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Revista Psicologia Política

Print version ISSN 1519-549XOn-line version ISSN 2175-1390

Rev. psicol. polít. vol.18 no.41 São Paulo Jan./Apr. 2018

 

RESENHA

 

Psicologia e movimentos sociais: a psicologia política enquanto o encontro da rua com a academia

 

Psychology and social movements: political psychology as the reunion of the academia with the street

 

Psicología y movimientos sociales: la psicología política mientras el encuentro de la calle con la academia

 

Psychologie et mouvements sociaux: la psychologie politique comme rencontre de rue avec l'académie

 

 

Fernanda Barbosa Carreiro Tavares

Universidade Federal do Rio de Janeiro. febctavares@gmail.com

 

 

Obra: Hur, D. U. & Lacerda, F. Jr. (Org.). (2016). Psicologia, política e movimentos sociais. Petrópolis: Vozes.

O livro Psicologia, política e movimentos sociais, lançado em 2016 pela editora Vozes, se propõe a traçar um panorama recente da produção de conhecimento acadêmico sobre os movimentos sociais sob a perspectiva da Psicologia Política. Apesar dos diferentes ângulos e abordagens sobre o tema da manifestação pública, é sempre muito clara a busca pelo papel da Psicologia e da academia frente às novas formas de se manifestar e se expressar politicamente que surgiram no contexto da pós-modernidade e que ainda surgem no Brasil, especialmente após os eventos de junho de 2013. Reconhecendo que a produção acadêmica tradicionalmente possui uma relação de tentativas de controle e categorização dos movimentos sociais, os autores selecionados tentam contribuir para a formação de novas bases conceituais para a Psicologia Política e a Psicologia em geral trabalharem para a emancipação e a libertação, potencializando e sendo potencializada pela característica transformadora e desestruturalizadora dos movimentos sociais. Como colocam Lacerda e Hur, organizadores e autores da obra, durante a apresentação do livro, "O potencial de insurgência, de subversão social e de desterritorialização dos enunciados instituídos pelos movimentos sociais resultam em novos regimes de saber. Toda a vitalidade, força e insurgência dos movimentos sociais contribuíram para a constituição da Psicologia Política Latinoamericana." (2016, p. 16).

A obra é dividida em duas partes. A primeira, composta de cinco trabalhos, é dedicada a temas diretamente associados aos movimentos sociais. A segunda parte aborda análises e estudos feitos a partir de temas da política que se mostram valiosos instrumentos de reflexão sobre o tema dos movimentos sociais, apesar de não abordarem diretamente o assunto.

A Psicologia Política ainda é uma área pouco conhecida no meio acadêmico, e capaz provocar estranhamento, uma vez que, na mentalidade do senso comum, a psicologia está diretamente ligada a práticas clínicas e individuais. É um campo que não se limita a pertencer a uma disciplina, mas se constrói no espaço entre várias, como a Psicologia, a Antropologia, a Filosofia, as Ciências Políticas, a Comunicação, dentre outras (Hur, 2015). Por conta dessa construção interdisciplinar, a Psicologia Política se mostra um campo muito aberto para as mais variadas abordagens, experimentações e criações, privilegiando o fenômeno e se utilizando das teorias muito mais como aparatos de investigação do que como algo suficiente em si (Chicareli, 2014). Finalmente, também é possível dizer que a Psicologia Política Latinoamericana se coloca fora da falácia da neutralidade científica e distanciamento do pesquisador de seu objeto de estudo, ao assumir uma postura francamente comprometida com a transformação e justiça social.

O primeiro trabalho, escrito por Salvador Sandoval e Alessandro Soares Silva, trata do modelo de análise da consciência política desenvolvido por Sandoval durante os anos noventa, e a sua subsequente reestruturação à luz das emoções. O artigo apresenta alguns pontos importantes da construção do modelo, como a sua inicial inspiração na teoria sobre a consciência operária de Alan Touraine, construindo um quadro de dimensões psicossociais articuladas que teriam um papel decisivo na maneira como a consciência política de um indivíduo ou grupo se constrói. A intenção de Sandoval, segundo ele mesmo, não é a de oferecer uma análise esquemática e mecânica do processo de formação da consciência política, mas sim agregar diversas categorias analíticas psicossociais que só farão sentido a partir da compreensão da situação específica a ser estudada, e não do desejo do pesquisador (Sandoval & Silva, 2016). Anos depois da elaboração do modelo analítico para o estudo da consciência política, Sandoval resolve reestruturá-lo à luz das emoções, colocando-as como elementos constitutivos de cada uma das dimensões psicossociais.

