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Revista Psicologia Política

versão impressa ISSN 1519-549Xversão On-line ISSN 2175-1390

Rev. psicol. polít. vol.18 no.42 São Paulo maio/ago. 2018

 

ARTIGOS

 

Política externa, ideologia e emoções na ascensão do partido Likud (1977-1983)

 

Foreign policy, ideology and emotions in the ascension of Likud party (1977-1983)

 

Política exterior, ideología y emociones en la ascensión del partido Likud (1977-1983)

 

Politique extérieure, idéologie et émotions à l'aspension de la partie Likud (1977-1983)

 

 

Karina Stange Calandrin

Professora de Relações Internacionais na Universidade do Sagrado Coração (USC). Doutoranda e Mestre pelo Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas (UNESP, UNICAMP, PUC-SP). karinacalandrin@gmail.com

 

 


RESUMO

O objetivo desse artigo é analisar o processo decisório de política externa de Israel, com destaque para a área de segurança dentro do espectro geral da formulação de políticas, ressaltando a influência de aspectos psicológicos, como as emoções, na ideologia e na política interna israelense. O aspecto pragmático da tomada de decisão de Israel esteve presente em análises como um paradigma indiscutível e, de forma a procurar entender o processo decisório, partiremos da premissa, defendida por Robert Jervis (1976), de que os decisores como seres humanos estão propensos a condições humanas naturais, como as emoções. Procura-se destacar quais atores são responsáveis pela tomada de decisão, quais seus interesses e como ocorre esse processo, utilizando o modelo de análise burocrática desenvolvido por Allison e Zelikow (1999) e teorias de psicologia política. Entendido o processo pretende-se analisá-lo no período do governo Menachem Begin (1977-1983), na ascensão da direita, representada pelo partido Likud, em Israel.

Palavras-chave: Política Externa, Ideologia, Psicologia Política, Emoções, Israel.


ABSTRACT

The foreign policy decision-making process can be understood as a complex arrangement between institutions and bureaucracies responsible for decision-making. The problem presented on this dissertation rests on how this arrangement can be understood in the case of Israeli foreign policy. The central argument deals with the character of the decisions taken by the Israeli government, in which the pragmatism of decision-making would be overestimated, since emotions would have a central role in the decision-making process. We seek to highlight which actors are responsible for decision making, what their interests are and how this process occurs, using the model of bureaucratic analysis developed by Allison and Zelikow (1999) and theories of political psychology. Understood the process we intend to analyze it in the period of the Menachem Begin government (1977 - 1983), in the rise of the Likud party. The central objective is to propose a research on the formulation of foreign policy in Israel from the point of view of the responsible institutions and bureaucracies.

Key-words: Foreign Policy, Ideology, Political Psychology, Emotions, Israel.


RESUMEN

El objetivo de este artículo es analizar el proceso decisorio de política exterior de Israel, con destaque para el área de seguridad dentro del espectro general de la formulación de políticas, resaltando la influencia de aspectos psicológicos, como las emociones, la ideología y la política interna israelí. El aspecto pragmático de la toma de decisión de Israel estuvo presente en análisis como un paradigma indiscutible y, para tratar de entender el proceso decisorio, partiremos de la premisa, defendida por Robert Jervis (1976), de que los responsables de la toma de decisiones de los seres humanos están propensos a condiciones humanas naturales, como las emociones. Se busca destacar qué actores son responsables de la toma de decisión, cuáles son sus intereses y cómo ocurre ese proceso, utilizando el modelo de análisis burocrático desarrollado por Allison y Zelikow (1999) y teorías de psicología política. Entendido el proceso se pretende analizar en el período del gobierno Menachem Begin (1977-1983), en la ascensión de la derecha, representada por el partido Likud, en Israel.

Palabras clave: Política Exterior, Ideología, Psicología Política, Emociones, Israel.


RÉSUMÉ

L'objet de cet article est d'analyser le processus de prise de décision de politique étrangère d'Israël, en soulignant le domaine de la sécurité dans l'ensemble du spectre de la formulation des politiques, en soulignant l'influence des aspects psychologiques tels que les émotions, l'idéologie et la politique intérieure. Israélien. Le pragmatisme de la prise de décision en Israël a été présenté dans les analyses comme un paradigme incontestable et, afin de comprendre le processus de prise de décision, nous partirons du principe, défendu par Robert Jervis (1976), selon lequel les décideurs sont des êtres humains. conditions humaines naturelles telles que les émotions. Il cherche à mettre en évidence quels acteurs sont responsables de la prise de décision, quels sont leurs intérêts et comment ce processus se produit, en utilisant le modèle d'analyse bureaucratique développé par Allison et Zelikow (1999) et les théories de la psychologie politique. Le processus compris vise à l'analyser pendant la période du gouvernement Menachem Begin (1977-1983), à la montée du droit, représentée par le parti du Likoud en Israël.

Mots-clés: politique étrangère, idéologie, psychologie politique, émotions, Israël.


 

 

Introdução

Este artigo objetiva entender como decisões em política externa são tomadas, com destaque para o processo decisório israelense sobre a matéria. A fim de compreender as principais linhas da política temos que entender os interesses e percepções dos indivíduos pertencentes aos grupos que pensaram a política externa do partido Likud no período escolhido, identificar sua visão de mundo, decifrar seus mitos e examinar seus símbolos. As análises existentes sobre política externa de Israel, tanto para àquelas que analisam o processo decisório civil, quanto para as que analisam o âmbito militar, se destacam pela supervalorização do aspecto pragmático da tomada de decisão israelense (Freilich, 2006). Pode-se concluir que existiria um mito que envolve Israel de que por conta de suas vitórias militares e a idealizada excelência neste mesmo âmbito o processo decisório seria dotado de um pragmatismo ímpar de seus formuladores. Um pragmatismo tão rígido que não permitiria que seus decisores se tornassem vulneráveis a condições humanas, como emoções, a ponto de que essas influenciassem suas decisões e suas percepções do ambiente voluntaria e involuntariamente.

O que se imagina é que os tomadores de decisão normalmente percebem o mundo de forma bastante precisa e que possíveis equívocos que ocorrem só podem ser tratados como acidentes aleatórios. O argumento geral deste artigo corrobora a visão de Robert Jervis (1976) de que esta interpretação estaria incorreta. Percepções do mundo e de outros atores divergem da realidade em padrões que podem ser detectados e por razões que podemos entender. Podemos encontrar ambos os equívocos que são comuns a diversos tipos de pessoas e importantes diferenças nas percepções que podem ser explicados sem se aprofundar muito na psique dos indivíduos. Este conhecimento pode ser usado não só para explicar decisões específicas, mas também para explicar os padrões de interação (Jervis, 1976).

