; Spivak, 1993). Nesse projeto, esses dilemas foram levantados não apenas pela histórica (e certamente ativamente saliente) relação colonial entre a Grã-Bretanha e o Paquistão5, mas foram intensificados pelas atuais condições geopolíticas atuais de, por um lado, o neoliberalismo transnacional desenfreado que exige flexibilidade e trabalhadores móveis, e por outro lado a guerra e a islamofobia, que alimenta e produz xenofobias nacionais e que retrata os migrantes, e especialmente migrantes muçulmanos e paquistaneses, como possíveis terroristas (ver Ahmed, 2004; Bhattacharrya, 2008). Esses dilemas representacionais, que são inevitavelmente recapitulados em como falo deles, ilustram bem os temas deste livro: violência, democracia e direitos. De fato, estarei ilustrando como a violência molda discursos tanto de direitos quanto de democracia em termos não somente de respostas práticas à violência doméstica, mas também como estes são enquadrados por discursos transnacionais e interseccionais de gênero e racialização.

Como projeto de pesquisa-ação, gerado por e através de uma organização de assistência jurídica especializada nos casos de imigração (com o meu apoio enquanto supervisora acadêmica), o contexto prático-político de produção de suporte documental para melhor embasar (ou seja, mais justo e acolhedor) as tomadas de decisões acerca das reivindicações de refúgio, reproduziram muitos dos problemas enfrentados pelas campanhas de legislação anti-deportação e anti-imigração. Particularmente, os modos como as demandas do contexto práticolegal operam para pressionar os que pedem por refúgio relatos em direção ao foco na 'vítima', o que limita concepções de agenciamento das mulheres, assim como contribui para o potencial de demonização dos contextos nacional, cultural e religioso dos quais as mulheres estão escapando. O restante deste artigo oferece uma perspectiva e exemplos-chave de estratégias para um retorno de um olhar questionador a partir destas 'outras' arenas para o normalizado, mas igualmente potente contexto cultural, nacional e religioso da Grã-Bretanha/o Norte.

Dado o excedente prevalente de significados que circundam os conceitos de violência e refúgio (asylum), não somente via seus entrecruzamentos generizados (gendered) e racializados (racialised), mas também como estruturando as relações entre a Grã-Bretanha e o Paquistão, não havia como a equipe evitar considerações sobre o caráter performativo da pesquisa. Como, em nossa análise, poderíamos não reproduzir os próprios problemas que nossa pesquisa procura reparar? Em particular, buscando chamar a atenção para a condição das mulheres paquistanesas requerentes de refúgio, cuja situação de refúgio surgiu através de seus esforços para escapar da violência doméstica, como o projeto poderia evitar participação na prevalente demonização do Paquistão? Nesse artigo, portanto, reflito sobre decisões e estratégias que foram geradas durante o curso da pesquisa - informando seu planejamento e condução e também seu estilo informativo. Enquanto alguns princípios norteadores foram alcançados por meio de discussões e debates com a equipe6, meu objetivo aqui é buscar algumas reflexões adicionais sobre estas suposições 'conclusivas' em termos de argumentos conceituais e ético-políticos que elas envolvem e provocam.7 Retorno mais adiante para algumas outras análises sobre o status do Paquistão como um significante.

 

Tornando o contexto visível

Uma intervenção fundamental do projeto - em sua perspectiva e formato, assim como em seus 'achados' - foi desafiar a invisibilidade da violência estatal e, em termos de regimes de visibilidade predominantes, especialmente o estado Britânico, como um ator central, dando origem e indiretamente sustentando a assim chamada violência 'doméstica' (já que o conluio do Paquistão e contribuições a esse respeito certamente não são invisíveis). Tomando emprestado de estudos feministas sobre branquitude, isso poderia ser denominado de 'colorindo' a cultura dominante (c.f. Charles, 1992). Cultura aqui inclui aspectos comumente não identificados como sendo 'culturais', como normas e práticas organizacionais, profissionais e políticas. Ainda assim, eles são culturais - em sua forma e efeitos. Assim torna-se relevante destacar as amplas agendas políticas cumpridas pelos termos prevalecentes do debate (incluindo: mulheres paquistanesas pobres vítimas/ paquistaneses ilegais ou falsos solicitantes de refúgio / Paquistão modernizando-democratizando) a fim de trazer à cena legados imperialistas britânicos e interesses atuais. Ainda além dessas questões, é relevante atentar para a representação do Paquistão enquanto uma 'história do presente' com suas características narrativas consistentes com as agendas Euro-EUA (e especialmente Anglo-EUA) sobre o Oriente médio.

A posição estratégica do Paquistão, primeiro com a Rússia e, mais recentemente, com o Afeganistão, tem há tempos, sido fonte de capital politico (e literal). Brown (2006) notou recentemente que o Paquistão era o terceiro maior receptor do mundo de ajuda oficial ao desenvolvimento de 1960 até 1998, estando depois da Índia e do Egito (p. 119). Em geral, as contas também enfatizaram os altos tributos que a militarização e as partes políticas interessadas assumem nas riquezas naturais do país (uma nota de rodapé aborda a discrepância entre o Índice de Desenvolvimento Humano e o Produto Interno Bruto, Brown, 2006 p. 133). No contexto da chamada Guerra contra o Terror (War against Terror), é significativo notar que a proximidade do Paquistão com os principais cenários de Guerra (especialmente o Afeganistão e o Iraque) também significou que ele recebeu o maior número de refugiados, mais do que qualquer outro país (Chantler, 2010). A lenta economia do Paquistão (com quatro quintos dos gastos do Estado sendo utilizados para armamentos, burocracias estatais e pagamento de dívidas (Channtler, 2010; Siddiqui, 2007)) garantiu a introdução de reformas econômicas neoliberais que desproporcionalmente atingem os pobres de modos que intensificam a pressão sobre o trabalho de mulheres (e crianças). Khan (2003) aprofunda essa análise para destacar como tais reformas entram de modos ideológicos, assim como materiais, para aumentar a vulnerabilidade das mulheres, ao fazê-las carregarem a impossível carga de moralidade num Estado corrupto.

Certamente, o que é importante manter na agenda representacional, é como o (o que erroneamente chamamos) Ocidente carrega a principal responsabilidade histórica e contemporânea sobre os atuais eventos no Paquistão. Os interesses do Ocidente estão certamente em questão nas vicissitudes dos interesses políticos gerados pela violência contra mulheres paquistanesas no Paquistão, tanto quanto nos interesses políticos nacionais e 'falado nos tabloides' estruturam agendas imigratórias que devolvem essas mulheres ao Paquistão. O slogan eleitoral do [Partido] dos Conservadores (Conservative Party) do Reino Unido em 2003 do 'Você está pensando o que nós estamos pensando' pode ter marcado o ponto mais baixo particular da política ao explicitamente solicitar, ou ao menos autorizar, a expressão de racismo, ao mesmo tempo em que desempenhando a própria exclusão que ele justifica (então o 'vocês' e o 'nós' são todos interpelados como estando de acordo em virtude de não sermos um 'deles'), mas é uma peça com muitas medidas em curso (New Labour8). Como consultas recentes financiadas pelo Home Office9 acerca do casamento forçado ilustram amplamente (Hester e cols., 2008), os pensamentos contraditórios em torno do chamado para proteger as mulheres (tanto mulheres 'no exterior' quanto mulheres 'em casa') sempre ameaça encobertamente impor medidas migratórias mais rígidas.

