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Revista Psicologia Política

versão impressa ISSN 1519-549Xversão On-line ISSN 2175-1390

Rev. psicol. polít. vol.18 no.41 São Paulo ajn./abr. 2018

 

ENTREVISTA

 

Movimentos sociais e contexto político: entrevista com David S. Meyer

 

Movimientos sociales y contexto político: entrevista con David S. Meyer

 

Mouvements sociaux et contexte politique: entretien avec David S. Meyer

 

 

Matheus Mazzilli Pereira

(entrevistador e tradutor). Professor do Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política (PPGSP) da Universidade Vila Velha (UVV). matheus.mazzilli@gmail.com

 

 


RESUMO

David S. Meyer dedicou sua carreira ao estudo de movimentos sociais. Alinhados teoricamente às chamadas "teorias do processo político", seus trabalhos enfatizam a relação entre movimentos sociais e o contexto político-institucional no qual agem, bem como analisam as relações sincrônicas e diacrônicas existentes entre movimentos sociais. Nessa entrevista, Meyer fala sobre suas principais pesquisas empíricas, entre elas, seu estudo sobre o Movimento pela Paralisação das Armas Nucleares nos Estados Unidos. Meyer reflete, ainda, sobre as principais contribuições teóricas de seu trabalho e da abordagem contextual como um todo para o estudo de movimentos sociais e sobre como a pesquisa acadêmica pode contribuir para o ativismo político.

Palavras-chave: movimentos sociais; contexto político; paralisação de armas nucleares; spillover; contramovimentos.


RESUMEN

David S. Meyer dedicó su carrera al estudio de los movimientos sociales. Alineados teóricamente a las llamadas "teorías del proceso político", sus trabajos enfatizan la relación entre los movimientos sociales y el contexto político-institucional en que actúan, así como analizan las relaciones sincrónicas y diacrónicas existentes entre movimientos sociales. En esa entrevista, Meyer habla sobre sus principales investigaciones empíricas, entre ellas, su estudio sobre el Movimiento por la Paralización de las Armas Nucleares en los Estados Unidos. Meyer también habla sobre las principales contribuciones teóricas de su trabajo y del enfoque contextual como un todo para el estudio de movimientos sociales y sobre cómo la investigación académica puede contribuir el activismo político.

Palabras clave: movimientos sociales; contexto político; Paralización de las Armas Nucleares; spillover; contramovimientos.


RÉSUMÉ

David S. Meyer a consacré sa carrière à l'étude des mouvements sociaux. Alignés théoriquement avec les "théories du processus politique", ses travaux mettent l'accent sur la relation entre les mouvements sociaux et le contexte politique-institutionnel dans lequel ils agissent, et analysent les relations synchroniques et diachroniques existant entre les mouvements sociaux. Dans cette entretien, Meyer présente ses principales recherches empiriques, notamment son étude sur le Mouvement pour le Gel Nucléaire aux États-Unis. Meyer réfléchit également sur les principales contributions théoriques de son travail et de l'approche contextuelle pour l'étude des mouvements sociaux et sur comment la recherche scientifique peut contribuer à l'activisme politique.

Mots-clés: mouvements sociaux; contexte politique; gel nucléaire; spillover; contremouvement.


 

 

Atualmente professor no Departamento de Sociologia da University of California, Irvine, David S. Meyer dedicou sua carreira ao estudo de movimentos sociais. Seus trabalhos, que ainda não foram traduzidos para o português, se alinham teoricamente a abordagens relacionadas às chamadas "teorias do processo político" ao enfatizar a importância de elementos contextuais para a compreensão do surgimento, do desenvolvimento e da resolução do confronto político, assim como ao enfatizar as conexões entre a política institucional e a extrainstitucional (Meyer e Minkoff, 2004; Meyer e Staggenborg, 1996; Meyer, 1993b, 2004, por exemplo). Ao longo de sua trajetória, Meyer trabalhou com outros importantes pesquisadores de movimentos sociais, tais como William Gamson e Sidney Tarrow (Gamson e Meyer, 1999; Meyer e Tarrow, 1998).