Se estudiosos formados em Relações Internacionais têm prestado pouca atenção nas percepções, o mesmo não pode ser dito sobre os estudos na área da psicologia. Certamente modelos psicológicos têm apresentado o desafio empírico mais contundente às reivindicações do modelo da escolha racional. No entanto, porque grande parte da psicologia política, pelo menos dentro ciência política, é julgada em relação ao sucesso dos modelos da escolha racional, é importante delinear algumas das diferenças importantes entre esses modelos psicológicos. Em primeiro lugar, teorias da escolha racional apresentam tipicamente modelos que assumem atores unitários que procuram maximizar sua utilidade, dadas as preferências estabelecidas e fixadas (Allison; Zelikow, 1999). Modelos psicológicos tendem a apresentar os indivíduos como pessoas complexas cujo comportamento é frequentemente nãoracional para toda uma série de razões cognitivas e afetivas. A este respeito, o comportamento não racional não deve ser entendido como sendo o equivalente a um comportamento que sugere alguma falta de contato com a realidade ou irracional no sentido mais amplo.

Argumentos da escolha racional tendem a assumir que as diferenças no comportamento das pessoas são baseadas em diferenças nas preferências, mas não em diferentes respostas a estruturas de incentivo. Em outras palavras, enquanto preferências divergentes podem levar a diferentes escolhas por detentores de valores contraditórios, esses indivíduos são assumidos como se tivessem a mesma compreensão dos incentivos. Eles simplesmente fazem uma escolha diferente a fim de maximizar um valor diferente. A maioria das abordagens da escolha racional argumenta que as pessoas vão procurar maximizar a sua utilidade; eles podem não obter o resultado que eles preferem para toda uma série de razões externas, mas eles não negligenciam ações destinadas a maximizar o seu interesse próprio. De acordo com McDermott (2004), esta limitação de análise racional levou Holsti (1989) a argumentar que os modelos estruturais podem levar à complacência sobre os perigos das relações internacionais por subestimar a possibilidade de acidentes, percepções equivocadas e emoções que podem levar a um conflito.

Uma parcela significativa da população israelense percebe os vizinhos árabes como a "personificação do mal", e esta percepção tem grande importância na política de Estado israelense (Freilich, 2006). A sociedade israelense enxerga o ambiente externo no qual está inserido como imutável, ou seja, que os Estados que cercam o país sempre procurarão alguma forma de extingui-lo. Neste sentido, várias iniciativas de paz foram historicamente perseguidas, como a liderada por Sadat1, demonstrando que, na verdade, o ambiente era deveras complexo, mais do que se imaginava, e que a negociação e diplomacia poderiam ser uma alternativa possível modificando a ideia que pairava sobre a sociedade, de que as ameaças jamais deixariam Israel. Contudo, é evidente que a visão de hostilidade proveniente dos israelenses em relação aos vizinhos não foi extinta em sua totalidade, e este fato é refletido no sistema político que persiste em fomentar que existem poucas opções de tomada de decisão tanto no aspecto diplomático quanto no militar (Freilich, 2006).

Seria de se esperar que a preocupação com segurança decrescesse na mesma proporção de as ameaças externas diminuíram, como fruto das mudanças geoestratégicas das últimas décadas, como o aumento do poderio militar de Israel, sua superioridade militar sobre os países árabes circundantes, a existência de tratados de paz com Egito e Jordânia e o apoio militar e político crucial estadunidense. Porém, o assunto continua a desempenhar um papel importante na vida pública israelense. Este fato adviria de fatores emocionais que foram enraizados na sociedade e presentes no processo decisório israelense, às vezes de forma proposital e outras involuntariamente.

Considerando que a preocupação com a segurança advém de razões emocionais que se mantêm presentes na sociedade israelense, as emoções, por sua vez, fornecem experiências poderosas na vida do ser humano. Nossas emoções servem para nos guiar ao longo da vida, oferecendo reforços poderosos, positivos e negativos, para as nossas crenças e ações. Poucas pessoas que examinam suas próprias vidas iriam rejeitar o poder e proeminência de emoção na vida diária. No entanto, os estudos em Relações Internacionais e em ciências sociais em geral fazem exatamente isso. Eles assumem que a emoção não é muito importante nas análises de política externa ou nas relações entre os Estados, argumentando que ela deveria ser ignorada, e até mesmo seria desastrosa, levando as pessoas a escolhas irracionais e contraproducentes. No entanto, a neuropsicologia moderna indica que a tomada de decisão racional, em que um indivíduo considera custos e benefícios, é dependente do processamento emocional prévio (Everhart, 2012). De acordo com o autor, Everhart (2012), os indivíduos que não podem fazer referência à memória emocional por causa de lesões cerebrais não são capazes de tomar decisões racionais em todas as situações. Mesmo por si só, este achado sugere que a emoção, e não somente a cognição, pode eventualmente provar-se dominante em modelos de tomada de decisão.

Na psicologia moderna, as emoções são vistas sob uma luz muito diferente do que sob a teoria freudiana. A emoção refere-se a um estado complexo e breve que repousa sobre uma base fisiológica. Em outras palavras, as emoções carregam sinais físicos ou sintomas, de "borboletas no estômago", para palmas das mãos suadas, faces vermelhas e assim por diante. Pesquisadores descobriram que certas respostas são universais e podem ser vistas em pessoas de várias culturas em todo o mundo (McDermott, 2004).

Jon Mercer (1997, 2000, 2003) realizou uma pesquisa sobre o impacto das emoções específicas, tais como ódio e confiança, em vários processos nas relações internacionais. O autor (1997) argumenta que a emoção tem sido tradicionalmente negligenciada nas análises das Relações Internacionais por várias razões: em primeiro lugar, a inserção de emoção em quadros explicativos pode revelar-se bastante difícil porque a emoção é tão complexa de definir; em segundo lugar, a emoção sofre com a acusação de que é irracional, e apenas processos racionais são dignos de investigação. Enfim, a emoção vai contra ênfases dominantes nas Relações Internacionais, principalmente as que derivam de vertentes racionalistas.

