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Revista Psicologia Política

versão On-line ISSN 2175-1390

Rev. psicol. polít. vol.19 no.45 São Paulo maio/ago. 2019

 

EDITORIAL

 

Revista psicologia política: ocupações, protestos e as dinâmicas políticas atuais

 

Revista psicologia política: occupations, protests and current political dynamics

 

Revista psicología política: ocupaciones, protestos y dinámicas políticas en la actualidad

 

Revista psicologia política: occupations, protestations et dynamiques politiques actuelles

 

 

Aline Reis Calvo HernandezI; Conceição SeixasII; Frederico Viana MachadoIII

IEditor - UFRGS - Brasil
IIEditor - UERJ - Brasil
IIIEditor - UFRGS - Brasil

 

 

O número 45 da Revista Psicologia Política, segundo do volume 19, apresenta uma coleção de dezessete textos que analisam e discutem as dinâmicas políticas atuais das manifestações, sendo a maioria deles sobre as ocupações do movimento secundarista e protestos no Brasil atual. Trata-se de um número preparado com especial atenção, pois o tema das dinâmicas políticas é efervescente e central para compreendermos os conflitos colocados na arena política nacional e as diferentes estratégias de luta, resistência e subversão elaboradas e praticadas na esfera pública em tensão com os governos e instituições.

Desde a primavera árabe, que eclodiu em 2011, e a emergência do que alguns autores chamam de um novo ciclo de protestos, pesquisadores das diversas áreas de conhecimento interessadas nos fenômenos políticos vêm buscando compreender as alterações na topografia do espaço público e no campo institucional, nos repertórios de ação dos movimentos insurgentes, assim como as demandas por eles emplacadas. Tal ciclo tem um marco importante na "Primavera Árabe" e abriga protestos ao redor do mundo que, apesar de suas particularidades, conectam-se, não apenas nas formas de ação - por meio de ocupações, tomadas das ruas e uso extensivo da internet - mas também como respostas a uma crise global de um capitalismo que tem acirrado as desigualdades e a miséria humana ao redor do mundo (Zizek, 2013). Vários lugares, do norte ao sul global, foram palco desses protestos - a Espanha com o 15M, Nova York, com Occupy Wall Street, México com o # Yo Soy 132, Turquia e o Brasil, com as Marchas de Junho -; que vêm sendo analisados conjuntamente como parte de um processo amplo de luta e de mudanças globais.

No Brasil, a onda de protestos que irradiou a partir de junho de 2013, que traz inicialmente denúncias sobre a precariedade urbana, foi caracterizada, pela mídia e primeiras análises, como irrompendo espontaneamente no cenário social, deslocando os acontecimentos de um processo de lutas, que, como lembra Bringel (2013), é marcado continuidades e rupturas. Nesse sentido, faz-se necessário conectar estes protestos a movimentos anteriores que chamavam atenção para a precarização da vida urbana (Doimo, 1995) e que já abriam caminhos para a construção dessa história de lutas.

Assim também analisa Rolnik (2013, p. 9), ao escrever: "a 'fagulha' das manifestações de junho não surgiu do nada: foram anos de constituição de uma nova geração de movimentos urbanos - o MPL, a resistência urbana, os movimentos sem-teto, os movimentos estudantis - que, entre 'catracaços', ocupações e manifestações foram se articulando em redes mais amplas". Da mesma forma que não se trata de uma espontaneidade, no sentido de surgirem descontextualizados de um processo de luta, esses protestos não morrem ali, uma vez que alimentam novas ondas de manifestações -seja dando continuidade seja até mesmo em contradição a elas -, como foram as ocupações das escolas de vários lugares do país. Se anteriormente a lógica identitária recebeu mais destaque nos estudos sobre os processos de mobilização, o que produziu um cenário voltado sobretudo para o reconhecimento (Fraser, 2002), as questões pautadas por estes movimentos recolocam questões redistributivas (Perugorria & Tejerina, 2013), ou seja, demandam mudanças estruturais na sociedade e suas formas de regulação. Obviamente as pautas redistributivas sempre estiveram presentes, sempre incluíram questões identitárias e, por outro lado, a questão redistributiva atravessa toda a discussão sobre os movimentos LGBT, feministas, de raça, etc. Mais recentemente, vemos também o fortalecimento de discursos conservadores e fundamentalistas e autoritários entre setores amplos da população, o que aponta para uma backlash, na arena política, que precisa urgentemente ser compreendida. Paralelamente, as redes sociais e as novas tecnologias de informação passaram a ter um papel cada vez mais marcante nas dinâmicas políticas, o que também traz questões para o campo teórico.