 

Violência subjetiva e objetiva

Muitos autores recentemente e certamente não apenas Zizek (2008), têm criticado o prevalente discurso humanitário da esquerda-liberal, cada vez mais predominante, que urge a necessidade de ajuda e resgate (ver também Gronemeyer, 1993; Rahnema, 1997). O que Zizek acrescenta a esses argumentos é uma análise da 'falsa urgência' (p.6) ao distinguir entre violência objetiva e subjetiva, com a linguagem como um exemplo importante da primeira. Uma característica central dessa distinção, em específico, é que o atentar para uma forma de violência pode impedir o reconhecimento da outra.

A violência subjetiva é exprienciada enquanto tal contra o pano de fundo de um grau zero de não violência. É percebida como uma perturbação do estado de coisas "normal" e pacífico. Contudo, a violência objetiva é precisamente aquela inerente a esse estado "normal" das coisas. A violência objetiva é uma violência invisível, uma vez que é precisamente ela que sustenta a normalidade do nível zero contra a qual percebemos algo como subjetivamente violento. (Zizek, 2014, p.17).

De fato, em termos de sua relevância para a violência doméstica, é válido recordar como o discurso da 'casa' (home), que conecta a família ao Estado, já presume precisamente a elisão que é posta em questão por casos de imigração gerados por meio da desintegração de lares por conta da violência doméstica. Logo, é essa violência objetiva, a normalizada, cotidiana, "racional" e violência burocratizada do estado e aparatos transnacionais que formam o pano de fundo para a mais visível, supostamente subjetiva, violência impostas às mulheres paquistanesas (ver também Burman, no prelo, para a análise das táticas do racismo banal decretadas pela burocracia do Home Office britânico). É também essa violência objetiva que dá origem a particulares formas de como as mulheres contam, e devem contar, suas histórias na tentativa de ter acesso à justiça e proteção (Bögner, Herlihy and Brewin, 2007). Essas são as violências material e epistêmica que eu me refiro no meu título.

Estou, portanto, invocando uma preocupação analítica com a violência estatal em diversos níveis: a violência da conquista militar (e econômica) que forma o contexto geopolítico deste estudo, a violência do controle imigratório, legislando contra a livre circulação e frequentemente retornando as pessoas a contextos nacionais onde elas enfrentam grande discriminação e até mesmo ameaças de vida. Além disso, como discuto abaixo, há também a violência sistêmica das estruturas do Estado, das agências, até mesmo as denominadas agências de assistência social (welfare agencies), que falham em prover e, pior ainda, algumas vezes nem mesmo reconhecem que elas estão implicadas nessas exclusões. Tudo isso demarca as próprias formas materiais (ou o que Zizek chamaria de 'subjetivas'), levando as mulheres paquistanesas a jornadas para ou dentro do Reino Unido. Mas principalmente, em termos de prática de pesquisa, estarei interessada em questões de violência epistêmica ou simbólica: a violência da representação, ou ainda os desafios em mediar pressões contrárias para pedidos de justiça, e evitando infligir mais violência representacional ou epistêmica.

Enquanto Zizek argumenta para a necessidade de resistir à ação imediata, à pressa em ajudar e aponta a necessidade de, ao invés disso, refletir - neste artigo eu reflito sobre o processo interpretativo empreendido na nossa pesquisa-ação com o intuito de motivar mais ações críticas e reflexivas. Como um projeto de pesquisa-ação, o projeto Mulheres solicitantes de refúgio do Paquistão - Women Asylum Seekers from Pakistan (ou WASP) (como refletido em seu próprio nome - uma ironia em relação ao acrônimo usual para White Anglo-Saxon Protestant) já fora formulado para interrogar e criticar práticas dominantes. Dentre as restrições e pressões de uma pesquisa financiada, a natureza do seu tema e perspectiva significou que a equipe de pesquisa teve que navegar por perigosos territórios simbólicos em termos do modo como compreendeu e apresentou a pesquisa.10

 

Gênero, direitos e democracia

De fato, enquanto discussões sobre os direitos das mulheres estão em alta na agenda política (embora insuficientemente abordados nos Objetivos do Desenvolvimento do Milênio (Millennium Development Goals), a distribuição de tais direitos está cada vez mais fundamentada na nacionalidade e na cidadania. A posição das mulheres minorizadas11 no Reino Unido procurando justiça (na forma reduzida de liberdade da violência e perseguição), relaciona-se com outras agendas sobre controle imigratório e reivindicações por segurança nacional e distribuição de recursos. As difundidas reivindicações realizadas pelas forças 'aliadas' para a invasão do Afeganistão, embasadas na libertação das mulheres da opressão do Talibã, revelou como a oportunista inscrição aos discursos de empoderamento das mulheres poderia encobrir agendas políticas mais capciosas.

Muitas feministas atacaram o tropo (trope) "homens brancos salvando mulheres negras de homens negros" (Mohanty, 1991, 2006; Thobani, 2007; Bhattacharyya, 2008) como uma justificativa contemporânea (e de longa data) para intervenções neo-coloniais e imperialistas. Outros comentadores abordaram como mudanças nas estruturas de governança nacional e internacional como exemplificadas por, mas não exclusivamente para, a 'guerra contra o terror' travada no Iraque e Afeganistão (e com o Paquistão posicionado como uma peça chave), deu origem à uma proliferação de exércitos privados e forças de segurança privados que tornam impossível distinções claras entre paz e guerra (Duffield, 2001). Essas chamadas "novas guerras" envolvem cada vez mais populações civis (tanto como protagonistas quanto como 'dano colateral'), e contam com uma variedade de economias informais para financiamento. A destituição de estruturas estatais tradicionais e o obscurecimento de fronteiras entre os setores governamentais e não governamentais (e até mesmo não-governamentais internacionais) também tem efeitos particulares para questões de gênero. A discussão de Spike Peterson (2008) sobre tais efeitos em relação às novas economias de 'enfrentamento, combate e criminosa' ('coping, combat and criminal') é relevante aqui em termos de como essas guerras dinamicamente dão forma às relações entre o Reino Unido e o Paquistão (o Paquistão como parceiro essencial para o Reino Unido e os Estados Unidos, assim como suspeito central na busca por 'terroristas'). Enquanto ela também indica como essa condição modula relações de gênero entre e dentro dos dois países, Shepard (2008) destaca como discursos de segurança nacional e internacional são também implicitamente generizados, com implicações para o entendimento e para respostas correspondentes à violência com base no gênero: "A violência, nessa perspectiva, desempenha uma função de ordenamento - não somente na teoria/prática da segurança e a reprodução do internacional, como também na reprodução de sujeitos generizados." (p.172).

Críticas feministas às políticas de multiculturalismo liberais mostram como estas privilegiam discursos sobre "cultura" e "respeito cultural" em detrimento de gênero. Tipicamente, no Reino Unido, direitos culturais aparecem para proclamar os direitos das mulheres, exceto em contextos onde guerras transnacionais e imperialistas demandam justificativa. Como precondição e efeito disso, a divisão público e privado, que tradicionalmente assegurou a opressão das mulheres, é mantida (Gupta, 2003; Burman and Chantler, 2005; Patel, 2008). Tais críticas também foram construídas por análises feministas (por exemplo, Yuval-Davis, 1997) que mostram como os tradicionais papéis das mulheres na reprodução social acabaram por garantir a elisão entre responsabilidade moral do cuidado das crianças e a construção da nação. A partir dessa perspectiva, duas coisas tornam-se claras. Primeiramente, que praticamente todas as culturas e religiões focaram na regulação do comportamento e da sexualidade das mulheres de modo que, contrariamente ao prevalecente discurso islamofóbico no Norte, não há nada específico das comunidades ou Estados-Nação muçulmanos nesse aspecto. Em segundo lugar, que o aparente domínio privado das responsabilidades e papéis familiares está, na realidade, profundamente entrelaçado a discursos de cidadania e identidade nacional. Com efeito, a análise histórica de McClintock (1995) ilustra como essa prática foi fundamental ao projeto colonial desde seu começo: a suposta ordem natural da família. Assim, o duplo significado de doméstico enquanto lar e enquanto nação/nacional não é uma coincidência e operou para justificar o projeto colonial através da perspectiva do Darwinismo Social da 'unidade através da hierarquia'. Recentemente, isso se estendeu do estado nação ao novo bloco regional poderoso do Fortress Europe.