Assim, o uso da emoção em análises políticas continua dificultado pela escassez de teorias apropriadas. Mercer (1997) argumenta que a identidade social pode influenciar a política externa, incentivando o ódio e a desconfiança dos grupos externos através de processos que incentivam o racismo, preconceitos e estereótipos, por exemplo.

O que se pretende analisar neste artigo é como o processo decisório israelense se configura ressaltando o aspecto da segurança e destacando o período de 1977 a 1983, na ascensão do partido Likud ao poder.

 

Ideologia e Política Externa em Israel

Este artigo trata da política externa de Israel de 1977 a 1983, os anos em que pela primeira vez o partido Likud ascendeu ao poder no Estado. É evidente que uma compreensão da política externa de Israel no período sob investigação requer muita atenção e, particularmente, às suas ideias sobre o papel apropriado de Israel no mundo e principalmente regionalmente. O homem e a ideologia (formulada através de espectros psicológicos, como pelas percepções e emoções) são a chave para a política (Peleg, 1987).

O comportamento do governo de Begin em política externa pode ser interpretado de diferentes maneiras. Primeiramente, pode-se argumentar que o governo teria simplesmente reagido ao ambiente internacional e doméstico, respeitando a pressão dos grupos influentes (Peleg, 1987). No entanto, esta tese é difícil de comprovar, porque em quase todas as suas ações Begin parecia ser seu próprio agente, atuando na base de sua livre vontade. Assim, teria sido politicamente mais fácil para Begin responder favoravelmente à pressão daqueles favoráveis à colonização israelense na Cisjordânia do que respeitar a pressão interna daqueles que eram contrários. Devemos lembram também, que o modelo político adotado por Israel é um parlamentarismo de coalizão e a política externa é resultado de uma barganha dos grupos responsáveis pela formulação de políticas (Allison; Zelikow, 1999).

Também se pode explicar a política externa de Israel de 1977 a 1983 em função de aspectos psicológicos (como as emoções) que pautaram a formação das percepções dos políticos responsáveis pela formulação das políticas.

A Ascensão do Likud ao Poder: A caminhada de Israel à Direita

Em 1977, os eleitores israelenses escolheram Menachem Begin e o partido Likud para liderarem o parlamento. A coalização do Partido Trabalhista junto com os partidos socialistas que até então governaram Israel, Ma'arach, perderam maioria na Knesset2 depois de uma década desastrosa no governo. As eleições da nona Knesset resultaram em 43 assentos para o Likud e apenas 32 para o Partido Trabalhista, de um total de 120 assentos. Quase metade dos votos da coalizão tinham desaparecido desde a eleição anterior, em 1973. Metade do eleitorado tinha mudado sua filiação política. Além disso, em 1977, um novo partido, o Movimento Democrático pela Mudança (MDM), tinha sido estabelecido. Ele competiu com o Partido Trabalhista pelos mesmos eleitores: a elite asquenazi3. Havia três opções para estes eleitores: a coalizão Trabalhista, o Movimento Democrático pela Mudança e o Likud de Menachem Begin (Shindler, 2001).

Em 17 de Maio de 1977, o partido Likud junto com uma coalizão de partidos nacionalistas e liberais ganhou a sua primeira vitória eleitoral. Esta eleição representou um marco importante na história de Israel por ser a primeira vitória de um partido de direita desde a criação do Estado, até então governado por partidos da esquerda sionista fundadora de Israel. Entretanto, a eleição de 1977 significou muito mais do que uma mudança de governo. Ela representou o triunfo do Sionismo Revisionista depois de meio século de disputa contra a corrente principal do Sionismo Trabalhista. Os dois movimentos foram regidos por objetivos, valores e símbolos diferentes.

Em seu discurso de posse em maio de 1977, Menachem Begin se referiu à luta de ideias que remontam a 1931. No 17º Congresso Sionista em 1931, Ze'ev Jabotinsky, lançou um ataque frontal contra Chaim Weizmann e forçou a sua demissão como presidente da Organização Sionista Mundial. O Sionismo de Weizmann foi tipificado pela abordagem fragmentada do estabelecimento sionista à aquisição de terras, a construção de assentamentos trabalhando em cooperação com as autoridades britânicas em direção ao objetivo final da condição de Estado. Já o Sionismo de Jabotinsky foi principalmente um movimento político, não uma agência para o desenvolvimento econômico e aquisição de terras. Ele era contra as ideias de Weizmann e insistiu em uma declaração direta de que o objetivo do movimento sionista era a criação de um Estado judeu em ambos os lados do rio Jordão. As linhas ideológicas foram assim traçadas entre o minimalismo e maximalismo territorial, entre o sionismo prático e o sionismo político, entre uma construção gradual de um Estado e as declarações de militantes que pediam soluções instantâneas (Shlaim, 1996).

Em 1935, os revisionistas se separaram da Organização Sionista Mundial, em protesto contra a sua recusa de continuar a declarar o Estado judeu como seu objetivo imediato, e formaram a Nova Organização Sionista, que elegeu Jabotinsky como seu presidente. Seria absolutamente impossível, segundo ele, obter o consentimento voluntário dos árabes da Palestina para a conversão da mesma de um país árabe em um país com uma maioria judaica, demonstrando claramente o objetivo do Sionismo Revisionista em criar um Estado judaico que abrangesse todo o território hoje compreendido em Israel e Palestina. A Grã-Bretanha tinha estabelecido a Transjordânia na parte oriental do Mandato da Palestina no início de 1920, Jabotinsky denunciou esta atitude e manteve-se em oposição à repartição da parte ocidental da "Terra de Israel". O Sionismo Revisionista ficou caracterizado desde o início por dar menos importância para a diplomacia e uma dependência do poder militar para lidar com a Palestina (Shlaim, 1996).

Apesar de seu comportamento parecer ser errático, Begin se manteve fiel em seu compromisso ideológico com a "Terra de Israel". Era um artigo de fé que permaneceu com ele de que o povo judeu tinha um direito histórico para toda a sua pátria bíblica. Após a vitória de Israel em junho de 1967 na Guerra dos Seis Dias, Begin se tornou contra a abrir mão da Cisjordânia. Ele se opôs a Resolução 242 da Organização das Nações Unidas, porque isso significava a divisão da Terra de Israel.