Os fenômenos políticos no nosso cotidiano demandam posições que articulam o trabalho teórico e de pesquisa, com o de engajamento político. Ao participar do ciclo de debates Furando Bolhas, promovido pela Universidade Federal de Ciências da Saúde, em Porto Alegre, o reitor da Universidade Federal do Paraná, Ricardo Fonseca, apontou que a comunidade universitária precisa ser combativa e agir como "soldado", pois a guerra contra a educação pública foi declarada no Brasil. É preciso agir contra as fake news que acusam as universidades de balbúrdia, supostamente orquestrada por seus/as reitores/as; que descaracterizam o potencial das universidades públicas na produção de pesquisa, tecnologia e inovação; contra um governo e um Ministério da Educação que se dirige aos docentes como inimigos; que reafirma que a universidade não é para todos, incentivando a lógica da privatização do ensino, favorecendo o setor mercadológico/empresarial e as corporações que estão por trás do rentável setor da educação.

No campo da Educação Básica, o cenário não é diferente com a propagação de propostas que põem em perigo a educação crítica, democrática e pública. Tentativas recentes de transmissão da educação pública para a iniciativa privada; "militarização" de escolas pública; projetos de lei que ameaçam a laicidade e ferem o princípio democrático da educação são alguns dos problemas com que temos nos deparado atualmente no contexto educacional brasileiro, responsável por criar um clima de tensão nas escolas que coloca professores/as e estudantes uns/mas contra os/as outros/as (Mattos et al., 2017). Foi também em resposta a este cenário que mais de 1.200 escolas foram ocupadas, entre 2015 e 2016, em vários estados do Brasil, segundo Marafon (2017). Desse modo, a análise desses movimentos se faz necessária como uma tentativa de dar sentido a este contexto político atual, na sua amplitude, que não se mantém restrito ao Brasil, mas ultrapassa as fronteiras globais com as particularidades de cada lugar.

Sobre movimento secundarista, o diretor Carlos Pronzato faz um documentário, em 2015, sobre as ocupações das escolas de São com o título Acabou a paz, isto aqui vai virar o Chile, fazendo referência à Revolta dos Pinguins\ como foi chamado o movimento secundarista neste país. Os próprio estudantes dizem se referenciar também naquela luta, o que nos leva a pensar o movimento político como parte de uma complexa teia que é interligada pelos diferentes repertórios de ação, demandas, contextos nacionais e globais, dentre outras questões que ajudam a alimentar, sustentar e mesmo desorganizar essa teia. E é com objetivo de melhor entender este cenário que se desponta e que se apresenta como um desafio para todos/as nós que a proposta deste número se justifica.

Para compor esse cenário de retrocessos, os projetos de governo, nos mais diversos ministérios e secretarias, têm sido alinhados à retirada de direitos contra as minorias e movimentos sociais, povos tradicionais, questões ambientais etc. Trata-se de desmantelar um conjunto de direitos humanos e sociais já adquiridos, de borrar o Código Penal ou usá-lo de forma parcial, como vem evidenciando os escândalos e vazamentos da Lava-Jato. Trata-se de deslegitimar as diferenças abaixo de discursos que propagam o ódio e invertem a lógica dos privilégios. Estratégias perigosas de um verdadeiro necrogoverno.

A tudo isso se soma uma guerra ideológica contra o marxismo cultural que, segundo o discurso conservador e autoritário, vem sendo propagado, nas escolas e universidades, por docentes desqualificados, esquerdistas, principalmente oriundos das áreas das Ciências Humanas e Sociais. Dentro dessa guerra ideológica, é igualmente alimentada uma perseguição aos escritos de Paulo Freire, por supostamente ferir os "princípios morais da educação", convocando, de outro modo, pesquisadores a afirmarem estes autores como fundamentais tanto para o entendimento quanto para a luta de uma sociedade mais justa. Imbuído dessa defesa, Kohan (2019) acaba de lançar um livro Paulo Freire mais do que nunca. Uma biografia filosófica, em que reafirma, como fez Paulo Freire, que o processo educativo não está dissociado da política.

