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Revista Psicologia Política

versão impressa ISSN 1519-549Xversão On-line ISSN 2175-1390

Rev. psicol. polít. vol.18 no.42 São Paulo maio/ago. 2018

 

EDITORIAL

 

Revista Psicologia Política: psicologia, política e território: capturas e resistências no cotidiano

 

Revista Psicologia Política: psychology, politics and territory: captures and resistances in daily life

 

Revista Psicologia Política: psicología, política y territorio: capturas y resistencias en el cotidiano

 

Revista Psicologia Política: psychologie, politique et territoire: saisies et résistances dans la vie quotidienne

 

 

Jader Ferreira LeiteI; Candida DantasII

IEditor convidado. Presidente da ABPP. Brasil
IIEditor convidado. UFRN. Brasil

 

 

O número 42 da Revista Psicologia Política fecha o volume 18 com um conjunto de artigos cuja chamada inicial se deu por meio do IX Simpósio Brasileiro de Psicologia Política, ocorrido de quatro a sete de outubro de 2016, no campus central da UFRN, na cidade de natal/RN, cujo tema geral foi Psicologia, Política e Território: capturas e resistências no cotidiano.

Os simpósios brasileiros de Psicologia Política têm buscado formas de avanço e consolidação da Psicologia Política no país por meio de um conjunto de discussões e reflexões de âmbito teórico-conceitual e prático, em importante sintonia com as questões emergentes da realidade brasileira.

O simpósio em questão teve por finalidade promover um amplo debate em torno de questões que colocam os territórios, na atualidade, como campos em disputa por diferentes projetos ético-políticos, a exemplo dos movimentos de luta por terra e moradia, direito à cidade, lutas étnico-raciais e de gênero e que promovem tensões na ordem social vigente; discutir, à luz dos aportes teóricos da psicologia política e áreas afins, os modos cotidianos de captura e resistência nos territórios, entendendo estes a partir de suas múltiplas expressões (sociopolíticas, subjetivas e culturais); fortalecer a área da Psicologia Política em âmbito nacional, como ciência e profissão comprometidas com a transformação social e; fomentar o intercâmbio entre grupos de pesquisa, profissionais da área de diversas instituições de ensino e de atuação profissional do país.

Estiveram presentes 600 participantes de todas as regiões do país e cerca de 400 trabalhos foram apresentados nas modalidades comunicação oral, pôster e mesa redonda. Para que se pudesse explorar o tema central do evento, os trabalhos apresentados, os minicursos ministrados e os simpósios com participação de convidados estiveram vinculados aos seguintes eixos temáticos: Estado, Movimentos sociais e crise política, Políticas públicas, território e comunidade, Juventudes contemporâneas, participação política e territórios de resistência, Políticas de habitar a cidade, Gênero, sexualidades e as dimensões da política no cotidiano e Desafios para a Psicologia política: produção de conhecimento e práticas de intervenção.

Os convidados e convidadas do simpósio foram contactados a fim de submeterem suas exposições em formato de artigo à RPP. A estas contribuições se somaram demais convidados e convidadas que ao longo do processo de editoração deste número dialogavam com o tema do simpósio. Estas contribuições vieram do fluxo contínuo da revista e dos contatos com os pareceristas e associados da ABPP.

No primeiro artigo, Desafios para a psicologia política brasileira: a inserção em Programas de Pós-Graduação e a delimitação como campo de conhecimento, Frederico Alves Costa, da Universidade Federal de Alagoas, discute a consolidação da psicologia política no Brasil analisando a inserção da psicologia política em Programas de Pós-Graduação brasileiros e a delimitação da psicologia política no país. Foram selecionados pesquisadores que atuam em PPG em Psicologia Social ou em Psicologia, que investigam temas políticos, que identificam a psicologia política como área/sub-área de atuação no currículo Lattes. O autor utiliza as Mensagens da Diretoria da Associação Brasileira de Psicologia Política (ABPP) e os editorias publicados em 32 números da Revista Psicologia Política (RPP). Este artigo é uma síntese interessante das reflexões atuais sobre a delimitação da Psicologia Política no Brasil, além de discutir sua pauta de pesquisa e os desafios da área.