O governo de Begin, não reconhecia o conceito de um povo palestino, porque isso implicaria no direito de soberania nacional nas áreas onde viviam. Para ele, como para a velha guarda do Mapai, palestinos significavam judeus palestinos como era entendido os judeus que habitavam a região antes da criação do Estado de Israel. Sua definição dos palestinos era essencialmente a mesma que de Jabotinsky na medida em que incidiu sobre o seu estatuto como uma minoria nacional. Para Begin, eles faziam parte de uma nação árabe mais ampla, que já havia realizado o seu direito à autodeterminação nacional em cerca de vinte países. A OLP foi percebida por como uma organização terrorista pura e simples e não como um movimento de libertação nacional (Shindler, 2001).

Além de Begin, é importante analisarmos a ascensão do Likud como um governo em totalidade. Seria uma simplificação atribuir a política externa de Israel apenas às qualidades ou defeitos de Begin. A própria natureza do sistema político israelense, por ser um parlamentarismo de coalizão, não é propícia para a formação de governos unidos e homogêneos ou para a busca efetiva de políticas consistentes. O sistema multipartidário com que cada Primeiro-ministro tem de lidar é o produto de forças sociais e políticas de longo prazo, que nenhum indivíduo, por mais forte e determinado que seja, pode ser capaz de manter sem gerar conflitos.

Paradoxalmente, foi o primeiro governo do Likud que conquistou a conclusão do tratado de paz com o Egito. O objetivo da paz com o maior país árabe da região foi ironicamente atingido por um governo ultranacionalista do sionismo revisionista. Seu gabinete, que foi formulado com uma combinação de generais de direita e rabinos reacionários, provou ser mais eficaz na busca da paz do que os líderes trabalhistas tinham sido. Circunstâncias externas favoráveis desempenharam também um importante papel na garantia do tratado de paz, mas não podemos ignorar o esforço do governo. De acordo com os autores, Avi Shlaim e Avner Yaniv (1980), durante os primeiros dois anos de mandato, de cento e sessenta reuniões realizadas pelo Conselho de Ministros, cento e dezessete foram dedicadas inteiramente ou principalmente às negociações de paz e para questões políticas relacionadas. O governo de Begin foi claramente focado em política externa, mais que em política interna.

Como podemos observar ao longo da história a fragmentação múltipla e complexa de todas as forças políticas dominantes em Israel, que resulta da composição das divisões intra e inter partido continuou a operar na política externa israelense. Em diversas situações custou caro para o país em termos de sua imagem internacional já abalada. Os próprios cidadãos de Israel foram obrigados a pagar um alto preço por inépcia da sua liderança.

O caráter reativo da política externa israelense tem sido muitas vezes notado. Geralmente era explicado em termos das restrições impostas e alegadamente inevitáveis do ambiente externo. Israel era retratado pelo governo como um pequeno país cercado por inimigos implacáveis comprometidos com sua destruição e era, portanto, obrigado a reagir a suas iniciativas hostis em sua luta pela sobrevivência. Esta explicação tem sido constantemente utilizada pelos decisores israelenses, e por comentadores simpatizantes desde 1948.

Como dissemos anteriormente, não pretendemos negar a relevância das restrições externas para a compreensão da Política Externa de Israel, embora acreditamos que a importância deste fator tem sido exagerada e que a sua elevação ao status de um paradigma indiscutível serviu para obscurecer em vez de iluminar a dinâmica complexa da tomada de decisão da Política Externa israelense. O seu objetivo é de explorar as condições domésticas, principalmente de cunho psicológico, que deram origem a um comportamento internacional reativo de Israel. Não afirmamos que as restrições domésticas são a única determinante da Política Externa israelense, mas pode muito bem ser argumentado que estas restrições são um fator decisivo para a formulação da Política Externa, de fato, muitas das suas características mais marcantes só podem ser entendidas quando visto contra o pano de fundo da política interna. Além disso, a política interna é justificada não só pela sua importância intrínseca, mas pela tendência a ser negligenciada na extensa literatura sobre a política externa de Israel (Shlaim; Yaniv, 1980). O argumento aqui apresentado é que a principal razão para o impasse e imobilismo da política externa israelense no período escolhido pode ser encontrada na quebra do consenso nacional doméstico no rescaldo da guerra de 1967 e no desenvolvimento de uma clivagem interna profunda sobre as questões levantadas pela guerra no âmbito psicológico a nível social.

 

A Política Externa Israelense (1977-1983)

Em 20 de novembro de 1977, o presidente egípcio Anwar Sadat fez um discurso perante o parlamento israelense, que marcou o início de negociações de paz entre Israel e o Egito:

[...] No entanto, há ainda uma outra barreira: esta barreira constitui uma barreira psicológica entre nós, uma barreira de suspeita. Uma barreira de rejeição. A barreira do medo. Uma barreira de alucinações em torno de qualquer ação, ação e decisão. Uma barreira de interpretação cautelosa e errônea de todos e cada evento ou declaração. É essa barreira psicológica que eu descrevi na declaração oficial como constituindo 70 por cento de todo este problema [do conflito]. (Sadat apud Bar-Tal; Haperin; Porat; Nets-Zehngut, 2012, p. 254).

O que argumentamos está de acordo com esta observação de Sadat, que o principal desafio para a resolução dos conflitos são as barreiras psicológicas que desempenham um papel importante na resistência à solução pacífica. Nosso ponto de partida é que as sociedades envolvidas em conflitos longos desenvolvem narrativas coletivas que lhes permitem lidar com o conflito e legitimar políticas (Bar-Tal, 2013). Estas narrativas proporcionam uma imagem significativa da situação, justificando o comportamento da sociedade, facilitando a mobilização para a participação no conflito, diferenciando o grupo interno e o rival e permitindo a manutenção da identidade social positiva.

Entre narrativas coletivas de apoio, o central é a narrativa principal, constituída de uma história consensual hegemônica que é dominante nos discursos públicos e produtos culturais. Esta narrativa é constituída por dois elementos que pertencem ao passado, através do presente e focados no futuro. O primeiro elemento seria, de acordo com Bar-Tal (2013), o conjunto de hábitos e comportamentos relacionados ao conflito como uma narrativa de orientação dominante de uma sociedade, que ilumina o presente estado do conflito e estabelece uma direção, bem como metas para o futuro. O segundo elemento seria a memória coletiva, que se refere à narrativa sobre a erupção de um conflito e seu curso, proporcionando uma imagem coerente e significativa do passado. Sugeriu-se que a memória coletiva seja construída de modo a servir as necessidades atuais e os objetivos sociais recontando o nascimento do conflito, o seu curso e seus principais eventos de forma enaltecida e quase mitológica. Com efeito, verificou-se que o aumento da relevância dos eventos históricos específicos que constituem a memória coletiva da sociedade pode alterar atitudes de membros da sociedade em face de eventos presentes, por exemplo, os traumas causados pelo Holocausto na memória dos formuladores de políticas, com destaque para Menachem Begin, refletindo na formulação de uma política externa mais incisiva em relação à expansão dos assentamentos na Cisjordânia.