Para combater seus inimigos o governo decide precarizar a educação pública, retirando investimentos, instalando cortes e propagando no imaginário social notícias falsas que rapidamente circulam e se repetem entre setores sociais menos informados e junto aos quais temos pouca penetração e influência.

Estamos certos que será preciso responder à altura. Mas, como furar as bolhas? Como dialogar num contexto político tão polarizado? Como sensibilizar? Como desconstruir fake news e agir nesse contexto de pós-verdade? Como construir processos de resistências que façam frente aos ataques diários à democracia e aos direitos sociais? Como analisar este fenômeno político que se atualiza, a cada dia, com novos escândalos? Como costurar essa trama de tantos atores envolvidos - desde grandes empresários às igrejas neopentecostais? Como entender as disputas que são postas e também as "falsas disputas" que são alimentadas?

Em Psicologia Política sabemos que um antídoto à alienação política é a capacidade de desenvolver consciência política e capacidade analítica e de mobilização sobre os acontecimentos e fenômenos políticos. Salvador Sandoval e Alessandro Silva apresentam algumas dimensões importantes para se chegar à consciência política: identidade e interesses coletivos; crenças, valores e expectativas societais; credibilidade na ação política; sentimentos em relação aos adversários; metas, projetos e repertórios de ações; vontade de agir coletivamente (Sandoval & Silva, 2016). Essas dimensões funcionam de modo interdependente a um conjunto de emoções e afetos que trazem significados adicionais à consciência política. Assim, quanto mais consciência política mais capacidade de participação e de ação política.

Uma das funções de um periódico científico é difundir conhecimentos, democratizar informação, comunicar. Nosso objetivo na RPP é colocar na ordem do dia temas e questões que possam ser conhecidas, analisadas, discutidas e, ainda, possam instrumentalizar estudantes, professoras/es, pesquisadoras/es e sociedade em geral, já que vivemos em uma sociedade de alta reflexividade. Conhecer os contextos, as dinâmicas políticas e as estratégias de luta são formas de relacionar teoria e as práticas sociais e políticas, com vistas às mudanças que queremos ver concretizadas.

Com esse intuito, temos certeza que esse número traz pesquisas empíricas e reflexões sobre experiências e aprendizagens políticas que contribuirão à análise crítica e à capacidade de construirmos dias melhores num Brasil tão sombrio. Esse número é composto por quinze artigos sobre dinâmicas de participação e ação política, sendo seis deles artigos que analisam as ocupações ocorridas nas escolas públicas de todo o Brasil nos anos de 2016 e 2017, os contextos, as formas de organização, as lutas, as disputas e os efeitos dessas aprendizagens na experiência ativista dos jovens. Temos também artigos sobre as manifestações de 2013, sobre as greves dos garis e dos caminhoneiros, sobre a marcha das vadias, sobre a "Gaymada" de Belo Horizonte, sobre a Rede Mídia Ninja e outros temas. Este número se encerra com um artigo traduzido, uma entrevista com Donatella Della Porta e uma resenha.

Contabilizamos vinculações com mais de dezoito instituições de Ensino, das regiões Nordeste, Centro-oeste, Sul e Sudeste do Brasil, tais como a Universidade Estadual Paulista, a Universidade Federal do Rio Grande do Norte, o Centro Universitário INTA, a Universidade de São Paulo, a Universidade Federal de Minas Gerais, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul, a Universidade Federal de Santa Catarina, a Faculdade CESUSC (Complexo de Ensino Superior de Santa Catarina), a Universidade Federal de São Paulo, a Universidade Federal Fluminense, a Universidade Federal de Goiânia, a Universidade Estadual de Campinas, Universidade de Brasília, o Instituto Municipal de Ensino Superior de Catanduva, a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e outras, além de universidades estrangeiras, como a Universidade de Santiago de Compostela, as Universidades de Paris III e Paris V e a Scuola Normale Superiore.

Inauguramos o número com o artigo Militância e A tivismo no Brasil depois de Junho de 2013: entre Repertórios, Estratégias e Instituições, assinado por André Luis Leite de Figueirêdo Sales, Flávio Fernandes Fontes e Silvio Yasui. Os autores discutem os sentidos condensados nos termos militância e ativismo, demonstrando a pertinência dos conceitos de repertório, estratégia e instituição. Para tal, analisam os efeitos subjetivos e as mudanças nas formas de ação coletiva na cena pública brasileira pós-junho de 2013.