Em suas primeiras pesquisas, Meyer estudou o Movimento pela Paralisação de Armas Nucleares (Nuclear Freeze Movement) nos Estados Unidos. Esse trabalho mostra como mudanças político-institucionais ocorridas no Governo Reagan criaram um sentimento emergente de que as armas nucleares representavam uma séria ameaça, gerando, assim, incentivos para a mobilização (Meyer, 1990, 1993a, 1993b). Nesse sentido, seu trabalho indica que a difusão de um sentimento de indignação moral com determinado problema social ou política pública que seja forte o suficiente para incentivar a mobilização coletiva é altamente dependente do que ocorre dentro das instituições políticas.

Em pesquisas mais recentes, Meyer explora como movimentos sociais afetam uns aos outros de forma sincrônica e diacrônica, argumentando que movimentos sociais devem ser vistos como coalizões (Meyer e Corrigal-Brown, 2005; Meyer, 2004, 2015), propondo o conceito de spillover de movimentos sociais (Meyer e Boutcher, 2007; Meyer e Whittier, 1994) e desenvolvendo reflexões sobre as relações estabelecidas entre movimentos e contramovimentos (Meyer e Staggenborg, 1996). Tais conceitos indicam a importância da análise das relações de cooperação e conflito estabelecidas entre movimentos sociais, bem como da análise do ativismo conservador em interação com movimentos progressistas.

Nesta entrevista, realizada no dia 11 de fevereiro de 2016 na University of California, Irvine, Meyer fala sobre sua trajetória intelectual e sobre como suas pesquisas e a abordagem contextual como um todo contribuíram para o estudo de movimentos sociais nos últimos anos. Em seus comentários finais, Meyer também fala sobre a ciência social engajada e sobre como a pesquisa acadêmica pode contribuir para o ativismo político.

E: Como você começou a se interessar pelo tema dos movimentos sociais e a fazer pesquisas sobre isso?

DM: O estudo de movimentos sociais foi sempre meu principal tema de interesse. Isso começou quando eu era um jovem adolescente com foco na ação moral das pessoas comuns para fazer o mundo melhor. Eu me lembro de ler o livro "A Desobediência Civil" do David Thoreau1 quando tinha treze ou quatorze anos. Agora parece até bobo, mas o argumento dele nesse livro era que você não deveria cooperar com um governo que faz coisas injustas. Então ele dizia: "Eu não vou pagar impostos para um governo que promove guerras e escravidão. E você, como um indivíduo, tem a responsabilidade de garantir que a sua cooperação não está tornando o mundo pior". E isso era simplesmente muito inspirador.

Por isso, eu queria estudar iniciativas para a mudança social vindas de baixo. Quando fui para a faculdade, é claro que estudei literatura, porque era assim que eu pensava que o mundo mudava. Eu escrevi meu trabalho final sobre Thoreau e sobre Percy Bysshe Shelley, o poeta inglês que também tinha uma visão muito parecida de mudança social. Então, eu tive essa crise de confiança quando estava terminando minha graduação. O Shelley tinha escrito que os poetas eram os legisladores não reconhecidos do mundo. A certa altura do final do curso, porém, eu comecei a duvidar disso. Talvez os poetas não fossem reconhecidos por não serem tão importantes assim.

O Shelley tinha escrito ótimos poemas, mas ele tinha esse poema terrível que era dirigido à classe operária, "A Máscara da Anarquia" (The Mask of Anarchy). Nesse poema, os ativistas que foram mortos pela polícia conquistavam uma vitória moral e olhavam sorrindo do paraíso para o mundo pelo seu comprometimento com a não violência e pela justiça de sua causa. Isso me pareceu pouco satisfatório. Então, quando eu estava terminando a universidade, decidi que realmente queria estudar o contexto social do protesto e o que realmente funcionava. Isso fez com que eu fosse para a pós-graduação estudar ciência política, estudando assuntos mais amplos que apenas a ação moral individual. Portanto, foi assim que eu comecei. Também tive uma carreira como ativista. No ensino médio e na universidade, estive engajado em atividades de mudança social, mas isso se dissipou com o tempo.