O modelo proposto pelos autores pretende poder analisar o processo de engajamento político, se colocando como uma ferramenta que permite não só o estudo, mas, de acordo com Sandoval e Silva, também a possibilidade de intervir na construção dos movimentos sociais e da consciência política dos indivíduos. É claro que há que se considerar que a Psicologia Política Latinoamericana é construída a partir de uma certa implicação ou até mesmo posicionamento do pesquisador. Como coloca Maritza Montero, "Seoane hablaba de una cierta sensibilidad. En la América latina hemos descubierto que para hacer PP esa es una condición y es parte de lo que se llama compromiso." (2009, p. 207). Todavia a colocação de Sandoval e Silva de que o modelo por eles proposto poderia ser usado para intervir nos processos de formação da consciência política e nos movimentos sociais leva a uma reflexão importante. É necessário pensar e discutir possíveis limites do compromisso da Psicologia Política com a transformação da realidade e levar em consideração os perigos - ressaltados pelos organizadores da obra na sessão de apresentação - da captura de fenômenos sociais por parte das ciências humanas, que pode levar à normatização e estratégias de controle e contenção dos mesmos.

O capítulo seguinte é um artigo de Marco Aurélio Máximo Prado analisando como, no campo dos estudos sobre movimentos sociais, o conceito do que é e o que não é político raramente é questionado. O autor coloca que apesar de diversas disciplinas terem abordado o assunto das mais variadas maneiras e intenções, as definições sobre política sempre foram consideradas como dadas, de forma que algumas modalidades de protestos e manifestações eram julgadas como importantes e dignas de estudo e outras caíram na obscuridade apesar de influenciarem mudanças na forma de ser, governar e exercer poder.

O autor aponta que há um movimento de se considerar políticos apenas os atos de acordo com a racionalidade da gestão, ou seja, atos em que a participação social funciona como instrumento de manutenção das instituições existentes e é convocada por elas. A academia, portanto, segue deslegitimando enquanto políticos certos movimentos nos quais a participação política não se adequa a qualquer hierarquia, não cabe em palcos ou segue convocações, mas sim dá a palavra àqueles que, na racionalidade da gestão, não possuem voz. Movimentos que, muitas vezes apenas pela natureza de seus participantes e a forma como são organizados, questionam, subvertem e rompem com as normas e hierarquias instituídas, sendo, assim, inerentemente políticos e transformadores. Tendo em vista o atual contexto mundial de crescimento de figuras políticas conservadoras e grupos nacionalistas que beiram o fascismo, além da retirada de direitos sociais que está em curso especialmente na América Latina, é de maior importância que cada vez mais esses movimentos "escandalosos", desestruturalizantes e questionadores tenham sua potência reconhecida e ampliada pela academia.

O terceiro artigo foi escrito a partir da experiência do autor com um grupo guerrilheiro mexicano. A partir de algumas entrevistas feitas com o Exército Popular Revolucionário (EPR), David Pavón-Cuéllar desenvolve uma reflexão sobre a diferença gritante entre a maneira que a academia - especialmente no campo da psicologia - percebe e descreve o fenômeno da violência e a maneira como os grupos guerrilheiros explicam e justificam seus atos violentos.

O que o artigo ressalta é que na psicologia clássica o ato violento é quase sempre explicado pelo viés do comportamento agressivo, ou seja, seria fruto de uma característica exclusiva do indivíduo e que teria sido adquirida de maneira passiva, seja pela determinação ambiental, transtornos mentais ou neurológicos. Isso iria totalmente contra o que é observado no discurso do EPR e outros grupos guerrilheiros, que colocam a violência como consequência de uma determinação estrutural e de uma tomada de posição consciente frente a uma realidade de violência estrutural e institucional que se apresenta, uma vez que, segundo o grupo, o Estado mexicano teria destruído toda e qualquer via legal e institucional de reivindicação. Não é um fenômeno individual e passivo, mas sim uma ação coletiva racional, que reflete uma posição de um indivíduo ou grupo diante do mundo.