O segundo artigo, intitulado Manifestações Políticas de Junho de 2013: Um debate à luz dos conceitos de massa e multidão, foi escrito por Michel Renan Rodrigues de Andrade e Clara Virgínia de Queiroz Pinheiro. Com base em pesquisas que analisam as manifestações políticas de junho de 2013, no Brasil, os autores refletem sobre as mudanças na formação dos laços sociais que produzem os protestos atuais. Para refletir essas mudanças, são analisadas diferenças entre os conceitos de massa em Freud e de multidão em Hardt e Negri. O texto indica que há mudanças plausíveis nas formas e organização de protestos no século XXI e que as manifestações de junho de 2013 indicam a formação de laços sociais horizontais, dando espaço à produção do comum e à importância das singularidades.

No texto A crise de representatividade em dois tempos no Brasil atual: um olhar sobre a greve dos garis e dos caminhoneiros, Antonio Euzébios Filho, desenvolve uma reflexão teórico-crítica sobre a crise de representatividade na atualidade, contextualizada a partir do retrato de dois movimentos recentes: a greve dos garis em 2014 e dos caminhoneiros em 2018. Nos dois casos analisados, é possível observar o descolamento da base em relação às lideranças sindicais como um dos sintomas da mencionada crise de representatividade com fortes elementos de polarização social.

O artigo Gaymada: Uma viagem por corpos e espaços, assinado por Igor Viana, discute a intervenção cênica-poética-performática da gaymada idealizada pelo coletivo artístico Toda Deseo, de Belo Horizonte. A trajetória da intervenção, iniciada em 2015, é recuperada através de uma entrevista com o próprio coletivo. O texto apresenta uma proposta de diálogo com a teoria política da filósofa Judith Butler, perpassando temas como a crítica, a performatividade, os corpos e a precariedade.

Na sequência, o artigo Marcha das Vadias de Porto Alegre: uma análise das políticas de aliança de Daniela Dalbosco Dell'Aglio, Adolfo Pizzinato e Paula Sandrine Machado discute o contexto de ruptura ocorrido na Marcha das Vadias de Porto Alegre/RS no ano de 2014. É analisado como se negociaram as políticas de aliança e coalizões no campo de tensões dos feminismos contemporâneos e a pluralidade desse campo, que parecia polarizado. A análise traz uma série de reflexões em relação aos movimentos políticos contemporâneos, suas pluralidades e negociações em um campo identitário. O artigo evidencia que, para pensar alianças nas pautas, é preciso considerar os marcadores sociais que atravessam os diferentes modos de fazer política feminista.

No artigo A produção de uma vida coletiva: a Rede Mídia Ninja como espaço de existir e resistir, as autoras Josiele Bené Lahorgue e Kátia Maheirie buscam compreender as resistências aos modos de vida hegemônicos, por meio de experiências da Rede Mídia Ninja. A análise e discussão se dão sobre a produção de comunicação digital colaborativa aliada à produção de uma vida coletiva/ em rede. Os resultados apontam que a lógica da cultura em rede diz respeito à constituição de uma tecnologia que favorece a produção e a convivência coletiva.

O artigo "Uma aula assim muito forte ": aprendizagem, escola e ritual em tempos de ocupação é assinado por Isabel Cristina de Moura Carvalho, pesquisadora do CNPq associada ao Programa de Pós-Graduação em Antropologia da UFRGS e aos Programa de Pós Graduação em Educação da UNIFESP; Chantal Medaets, pesquisadora da Universidade Paris III e da Universidade Estadual de Campinas, e Nadège Mezié, professora da Universidade Paris V. O artigo parte do conceito de aprendizagem como imersão significativa em uma experiência vivida, tendo como referência empírica o movimento secundarista de ocupação das escolas públicas de ensino médio no Brasil, particularmente das escolas em Porto Alegre/RS. A ocupação das escolas é analisada como movimento social que marca a iniciação na política para muitos dos jovens, a fim de tematizar as aprendizagens desde as experiências vividas pelos mesmos. São discutidos diferentes regimes de aprendizagem no âmbito dos processos educativos engendrados tanto pelo sistema formal de ensino quanto pelas experiências de participação em movimentos sociais.