Em seguida, escrito por Frederico Viana Machado, atual editor-chefe da Revista Psicologia Política, Dinaê Espíndola Martins e Lisiane Bôer Possa, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS, apresentamos o artigo Análise psicopolítica de discursos de ativistas e gestores de políticas de educação sobre o Estado e a Sociedade. Neste trabalho os autores discutem a construção de significados sobre o Estado e sobre a atuação dos movimentos sociais na vida pública, considerando diferenças e semelhanças nos discursos de agentes do estado, que trabalham nas políticas públicas de educação, e ativistas envolvidos com estas questões. São tratados pontos de tensão entre a perspectiva dos gestores públicos e dos ativistas, considerando um contexto "aestatal", caracterizado pela rejeição ao estado. São identificados modos alternativos de ação política, produção de significados, em distintas temporalidades e especialidades, e a construção de espaços de experimentação exteriores às instituições públicas.

No terceiro artigo, Nadir Lara Junior, Marcus Cesar Ricci Teshainer, ambos pós-doutorandos da USP, e Ana Caroline Silva Ferreira, mestra em ciências sociais pela Unisinos escrevem suas Reflexões sobre a Identidade no Estado de Exceção. O artigo retoma um conceito clássico na psicologia social brasileira nos estudos sobre identidade, "a metamorfose do humano", proposto por Antônio Ciampa, para pensar como se dão estes processos identitários em um estado de exceção numa sociedade capitalista. As concepções de Giorgio Agamben sobre o estado de exceção servem para os autores de paradigma para pensar sobre os diferentes aspectos da política contemporânea e seus reflexos nas relações sociais.

O quarto artigo, intitulado Política externa, ideologia e emoções na ascensão do partido LIKUD (1977-1983), foi escrito por Karina Stange Calandrin, Professora de Relações Internacionais na Universidade do Sagrado Coração (USC). A autora analisa o processo decisório de política externa de Israel, com destaque para a área de segurança dentro do espectro geral da formulação de políticas, ressaltando a influência de aspectos psicológicos, como as emoções, na ideologia e na política interna israelense. São destacados os atores responsáveis pela tomada de decisão, quais seus interesses e como ocorre esse processo, utilizando o modelo de análise burocrática desenvolvido por Allison e Zelikow (1999) e teorias de psicologia política. Análises em torno de um partido de direita, como o LIKUD, são bastante pertinentes, sobretudo neste momento que presenciamos partidos de direita e extrema direita assumindo governos em diversos países do mundo. A psicologia política traz contribuições fundamentais para compreender estes fenômenos.

Cidades neoliberais e direito à cidade: outra visão do urbano para a psicologia, escrito por Tadeu Farias e Raquel Diniz, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, é o quinto artigo deste número. Os autores partem da noção de que as cidades são parte do humano tanto quanto criações deste, o que torna esse binômio (cidade/humano) um objeto de interesse para a psicologia. O objetivo é analisar o papel da cidade na vida humana, aprofundando o entendimento a respeito da complexidade do fenômeno urbano no âmbito da psicologia. Como pano de fundo temos a emergência do direito à cidade como enfrentamento das manifestações urbanas das contradições do capitalismo e da produção capitalista do espaço, intensificadas no estágio neoliberal, em que a mercantilização das cidades e da vida urbana atinge seu ápice. Os autores trazem uma proposta de concepção do urbano para a psicologia e os movimentos sociais seriam elementos importantíssimos nesse contexto, por conta dos tensionamentos políticos que constituem os fenômenos urbanos.

O sexto artigo, de Anderson de Andrade Silva e Magda Diniz Bezerra Dimenstein, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, intitulado Cidade e gênero: segurança urbana na percepção de mulheres profissionais do sexo, também traz uma reflexão sobre a cidade, destacando os modos como ela reproduz as diferenças de gênero que são socialmente elaboradas, inclusive revelando uma percepção de segurança distinta para as mulheres. Através de uma etnografia, realizada entre dezembro de 2017 e março de 2018, situada em uma praça de uma cidade nordestina, é analisada a percepção de segurança de mulheres, profissionais do sexo. O artigo contribui para a reflexão sobre a construção de espaços urbanos mais seguros considerando as diferenças e desigualdades de gênero.