Para finalizar sua reflexão, Pavón-Cuéllar coloca que a atitude da academia de oferecer inúmeras teorias que se pretendem infalíveis sem ao menos lançar seu olhar para fora da bolha do conhecimento teórico e científico é de certa forma arrogante e elitista, além de prejudicar a elaboração de novas teorias e correntes de pensamento que poderiam surgir caso o conhecimento extra-acadêmico fosse levado em consideração.

O trabalho seguinte, de Jáder Ferreira Leite, Magda Dimenstein e Verônica Morais Ximenes, trata de uma breve análise histórica sobre o tema da criminalização de movimentos campesinos feita principalmente através do exemplo do MST. Os autores começam por resgatar historicamente a trajetória dos movimentos sociais do campo, ressaltando as mudanças ocorridas não só na estrutura dos mesmos, mas também nos modos de reprimi-los. Segundo o artigo, desde a Guerra de Canudos é possível observar grandes esforços feitos não só pelo Estado, mas também pela mídia e pela sociedade brasileira, de desqualificar e coibir as lutas da população rural. Assim, observa-se não só o uso de violência por parte do governo e da elite rural - que conta com a complacência do sistema jurídico, de modo que seus crimes contra os campesinos raramente são condenados - mas também a disseminação de um sentimento de medo e histeria em relação aos movimentos sociais do campo por parte da grande mídia brasileira.

O texto ressalta a importância do MST não só para a comunidade rural brasileira, mas também para a cultura democrática do país como um todo, na medida em que o movimento, dentre outras ações, é responsável pela construção de subjetividades políticas por todo país ao criar um "ambiente social [do movimento] permite aos seus integrantes um processo de elaboração do sofrimento e humilhação social vividos e da construção de sujeitos políticos engajados em ações de luta, de modo a transformar a dor vivida em resistência política" (Leite, Dimenstein, & Ximenes, 2016, p. 102). Dessa forma, as estratégias de repressão e desqualificação ao movimento seriam formas de destruição de um processo de formação de uma cultura democrática no Brasil, que no contexto atual de golpe de Estado e crescimento da influência militar no país, encontra-se extremamente fragilizado.

O quinto capítulo traz um artigo elaborado a partir de uma pesquisa feita na Parada LGBT de Goiânia, que se propõe a analisar uma possível associação entre a afetividade e a participação política e os desdobramentos dessa relação no campo dos movimentos sociais. A partir de um questionário aplicado a diversos participantes da Parada LGBT de Goiânia, os pesquisadores puderam perceber a predominância de noções de festa, alegria, diversão e felicidade associadas ao evento. Apesar disso, ao invés de colocar que esse tipo de percepção estaria despolitizando a Parada, os autores inferem que o aumento da afetividade no evento seria um fator motivador e de incentivo para a participação política dos presentes.

Os autores defendem que Paradas LGBT, assim como outros tipos de manifestações surgidas no pós-Maio de 68, não são apenas reivindicações ou repúdios que dizem respeito a fatos concretos ou situações pontuais, mas também uma maneira de "ocupar o espaço público, numa afirmação do ser, do desejo e da diferença" (Hur et al., 2016, p. 113). A Parada e as novas formas de manifestação são colocadas como momentos efêmeros que, também por conta de como afetam os participantes emocionalmente, são importantes formadores de subjetividade insurgente e política.

O artigo seguinte é escrito por dois espanhóis, José Manuel Sabucedo e Mónica Alzate, e traz uma análise sobre a lógica do terrorismo, suas consequências e as possibilidades de ação da comunidade internacional frente ao que se coloca. O texto realça a importância de uma análise grupal e social quando se fala de terrorismo, colocando que a interpretação social das condições de vida de um determinado grupo por eles mesmos, além da construção de uma imagem coletiva de um endogrupo injustiçado e um exogrupo responsável pela injustiça, dentre outros fatores, são peçaschave não só da lógica terrorista, mas também da reação muitas vezes discriminatória dada por grupos acometidos por atentados.