Eventualmente, as narrativas se tornam institucionalizadas e divulgadas servindo como base para o desenvolvimento de uma cultura de conflito que domina as sociedades envolvidas em longas guerras. É geralmente este tipo de cultura que dá origem a um clima político que desencoraja a divulgação de informações contraditórias às narrativas coletivas, porque elas são vistas como um prejuízo para a causa do grupo (Bar-Tal e cols., 2012). Assim, de acordo com os autores (2012), quando a janela de oportunidade se abre para resolver o conflito pacificamente, as narrativas se tornam uma barreira para o processo de pacificação. As barreiras psicossociais também operam no nível individual, quando o suporte de narrativas coletivas é tratado como uma verdade absoluta, elas têm uma grande influência sobre o processamento de informações. Eventualmente estes processos sociais e individuais são propícios para o desenvolvimento de mecanismos psicossociais, tais como a autocensura, conformidade ou obediência.

O governo de Begin, no que tange a política externa começou conturbado, uma vez que em novembro de 1977 o presidente egípcio Anwar Sadat anunciou que, no interesse da paz, ele iria viajar para Jerusalém e discursar na Knesset. Esta declaração sem precedentes desencadeou uma onda de negociações, resultando na chegada de Sadat em Jerusalém, em 19 de novembro de 1977. Ambos os líderes falaram perante a Knesset e concordaram em se reunir novamente para negociações diretas, derrubando uma política de governos árabes de não negociar diretamente com Israel. Em termos do modelo, neste caso, por reiniciar o processo de paz, a política externa de Begin começou a ser considerada do lado das pombas4. As negociações que se seguiram envolveram muitos problemas, mas a questão central foi a devolução da Península do Sinai (que havia sido ocupada na Guerra dos Seis Dias de 1967) ao Egito em troca do reconhecimento de Israel como um Estado judeu e um tratado de paz. As negociações com o Egito também incluíram a questão muito mais difícil de autonomia para a Cisjordânia e Faixa de Gaza (Stinnett, 2007). Os acordos alcançados em Camp David, eventualmente, resultaram em um tratado de paz entre Egito e Israel, assinado em Washington nos Estados Unidos em 26 de março de 1979.

A coalizão de Begin obteve a maioria na Knesset apenas até o final de 1980 e início de 1981, quando vários membros do Likud e do Partido Nacional Religioso (NRP) deixaram o governo devido a questões não relacionadas com assuntos externos. Por conta da perda da maioria, o Parlamento definiu novas eleições para 30 de junho de 1981, cinco meses mais cedo. As questões de política externa serviram de pano de fundo para debates internos mais profundos, abalando as bases do Parlamento naquele momento, quando foi dado um dos passos mais importantes sobre o processo de paz do conflito árabe-israelense houve um movimento oposto de retaliação do processo de paz, fruto dos processos psicossociais de manutenção da narrativa do conflito, proposto por Bar-Tal (2013).

Outra questão relevante no período do primeiro governo de Menachem Begin (1977-1981) foi a disposição dos líderes palestinos, como o prefeito Elias Frej de Belém e o prefeito Rashed A-Shawa de Gaza que demonstraram grande interesse no processo de paz. No entanto, as políticas práticas adotadas pelo governo Likud sobre a Cisjordânia e Gaza, além da posição diplomática tomada pelo governo, convenceu até os líderes mais moderados que a rota em direção do compromisso significativo com os acordos de paz estava suspensa. A política externa ideológica do Primeiro-ministro trabalhou, então, com dois círculos diferentes, mas complementares: o círculo diplomático exterior, no qual neutralizava qualquer pressão regional (principalmente dos egípcios) e internacional (principalmente dos estadunidenses) para se chegar a um acordo sobre a autoridade governamental da Cisjordânia, conforme estipulado nos acordos de Camp David; e o círculo interior, no qual reduziria a influência da oposição às suas políticas de anexação dos Territórios Ocupados (Peleg, 1987).

O foco da política externa de 1977 a 1981 foi o aspecto anexionista da Judeia, Samaria e Gaza. O objetivo destas políticas era forçar a anexação dos territórios em qualquer governo de Israel no futuro, de forma a torná-lo politicamente obrigatório. As políticas incluíram um esforço sem precedentes de liquidação, um amplo programa de controle das terras e o uso de colonos judeus como um mecanismo para governar os habitantes locais, promovendo os laços econômicos entre Israel e os territórios (Peleg, 1987). O objetivo de todas estas políticas era alcançar o controle político efetivo e total sobre a população árabe, utilizando de discursos políticos de medo como forma de construção de uma narrativa israelense de legitimação da ocupação.

O esforço da construção de assentamento na Cisjordânia e em Gaza foi, juntamente com a movimentação no Sistema Internacional para garantir a eventual anexação, a peça central da política externa de Begin. Para o Primeiro-ministro e o Likud o tratado de paz com o Egito foi um mero sub-produto: o seu foco estava na Cisjordânia e sua anexação. Enquanto os partidos de esquerda que comandavam o governo antes de 1977 usavam os assentamentos de judeus na Cisjordânia como um instrumento para alcançar objetivos limitados, o Likud encorajou o fluxo de judeus na Cisjordânia e sua anexação. Enquanto a política da esquerda poderia ter sido legalmente aceitável, a política do Likud não poderia ter sido apoiada pelas normas do direito internacional contemporâneo. Embora a política de colonatos da esquerda permitisse uma variedade de soluções políticas para a disputa árabe-israelense, incluindo o retorno dos territórios para a Jordânia e até mesmo a criação de um Estado palestino, de acordo com o autor (1987) a política do Likud foi projetada especificamente para fazer com que qualquer solução além da anexação dos territórios a Israel fosse impossível.

A extensão da política de assentamentos do Likud pode ser vista examinando algumas estatísticas simples. Quando o governo de Menachem Begin subiu ao poder, havia vinte e quatro assentamentos judaicos na Cisjordânia e em Gaza e eram habitados por 3.200 pessoas. Quando Begin deixou o governo em 1983, havia 106 assentamentos, 98 deles na Cisjordânia e 8 em Gaza, e o número de residentes subiu para 28.400. Em seis anos, Begin multiplicou o número de assentamentos quase quatro vezes e meia e o número de pessoas em quase nove vezes (Peleg, 1987).

