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Revista Psicologia Política

versão On-line ISSN 2175-1390

Rev. psicol. polít. vol.19 no.45 São Paulo maio/ago. 2019

 

ARTIGOS

 

Ocupações poÉticas1 de si e do outro: cartografando encontros entre arte, cultura e produção da vida

 

PoEt(h)ical occupations of oneself and each other: mapping encounters between art, culture and production of life

 

Ocupaciones poÉticas de sí mismo y del otro: mapeando encuentros entre arte, cultura y producción de la vida

 

Occupations poÉti(h)ques de soi et de l'autre: cartographie des rencontres entre l'art, la culture et la production de la vie

 

 

Valéria Monteiro MendesI; Ana Lúcia S. da SilvaII; André RodriguesIII; Laura Camargo Macruz FeuerwerkerIV

IDoutoranda da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP/USP). Pesquisadora do grupo Micropolítica e Saúde (FSP/USP); valeriamm@usp.br
IIPsicóloga. Doutoranda da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP/USP). Poeta, pesquisadora e professora; ana-lucia@usp.br
IIIPsicólogo. Doutorando da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP/USP). Pesquisador do grupo Micropolítica e Saúde (FSP/USP); andre.espacoconexoes@gmail.com
IVProfessora associada da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo no Departamento de Política, Gestão e Saúde (FSP/USP); laura.macruz@gmail.com

 

 


RESUMO

Considerando nossas apostas, experiências e pesquisas em saúde, partilhamos parte do que temos sentido, experimentado e percebido a partir de nossos campos de pesquisa, por meio do encontro com distintas existências, coletivos e lugares, usando a cartografia como modo de aproximação. Traremos os movimentos produzidos por coletivos das artístico-político-culturais cidades de São Paulo e Belém que, para além do espaço e das temporalidades, evidenciam ressonâncias e conexões quanto às apostas, aos atravessamentos e aos modos intensivos de compor as existências no contemporâneo, dos quais a saúde em sua institucionalidade tem permanecido distante; movimentos que dizem de um ocupar-se de si e do outro.

Palavras-chave: Cartografia, Produção de Vida, Ocupação e Resistência, Encontros, Construção de Rede.


ABSTRACT

Considering our issues, our experiences and our research in health care, we hereby share part of what we have sensed, experienced and perceived in our fields of research, through our encounters with different forms of being, different collectives and places, according to a cartographic approach. We will present movements engendered by artistic, politic and cultural collectives from the cities of São Paulo and Belém which, beyond spatial and temporal contingencies, point out resonances and connections concerning the issues, the troubles and the intensiveness of the means by which ways of life are composed nowadays, processes from which health care has remained aloof. Such movements relate to some form of occupying oneself with oneself and each other.

Key-words: Cartography, Production of Life, Occupying and Resisting, Encounters, Net Construction.


RESUMEN

Teniendo en cuenta nuestras cuestiones, nuestras experiencias y nuestros estudios en salud, compartimos aquí parte de lo que hemos sentido, experimentado y percibido en nuestros campos de investigación, através de encuentros con diferentes existencias, colectivos y lugares, según una aproximación cartográfica. Traemos movimientos producidos por colectivos artísticos, políticos y culturales de las ciudades de São Paulo y Belem que, a despecho de las particularidades de espacio y tiempo, senalan resonancias y conexiones respecto a las cuestiones, los obstáculos y la intensividad de los modos por los cuales se componen las existencias en lo contemporáneo, de los cuales la salud en su institucionalidad se ha quedado alejada. Estos movimientos hablan de un ocuparse de sí mismo y del otro.

Palabras-clave: Cartografia, Producción de La Vida, Ocupación y Resistencia, Encuentros, Construcción de Redes.


RÉSUMÉ

Compte tenu de nos paris, nos expériences et nos recherches en santé, nous partageons une partie de ce que nous avons ressenti, expérimenté et perçu dans nos recherches sur la terrain, à travers la rencontre avec différentes existences, collectifs et endroits, en utilisant la cartographie comme méthode d'approche. Nous apporterons les mouvements produits par des collectifs artistiques, politiques e culturelles des villes de São Paulo et de Belém, lesquels, au-delà de l'espace et de la temporalité, dévoilent des résonances et des connexions concernant les paris, les enjeux et les modes intensives par lesquels les existences se constituent dans le contemporain, dont la santé, en son institutionnalité, reste écarté; mouvements qui disent d'un s 'occuper de soi de l'autre.

Mots-clés: Cartographie, Production de la vie, Occupation et résistance, Rencontres, Construction de réseaux.


 

 

Introdução: Iniciando A Prosa: Com Quais Apostas?