A comparação entre o artigo de Sabucedo e Alzate e o de Pavón-Cuéllar é irresistível. O mexicano pretende escrever sobre a lógica dos guerrilheiros - frequentemente chamados de terroristas - a partir do ponto de vista deles mesmos, ao se propor a entrevistar membros do Exército Popular Revolucionário. Ao fazer isso, critica aqueles que produzem saberes sobre grupos e pessoas sem ir até os mesmos e conhecer sua realidade, apoiando-se na estrutura elitista da academia para legitimar sua produção. Indo de encontro às ideias de Pavón-Cuéllar, Sabucedo e Alzate escrevem um artigo analisando e dissecando a lógica terrorista baseando-se apenas em referências acadêmicas de cientistas e psicólogos ocidentais. Como coloca Martín-Baró, a formação tradicional do psicólogo coloca como ponto de partida a metodologia para só depois avaliar a realidade (2017), e segundo o espanhol isso seria prejudicial à prática psicológica e à construção de novos saberes, uma vez que teorias e modelos criadas em certos contextos carregam interesses e condicionamentos específicos, fazendo com que nossa realidade fique mediatizada por questões históricas e políticas com características e interesses muito diferentes daquelas da situação que se pretende analisar. Considerando essa análise, é importante refletir sobre o tipo de saber que a Psicologia se propõe a produzir, com quais intenções e qual o tipo de público que ela pretende alcançar em suas reflexões.

O sétimo capítulo, elaborado por Isabel Fernandes de Oliveira e Ilana Lemos de Paiva, trata da atuação do psicólogo brasileiro dentro do campo das políticas sociais. Após uma recapitulação histórica sobre a profissão no Brasil, inicialmente quase que totalmente voltada para a classe média e o "ajustamento das pessoas à sua realidade, sem questionamentos a respeito dela" (Oliveira & Paiva, 2016, p. 143), as autoras começam a analisar os fatores que levaram à entrada dos psicólogos no campo das políticas públicas e como estes afetaram esse tipo de trabalho até os dias atuais.

Uma das dificuldades ocorridas nessa mudança, segundo as autoras, foi a transferência da prática da clínica tradicional para espaços focados em saúde pública e assistência social, criados com diretrizes como a valorização da cidadania, a territorialização, interação dialógica e equidade (Oliveira & Paiva, 2016.). A tentativa de certos profissionais de reproduzir o antigo modelo de colocação do sujeito e de seus conteúdos internos como alheios à realidade material em espaços como os do SUS e do SUAS refletiu a imensa dificuldade do psicólogo em lidar com a pobreza e com a população da classe trabalhadora. O texto termina por apontar que certo progresso já foi realizado nessa área, com valores políticos e emancipatórios e compromisso social aparecendo aos poucos no campo da Psicologia, mas aponta que uma real mudança na práxis só se torna possível a partir de reformas na própria formação.

No penúltimo artigo, Lenise Santana Borges se propõe a estudar a representação da lesbianidade nas telenovelas brasileiras. A autora coloca seu foco nas narrativas produzidas sobre o assunto, quais expressões da homossexualidade feminina são privilegiadas, como isso afeta a visão da sociedade sobre o tema e em que nível as relações lésbicas da televisão legitimam ou deslegitimam certas normas sociais.

Considerando a mídia, e na sociedade brasileira especialmente a televisão, como "um lugar com poder de modelar, transformar, influenciar o conhecimento, crenças, valores, relações e identidades sociais" (Borges, 2016, p. 159), a autora coloca que as telenovelas tem sido responsáveis pela legitimização de uma homossexualidade que não foge de nenhum padrão de gênero, raça, classe ou maneira de se relacionar, marginalizando todas as outras e instituindo uma "verdadeira forma de ser lésbica" (Borges, 2016, p. 160). Apesar de tais considerações, Borges ressalta que as telenovelas têm construído uma mentalidade social nova acerca da homossexualidade feminina, a partir de sua inclusão nas narrativas não só como recurso cômico ou exageradamente trágico, mas também como personagens que podem ser felizes e levar vidas "normais", construindo assim uma visão mais positiva e progressista da sexualidade lésbica, apesar de ainda dentro de uma mentalidade burguesa e elitista.