E: Como você começou a se interessar pelo Movimento pela Paralisação das Armas Nucleares (Nuclear Freeze Movement)?

DM: Por causa das redes de ativismo nas quais eu estava inserido, fui recrutado para participar do Movimento pela Paralisação das Armas Nucleares. A Paralisação das Armas Nucleares era uma proposta para acabar com a corrida nuclear ao fazer os Estados Unidos e a União Soviética pararem de construir, utilizar e ameaçar usar armas nucleares. A estratégia era desenvolver um movimento de massa com base nessa proposta.

E lembro que eu dizia com a certeza e a confiança de um estudante de inglês: "Que ideia estúpida. Quem se preocupará com armas nucleares? As pessoas comuns se importam apenas com as coisas que elas podem tocar. E elas não podem tocar armas nucleares. Elas se importam com coisas como classe e desigualdade". Isso foi em 1979. E o que aconteceu é que eu estava completamente errado, no final das contas. Em 1982, um milhão de pessoas marcharam pelas ruas de Nova Iorque em defesa da paralisação da corrida nuclear. E eu me dei conta, e isso foi muito perturbador, do quanto eu estava completamente errado. Foi assim que eu fui parar na pós-graduação.

Eu sei que parece quase não americano falar isso, mas eu tinha a ideia de que, se você está errado em algo, pode explorar e descobrir em que ponto estava errado e pode aprender algo com isso. Então, foi isso que eu tentei fazer. Eu também tinha decidido, quando comecei minha pós-graduação, que faria meu trabalho sobre algo relevante, sobre algo que estava acontecendo. Eu queria estar atento ao mundo ao meu redor. E quando eu estava começando minha pós-graduação, o Movimento da Paralisação era algo muito importante. Estava por todos os lugares, e as pessoas estavam falando sobre isso. Portanto, foi assim que eu escolhi o tópico da minha tese. E essa foi a minha tese e o meu primeiro livro. Eu não tive nenhuma ansiedade sobre o tópico, de maneira alguma. Foi simplesmente: "Ok, vou fazer sobre esse assunto porque é o que está acontecendo agora".

E: E o que você descobriu? Por que você estava errado sobre o movimento?

DM: Eu estava errado porque a proeminência dos temas muda com o tempo, e essas mudanças ocorrem de acordo com certas condições sociais. Então, mesmo que as armas nucleares não fossem, normalmente, um tema muito proeminente, quando Ronald Reagan assumiu a presidência a proeminência desse tema mudou. Algumas coisas foram muito diferentes depois que ele assumiu a presidência comparando com o período anterior.

Em primeiro lugar, o gasto total com o setor militar em geral e com as armas nucleares em particular cresceu de forma drástica. Em segundo lugar, o Governo Reagan desprezou e abandonou fortemente os processos de controle de armas que anteriormente tinham sido usados para controlar os custos e os medos associados à corrida nuclear. Então, não havia acordos e negociações que fossem efetivas, e isso era assustador para as pessoas. Em terceiro lugar, o balanço de poder entre os especialistas em controle de armas e o governo mudou drasticamente. Havia pessoas que tinham ideias mais pacíficas e pessoas que tinham ideias mais bélicas. Elas brigavam e, em alguns momentos, um lado ou outro estava em ascensão. E, basicamente, as pessoas do lado do controle das armas foram todas afastadas dos níveis mais altos do governo no início da década de 1980. Assim, o controle de armas desapareceu, e aquelas pessoas que anteriormente davam conselhos aos presidentes foram forçadas a ir para as ruas, a falar com as pessoas. Em quarto lugar, a retórica desse governo era drasticamente distinta da dos presidentes anteriores. Mesmo os presidentes que tinham compromissos fortes com a construção e com a ameaça do uso de armas nucleares relutavam em falar de forma mais aberta sobre as armas nucleares. Esse não era o caso daqueles que foram nomeados pelo Reagan, que falavam de forma casual sobre usar armas nucleares. "É, nós podemos ter uma guerra nuclear. Isso não seria algo tão sério". "Isso seria muito ruim, mas nós sobreviveríamos". "O controle de armas é terrível. Nós perdemos muito tempo controlando as armas e nós deveríamos simplesmente ter mais armas".