Na esteira do debate sobre ocupações, o texto Ocupações na cidade: políticas da multidão na produção do comum de Domenico Uhng Hur e Maria Luiza Bitencourt Silva Couto analisa os movimentos políticos de ocupações urbanas e as novidades no campo da mobilização política. O artigo buscou conhecer os discursos de participantes de ocupações estudantis em Goiás, para discutir quais são as configurações de forças que instauram em suas práticas políticas. O fenômeno foi analisado a partir de conceitos de autores contemporâneos, como Gilles Deleuze, Félix Guattari, Michael Hardt e Antonio Negri. O texto propõe o surgimento de um novo ator político, a multidão, e novas práticas políticas e psicossociais que produzem uma cidade em comum. As ocupações expressam o poder de resistência frente ao diagrama capitalista e trazem uma nova configuração de forças expressa pela palavra de ordem "ocupar e resistir" e não mais pelo clássico "tomar o poder".

No artigo A experiência da ocupação: narrativa das incertezas, Júlia Paim Más e Danichi Hausen Mizoguchi analisam a ocupação realizada na Universidade Federal Fluminense entre os meses de novembro de 2016 e janeiro de 2017. A ocupação universitária deu-se sob a inspiração de outros movimentos, como o Occupy Wall Street e as ocupações secundaristas de São Paulo. O texto problematiza elementos e acontecimentos importantes deste movimento político usando como estratégia metodológica a análise das experiências dos autores, sendo um professor e a outra estudante.

O artigo Outubro, 2016, Brasil - As ocupações de escolas brasileiras da rede pública pelos secundaristas: contextualização e caracterização de Rejane Arruda Ribeiro e Lúcia Helena Cavasin Zabotto Pulino contextualiza as ocupações dos estudantes da rede pública do Ensino Médio iniciadas em outubro de 2016 no Brasil e suas principais reivindicações. O texto tece análises sobre o movimento de estudantes, além de contribuir para os estudos e diálogo político sobre o Ensino Médio, sobretudo público, no Brasil.

No artigo A Educação Ocupada: Um Ensaio Psicopolítico sobre as Ocupações Secundaristas de São Paulo a autora Nicole Nothen de Oliveira reflete sobre o movimento secundarista de ocupações das escolas estaduais de São Paulo. A autora propõe uma análise psicopolítica deste movimento, lançando luz sobre os temas como: as relações entre democracia e educação, entre poder e resistência e entre movimentos sociais e políticas públicas. A análise aponta a importância da participação política e a necessidade de um ambiente escolar aberto a processos democráticos, com fomento da consciência política e do exercício da cidadania, com vistas à formação crítico-reflexiva dos estudantes.

No artigo Ocupação estudantil no Instituto Federal de Catanduva (SP): potência, desenvolvimento e práxis, Leandro Amorim Rosa e Salvador Antonio Mireles Sandoval analisam uma ocupação ocorrida em 2016 no Instituto Federal de Catanduva (SP), a partir dos operadores: potência de agir; aprendizado e desenvolvimento; práxis política. Esses três momentos se identificam com as dimensões da proposta teórica: campo de potência. Tal campo se caracteriza como um espaço/tempo no qual se favorece o acontecimento de bons encontros; a produção de subjetividades e relações democráticas e democratizantes; a realização de práxis política criativa e reflexiva.

Escrever como um ato de resistência: uma escrita rizoma de autoria de Ana Lúcia S. da Silva e Laura Camargo Macruz Feuerwerker é, em si, uma escrita rizoma, uma escrita resistência e não sobre resistência. O texto anuncia os recolhimentos de campo, as transmutações e os encontros com os coletivos de resistência que se conectam às produções de mulheres poetas, pretas e moradoras da periferia da cidade de Belém/PA. O artigo parte do encontro entre a pesquisadora e poeta da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), sua orientadora e militante do SUS e as mulheres, manas e poetas de Belém e Manaus/AM que integram o coletivo Slam Dandaras do Norte. O slam é um movimento de encontros-batalhas de poesia, tendo em vista produzir manifestos e atos que potencializam existências, demandas políticas, alegrias e produções de si.

Ocupações poÉticas de si e do outro: cartografando encontros entre arte, cultura e produção da vida de Valéria Monteiro Mendes, Ana Lúcia da Silva, André Rodrigues e Laura Camargo Macruz Feuerwerker busca partilhar sentimentos, experiências e percepções desde os campos de pesquisa, por meio do encontro com distintas existências, coletivos e lugares, usando a cartografia como modo de aproximação. São considerados os movimentos produzidos por coletivos das cidades de São Paulo e Belém/PA que, para além do espaço e das temporalidades, evidenciam ressonâncias e conexões quanto aos atravessamentos e modos intensivos de compor as existências no contemporâneo.