O nono e último texto foi composto por Marília Aparecida Muylaert, Jéssica Enara Vian e Jonathan Ribeiro Brandão da Silva. O texto começa por analisar a grande insatisfação em relação ao monopólio midiático brasileiro que aparece nas manifestações de junho de 2013. Os autores colocam que, em resposta ao jornalismo tradicional da Grande Mídia, que apresenta dados "editados e sofrem cortes que obedecem a princípios rígidos e interessados num certo modelo político." (Mulayert, Vian, & Silva, 2016, p.185) para a absorção passiva do cidadão-espectador, as mídias digitais alternativas surgem com estratégias de transmissão que transformam esse espectador passivo em um sujeito ativo. Essa transformação se dá principalmente pelo modo de transmissão de informação, "várias horas de transmissão ao vivo, sem qualquer edição, com várias perspectivas de acompanhamento" (Mulayert et al., 2016, p. 186). Segundo os autores, isso impulsionaria o surgimento de cidadãos mais críticos ao serem confrontados com informações que não foram preparadas a priori, não foram editadas e não oferecem uma conclusão ou solução nelas mesmas, obrigando o sujeito a analisá-las, debate-las e tirar suas próprias conclusões. Esse tipo de processo se mostra essencial para a formação de uma sociedade mais ativa, informada e, portanto, democrática.

É notável, portanto, que o livro deixa transparecer as diferentes abordagens e posicionamentos tanto teóricos quanto políticos que existem na Psicologia Política Latinoamericana, expondo a característica diversa e transdisciplinar do campo. A obra também possui a importância de dirigir o foco da área da Psicologia para a questão dos movimentos sociais e do agir político, não só analisando o fenômeno para fins teóricos, mas muitas vezes se propondo a buscar um papel ativo para a academia na potencialização do caráter transformador e subversivo dos movimentos sociais, apesar de ser importante também pensar os limites e possíveis efeitos dessa intervenção. O livro também contribui com a valorização das novas formas de se pensar a política e seus significados, colocando em foco diversas práticas desterritorializantes e emancipadoras que, por conta de definições cristalizadas e ideológicas do que é considerado ou não político, foram colocadas na obscuridade. É notável também o quanto alguns autores valorizaram os dados empíricos, enriquecendo a teoria, incorporando em seus trabalhos diversas noções e conceitos captados em suas pesquisas com movimentos sociais e políticos, produzindo saberes originais e condizentes com a realidade latino-americana do século XXI, o que, em um contexto de primazia das teorias estadunidenses e europeias dentro da academia, é em si um ato político e transformador.

A obra apresenta também, implícita ou explicitamente, grandes críticas à formação do psicólogo no Brasil, responsável pela atual prática de constante reprodução mecânica de modelos e teorias sem antes existir um olhar atento e crítico para a realidade com a qual se pretende trabalhar. Como coloca Birman, "Sublinhar a dimensão do afeto é situar o sujeito nas dobras reais de seu sofrimento, em vez de se restringir a experiência analítica às cavilações obsedantes do pensamento." (1999, p. 21). É claro que Birman afirma isso tratando da psicanálise (e de seu objeto por excelência, o indivíduo), mas é possível utilizar a sua reflexão para pensar o quanto a mentalidade racional e científica ensinada nas universidades de psicologia afasta os profissionais da saúde e pesquisadores das questões que eles mesmos se propõem a estudar ou até mesmo intervir. O livro, portanto, é mais um instrumento bastante relevante de reflexão para aqueles que acreditam que a prática acadêmica não pode mais ficar confinada entre os muros das universidades, mas sim se tornar uma ferramenta de estímulo e fortalecimento da luta popular e da transformação social através de um contato mais crítico e humano com as questões intersubjetivas.

 

Referências

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Submetido em: 06/05/2018
Aprovado em: 24/09/2018

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