Em seguida, temos o artigo Psicologia, políticas do corpo, do gênero e das sexualidades: capturas e resistências do cotidiano, de Daniel Kerry dos Santos (UNISUL), Marília dos Santos Amaral (CESUSC) e Maria Juracy Filgueiras Toneli (UFSC). Neste artigo, são discutidos os modos como a cisheteronorma regula os corpos, o gênero e as sexualidades e funciona como um sistema que normaliza, exclui e extermina as diferenças. Destaca-se a problematização sobre como a precarização da vida, fundamentada nas normas de sexo, de sexualidade e de gênero, pode ser tomada como ponto nevrálgico para se repensar a política. A partir da análise dos dispositivos da sexualidade e do gênero, sugere-se uma cartografia dos agenciamentos que produzem efeitos concretos no cotidiano, como a materialidade dos corpos, a (in)inteligibilidade de gênero e das sexualidades, a patologização das multiplicidades sexuais e de gênero, a violência, a exclusão e a estigmatização das experiências dissidentes. Esses regimes de verdade e de poder são elementos que não podem ser ignorados para o desenvolvimento de um pensamento crítico em psicologia, como propõe o texto.

Ainda sobre o tema do gênero e da sexualidade, trazemos o artigo Podem as travestis estudar? Regimes de verdade sobre corporalidades vibráteis na escola, escrito por Danielle Jardim Barreto (Universidade Paranaense); Adriana Barbosa Sales (Associação Nacional de Travestis e Transexuais - ANTRA. / Universidade Estadual Paulista - Unesp/Assis SP. / Secretaria de Estado da educação do Mato Grosso), Wiliam Siqueira Peres (Universidade Estadual Paulista - Unesp/Assis SP) e Catarina Dallapicula (Universidade Federal de Lavras). Neste trabalho, são problematizados os saberes produzidos sobre as corporeidades travestis, sua permanência e pertencimento a espaços educacionais. O artigo declara sua localização política e epistemológica, pois articula pesquisadores das áreas de Educação e da Psicologia, e discute seus engajamentos na luta pelas travestis terem livre e pleno acesso ao sistema educacional, de saúde e de prazeres, sem que a Psicologia as patologizem. O trajeto metodológico se baseia na revisão bibliográfica e na problematização das corporeidades não binárias que, através de resistências vividas em jogos de verdade sobre os gêneros e as sexualidades heteronormatizadas, criam outras possibilidades discursivas para as intervenções psi e pedagógicas no campo educacional. As autoras e o autor argumentam que presença dos corpos vibráteis em travestilidades nos espaços escolares pode ampliar as possibilidades de vida às corporeidades e experiências desviantes nos discursos hegemônicos que determinam quais vidas podem ser vividas e quais não são enlutáveis.

O nono artigo, escrito por Maria Teresa Nobre e Ana Karenina Arraes Amorim, da UFRN, se intitula Pesquisa-intervenção, políticas públicas e movimentos sociais: uma experiência junto à população em situação de rua. O tema da população de rua tem recebido cada vez mais atenção de pesquisadores da área, o que acompanha o crescimento do número de pessoas vivendo nesta situação na maior parte das grandes cidades brasileiras. Este artigo apresenta uma experiência de pesquisa-intervenção na cidade de Natal (RN) que estudou o funcionamento das políticas públicas para a população de rua, identificando as violações de direitos humanos e conhecendo o seu cotidiano. São visibilizadas as principais questões vividas por este segmento e a intervenção proposta pela pesquisa fomentou a organização política e o empoderamento com vistas a garantia de direitos, motivando pesquisas ricas em desafios nesta realidade social.

Redução de danos e políticas públicas para pessoas que usam drogas: um relato de experiência sobre a formação clínico-política-pedagógica na formação profissional, de Gustavo Ávila Dias (UFBA), Rossana Carla Rameh-de-Albuquerque (IFPE e FPS) e Solange Aparecida Nappo (UNIFESP), apresentam um relato de experiência de um Grupo de Trabalho sobre Redução de Danos, baseado em metodologias ativas como proposta pedagógica para formação clínica e política dos participantes, vivenciado no contexto do IX Simpósio Brasileiro de Psicologia Política. São discutidas questões pertinentes à práxis profissional no âmbito das políticas públicas sobre álcool, crack e outras drogas mostrando o quão instigante e necessário que espaços dessa natureza sejam possibilitados para refletirmos sobre aspectos teórico-práticos da formação clínica e política da Redução de Danos.