Todos esses fatores contribuíram para formar um ambiente que facilitou a ressonância da proposta da paralisação e aumentou a urgência do assunto. E isso mudou a forma como eu pensava sobre o mundo. Porque eu pensava que, se você agisse de forma moral e clara, você poderia mobilizar pessoas para os assuntos com os quais você se importa. Eu não percebia o quanto as políticas públicas, o "formato da sala" e os alinhamentos políticos afetavam a ressonância da mensagem. E isso se tornou, de certo modo, a abordagem orientadora do meu trabalho desde essa pesquisa.

E: Eu imagino que, nessa época, já havia pessoas teorizando sobre como o contexto político afeta o ativismo, e isso deve ter influenciado a sua pesquisa. Quem eram esses pesquisadores que estavam lhe influenciando?

DM: Na verdade, eu cheguei a essa ideia antes de realmente ler algo que tenha me ajudado, mas eu certamente não fui o primeiro a chegar lá. Eu me lembro de achar algumas coisas, todas de uma vez só, que foram realmente muito úteis. O Sidney Tarrow estava começando seu trabalho sobre ciclos de protestos, e ele era muito importante no tema dos alinhamentos políticos2. O Doug McAdam tinha escrito sobre o contexto do Movimento Norte-Americano pelos Diretos Civis e sobre como oportunidades políticas importam, e isso foi extremamente útil3. Ambos deviam muito ao Charles Tilly, que sempre teve essa abordagem do contexto político para estudar o conflito4. Então, eu achei esse livro escrito por uma cientista política que, empiricamente, com certeza tinha essa abordagem contextual, mas cuja abordagem teórica não fazia sentido. Era como se fosse muito cedo. Ela estava escrevendo antes de ter uma abordagem com a qual trabalhar. Ela se chama Jo Freeman, e o livro se chamava "The Politics of Women's Liberation" ("A Política da Libertação das Mulheres)5. Era um livro realmente muito inteligente no qual ela usou uma abordagem psicossocial que não fazia sentido. Mas era um livro realmente muito bom. Então, esses foram os quatro livros e as quatro abordagens que me influenciaram muito quando eu estava fazendo minha tese. Posteriormente, tentei aprender o máximo que eu pude de várias e várias pessoas diferentes.

E: Essa abordagem que dá ênfase às oportunidades políticas para os movimentos sociais se tornou muito popular nos debates sobre movimentos sociais nos anos seguintes. Há uma metáfora que você usa no seu livro "The Politics of Protest: social movements in America" (A Política do Protesto: movimentos sociais nos Estados Unidos) que eu gosto muito. Ela diz que ativistas são como vendedores de guarda-chuvas nas ruas. Eles até podem ter boas técnicas de venda, mas o que realmente importa no final das contas é a ameaça de chuva. Então, se há ameaça de chuva, eles vendem mais6. Na sua opinião, quais são as principais contribuições dessa abordagem político estrutural para o estudo de movimentos sociais?

DM: Eu também adoro a metáfora do vendedor de guarda-chuvas e volto para ela sempre que posso. Então, qual é a principal contribuição? A principal contribuição é prestar atenção à "sala" na qual as reivindicações são feitas. Os ativistas nem sempre estão atentos a isso, porque os ativistas sempre veem suas reivindicações como importantes. Eles são pessoas que vêm trabalhando no mesmo tema de forma heroica, enfática e admirável por décadas e décadas e décadas. Desigualdade, guerra nuclear, direitos animais, aborto são sempre proeminentes e são sempre as coisas mais relevantes do ponto de vista dos ativistas. E eu acho que essa abordagem, a orientação contextual, mostra que esses especialistas, os adeptos mais leais e dedicados não são pouco importantes, mas que a ação verdadeira acontece quando pessoas que não estão normalmente engajadas no assunto também falam que isso é importante e tendem a se juntar a eles. E isso eu acho que é uma contribuição importante.