A reivindicação para a especificidade européia é uma idéia que se traduz numa reivindicação de avanço sociopolítico e de superioridade que se baseia numa imagem da liberdade das mulheres e de um tipo particular de ordem de gênero entre mulheres e homens. É um simbolismo que posiciona a Europa e o europeu como padrão da humanidade e encerra questões quanto às quais são as identidades, autonomia, família e privacidade que devem ser respeitadas, a custo de quem e com quais consequências ao potencial da Europa para uma economia de equidade de gênero. Ao fazê-lo, retira-se a questão da visibilidade, não só para perguntar quem e o que é visível, mas quem vê o que. (Lewis, 2006, p. 92-93).

 

Assimetrias do olhar transnacionalmente generizado

Ironicamente, como documentamos amplamente em nossa pesquisa, as mulheres paquistanesas são sujeitas a dois olhares patologizantes distintos nos dois contextos nacionais. No Paquistão, o tropo da 'mulher-nação-Estado' (Yuval-Davis and Anthias, 1989) transforma qualquer transgressão das posições tradicionais de gênero (de esposa e mãe) particularmente problemáticas. Isso acontece no contexto de um Estado nacional mais frágil (territorial e politicamente), com profundas tensões e divisões regionais, tanto que o dinheiro dos Estados Unidos cedido para combater a atividade do Talibã na Província da Fronteira Noroeste (North West Frontier Province) nas últimas décadas financiou a repressão militar do estado sobre os insurgentes à autoridade nacional do Estado paquistanês. Tal instabilidade e insegurança também reforçou o poder das autoridades das comunidades tradicionais, incluindo os jirgas (tribunais tribais) que (em virtude de acordos de divisão de poder que permitiram com que Musharraf se mantivesse no poder por tanto tempo) operam de acordo com o direito consuetudinário e mantém (dentre muitas outras práticas misóginas) o intercâmbio de mulheres para resolver disputas (notícias que chegaram ao Reino Unido no início de Junho de 2008). Mas, mesmo a nível do Estado continua havendo legislação, incluindo a vergonhosa leis de Hudood (muito combatido por campanhas, mas ainda assim não revogado), introduzido pelo General Zia UL Huq em 1979 como uma concessão aos islâmicos, que faz com que o adultério seja punido com aprisionamento (e até mesmo morte, embora a pena de morte não ter sido ainda aplicada), mas também torna qualquer mulher que busque sair de um relacionamento violento (e potencialmente qualquer agência ou indivíduo que ofereça ajuda e suporte a ela) vulnerável à contra-reivindicação de sequestro ou adultério sob essa legislação (ver Siddiqui, Ismail and Allen, 2008).

Todavia, no Reino Unido, as mulheres paquistanesas são sujeitas a um olhar diferente, mas possivelmente tão excludente e punitivo, ainda que diferentemente posicionadas. Pois se sua residência no Reino Unido depende do esposo (e de seu lar - já que perpetradores regularmente inclui também outros membros familiares12) de quem elas estão buscando escapar, e ela deixa seu casamento dentro do período mínimo designado pelo governo britânico (atualmente dois anos, mas em discussão para ser estendido para cinco - em nome da lei europeia de harmonização, já que a Dinamarca e a Holanda especificam períodos até mais longos), então seu direito legal de permanecer no país é posto em questão. Ela enfrenta uma possível deportação e é impedida de contar com serviços de apoio que dependem de recursos públicos. Esta situação de 'não acesso a fundos públicos' afeta muitos solicitantes de refúgio, especialmente solicitantes que foram recusados no Reino Unido e limita a provisão regulamentar de apoio para aqueles que são certamente os mais vulneráveis e marginalizados. Assim, uma vez fora da alçada regulamentar de cidadania que prescreve certas posições normativas para as mulheres, a mulher minorizada no Reino Unido têm ainda menos direitos ou exercícios legais. De fato, ultimamente, as mulheres paquistanesas estão ligeiramente numa posição melhor do que as mulheres de outros países, graças a um caso-chave (Shah vs. Islam, 2000) no qual o julgamento da Câmara dos Lordes (House of Lords) determinou que as mulheres paquistanesas são um 'PSG' ou 'grupo social particular' ("particular social group") perseguidas com base no seu gênero. Isto foi numa base politicamente ambígua em considerar as mulheres no Paquistão como sendo tratadas como cidadãs de segunda classe.13 Como resultado desse julgamento, retornando (ou seja, deportando) mulheres ao Paquistão pode ser desafiado, assim resistindo à chamada alternativa interna de voo (IFA, internal flight alternative). Este é o argumento apresentado pelo Ministério Britânico do Interior (British Home Office), de que a mulher estaria segura para viver em outra parte do país do qual ela está buscando refúgio, ao invés de ficar no Reino Unido (Bennet, 2008; Ismail, 2008).

Logo, a perspectiva central para o projeto era formular argumentos e estratégias que auxiliariam a posição jurídica não somente das mulheres paquistanesas solicitantes de refúgio, mas também de mulheres de outras nacionalidades. A situação atual dos casos de refúgio (amplamente demonstrado pelo nosso trabalho baseado no Reino Unido) é que (mesmo para mulheres paquistanesas) quase todos os requerimentos são inicialmente recusados, e é somente com base em recurso ou da apresentação de 'novas provas' que eles são ganhos. (O projeto também transitou por diversos casos que documentam o caráter arbitrário de tomada de decisão e o papel de técnicas burocráticas secundárias para a tomada de tais decisões cruciais). Como Steven Cohen (2001, 2006) e a campanha "Ninguém é Ilegal" (No One is Illegal) apontaram, o sistema de concessão de refúgio requer que os solicitantes sejam apresentados como vítimas desesperadas, abjetas e impotentes - produzindo um tipo de orgia daquilo que em outros contextos foi chamado de 'desastre pornográfico', assim como uma hierarquia de vitimização (ver também Palmary, 2006). Certamente, em nosso projeto, o contraste entre entrevistas com solicitantes de refúgio com propósitos de pesquisa e entrevistas com propósitos de solicitação para refúgio foi revelador. Como Cohen (2006) argumentou combater reivindicações de refúgio/deportação fazendo uso de terrenos compassivos' não funciona somente para consentir legitimidade hipotética para controles imigratórios (ao retratar a possibilidade de decisões "justas"), mas também funciona para desumanizar e patologizar os solicitantes, e produz uma competição entre casos que é divisória.