Para fechar a seção de artigos, trazemos uma tradução de Domenico Uhng Hur de um artigo publicado em 2014 na Revista Universitas Psychologica. Em A ira e as emoções positivas no protesto político, José Manuel Sabucedo e Xiana Vilas, pesquisadores da Universidade de Santiago de Compostela, Espanha, analisam o papel das emoções no protesto político. Nos modelos atuais, a ira é a única emoção que se associa a essas ações. No entanto, a pesquisa realizada com 316 estudantes universitários, investigou a intenção de mobilização contra os cortes na educação e apresenta resultados que evidenciam que a ira se correlaciona de maneira significativa com as emoções positivas.

Neste número trazemos a entrevista Desafios contemporâneos para o estudo dos movimentos sociais, com Donatella Della Porta, referência internacional nos estudos sobre movimentos sociais, e concedida à Eduardo Georjão Fernandes, que também fez a tradução para o português.. Nesta entrevista, são abordados temas, como os desafios contemporâneos do campo de estudos em movimentos sociais, os desafios teóricos e metodológicos para estudarmos o ativismo global na atualidade, enfocando a explicação de aspectos subjetivos e identitários da ação coletiva, temas de forte interesse no campo da Psicologia Política. A entrevista também trata do crescimento de movimentos e partidos de extrema direita na Europa e o fim do ciclo de governos progressistas na América Latina, temas com alta prioridade na agenda das ciências sociais.

Fechando este número, Júlia Campos Clímaco escreve a resenha Ou vai para a luta, ou morre ": a elaboração coletiva da memória e da dor, com base na obra publicada pela Garamond em 2015, Meninos de Altamira: violência, "luta"política e administração pública, da autora Paula Mendes Lacerda.

Por fim, nos cabe agradecer a todas e todos que contribuíram para a realização deste número, sobretudo autoras/es e pareceristas que se esforçaram para cumprir os prazos e atenderam as solicitações de revisão ampliado as possibilidades do debate acadêmico.

Desejamos a todas e todos uma leitura prazerosa, inquietante e mobilizadora de afetos e cognições em luta!

 

Referências

Bringel, B. (2013). Miopias, sentidos e tendências do levante brasileiro de 2013. Insight Inteligência, 62,42-53.         [ Links ]

Doimo, A. (1995). A vez e a voz do popular: movimentos sociais e participação política no Brasil pós -70. Rio de Janeiro: ANPOCS/Relume Dumará         [ Links ].

Fraser, N. (2002). A justiça social na globalização: Redistribuição, reconhecimento e participação. Revista Crítica de Ciências Sociais, Coimbra, 63,67-97.         [ Links ]

Kohan, O. (2019). Paulo Freire mais do que nunca. Uma biografia filosófica. Rio de Janeiro: Vestígio.         [ Links ]

Marafon, G. (2017). Recusa à judicialização e o Projeto de Lei "Escola sem partido": análises a partir das ocupações estudantis. Journal of Education, 5(1),9-30. DOI: https://doi.org/10.25749/sis.10478        [ Links ]

Mattos, A. R. et al. (2017). Educação e Liberdade: apontamentos para um combate ao Projeto de Lei Escola Sem Partido. Em: Frigotto, G. (Org.) Escola "Sem" Partido: a esfinge que ameaça a educação e a sociedade brasileira, p. 87-104. Rio de Janeiro: UERJ/LPP.         [ Links ]

Perugorria, I. & Tejerina, B. (2013). Politics of the encounter: Cognition, emotions, and networks in the Spanish 15M. Current Sociology, 61. DOI: https://doi.org/10.1177%2F0011392113479743        [ Links ]

Rolnik, R. (2013). As vozes das ruas: as revoltas de junho e suas interpretações. In: Vainer, Carlos et al. Cidades Rebeldes: passe livre e as manifestações que tomaram o Brasil, p.7-12. São Paulo: Boitempo.         [ Links ]

Sandoval, S. & Silva, A. S. da (2016) O Modelo da Consciência Política. In: Hur, D. U. & Lacerda Júnior, F. (Org.). Psicologia, Políticas e Movimentos Sociais (p. 1-208). Petrópolis: Vozes.         [ Links ]

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1 O documentário pode ser acessado em: https://www.youtube.com/watch?v=LK9Ri2prfNw

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