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Revista Psicologia Política

versión impresa ISSN 1519-549Xversión On-line ISSN 2175-1390

Rev. psicol. polít. vol.18 no.42 São Paulo mayo/ago. 2018

 

RESENHA

 

Psicologia Comunitária Revisitada: potências e lacunas em tempos de crise

 

Revisited Community Psychology: potencies and gaps in times of crisis

 

Psicología Comunitaria Revisitada: potencias y vacíos en tiempos de crisis

 

Psychologie communautaire revisitée: pouvoirs et lacunesentemps de crise

 

 

James Ferreira Moura Jr

Professor do Bacharelado em Humanidades da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-brasileira e do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal do Ceará. Coordenador da Rede de Estudos e Afrontamentos das Pobrezas, Discriminações e Resistências (reaPODERE). james.mourajr@unilab.edu.br

 

 

Obra: Ximenes, V.; Sarriera, J.; Bomfim, Z.; Alfaro, Z. (orgs.) (2016) Psicologia Comunitária no mundo atual: desafios, limites e fazeres. Fortaleza: Expressão Gráfica Editora, 272 páginas. ISBN: 978-85-420-0900-2

Para iniciar essas interlocuções, Irma Serrano-Garcia deslinda "El caminho andado y el caminho por andar" como a introdução do livro. Saliento que a autora, desde o início, apresenta seu caráter crítico ao enfatizar que os capítulos são eminentemente teóricos, pois há somente uma pesquisa empírica e uma intervenção. Irma analisa que os conceitos trazidos pelos autores e pelas autoras são já conhecidos na Psicologia Comunitária como uma mirada para o passado, mas enfatiza que a categoria empoderamento seria a base da maioria das contribuições. Ela aponta que, por mais que a Psicologia Comunitária tenha como objetivo o empoderamento das pessoas e das comunidades, essa disciplina ainda segue não alcançando grandes processos de mudança social em uma perspectiva macroestrutural.

Com essa crítica, ela traça os caminhos necessários para avançar e escolhe justamente o conceito de empoderamento psicossocial como base. Ela pede auxílio para o capítulo de Alípio Sánchez Vidal na reflexão sobre essa categoria como constituída de três elementos. O primeiro deles seria a consciência a partir dos processos de conscientização. O segundo elemento é a comunicação social de vários níveis, desde com as pessoas que trabalhamos em nossas intervenções até com as organizações não governamentais e políticas públicas. É necessário estabelecer vias dialógicas constantes com todos os atores e as atrizes presentes no tecido comunitário para os movimentos de consciência desenvolverem-se em um sentido pleno. Essa comunicação social irá pavimentar o terceiro elemento do empoderamento/fortalecimento, que é a ação coletiva. Esta deveria ser

a consequência comum em qualquer ação da Psicologia Comunitária. Este é um compromisso assumido por Freire (1979) que traz que a ação coletiva deve ter um fim comum como consequência de um processo crítico de apropriação da realidade, desembocando de formas concretas na mudança social. Devo também comentar que essa Psicologia Comunitária que Irma aborda é essencialmente latino-americana com fortes traços da Escola da Libertação, onde o realismo crítico é central nas estruturações teóricas e críticas (Goes, Ximenes, &Moura Jr., 2015).

Com essas ideias, apresenta-se o direcionamento da Política Pública para Psicologia Comunitária, como um espaço de atuação da/o psicóloga/o comunitária/o no capítulo Estado de Avance de la discusión sobre la relación entre Psicología Comunitaria y Políticas Púbicas: derivaciones para asumir la complejidad del vínculo, de Jaime Alfaro. Observo que esta disciplina pode trazer insumos teóricos e metodológicos para o desenvolvimento das Políticas Públicas, mas geralmente o que ocorre é a construção de políticas públicas individualistas, paliativas, assistencialistas, verticalizadas e amparadas por uma ótica neoliberal nos contextos de crise. No entanto, há também exceções. Por exemplo, no Brasil, há a Política Nacional de Assistência Social (Brasil, 2005) que estruturou o Sistema Único de Assistência Social (SUAS) como foco de atuação no território na perspectiva comunitária. Nessa perspectiva, surge o capítulo "O desafio para construir políticas públicas de atenção às famílias a partir de tecnologias socias e com foco na promoção de resiliência comunitária" de Maria Ângela Mattar Yunes, Narjara Mendes Garcia e Maria Cristina Carvalho. As autoras desenvolveram diversas tecnologias sociais de apoio as políticas públicas na cidade onde atuam. Elas apresentam o conceito de Tecnologia Social como programas desenvolvidos e apropriados em interação com a comunidade com foco na inclusão social e na melhoria das condições de vida das pessoas.