Em suma, sob a liderança de Begin, Israel moveu-se a passos largos em direção à anexação ou, pelo menos, a prevenção de qualquer solução não-anexionista para os territórios palestinos da Cisjordânia e Gaza. Houve um aumento numérico expressivo dos assentamentos e dos colonos, uma mudança no caráter da solução, e, mais importante, um tipo diferente de dispersão dos colonos. Refletindo o pensamento do Primeiro-ministro, os assentamentos já não eram a resposta para as necessidades estratégicas ou militares, mas refletia o que Begin e seu governo sentiam em relação a construção de uma narrativa israelense.

No entanto, questões de defesa nem sempre tiveram um papel importante nas campanhas eleitorais. A política externa não foi tão decisiva nas eleições de 1977 que levou ao poder pela primeira vez o bloco do Likud e o Primeiro-ministro Menachem Begin. Era importante, mas não era questão contenciosa, e parecia haver um acordo substancial sobre os problemas externos e de segurança enfrentados pelo Estado. Em 1981, essas questões foram debatidas pelas partes, proporcionando um contexto para as decisões dos eleitores e pareciam dominar a campanha, especialmente em suas fases posteriores, apesar das grandes preocupações econômicas e problemas dentro do próprio governo (Reich, 1986).

As mudanças na situação de Israel não afetaram, entretanto, o pensamento ideológico neorrevisionista, que permaneceu enraizado em um profundo sentimento de insegurança. Como discutido ao longo desse artigo, os aspectos emocionais provenientes da perseguição dos judeus no século XX e as guerras que Israel travou com outros países da região tiveram papel fundamental para criar um sentimento de insegurança na população israelense e serviu de trampolim para fundamentar a política externa no período abordado nesse estudo, principalmente como forma de criar uma narrativa comum e legitimar as políticas públicas. Esta situação produziu uma política externa irrealista na qual oportunidades importantes foram muitas vezes ignoradas e desenvolvimentos significativos passaram despercebidos. De acordo com Peleg (1987), enquanto todos os outros Estados modernos cobiçam as garantias oferecidas pelas grandes potências, Israel de Begin tendia a rejeitá-las como expressões de uma excessiva dependência de poderes externos. A razão não era meramente política, mas como argumentamos anteriormente, também psicológica: as garantias lembraram muitos dos líderes de Israel da dependência dos judeus na diáspora, uma relação que eles estavam determinados a evitar. Enquanto países poderosos da época como a Alemanha Ocidental, Japão e Inglaterra reconheciam a inevitabilidade da interdependência no mundo moderno, Israel se recusava.

Considerando a abordagem sócio psicológica apresentada ao estudo das questões de segurança, não afirmamos que condições, situações ou eventos de natureza geopolítica ou militar sejam menos importantes. Sugerimos que eles fornecem informações relevantes sobre ameaças ou perigos. Mas também propomos que esta informação tenha de ser percebida e avaliada para servir de insumo para a formação de crenças de segurança. A percepção e avaliação de situações de segurança ou insegurança, ou suas condições, são processos psicológicos e, como tal, estão sujeitos a diferenças individuais e grupais (Bar-Tal, 1991).

As crenças sobre segurança não caracterizam apenas indivíduos, mas também grupos, sociedades e nações (Bar-Tal, 1990). É assim porque os indivíduos, que têm crenças sobre segurança, muitas vezes as compartilham com outros membros da sociedade e estão conscientes dessa partilha. A consciência de partilhar crenças, tais como sobre segurança, transforma o compartilhamento em um poderoso mecanismo psicológico que tem efeitos importantes sobre a sociedade. As crenças compartilhadas podem influenciar o sentido de solidariedade e unidade que os membros da sociedade vivenciam, a intensidade e o envolvimento dos membros da sociedade com essas crenças, a natureza da realidade social que eles constroem, a pressão que exercem sobre os líderes e eventualmente podem afetar a política e o curso das ações tomadas pelos líderes. Em alguns casos crenças compartilhadas por membros da sociedade podem se tornar crenças sociais.

As crenças sobre a segurança também são fortemente influenciadas pelas experiências passadas da nação, como lembradas na memória coletiva. A memória coletiva é um conhecimento armazenado pela sociedade, sobre suas experiências passadas importantes. Pode afetar a sociedade a desconsiderar informações particulares, por um lado, e pode ajustar a sociedade para atender outras informações específicas, por outro lado, e, posteriormente, avaliar essa informação absorvida de determinada maneira. Por exemplo, as memórias coletivas de traumas passados, envolvendo guerra, genocídio ou ocupação, podem sensibilizar os membros da sociedade para procurar informações que indiquem possíveis ameaças e perigos. Tal sensibilização serve uma função de permitir a detecção de uma situação de perigo possível para a prevenir (Bar-Tal, 1990).

A questão judaica e a existência do coletivo judeu em Israel tem sido o problema fundamental que tem preocupado durante mais de um século todos os judeus israelenses e as autoridades judaicas. Esse desafio tornou-se o fator mais crítico que moldou a vida pessoal e social em Israel e teve um efeito determinante na possível resolução do conflito árabe-israelense no Oriente Médio. Ao longo dos anos, a segurança tem sido usada continuamente como justificativa e explicação para muitas decisões governamentais, mesmo que não tenham implicações diretas para a segurança. Tornou-se uma justificativa para iniciar ações e responder com reações em domínios militares, políticos, sociais e mesmo educacionais e culturais, tornou-se uma desculpa para práticas antidemocráticas, imorais ou mesmo ilegais praticadas pelos israelenses e tem sido usada para mobilizar recursos humanos e materiais.

No que tange a política externa regional, não apenas o crescimento dos assentamentos na Cisjordânia e a Guerra do Líbano (1982), mas também ações como a anexação das Colinas de Golã e o ataque ao reator nuclear iraquiano revelam uma série de características gerais. Parece que a chave para a política de estabelecimento bem-sucedida de Begin na Cisjordânia deve ser encontrada não só na energia ideológica que ele gerou entre seus apoiadores, mas também na assistência que ele recebeu da administração estadunidense, especialmente depois de janeiro de 1981 (Peleg, 1987).