 

Violência estrutural e doméstica: privatizando o social

Em termos de problematizações mais amplas sobre o discurso da violência doméstica, estudos prévios sobre violência doméstica e minorização destacaram modos específicos nos quais o individualismo liberal modula a representação das (e intervenções representando-as) mulheres minorizadas que vivenciam relacionamentos violentos no Reino Unido (Batsleer e cols., 2002; Burman and Chantler. 2004, 2005; Burman e cols., 2005; Burman, 2005). Não apenas o enquadre 'doméstico' garante a não-intervenção, mas os discursos prevalecentes sobre 'respeito cultural' estende noções de privacidade individual garantindo a não-intervenção nas comunidades supostamente autônomas e homogêneas que são percebidas como 'tomam conta de si mesmas' ("look after their own"). Pronunciamentos recentes do governo do Reino Unido na promoção de comunidades 'fortes e estáveis' ilustram isso ao pedir às comunidades que sejam 'coesas' e autoreguladas (juntamente com a ameaça implícita de que esse status é provisório ou condicional).

Ainda mais escondido nesse conjunto de representações é o modo como o Estado cria condições para o abuso e sofrimento das mulheres, uma vez que seus abusadores podem coagi-las a ficarem, apelando para a ameaça de deportação. Aqui, a violência estatal e estrutural colide com abuso familiar, mas, em discursos dominantes da 'cultura', isso permanece invisível. Assim, uma intervenção analítica-política fundamental tem sido destacar o papel constitutivo da cultura dominante. Essa atenção à cultura dominante funciona não apenas para explorar o que conta como 'cultural' (quando apenas a minoria cultural é percebida como possuindo etnia ou 'cultura', com todo o resto normalizado numa invisibilidade 'naturalizada' e, portanto, legítima). Ainda, esta estratégia pode também ser usada para 'colorir' o aspecto cultural, e culturalmente normativo das práticas estatais. Isso inclui culturas organizacionais (por exemplo, intervenções de serviços sociais e de saúde, nos quais o delineamento de 'encaixes' regionais para responsabilidade do serviço ou 'papéis' profissionais, ambos estruturam e limitam o escopo de intervenção) e, claro, do próprio Estado britânico. De modo similar, uma intervenção chave pode ser feita em relação ao debate "por que ela fica?/por que ela não vai embora?" que circunda as mulheres de todas as origens e contextos que estejam experienciando violência doméstica, mas diferencialmente estrutura a representação de mulheres minorizadas que vivenciam violência doméstica. Isso pode ser visto como uma versão particular da dinâmica 'ordinário/mundano mas extraordinário' que pode fazer com que um elemento seja enfatizado em detrimento do outro (Burman and Chantler, 2005). Uma questão chave que surge de nosso trabalho prévio na área era de como (à parte de trabalhadores de abrigos com população negra e asiática) as explicações dos prestadores de serviço sobre o porquê as mulheres minorizadas podem tentar se suicidar ou se machuchar, ou podem não abandonar relacionamentos violentos, os prestadores de serviço quase nunca fizeram referência à vulnerabilidade na base no Estado e dos aspectos estruturais tais como condição de imigração ou 'não acesso a recursos públicos'. Isso contrastava fortemente com os modos como 'sem recurso' emergiu dos nossos relatos de sobreviventes como um desincentivo material, e também como uma tática psicológica de assédio que muitas vezes era mobilizada por perpetradores para evitar com que uma mulher partisse (Chantler, Burman and Batsleer, 2003; Chantler, 2006).

 

Navegações Dilemáticas

Três princípios analíticos fundamentam a trajetória política-retórica do projeto "WASP". Estes princípios vieram através de longas discussões entre o grupo de consultoria do projeto. Significativamente, estes estavam tão preocupados em evitar falsas interpretações das reivindicações e missões do projeto, quanto com o esclarecimento sobre quais eram as suas reivindicações e preocupações.

A primeira importante intervenção foi a reiteração de que o projeto não era um estudo comparativo. Isto é, nós não estávamos comparando a proteção legal das mulheres ou a prestação de serviço referentes à violência doméstica do Paquistão com o da Grã-Bretanha. De qualquer forma, teria sido difícil sustentar isso, dado que - como uma equipe do Reino Unido - nossas expectativas eram pensadas pelo que conhecíamos do nosso próprio contexto, e até mesmo os membros da equipe, com conhecimento de longa data sobre o Paquistão, tiveram alguns de seus pressupostos desafiados através do processo de trabalho de campo (como, por exemplo, quando determinadas características de prestação ou prática de serviços no Paquistão eram na verdade melhores do que no Reino Unido14). Isso foi também uma posição particularmente difícil de manter quando a agenda mais ampla do projeto em relação às questões de imigração foi em grande medida para contrariar o Home Office ao alegar que é seguro enviar as mulheres de volta ao Paquistão ou que as mulheres paquistanesas podem permanecer seguras no Paquistão e assim não precisam buscar refúgio no Reino Unido podendo voar para outra área (internal flight) dentro Paquistão.

Entretanto, foi importante manter este princípio em mente, pelo menos em um nível formal, da mesma forma que foi necessário frustar continuamente as expectativas dos meios de comunicação e dos dirigentes em relação aos nossos projetos anteriores, que sempre colocaram suas questões em termos de taxas comparativas de violência nas várias comunidades culturais minoritárias15. Obviamente, os principais fatores representacionais e materiais entram em como a violência doméstica é reconhecida, divulgada e os serviços procurados (não menos importante classe social ou posição econômica) (ver Bögner, Herlihy and Brewin, 2007). Assim como em trabalhos anteriores, temos argumentado que não abordávamos questões de comparação cultural ou de predominância entre comunidades, assim, neste projeto, houve esforços para limitar a presunção da superioridade cultural ocidental que, historicamente, e em grande parte continua atualmente a estruturar reivindicações de comparações culturais (Burman, 2007). Na verdade, essa afirmação também funcionou em paralelo e amparada por outra presunção errônea de que fizemos esforços para contrariar. Esta suposição era que essas comparações são feitas de maneira unilateral. Pois, ao contrário de serem objetos passivos do olhar de pesquisadores e prestadores de serviços, sobreviventes e trabalhadores paquistaneses estavam claramente avaliando e navegando as formas estratégicas do contexto britânico tanto quando nós estávamos fazendo com os deles.

 

Evitando a Homogenização do Paquistão (e de Mulheres Paquistanesas)

O segundo princípio analítico que emergiu das nossas discussões foram as comparações dentro do país (intra-country). Isto é, ao invés de privilegiar os contrastes entre Reino Unido e Paquistão, o estudo foi projetado para observar as variações de atuação dentro de cada país. Ao fazê-lo, buscamos afastar explicações essencialistas de cultura de acusação (embora a recepção de tal trabalho frequentemente enfatize como a intenção autoral é pouco relevante em como esse trabalho é aceito e interpretado). Este princípio entrou na seleção da amostra da pesquisa, incluindo quem foi entrevistado e onde.

Um primeiro contraste importante para observar foi entre as cidades e as áreas rurais, uma vez que a maioria dos serviços e apoio em torno da violência doméstica estão nas cidades (em ambos os contextos nacionais). O status concedido às mulheres e os padrões correspondentes de violência variam consideravelmente entre os contextos urbanos e rurais (com muitos dos casos mais graves ocorridos no Sindh ou na Fronteira Noroeste, ambas as regiões em que o direito consuetudinário16 floresce). A diversidade geográfica e cultural em um país tão grande significou que era importante pesquisar em diferentes regiões e considerar as diferenças entre contextos rurais e urbanos.