Percebo que houve uma intenção positiva das autoras no desenvolvimento dessas ações com alinhamento ao poder público. No entanto, questiono se essas ações tem o foco na autonomia das/dos participantes como focado na própria Tecnologia Social em um contexto de crise e de esfacelamento das políticas sociais promovido pela aprovação da Proposta de Emenda à Constituição 55 do ano de 2016, que diminui os investimentos nas políticas públicas (Paiva, Mesquita, Jaccoud, & Passos, 2016). Além disso, foram basicamente atividades desenvolvidas pela universidade, alinhando saber popular e acadêmico. No entanto, ainda é necessário desenvolver de forma fortalecida uma perspectiva coletiva e comunitária de mudança social. Para auxiliar na compreensão desses questionamentos, apresento o capítulo Es posible el empoderamiento comunitário en tempos de crisis? La Psicología e nel laberinto de Alípio Sánchez Vidal. O autor, primeiramente, contextualiza a realidade contemporânea baseada na centralidade do consumo, aumento do endividamento da população e empobrecimento e "desempoderamento" das maiorias populares, apresentando um contexto de crise. É importante salientar que Alipio vive na região da Catalunya. No entanto, apresenta informações importantes sobre os próximos passos que a realidade brasileira irá atravessar com a já mencionada aprovação da PEC 55 e um Congresso Nacional brasileiro eleito nas eleições de 2018 com um caráter conservador, militarizado e neoliberal.

Nessa dinâmica, ele traz o conceito de empoderamento como tendo surgido de forma vaga, mas com forte caráter individualista. No entanto, o autor também aponta o caráter revolucionário do conceito de empoderamento, pois ele traz a concepção de poder como central na compreensão do desenvolvimento humano e comunitário. Dessa maneira, ele concebe a necessidade de questionar a perspectiva ideológica de poder como intrínseco aos indivíduos, mas se deve enfocar na criação de estratégias de facilitação para promover o empoderamento coletivo frente as adversidades e desigualdades contemporâneas a partir de frentes microssociais e macrossociais, entendendo-as como complementares. Esse compromisso apontado por Alipio pode ser entendido a partir da ética da libertação, que, segundo Dussel (2009), é um compromisso de atuar e construir conhecimento junto com as populações marginalizadas.

No entanto, no capítulo Ética em Psicología Comunitaria: recuento de una década de investigación, Maria Inés Winkler Müller, María Isabel Reyes Espejo, Bárbara Olivares Espinoza, Diana Pasmanik Volochinsky e Katherine Alvear Parra apontam que há diferentes formas de posicionar a ética, além de haver uma compreensão nebulosa sobre essa atitude na contemporaneidade. De uma forma crítica, as autoras apontam a falta de participação de pessoas da comunidade em qualquer dimensão da formação, atuação e implementação de ações da Psicologia Comunitária. Além disso, a Psicologia Comunitária tem sido desenvolvida com ações com foco mais paliativo ao invés de atuar de maneira central com objetivo de transformação social. Trazendo ainda mais essas dimensões faltantes em Psicologia, no capítulo Psicologia Comunitária crítica: por qué e para qué? de Enrique Saforcada, o autor aproxima-se de Alipio Vidal Sanchez ao analisar o contexto de crise com foco na Afroiberoamerica. O autor aponta que, ao invés da busca do desenvolvimento econômico, os países deveriam objetivar o desenvolvimento humano integral da cidadania com respeito irrestrito aos direitos humanos e autodeterminação regional. Para esses objetivos ocorrerem, seria necessária a descolonização da cultura dos países. Esse processo é necessário, porque estamos constituídos de maneira colonial nas formas de pensar, de nos relacionar e produzir. Isso quer dizer que os parâmetros de poder estão estruturados em marcadores vinculados ao homem branco heteronormativo de classes elitizados com pensamento eurocentrado (Mingnolo, 2008).