Em geral, o contexto regional e o contexto global da política externa de Begin estavam intimamente ligados. O objetivo fundamental inicial, a anexação da Cisjordânia, levou necessariamente a um confronto contínuo com praticamente todas as potências da região. Embora essas potências tendessem a adotar uma posição anti-israelense mesmo na ausência de uma política anexionista ativa, tal política intensificou a posição, levando a confrontos reais e não apenas a uma hostilidade latente. O contínuo confronto regional, por sua vez, levou Begin a buscar um fortalecimento das relações com os Estados Unidos. Tais relações eram indispensáveis, tanto econômica, política e militarmente. De acordo com o autor (1987), para garantir a aliança estadunidense, o governo de Begin firmou acordos antissoviéticos com a administração Reagan e estava disposto a servir aos interesses dos Estados Unidos da região e globalmente sem restrições.

O governo do Likud sob Begin prosseguiu com uma política radicalmente diferente. Menachem Begin, a partir de um conjunto de suposições neorrevisionistas, não acreditava que a coexistência entre judeus e árabes em Israel fosse possível. Ele estava determinado a estabelecer a hegemonia israelense na área, um novo equilíbrio de poder no qual Israel seria completamente dominante. A guerra no Líbano, a anexação das Colinas de Golã e ações semelhantes foram extensões lógicas deste novo conjunto de metas.

Embora alguns líderes dos governos trabalhistas de 1967 a 1977 terem sido acusados de obstinação e relutância em explorar todas as alternativas para uma paz regional, o Partido Trabalhista evitou cuidadosamente a introdução unilateral de mudanças de longo prazo no status quo regional. Com exceção de Jerusalém, na qual havia um consenso nacional, nenhuma ação legal foi tomada para anexar os territórios árabes. Begin, por outro lado, fez tudo ao seu alcance para impor revisões legais ou políticas sobre o status de Jerusalém, Cisjordânia e Gaza, Líbano e as Colinas de Golã. Muitas vezes o fazia usando a força bruta, como no lançamento do ataque ao Líbano. A política de poder veio substituir a diplomacia, e a política externa de Israel tornou-se cada vez mais militarista até a renúncia de Begin.

Enquanto os governos israelenses anteriores viam a guerra como um meio de último recurso, o segundo governo de Begin (1981-1983) percebia a guerra como um instrumento de objetivos políticos sobre os quais havia profundo desacordo dentro da opinião pública israelense.

Como os conceitos do Eretz Yisrael e da paz regional se mostraram incompatíveis com o governo de Begin, e considerou-se necessário usar o poder militar de Israel além dos limites da Palestina ocidental. Begin e particularmente seu ministro de defesa, Ariel Sharon, entendiam Israel como tendo não apenas necessidades defensivas imediatas, mas objetivos territoriais e políticos de longo prazo. Ambos trabalharam para estabelecer uma grande esfera regional de influência que permitiria a Israel manter o controle político sobre os assuntos internos de seus vizinhos. De acordo com Peleg (1987), esta política não era representada apenas na tentativa de manter uma superioridade militar convencional na região, mas também no monopólio das armas nucleares.

Como um político experiente, Menachem Begin estava relutante em revelar todo o alcance de sua nova política regional. Ariel Sharon, encarregado de implementar a nova política regional, atuando como ministro da Defesa de Begin (1981-1983), em dezembro de 1981, preparou uma conferência para um simpósio, ministrado pelo Instituto Jaffe de Estudos Estratégicos da Universidade de Tel Aviv. Sharon argumentou que Israel tinha interesses estratégicos em três círculos: os Estados de confronto; os Estados árabes externos; outros Estados exteriores que por seu status político e orientação poderiam perigosamente influenciar a segurança nacional de Israel.

Devemos ampliar o domínio de nosso interesse estratégico e de segurança além dos Estados do Oriente Médio e do Mar Vermelho, de modo que nos anos 80 esse domínio inclua Estados como Turquia, Irã e Paquistão e regiões como o Golfo Pérsico e África, particularmente o Norte e a África central. (Sharon, 1981, tradução nossa).

A política regional de Menachem Begin deve ser primeiramente avaliada examinando suas ações, não suas palavras. No entanto, enquanto estava no poder, o Primeiro-ministro discutia publicamente sua política externa. Uma visão de sua posição geral pode ser obtida através do estudo de um de seus últimos discursos públicos.

A política externa do governo de Menachem Begin na ascensão do Likud (1977-1983) pode ser entendida como possuindo um caráter ideológico e emocional deveras representativo. Suas políticas expansionistas na Cisjordânia e em Gaza tiveram como base uma argumentação emocional ligada ao histórico do povo judeu na região. Seu alinhamento com os Estados Unidos e sua posição contra os países árabes da região tiveram origem no movimento ideológico neorrevisionista que possuía o fator emocional coletivo como principal eixo de fomento às ideias. Dessa forma, a segurança foi se tornando cada vez mais o caráter crucial e definitivo da política do Estado, com o aumento das Forças Armadas e da ambição em tornar Israel a grande potência regional do Oriente Médio, rejeitando a dependência de outros Estados e a subjugação de Israel por outros países regionalmente e extra regionalmente. A ideologia foi também importante para a conjunção dos grupos internos de forma a possibilitar a coalizão política na Knesset de governar e aprovar as políticas do novo governo.

 

Considerações Finais

A questão de como garantir a existência e segurança do coletivo judaico em Israel tem sido o problema fundamental que tem preocupado há mais de um século cada judeu israelense e todas as autoridades judaicas do Estado. Este desafio tornou-se o fator mais importante que moldou a vida pessoal e social em Israel e tem tido um efeito determinante sobre a possível resolução do conflito árabe-israelense no Oriente Médio. Esta preocupação em Israel, mesmo no próprio meio de negociação da cobiçada paz da região, não é surpreendente, tendo em conta o padrão de longo prazo de ameaças e violência que caracterizam a sua relação de domínio e inimizade vis-à-vis os países árabes vizinhos e com o povo palestino. O violento conflito transformou a sociedade israelense em uma nação altamente militarizada e que tem a segurança como o principal tema na agenda do Estado. Como resultado, a segurança que simboliza a existência do Estado de Israel, bem como a segurança coletiva, tornou-se um conceito-chave no vocabulário do país.