O segundo ponto é o foco em políticas públicas, naquilo que o governo está fazendo e o olhar para os aliados no governo7. Eu diria que essas são contribuições importantes. Outra coisa que se encaixa aqui é que, quando o Tilly desenvolveu pela primeira vez o que ele chamou de "o modelo das instituições políticas" (the polity model), os ativistas eram pessoas fora do governo e fora do mainstream tentando entrar nele. E, posteriormente, ele se deu conta e disse que, em uma democracia liberal, as linhas entre os membros e os outsiders não são tão nitidamente separadas. Afirmou também que, de fato, aliados no governo são realmente importantes para a mobilização de protesto e que eles importam muito. Há uma interação entre as políticas públicas, a política mainstream e a política dos movimentos sociais8.

Eu acho que uma das coisas muito importantes que o Tarrow fez para mim foi pegar esse artigo que eu escrevi e no qual eu estava tentando desenvolver algo e sublinhar uma frase, dizendo: "Essa é uma frase muito boa". Era algo como "O que acontece dentro das instituições políticas tem um grande efeito na política dos protestos do lado de fora". Isso significa que a conexão entre a política institucional e a política extrainstitucional é importante, e o Tarrow me incentivou a focar nisso.

E: Além de enfatizar essa relação entre movimentos sociais e instituições políticas, você também teoriza sobre a relação entre diferentes movimentos sociais. Por exemplo, quando você fala de movimentos sociais como coalizões, sobre o spillover de movimentos sociais e sobre as dinâmicas entre movimentos e contramovimentos. Você poderia falar um pouco mais sobre essas dinâmicas e esses conceitos sobre os quais você escreveu?

DM: Muitos pesquisadores que estudam movimentos sociais os tratam como unidades autônomas e independentes. Alguns deles escrevem sobre os movimentos pelos quais eles sentem afinidade. Então, escrevem sobre o movimento dos direitos civis, sobre o movimento pacifista ou sobre o movimento ambientalista como se eles fossem separados e distintos. E, em parte pela minha experiência como ativista e certamente pelas minhas pesquisas posteriores, percebi que as pessoas se movem entre movimentos dependendo das circunstâncias do lado de fora. A Betty Friedan, a grande feminista, saiu do movimento operário. Todos os tipos de ativistas pacifistas dos anos 1960 foram para o movimento dos direitos civis. E alguns desses ativistas dos direitos civis se juntaram à organização contra a guerra posteriormente. Assim, a ideia de que movimentos sociais não são distintos e podem se conectar uns aos outros importa e eu presto muita atenção a isso.

Meus esforços inicias buscaram explorar como o movimento feminista afeta a forma como outros movimentos sociais funcionam. Enquanto eu estava escrevendo a minha tese sobre a Paralisação Nuclear, as porta-vozes mais visíveis da Paralisação Nuclear eram mulheres. Algumas delas estavam promovendo suas credenciais muito sérias como especialistas em detalhes sobre armamentos nucleares e sobre o controle de armas. E seria difícil imaginar esse tipo de variedade de ativismo antes do movimento feminista. Então, eu pensei que valeria a pena examinar como movimentos influenciam não só os movimentos contemporâneos a eles, mas também movimentos sociais subsequentes. E eu tive a felicidade de começar esse trabalho com a Nancy Whittier, que era uma pesquisadora do movimento feminista9.

E: Você está falando sobre spillover nesse caso. E o que você pode dizer sobre a dinâmica entre movimentos e contramovimentos?

DM: Durante os anos 1980 e os anos 1990, eu estava muito interessado no movimento contra o aborto nos Estados Unidos, que tinha passado por um período no qual alguns ativistas estavam usando ataques violentos a clínicas de aborto. Eu estava tentando entender como eles surgiram e declinaram e entender o que eles faziam. E eu vi que eles estavam conectados ao sucesso do movimento pelo direito ao aborto ou à percepção de uma ameaça causada por esse movimento.