Dessa maneira, Saforcada aproxima-se de Alipio, afirmando que a mudança social somente ocorrerá com modificações na estrutura sociopolítica do poder na sociedade. O caminho para a realização dessas mudanças está em atuar inseridas e inseridos nas comunidades em situação de pobreza, atuando também na perspectiva microssocial. Raquel Guzzo, com seu capítulo "A quem a Psicologia serve? Sobre a importância da Psicologia Comunitária", tem objetivo semelhante ao de Saforcada, mas foca suas considerações no desenvolvimento da Psicologia como processo ideológico constituído a partir dos contextos regionais. Ela traz o conceito de validade psicopolítica de Prilleltensky (2003) para apontar a validade teórica a partir de sua vinculação com as necessidades do contexto. Guzzo analisa que a Psicologia Europeia teve seu desenvolvimento embebido de princípios das Ciências da Natureza. Essa Psicologia, junto com a estadunidense, responsabiliza somente o indivíduo pelo seus comportamentos e trajetórias, esvaziando a centralidade da estrutura social classista. É importante também apontar que, para além da classe, há uma série de marcadores sociais estigmatizados que constituem o psicossocial - como gênero, orientação sexual e raça - pois as próprias Ciências Humanas, mesmo em uma perspectiva crítica, podem ser homogeneizadoras e invisibilizadoras dos processos de dominação (Bandeira, & Batista, 2002).

No capítulo Promoting entrepreneurship and cooperative micro enterprises among people with disabilities de Fabricio Balcazar e Shawn Dimpfl, ainda se foca nessa realidade de crise e de desigualdades, mas enfoca as pessoas com deficiência. De acordo com os autores, há uma série de preconceitos que funcionam como estratégias de manutenção desse grupo social em posições marginais. Até este ponto do livro, tem-se evidenciado as pessoas em situações de pobreza como público prioritário da Psicologia Comunitária. Segundo Verônica Morais Ximenes, Barbara Barbosa Nepomuceno e Elívia Camurça Cidade no capítulo Pobreza: uma problema para a Psicologia Comunitátia?, é necessário compreender criticamente que as pessoas em situação de pobreza são marginalizadas e posicionadas em um lugar de subalternidade, inseridas em uma dinâmica social de manutenção da desigualdade social. A pobreza deve ser superada por meio da ação coletiva com foco na ruptura das raízes históricas de opressão ao invés de focar somente na liberdade individual. Para que ocorra essa ação coletiva proposta por Alipio, é preciso atuar junto às comunidades em situação de pobreza, utilizando o afeto como via de conhecimento e de vinculação.

Apesar dessas considerações e apontamentos, no capítulo La Metapsicología Social Comunitaria: propuesta para enfrentar lacrisis de ladisciplina enAmerica Latina, Esther Wiesenfeld e Duga Picharde Albarración indicam que há uma falta de congruência entre a retórica discursiva e os valores, características e metas da Psicologia Comunitária. Por isso, as autoras propõem uma Meta Psicologia Comunitária que avance de maneira consolidada e reflexiva sobre a disciplina. No capítulo Concientización, conciencia y acción humana, Maritza Montero concebe que a Psicologia Comunitária crítica enraizada no contexto latinoamericano tem como pilar o método da conscientização de base freiriana. De acordo com Montero, a conscientização pode levar os indivíduos a desenvolverem uma compreensão do seu lugar de opressão, apropriando-se da realidade de forma ativa, coletiva, positiva e dialógica. A autora também concebe que esse processo pode acarretar a produção de novos conhecimentos. Nessa perspectiva criadora, Cezar Góis, Luciane Alves, Sara Góis e Alexsandra Sousa elaboram o capítulo "O conceito de América Profunda e suas implicações na Psicologia Comunitária de base latino-americana" com objetivo de explanar sobre o conceito de América Profunda como focado na importância do retorno aos conhecimentos e experiências originárias do nosso território existencial e coletivo.

Assim, finalizam-se os prismas de análise da Psicologia Comunitária em tempos de crise a partir de diferentes perspectivas situadas nas políticas públicas, nas universidades, no terceiro setor, nos movimentos sociais e nas comunidades. Aponto como desafio a ampliação da mobilização coletiva e do fortalecimento comunitário com foco em mudanças concretas na realidade em uma interessante e necessária imbricação de movimentos microssociais e macrossociais de atuação. Igualmente, é necessária, nessas movimentações, a reflexividade constante do desenvolvimento da Psicologia Comunitária em questões étnicas e raciais de maneira integrada, pois a pobreza tem uma raça, uma etnicidade, podendo ser ampliada também para questões de gênero, de orientação sexual e de discapacidades físicas. Portanto, a contemporaneidade em seus contextos de crise social, política e ética demanda uma atuação também inovadora e agregadora de potencialidades, resistências e afrontamentos com foco na mudança social.

 

Referências Bibliográficas

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