Normalmente, como documentamos, as mulheres que escapam da violência fogem para as cidades para encontrar abrigo e apoio, embora suas jornadas possam ser longas e árduas. O nosso foco no testemunho das mulheres sobre suas trajetórias para a segurança traçou frequentes itinerários de milhares de quilômetros em situações de grande perigo, o que, claro, também foi tema no título do nosso relatório inicial do projeto: Safe to Return? (Sidddiqui e cols., 2008). Essa atenção às jornadas das mulheres não só permitiu o foco das entrevistas que não exigiam necessariamente que descrevessem os detalhes de seu abuso (que frequentemente provocavam muita angústia), mas também documentou sua resiliência, resistência e recursos para acessar redes de apoio (por exemplo, ao chegar a uma cidade e encontrar espaços religiosos onde pessoas pobres e com fome se reúnem, e que também orienta mulheres para abrigos). Muitas mulheres tinham histórias para contar sobre viverem se escondendo, evitando perseguições, com estratégias elaboradas para permitir sua sobrevivência.

Um segundo foco analítico foi observar e avaliar o significado da posição de classe. Os relatos das práticas no Paquistão, em sua maioria, facilmente negligenciam o papel da classe e como as violências domésticas se estruturam de acordo com este recorte que são intensificadas pelas atuais relações econômicas globais. Como já indicado, a recessão econômica do Paquistão tem atraido ajuda internacional, cada vez mais ligada às agendas neoliberais. Estas visam os pobres diferencialmente. Khan (2003) ressaltou a partir de sua análise sobre as acusações com base em Zina (adultério) dentro das leis de Hudood, como as mulheres pobres carregam o peso da respeitabilidade moral dentro do que foi entendido em estar em um estado cada vez mais imoral.

Em termos de processo de decisão de refúgio do Reino Unido, o status de classe pareceu interagir de maneiras aparentemente arbitrárias e imprevisíveis com outras características da situação das mulheres. Se ela fosse educada e falante da língua inglesa, então o juiz poderia considerá-la suficientemente favorecida para poder fazer uma nova vida no Paquistão e, assim, pedir que ela seja devolvida, enquanto uma mulher sem educação e não falante da língua inglesa de uma área rural com crianças pequenas podem provocar piedade ou simpatia. Alternativamente, a situação abjeta da última (não sendo capaz de se comunicar diretamente, por exemplo) pode limitar a identificação e, portanto, sua reivindicação pode ser mais passível de rejeição.17

O que surgiu do nosso estudo foi que, embora a situação econômica e de classe possa entrar em como uma mulher pode tentar escapar do abuso, ficou menos claro em que maneiras a posição de classe pode ser vantajosa para ela (especialmente porque seu acesso a recursos provavelmente dependerá do marido ou família que ela estava buscando escapar - uma lembrança de como classe e patriarcado se cruzam). Além disso, embora mais mulheres da classe média possam ter acesso a mais recursos para poderem partir, elas ainda não poderiam alugar alojamento sem um fiador masculino, e seu status de solteira não só atrai atenção (que pode comprometer sua segurança de ser encontrada pelo(s) agressor(es)), mas também pode colocá-la como uma mulher de "mau caráter" e, então causadora do assédio. Assim, de forma surpreendente, não era claro que uma classe econômica superior fosse um fator de proteção em termos de manutenção da segurança dentro do país. Na verdade, uma outra questão importante que os juízes no Reino Unido dificilmente avaliavam era a forma como os agressores das famílias de classe média e elite dispunham de mais recursos para rastrear uma mulher (tanto dentro como através dos países) e para obter documentos falsos (incluindo certidões de casamento). O estudo de Khan (2003) sobre mulheres detidas sob acusações de Zina também sugeriu que as mulheres da classe média e da elite possam estar em uma posição mais vulnerável do que as mulheres mais pobres, precisamente por causa dos maiores recursos econômicos à disposição do marido, embora ela também observe que as mulheres mais pobres podem permanecer por mais tempo nas prisões, pois não podem pagar por representação legal para levar seus processos a juízo.

Uma terceira questão fundamental é a questão das minorias religiosas. O discurso dominante sobre o Paquistão enfatiza as diferenças regionais urbano-rurais; mas as minorias religiosas também são diferencialmente impactadas pela violência doméstica, ilustrando a impossibilidade de ver a violência como apenas "doméstica". Os exemplos óbvios que surgem de nosso estudo incluíram a posição das mulheres cristãs no Paquistão, que, como mulheres de uma minoria religiosa, eram alvo de violência e estavam sujeitas à conversão forçada, bem como a violência em casamentos forçados. Existem também várias formas de islamismo que não são reconhecidas no Paquistão e cujos adeptos sofrem opressão semelhante.

Todos esses fatores tornam muito difícil qualquer generalização sobre a situação das mulheres no Paquistão. Em termos de resistir a outras representações sobre o Paquistão, vale à pena observar como exemplo final o discurso generalizado sobre a corrupção. Essa generalização aparece tanto no sentido de estar documentado em nosso material, de estar associado ao Paquistão em geral e, em particular, relacionado com a corrupção da polícia e os níveis mais baixos do sistema legal. Dentro de nosso próprio material, como em outros lugares, nós documentamos muitos exemplos em que as mulheres que tentaram registrar acusações de violência doméstica contra seus maridos se viram acusadas de adultério e aprisionadas sob as Leis de Hudood porque a polícia havia sido subornada pelo marido. Em alguns casos, os prestadores de serviços de abrigos e outras organizações de apoio também foram presos.

Pode ser indiscutível que a corrupção tenha sido uma estratégia política chave na compra e na disputa do poder dentro da turbulenta história dos sessenta anos após a independência do Paquistão (mas, de forma significativa e igualmente indiscutível, isso segue um conjunto de estratégias iniciadas pela ocupação colonial britânica). No entanto, encontrar um contra-exemplo no país provou ser muito esclarecedor. Então, para dar um exemplo fornecido por um dos nossos participantes paquistaneses (entrevistados em junho de 2006), foi relatado que, uma vez que os guardas de trânsito passaram a receber um salário adequado, eles deixavam de ser corruptos; enquanto a polícia em vigor continuou a depender de suborno e extorsão, a fim de obter uma renda regular e adequada. Tais contra-exemplos e explicações do caráter contingente e provisório dessas práticas não apenas desafiam as explicações homogeneizadoras e essencialistas das práticas paquistanesas, como também indicam estratégias claras para mudá-las.

 

Das Diferenças às Semelhanças

Paralelamente à estratégia de enfatizar as diferenças, há uma estratégia de ressaltar similaridades veladas. Isso resiste à polarização, destacando às vezes pontos surpreendentemente comuns. Esta é a outra resposta ao relativismo cultural da comparação entre culturas. Claramente, há riscos aqui em ignorar condições locais e contextuais para problemas de longa data, mas é útil considerar alegações de que a violência contra as mulheres na Índia aumentou como resultado da melhoria da situação social das mulheres. Isso parece desafiar um tipo de argumento, regularmente expresso por nossos participantes da pesquisa (britânicos e paquistaneses), que a violência contra as mulheres surge por causa de sua posição social subordinada, mas aparentemente afirmando o contrário. No entanto, não há razão para que ambos não sejam verdadeiros, ou seja, que as desestabilizações da situação social tradicional das mulheres geram resistência. Obviamente, as feministas sempre tiveram uma cuidadosa e frequentemente contestada reivindicação sobre a universalidade - em afirmar algum tipo de causa comum, apesar do caráter evasivo (e talvez dubiamente desejável) de irmandade. A conversa sobre o patriarcado ainda carrega um discurso antiquado sobre isso, e sua invocação categórica muitas vezes é substituída, ao invés de ser informada, pela explicação - crucialmente de maneiras que reforçam os racismos.