Com essa tendência das pessoas a estudar os movimentos dos quais elas gostam, pensei: "Se uma teoria funciona para explicar os movimentos sociais dos quais você gosta, ela também deve explicar os movimentos sociais dos quais talvez você não goste". A balança dos estudos acadêmicos de movimentos sociais pende para a esquerda, e parte disso se deve à afiliação política, já que muitos movimentos conservadores têm sido muito influentes, ao menos nos Estados Unidos. Na verdade, nós sabemos que isso acontece em vários lugares. Assim, a questão era como movimentos afetam uns aos outros. A Suzanne Staggenborg e eu exploramos esse tema teoricamente e empiricamente no debate americano sobre o aborto. E isso se tornou um assunto ao qual eu tenho dedicado muita atenção ao longo dos anos.

E: Nos Estados Unidos, há uma agenda teórica e empírica de estudo de movimentos sociais que, agora, já perdura por algumas décadas. Como você acha que esses debates acadêmicos contribuem para o ativismo propriamente dito? E você acha que essa deve ser uma preocupação central de sociólogos e cientistas políticos que estudam esse tema?

DM: Eu sempre fui, de certa forma, obcecado com isso. Por muito tempo, fiquei realmente muito desapontado que os ativistas não estavam tão interessados naquilo que os pesquisadores acadêmicos estavam produzindo. Mas eu entendi que os ativistas não estavam tão interessados nisso porque isso não era tão útil. Eu tenho uma ideia sobre a ciência social engajada ser completamente sobre escolher questões cujas respostas você quer desesperadamente conhecer, cujas respostas verdadeiras seriam úteis para os ativistas, e não sobre escolher questões para as quais uma resposta em particular validaria o seu argumento ou a sua causa.

Eu não sei se eu tenho produzido ou não coisas que são realmente úteis. Quer dizer, eu tento falar sobre temas que sei que são importantes para os ativistas, como o formato de uma coalizão ou algo assim. Eu sei que estudantes de pós-graduação com os quais eu trabalhei, com certeza, produziram coisas que são úteis para os ativistas. Por exemplo, a Deana Rohlinger, que agora é professora na Florida State University, estudou como ativistas podem conseguir um tratamento favorável da mídia. E ela olhou para ativistas com os quais ela concordava politicamente e para outros com os quais ela discordava politicamente. Ela foi minha primeira estudante de pós-graduação10. E agora eu tenho uma estudante chamada Erin Evans que está terminando sua tese, e ela está interessada em como esforços de reforma feitos por ativistas de direitos animais afetam a mobilização do movimento e as políticas dentro da ciência11. Ambas escolheram questões que eram importantes para os ativistas, mas que não estavam comprometidas com um resultado específico. Elas apenas queriam saber realmente a verdade sobre essas questões. E eu admiro muito isso. Eu acho que é assim que você pode ter uma ciência social engajada e útil. Não sei se eu mesmo fui tão útil, mas eu falo com as pessoas e tento contar a verdade a elas, e espero que isso importe com o passar do tempo.

 

Referências

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Submetido em: 25/07/2018
Aprovado em: 24/10/2018

 

 

1 Ver Thoreau (1997).
2 Ver Tarrow (1993, 2009) e Della Porta e Tarrow (1986), por exemplo.
3 Ver McAdam (1986), por exemplo.
4 Ver Tilly (1978, 1993, 1997), por exemplo. Para comentários sobre a trajetória acadêmica de Tilly, ver Alonso (2012) e Bringel (2012).
5 Ver Freeman (1975).
6 Ver Meyer (2015).
7 Para mais sobre movimentos sociais e políticas públicas, ver Meyer, Jenness e Ingram (2005).
8 Para estudos sobre a interpenetração entre movimentos sociais e estado no caso brasileiro, ver Abers e Von Bülow (2011), Silva (2015) e Silva e Oliveira (2011), por exemplo.
9 Para mais trabalhos de Nancy Whittier, ver Meyer, Whittier e Robnett (2002), Taylor e Whittier (1995), e Whittier (1997), por exemplo.
10 Ver Rohlinger (2002).
11 Ver Evans (2010, 2016).

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