O décimo primeiro artigo, Produção, socialização e tecnologia na relação pessoa-alimento, escrito por Maria Rita Macedo Cuervo (PUCRS), Cristiano Hamann (UFRGS) e Adolfo Pizzinato (UFRGS), discute alguns aspectos psicossociais que configuram um campo relacional com os alimentos e os processos associados ao seu cultivo, produção, comercialização, preparo e consumo. Os autores partem do pressuposto que comer na sociedade contemporânea é um fazer complexo, uma vez que a escolha do que comer está culturalmente orientada por processos políticos, tecnológicos e afetivos mais amplos da sociedade global e, por esta razão, é fundamental ter em conta a configuração do capitalismo contemporâneo e seu impacto na produção de possibilidades de subjetivação, para além da nutrição física. O artigo convida os leitores para uma reflexão sobre como as dinâmicas de poder no contexto cultural produzem subjetividades através das relações alimentares.

O último artigo, Apoio em saúde: forças em relação, de Cristiane Marchiori Pereira e Laura Camargo Macruz Feuerwerker, da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, problematiza os modos de se produzir apoio no Sistema Único de Saúde (SUS), situando o apoio como um agir político entre forças em relação, que pode (ou não) ampliar e favorecer a capacidade de gestão e produção do cuidado local e regional. As autoras atentam para implicações políticas dos atores-apoiadores, implicações entre forças que se organizam e desorganizam permanentemente e que podem provocar outros agenciamentos na produção de redes de alianças e potências do cuidado em saúde.

Completando este número temático, trazemos a entrevista Para além das fronteiras disciplinares: trajetórias acadêmica e política de Cornelis Johannes van Stralen. A entrevista foi conduzida e editada por Frederico Alves Costa e Frederico Viana Machado, editores da Revista Psicologia Política, que também foram convidados do simpósio e participam com artigos neste número temático. Cornelis Van Stralen foi o homenageado no IX Simpósio Brasileiro de Psicologia Política e é um dos pioneiros da Psicologia Política no Brasil. Nesta entrevista são abordados aspectos de sua trajetória política e acadêmica, bem como análises pertinentes para pesquisas em psicologia política na atualidade.

Para fechar este número, publicamos duas resenhas de livros que foram lançados no IX Simpósio. A primeira resenha, Psicologia Comunitária Revisitada: potências e lacunas em tempos de crise, foi escrita por James Ferreira Moura Jr, professor da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-brasileira e do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal do Ceará. Discute o livro Psicologia Comunitária no mundo atual: desafios, limites e fazeres, organizado por Verônica Ximenes, Jorge Sarriera, Zulmira Bonfim e Jaime Alfaro, e resultado da V Conferência Internacional de Psicologia Comunitária. A propostas do livro é traçar uma "auto-avaliação" da Psicologia Comunitária. A resenha analisa os principais desafios da Psicologia Comunitária na contemporaneidade e aponta para a necessidade de mudanças sociais amplas para enfrentamento dos tempos crise vivenciados no Brasil e o papel da Psicologia Comunitária.

A segunda resenha, "Implicações Psicossociais da Pobreza": por uma Psicologia que resista comprometida com a realidade dos oprimidos foi escrita por Clarice Regina Catelan Ferreira (Universidade Paranaense - UNIPAR / Universidade Estadual de Maringá - UEM) e trata do livro Implicações Psicossociais da Pobreza: diversidades e resistências organizado por Verônica Morais Ximenes, Bárbara Barbosa Nepomuceno, Elívia Camurça Cidade, James Ferreira Moura Júnior, pesquisadores do Núcleo de Psicologia Comunitária (NUCOM) da Universidade Federal do Ceará (UFC). O livro reúne pesquisas, estudos e discussões advindos de diferentes perspectivas teóricas, oferecendo uma apresentação sistemática de produções nacionais e internacionais sobre a temática da pobreza.

Os textos presentes neste número da RPP podem dar uma dimensão das importantes discussões levantadas durante o IX Simpósio Brasileiro de Psicologia Política, em seus diversos espaços de encontro, de interlocução e de produção de reflexões e pensamento crítico, fundamentais para o avanço teórico-conceitual da Psicologia política brasileira.

Agradecemos, por fim, aos autores e autoras que atenderam nosso chamado e materializaram suas brilhantes intervenções do simpósio nos presentes textos. Também agradecemos enormemente aos pareceristas que fizeram a avaliação por pares, contribuindo para a qualidade dos artigos.

Desejamos uma ótima leitura!

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