Ao invés de afirmar a equivalência global, achamos útil lembrar-nos de correlatos locais do Reino Unido para algumas das questões emergentes do nosso material sobre o Paquistão. Assim, em relação às acusações de corrupção e ilegalidade no Paquistão, que podem parecer tão devastadoras, totalizantes e difíceis de abordar, vale a pena recordar as recentes revelações sobre os processos parlamentares e políticos do Reino Unido no que se refere não apenas ao "cash for question", mas também aos "loans for honours"18 e inquéritos sobre o uso de despesas parlamentares usadas para empregar membros da família, enquanto o governo britânico (New Labour) cancelou continuamente as investigações de sua colusão e apoio (ex-governo mas agora privado) ao comerciante de armas BAE (British Aerospace Engineering) de modo que (a partir do outono de 2008) este caso agora só esteja sendo investigado nos EUA.

Um segundo exemplo refere-se à fala por parte de prestadores de serviços, entrevistados no Paquistão (e confirmado pelos relatos das sobreviventes), de que não era seguro que as mulheres fossem às delegacias de polícia, porque elas poderiam ser assediadas ou até serem estupradas. No entanto, pode-se argumentar que a situação é pouco melhor na Grã-Bretanha. Assim, junto com as chocantes e (até muito recentes) decrescentes taxas de condenação por estupro na Grã-Bretanha, nossa pesquisa anterior documentou exemplos de mulheres, especialmente mulheres negras e asiáticas, sujeitas a um tratamento terrível nas mãos da polícia britânica e de outras autoridades estatais. Na verdade, observamos que, durante o período do nosso estudo, uma jornalista (Julie Bindel) abriu seu artigo na "women's page" do The Guardian com a "confissão" de que, se fosse estuprada, não iria à polícia (27 de outubro de 2006).

Para dar um terceiro exemplo, onde nossos participantes no Paquistão falaram sobre a antiga e prematura estruturação da vida das mulheres de acordo com a discriminação de gênero - citando exemplos não só de terem menos acesso à educação, mas também, desde uma idade precoce, menos comida - dentro da experiência pessoal da equipe de pesquisa (culturalmente diversificada), poderíamos produzir exemplos equivalentes do contexto do Reino Unido. Obviamente, há questões sobre níveis aqui (ou seja, nem reivindicar que a situação para as mulheres no Reino Unido é o mesmo que no Paquistão, nem que sejam absolutamente diferentes) e, consequentemente, o primeiro princípio que delineei - o de evitar a comparação entre culturas - permanece central. Em vez disso, esses princípios trabalharam em relação uns aos outros, transversais e, em certa medida, atenuando os inevitáveis problemas de representação colocados por cada um.

 

Estratégias Interpretativas

Tendo identificado alguns dilemas significativos, agora passo a considerar cinco estratégias interpretativas fundamentais que formulamos para apoiar a condução e análise dessa pesquisa.

1- Mudanças contextuais na potente interseção de refúgio e violência doméstica

Uma mudança de gestalt fundamental que a equipe WASP teve que negociar foi que o projeto assumiu diferentes significados dentro dos dois contextos nacionais que pesquisou. No Reino Unido, o projeto era principalmente sobre questões de refúgio e imigração (incluindo acesso à representação legal e outras formas de apoio, tomada de decisão, etc.), enquanto no Paquistão era sobre violência doméstica e prestações de serviços associados. Vale ressaltar que uma razão fundamental para isso foi que, ao contrário do imaginário popular britânico, a própria possibilidade de escapar da violência doméstica migrando para o Reino Unido não era nem minimamente concebível, nem para as vítimas paquistanesas da violência doméstica, nem mesmo para os seus prestadores de serviços. Assim, no Reino Unido, o projeto era principalmente sobre racialização e racismo, e no Paquistão era sobre relações de gênero. Ambas as características referem-se à violência, mas o foco (em termos das questões que apresentamos aos entrevistados) foi diferente. O principal desafio interpretativo foi chegar a formas apropriadas de narrar essas assimetrias sem enfatizar desproporcionalmente a violência (política e doméstica) no Paquistão. Foi aqui que tivemos que manter em mente o foco nas trajetórias transnacionais e seu caráter historicamente sobredeterminado, ao invés de comparação intercultural. Nesse sentido, desafiamos a delimitação das fronteiras nacionais, bem como a dinâmica intra e binacional.

2- Reino Unido versus Paquistão: ausência normalizada/presença patologizada

Em termos da dinâmica seletiva da problematização, foi importante notar como, durante o período abrangido pelo projeto (2005-2008), o Paquistão foi retratado pelo governo britânico como seguro para investir, mas não seguro para visitar (de acordo com a orientação da British Foreign and Commonwealth Office - uma fonte importante para comentaristas políticos, bem como para seguradoras de viagem!). Há um paradoxo semelhante nas formas como o Paquistão foi acusado de abrigar militantes do Talibã e da Al Qaida, mas o "vôo interno" ("internal flight") para as mulheres que escaparam da violência doméstica foi considerado, no entanto, possível. Como havia indicado, nós tentamos abordar esta dinâmica de problematização ao "equilibrar" os exemplos paquistaneses com os exemplos do Reino Unido e, portanto, trazendo os contextos nacionais e os sistemas jurídicos e culturais correspondentes sob uma análise crítica.

3- Reforma legal versus mudança cultural

Há um discurso generalizado a nível nacional e transnacional relativo à necessidade de mudança cultural nas percepções sobre mulheres ao lado da reforma legal. Mas esse tipo de "problema do ovo ou da galinha", para identificar o que vem primeiro, muitas vezes funciona retoricamente para justificar a apatia política. Um fator intermediário nisso foi a dinâmica adicional produzida pela pressão internacional (com o debate de gênero e capacitação em torno do empoderamento das mulheres, agora como uma característica importante nos fundos de auxílio, ver Cornwall, Harrison and Whitehead, 2007). Além disso, a resistência ao que pode ser percebido como intromissão ocidental pode ser operada falhando em implementar tais reformas (ver Ali, 2000; Jamal, 2005). Embora existam motivos para considerar o gênero como uma noção moderna (Hayami, Tanabe and Tokita-Tanabe, 2003), que pode compreensivelmente adquirir conotações do norte, este é um argumento espúrio contra mudanças legais e culturais. Ambos são claramente importantes e informam uns aos outros. Em termos de nosso projeto, que tratava explicitamente da provisão e da eficácia das medidas legais de proteção, nos encontramos recapitulando essas oscilações. No entanto, chegamos a adotar a posição de que a legislação é necessária para moldar e enfocar mudanças culturais, incluindo um clima cultural mais favorável para os solicitantes de refúgio no Reino Unido.

4- Evitando explicações reducionistas

Desafios similares foram envolvidos na questão de como compreender as relações entre as explicações apresentadas pela violência contra as mulheres. Nossos participantes do Paquistão discutiram consideravelmente sobre pobreza, educação, questões de costume, cultura e a religião, a situação subordinada das mulheres e os 3 "Ps" (de poverty, powerlessness and pregnancy) pobreza, impotência e gravidez. Todos estes são, claro, fatores relevantes para gerar o cenário da violência contra as mulheres, porém não está claro quais aspectos, se algum, são determinantes (nem mesmo se tal pode ser identificado). Em vez disso, o que é necessário é a análise de como estes trabalham juntos para dar origem ao complexo contexto sob investigação. Aqui, os relatórios produzidos pelo United Nations Development Fund for Women - UNIFEM e pela CEDAW (especialmente a United Nations Division for the Advancement of Women - UNDAW, 2005) ajudaram a apontar as inevitáveis conexões entre saúde, educação e emprego para melhoras a situação das mulheres e apoiar o seu desenvolvimento. Tais interconexões criam um "senso comum" considerável, mas, até agora, iniciativas de desenvolvimento como os Metas de Desenvolvimento do Milênio (Millenium Development Goals) parecem oferecer apenas uma abordagem fragmentada e não integrada (Saith, 2006; Palmary & Nunez, 2009. Mesmo assim, juntamente com Cornwall e cols. (2007), os direitos das mulheres não devem ser instrumentalizados para servir os interesses do Estado.