Através dos anos, a segurança tem sido usada continuamente como uma justificativa importante e explicação para muitas decisões governamentais, mesmo que elas não tenham implicações diretas para a segurança; tornando-se uma base racional para a tomada de decisão sobre ações, respondendo com reações em domínios militares, políticos, sociais e até mesmo educacionais e culturais. A segurança se tornou uma desculpa para práticas antidemocráticas, imorais ou mesmo ilegais do ponto de vista do direito internacional realizadas pelos israelenses, e tem sido usada para mobilizar recursos materiais e humanos. A segurança também tem sido utilizada para justificar objetivos mais importantes nas negociações com os árabes, já que esta é a única consideração legítima aceita pela comunidade internacional e pela grande maioria dos judeus israelenses.

As preocupações especiais com segurança não são novas. Desde a primeira onda de imigração judaica para a Palestina, no final do século XIX, como resultado do movimento nacional judaico, então chamado de sionismo, a questão da segurança tem dominado a agenda pública. Do ponto de vista da maioria dos judeus israelenses, os acontecimentos dos últimos cem anos fornecem evidência inequívoca para os perigos que ameaçam a segurança pessoal e coletiva do povo judeu. Como registado na memória coletiva, já os primeiros judeus sionistas, que chegaram à Palestina no final do século XIX e no início do século XX, diante da insegurança por causa das condições extremamente severas como as atitudes hostis da administração otomana. Durante o domínio britânico (1918-1948), o renascimento nacional judaico foi fortemente contestado por árabes. Os tumultos árabes de larga escala levaram a Grã-Bretanha a emitir em 1939 o Livro Branco que tratava de uma imposição de restrições drásticas à imigração judaica, apesar dos sinais claros de perseguições nazistas, que visariam mais tarde a realização de uma liquidação sistemática da comunidade judaica na Europa. Este genocídio chamado de Holocausto, que resultou na morte de seis milhões de judeus, marcou de forma irremediável a vida da comunidade judaica em todo o mundo e, especialmente, a vida de judeus em Israel, que usaram a experiência como uma importante lição de como garantir a sua segurança no futuro.

Tendo em vista a memória coletiva revisitada, os israelenses estariam condicionados a acreditar que existe uma ameaça real, tangível, imediata e existencial, tanto para a segurança coletiva de Israel como Estado, quanto para os cidadãos individuais desse Estado, com destaque para os judeus. No entanto, embora os israelenses concordem que Israel está atormentado por problemas de segurança, eles estão muito polarizados, principalmente em relação às condições em que a segurança deve ser garantida.

Apesar da polarização da sociedade israelense, a segurança continua a ser um símbolo dominante e até mesmo onipresente na narrativa israelense que escolheu privilegiar a segurança pessoal e o bem-estar para a sobrevivência do Estado. À medida que os anos passam e Israel se fortalece como um Estado formado a segurança existencial ainda é o tema que se destaca como o principal determinante que atinge e influencia praticamente todas as esferas da vida pública. Consequentemente, qualquer tentativa de compreender os assuntos israelenses, como as percepções individuais, as políticas públicas e o comportamento da população em relação ao voto, ficam subordinados à doutrina da segurança nacional e à Política Externa. Em Israel, as considerações de segurança desempenharam um papel determinante em decisões tais como a definição do orçamento nacional, o planejamento da construção de novas cidades e comunidades, desenvolvimento da indústria, estabelecimento de plataformas eleitorais, planejamento de políticas contra o desemprego, legislação de leis, planejamento de currículos escolares e assim por diante.

A maioria dos debates sobre segurança realizados em Israel foi da perspectiva política, discutindo possíveis maneiras para lidar com ameaças potenciais e reais ao Estado de Israel e seus cidadãos, tendo em vista os perigos representados pelas intenções e capacidades percebidas pelos Estados na região. Ignoraram em grande parte a base sócio psicológica da segurança, implicando que somente as condições militares, políticas e econômicas podem trazer o sentido da segurança ao povo de Israel. Sugerimos que a segurança e as condições que a promovem não têm critérios objetivos e pragmáticos para a sua avaliação. Os líderes fazem essas avaliações de acordo com suas próprias convicções, e persuadem o público de que suas visões são as mais corretas. É claro que, assim, os problemas de segurança de Israel não dependem somente dos indicadores militares, políticos e econômicos, mas também dos fatores psicológicos sociais.

O propósito desse estudo foi analisar a política externa e as estratégias israelenses da sociedade e do governo de Menachem Begin de 1977 a 1983 de uma forma imparcial e acadêmica, tratando-as como um produto direto das condições de segurança, crenças e preocupações. Nós tomamos como premissa de trabalho que Israel foi profundamente moldado por essa concentração incessante na segurança multifacetada fruto da memória coletiva do histórico de perseguição do povo judeu e dos conflitos que o Estado enfrentou. Sugerimos que, para compreender plenamente e de forma precisa o processo decisório nacional israelense de política externa, bem como as redes e procedimentos institucionais, políticas e comportamentos no país e no exterior, é necessária uma ampla investigação na segurança nacional e no ethos israelense.

O processo decisório da política externa israelense em segurança é formulado a partir de inúmeros grupos que possuem a segurança como primordial na agenda de governo, mas que possuem discordâncias sobre os caminhos a serem seguidos em como manter a segurança. A natureza estrutural do processo decisório, com um sistema político parlamentarista multipartidário, levando a necessidade de uma coalizão para governar, além de ser reflexo de uma sociedade altamente polarizada, aumenta a dificuldade de instituir políticas públicas tornando os aspectos emocionais a amálgama que uniria os diferentes grupos do governo e da população. Os dois primeiros governos do Likud em Israel são um exemplo de como os aspectos emocionais foram importantes para a aprovação de políticas como a expansão dos assentamentos nos territórios palestinos e a legitimação dessas políticas perante a população, entretanto parte das políticas, como a invasão ao Líbano em 1982, levaram ao desgaste político de Menachem Begin. O que pretendíamos explorar no artigo era o caráter emocional da tomada de decisão israelense, que muitas vezes é mais presente que o pragmatismo enaltecido por estudos sobre a excelência militar de Israel dado a faceta plural e não unitária do processo decisório, no qual os aspectos emocionais e ideológicos exercem forte papel no imaginário coletivo israelense.

 

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Submetido em 05/07/2018
Aceito em: 06/12/2018

 

 

1 Mohammad Anwar al Sadat foi um militar e político egípcio, presidente do país entre 1970 a 1981. Recebeu o prêmio Nobel da Paz em 1978 pelo esforço nas negociações com Israel em Camp David (1977).
2 Parlamento de Israel
3 Judeus provenientes da Europa Central.
4 Termo referente aos favoráveis ao processo de paz em Israel.

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