5- Islamismo político versus "feminismo ocidental" (e o que é deixado de fora?)

Existe uma repetição contínua que posiciona a relação do feminismo com o Islã como antagônica; assim como a lei está posicionada como oposto à religião (Sunder, 2003; Mojab, 1998). Ambos os motivos dominantes atravessam o trabalho de organizações não-governamentais (ONGs) trabalhando em torno de feminismos (e como feministas) e contra a violência às mulheres no Paquistão. Se o feminismo é visto como "não islâmico", então o perigo é que as ONGs sejam vistas como "ocidentais". Aqui é importante observar como os movimentos de mulheres paquistanesas conseguem negociar essas oposições (Jamal, 2005). Na verdade, essa dinâmica influencia profundamente as formas como as ONGs paquistanesas que trabalham em torno da violência contra as mulheres se posicionam - e podem, de fato, estruturar as formas pelas quais se identificam ou se afastam da afiliação explícita com o "feminismo". Há, claro, debates mais amplos em jogo aqui sobre as formas como a categoria de gênero pode ser considerada como "ocidental", e agora há discussões sutis sobre esta questão que deixa qualquer recusa clara da categoria imerecida; em vez disso, a questão é a medida em que o gênero é um conceito moderno (Yoko, Akio and Tokita-Tanabe, 2003).

No entanto, significativamente, esses tropos em torno do "feminismo ocidental" também são mobilizados e mantidos pelo estado britânico. No decorrer do trabalho de campo no Paquistão em 2006, foi descoberto que o DfID (Departamento Britânico para o Desenvolvimento Internacional) estava dando fundos diretamente ao governo paquistanês, alegando que era mais barato/mais fácil administrar seu dinheiro dessa maneira ao invés de pelas ONGs (que historicamente foram consideradas parceiras mais eficazes). Com as rápidas mudanças políticas que agora estão trazendo a equipe historicamente não governamental para o novo governo de coalizão no Paquistão, só pode ser imaginado que essa tendência de parcerias bilaterais (que sempre foi uma característica da política de DfID) será ampliada. O ponto chave aqui é que, de maneiras paradoxais, o estado (tanto do Reino Unido como do Paquistão) continua a ser um ator chave na elaboração e manutenção dessa oposição.

 

Entre Justiça e Patologização

Este artigo discutiu o dilema central para o projeto WASP: como reconhecer e, de fato, oferecer recursos para apoiar campanhas contra, injustiças e "barbaridades" que ocorrem no estado paquistanês, enquanto tentam mitigar a sua posterior patologização. Isso ocorreu ao expor as injustiças no sistema jurídico britânico. Esta estratégia de romper a homogeneização pode ser vista como abertura para interrogar o problema mais amplo da racialização. Pois, como discutido anteriormente em relação à posição de sua classe, a nomeação de uma mulher como "paquistanesa" demonstrou ser extremamente significativa e, no entanto, sem sentido, já que esse processo normalmente não consegue "representar" nada da especificidade ou particularidade de sua posição ou experiência.

Embora tenha chegado intuitivamente, e fora do empenho político, uma maneira de caracterizar essa estratégia pode relacionar-se com a análise lacaniana de raça de Seshadri Crooks (2000), onde ela discute o processo de nomeação e, em particular, a nomeação racializada, através da noção de "designação rígida" '. Como ela diz: "Designadores rígidos ... são significantes que não têm significados. Eles estabelecem uma referência, mas não fornecem conotações ou significados "(p.141). Ou em mais detalhes:

Esta relação entre o significado racial como significado, ou a descrição de propriedades, e a denominação racial como referências, ou designação pura, não é uma interpretação errônea do funcionamento lógico dos nomes; em vez disso, sugiro que a denominação racial como referência às propriedades (ou o estereótipo) atua como um envelope, uma cobertura para a ansiedade da referência racial que literalmente não significa nada. Há algo que produz ansiedade sobre a plenitude da relação significante/referente que ignora o significado, ou o conceito, que produzisse adequadamente o significado e, portanto, desejo. (Seshadri Crooks, 2000, p.143)

Na verdade, este artigo explorou como o significante "Paquistão" parece funcionar em vários níveis dentro de um contexto geopolítico e temporal específico, e é potente e móvel - especialmente em relação a gênero (qualificando homens e mulheres de forma bastante diferente no imaginário "ocidental": Mulheres paquistanesas como vítimas, homens paquistaneses como militantes). Em seu excesso de significado, parece revelar, além de transmitir, desejos particulares (veja também Bhattacharrya, 2008). O imaginário orientalista é dominada por fantasias de subdesenvolvimento, barbaridade e assim por diante e, ao fazê-lo, pode convenientemente falhar em reconhecer o caráter relacional da ansiedade sobre (e correspondente responsabilidade por) tais designações.

Finalmente, em relação ao tema da justiça e patologização como mobilizados pela preocupação desta publicação com a democracia e direitos, é importante lembrar o contexto do estudo que tem sido o foco deste artigo. O estudo WASP foi motivado pelas medidas dracônicas crescentemente implementadas nas práticas de imigração do Reino Unido, aqui especificamente para mulheres paquistanesas, buscando refúgio com base na violência doméstica. A questão em jogo nesses casos é muito da credibilidade - o desafio em buscar justiça para as mulheres paquistanesas coloca de forma aguda as questões-chave das relações Norte-Sul, o papel da violência com base em gênero e situação geral de gênero no estado e na política transnacional, ao lado de como questões de direitos, da lei e da cultura convergem, se chocam e até se combinam frequentemente para exonerar agentes centrais.

Surgem evidências anedóticas e sistemáticas que o clima de descrença e desconfiança das mulheres solicitantes de refúgio inibe e prejudica seu acesso à justiça, até mesmo punindo-as e traumantizando-as ainda mais (Bögner, Herlihy and Brewin, 2007). Como Žiżek (2008, p.3-4) coloca:

Apesar disso, em certo sentido uma análise fria da violência reproduz o seu horror e dele participa. É necessário distinguir, ainda, entre verdade (factual) e veracidade: o que torna verídico o testemunho de uma mulher estuprada (ou de qualquer outra narração de um trauma) é a sua incoerência factual, sua confusão, sua informalidade. Se a vítima fosse capaz de descrever a sua experiência dolorosa e humilhante de maneira clara, apresentando todos os dados sob uma forma consistente, essa clareza poderia levar-nos a suspeitar de sua veracidade. Aqui, o problema é parte da solução: as deficiências factuais do relato do sujeito traumatizado quanto a sua experiência confirmam a veracidade do testemunho, uma vez que indicam que o conteúdo descrito "contaminou" o modo de sua descrição. (Zizek, 2014, p.18- 19).

A "verdade" do relato da solicitante é assumida com base em sua coerência e corroboração de sua precisão. Como Žiżek ressalta, as mulheres traumatizadas podem não ser capazes de fornecerem qualquer uma dessas. No entanto, a situação pode ser ainda mais complexa do que Žiżek permite. Pois corremos o risco de produzir novas ortodoxias sobre como as mulheres que experimentaram uma terrível violência interpessoal (inclusive sexual) devem reagir, de formas que presumem cultura e respostas normalizadas livres de contexto. Assim, como documentamos no estudo WASP, se uma mulher paquistanesa pudesse, de fato, fornecer um relato coerente e factual sobre sua jornada e o abuso que sofreu, ela então pode não ser considerada crível, uma vez que ela não exibe o comportamento considerado apropriado pelo nível de trauma associado à violência que ela reivindica. Ela é, portanto, presa em uma dupla ligação forçada da fatídica interseção de representações culturais dominantes de sua pátria e da situação que a ela é concedida lá como uma mulher, ao lado - igualmente cultural, mas naturalizado através do seu status profissional - representações de conhecimento sobre respostas a abusos. Este é o trabalho da violência simbólica e sistêmica, juntamente com a violência estrutural. Essas interseções - que são simultaneamente políticas, culturais e generizadas - têm implicações claras para uma série de tomadas de decisão e prestadores de serviços em todo o espectro de serviços de advocacia (advocacy) e apoio no Reino Unido e no Paquistão.

Mesmo que eu tenha completado a primeira versão deste artigo (no início de outubro de 2008), as últimas bombas em Islamabad e Lahore forneceram mais um poderoso lembrete da ambiguidade e instabilidade do "Paquistão" como significante e como significado. Durante o período do estudo WASP (setembro de 2005 a abril de 2008), o país experimentou enorme instabilidade, disputa regional e o assassinato do principal candidato da oposição (Benazir Bhutto). Violência, justiça e direitos democráticos permanecem na vanguarda das lutas práticas-políticas diárias. Embora fosse a suspensão do General (e então presidente) Musharraf, como chefe de justiça, que catalisou os protestos para a imposição do governo militar no final de 2007, então, mesmo alguns meses após a eleição de um novo governo de coalizão, advogados ainda estavam demonstrando a reintegração de um poder judiciário independente. No entanto, mais uma vez, em momentos de profunda possibilidade de mudança, a agenda de advocacia (advocacy) e empoderamento das mulheres - da qual a violência doméstica é certamente um sintoma - apareceu ainda mais fora da agenda política-nacional do que antes. Assim continua tão urgente como sempre desafiar a hegemonia do "Paquistão" como um significante monolítico não significativo, e esclarecer as responsabilidades e as possibilidades de parcerias transnacionais.

 

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Submetido em: 25/10/2015
Aceito em: 30/03/2016

 

 

Tradução: Kamila Kamel Fahs e Paula Thais Antunes Pereira
Revisão da tradução: Ilana Mountian
1 Uma versão mais longa deste artigo se encontra em Schostak e Schostak (2010).
2 O projeto Mulheres Solicitantes de Refúgio do Paquistão (The Women Asylum Seekers from Pakistan Project) foi financiado pelo Big Lottery Fund, e pertenceu ao South Manchester Law Centre.
3 O termo utilizado no artigo original é asylum seekers que corresponde, no Brasil, a "solicitantes de refúgio". Assim, ao longo do artigo, o termo asylum seekers foi traduzido como solicitantes de refúgio e o termo asylum como refúgio. [Nota das tradutoras]
4 Está fora do escopo deste artigo abordar os debates que tratam de: (1) questões terminológicas e complexidades que cir-cundam a violência doméstica ('violência doméstica' vs. 'abuso'; 'familial' vs. espancamento de 'esposa' - lembrando que perpretadores não são apenas esposos, mas incluem frequentemente outros membros familiares); (2) discursos de violência interpessoal e violência/abuso íntimo; (3) como isso geralmente inclui violência sexual; (4) como o abuso não físico geral-mente é ignorado, acarretando em pouca ênfase nas questões de trauma e saúde mental; e (5) os modos como a violência doméstica geralmente é enquadrada num discurso 'privado' sobre a família de forma que é raramente entendida politicamente como uma forma de tortura (ver, por exemplo, Hanmer and Itzin, 2000). Tais enquadramentos trazem também à tona a divisão legal e cultural do público/privado com a qual lidamos mais adiante neste artigo.
5 Essa relação de colonialismo esteve particularmente evidente quando o Reino Unido suspendeu membros do Paquistão do British Commonwealth durante a imposição de Musharraf de 'regras emergenciais (i.e. militar)' no outono de 2007, que foi reinstalada assim que o data das eleições democráticas foram anunciadas no início de 2008.
6 Aqui eu gostaria de agradecer o grupo de consultoria do projeto (Project Advisory Group), cujos insights e discussões formam a base de meus argumentos aqui expostos. Portando, agradeço a: Meg Allen, Khatidja Chantler; Andrea Grogan; Sajida Ismail, Vera Martins, Philomena Harrison, Yvonne e Nadia Siddiqui.
7 Uma tentativa anterior de refletir sobre essas suposições como princípios norteadores pode ser encontrada em Burman e cols. (2006).
8 Período histórico (1996-2010) do Labour Party (Partido dos Trabalhadores)
9 Escolhemos por manter Home Office no original, no Brasil, Home Office seria o equivalente a Ministério do Interior. [Nota do tradutor]
10 De fato, deveria ser também reconhecido que esses riscos não eram apenas simbólicos, como indicado pelo fato de que a visita de divulgação final ao Paquistão foi postergada por vários meses por conta da instabilidade política na região, e só foi autorizada pela equipe de assessoria do projeto por uma pequena maioria. O comprometimento e envolvimento da Nadia Siddiqui, como investigadora principal no projeto, merece reconhecimento em particular aqui, por pesquisar num momento e num contexto de considerável violência e instabilidade política.
11 Nós usamos o termo "minorizados", ao invés de minoria ou minoria étnica, para chamar a atenção aos processos pelos quais cada grupo minoritário cultural, religioso e étnico é apresentado como minoria, ao contrário de presumir isso como uma identidade prévia ou essencial (ver Batsleer e cols., 2002; Burman, Smailes and Chantler, 2004). Obviamente, o uso desse binário "minorizado"/"maiorizado" deve ser diferenciado da forma como funciona em alguns contextos de estudos do desenvolvimento onde "minorias" normalmente significa o rico, frequentemente pessoas brancas e países cujos poder domina a maioria do mundo, não obstante sua escassez numérica.
12 Em um contexto familiar comum, patrilocal, ou seja, onde a filha / esposa se juntaria à casa do marido, ela está particular-mente sob o escrutínio crítico de sua sogra.
13 Isso é politicamente ambíguo porque não está claro como quase metade da população nacional (divisão de gênero no Paquistão sendo ligeiramente abaixo de 50%) poderia ser entendida como grupo 'minoritário' perseguido, mas ao menos essa designação ilustra o caráter conceitualmente anômalo da avaliação da opressão de gênero.
14 Este incluem práticas como a prestação de serviços legais e de aconselhamento no local e na admissão em abrigos para mulheres
15 Frequentemente, isso não teve êxito devido às formas em que as entrevistas com a mídia sobre a pesquisa seriam editadas a fim de confirmar a narrativa dominante - dessa forma, tornando-nos ainda mais cautelosos sobre discutir este trabalho em espaços públicos.
16 É o direito que surge dos costumes de uma certa sociedade, não passando por um processo formal de criação de leis, onde um poder legislativo cria leis , emendas constitucionais, medidas provisórias [nota das tradutoras].
17 O estudo também documentou avaliações bizarras por parte dos juízes que revelaram os limites culturais e de gênero que eles poderiam compreender. Nós documentamos relatos de prestadores de serviços e representantes legais de juízes que desacreditavam nos relatos das mulheres, não com base em problemas de corroboração, mas porque simplesmente não acreditavam que uma mulher pudesse suportar tanto e ainda sobreviver.
18 Cash for question e loans for honours referem-se a escândalos políticos ocorridos no Reino Unido

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