Como temos nos ocupado do verbo ocupar? Esta foi a questão disparada entre nós para o início desta escrita. Que marcas em nosso corpo gritam nesse momento-movimento histórico de ocupações, das várias ocupações, das quais temos nos ocupado? Em que medida o par ocupar e resistir, notadamente os observados com os movimentos de contestação iniciados no Brasil por estudantes e trabalhadores de diferentes setores e denominado de "jornadas de junho", tem sido incorporado nas nossas posições ético-políticas enquanto pesquisadores? Essas foram algumas das questões que nos povoaram ao nos aproximarmos dos verbos ocupar e resistir, no infinitivo, bem como de suas variações.

Nessa aproximação, levamos em consideração que as noções de ocupação e de resistência, sem os interrogantes acima, poderiam ser tomadas por nós apenas como palavras de ordem esvaziadas de uma força política que se volta à defesa da vida em sua singularidade, um movimento permanente, que muito nos tem interessado.

Com esses questionamentos, voltaremos nossa atenção para o par de verbos-acontecimentos, entendendo que ocupar e resistir são verbos e que também se produzem como acontecimentos2 em sua singularidade. O artigo buscará dar visibilidade a diferentes ocupações de si, do espaço coletivo e da produção de distintos modos de vida, que por meio de ações singulares se voltam para a criação de possíveis e para a fabricação de uma existência poÉtica nos mais variados espaços.

Nesta perspectiva, juntamo-nos para esta escrita, pesquisadores-companheiros de doutorado em saúde pública, que compartilham questões, problemas e um modo de pesquisar que demanda um pesquisar com o corpo e fazendo corpo com as ambiências e corpos com os quais pesquisamos. Ou seja, um modo de pesquisar que privilegia os encontros, com o propósito de dar passagem para os afectos e para os perceptos3 (como veremos a seguir) produzidos e desencadeados a cada passo em direção ao outro, a cada encontro, a cada movimento realizado, a cada olhar lançado e a cada palavra escuta-da-emitida-processada. Assim, assumimos como abordagem metodológica a cartografia, partindo do entendimento de que nosso "método é o encontro"; "[o] resto são ferramentas." (Lima e Merhy, 2016, p. 18)

A incorporação desta abordagem metodológica mantém relação com a premissa de que na cartografia o que importa, "diferentemente do mapa é a inteligibilidade da paisagem em seus acidentes, suas mutações", na medida que neste percurso "nada mais é fixo, nada mais é origem, nada mais é centro, nada mais é periferia, nada mais é definitivamente, coisa alguma" (Rolnik, 1989, p. 62). Nestes termos, a tarefa de um cartógrafo, que é um antropófago, é "dar língua para afetos que pedem passagem", pois dele se espera que "esteja mergulhado nas intensidades de seu tempo e que, atento às linguagens que encontra, devore as que lhe parecerem elementos possíveis para a composição das cartografias que se fazem necessárias" (Rolnik, 1989, p. 15).

Nessa dimensão, o ato de cartografar nos coloca na condição de um pesquisador-estrategista, que necessita pensar em arranjos o tempo inteiro, que traça diferentes estratégias e que refaz seus passos a partir dos movimentos do campo. Contudo, estar em campo nesta condição não expressa uma relação de oposição ou de depreciação do outro na condição de um adversário a ser suplantado. Ao contrário de oposição, remete ao fato de que compor um estudo com essas características exige armar-desarmar-rearmar nossas ações a partir do que o outro nos traz, bem como a partir dos efeitos de nossa presença em campo. A construção singular de tal abordagem metodológica, ainda que a prática da cartografia seja dinâmica e escape à linearidade do seguimento de rotas pré-traçadas, demanda a utilização de estratégias e de bússolas, que vão guiando nossa atenção e nossos modos de olhar.

Estas estratégias se assemelham a referenciais que vibram em nossos corpos de pesquisadores-cartógrafos-estrategistas, de modo a suscitar suas aberturas e porosidades às composições que devêm ao longo das andanças da pesquisa que se faz no movimento de acompanhar os processos de produção das redes de cuidado e vida (Santos & Mendes, 2016). Considerando que na abordagem cartográfica não há fixidez e que o corpo do cartógrafo se constrói e se reconstrói a partir dos encontros produzidos, adotamos diferentes instrumentos e procedimentos como a utilização de observação (com a produção de diários de campo), conversas com os participantes da pesquisa (entrevistas). Ao assumirmos as características constitutivas da abordagem cartográfica, encontramo-nos com a possibilidade de incorporação de outros instrumentos no decorrer do estudo, seguindo a "regra de ouro" do cartógrafo, que, para Rolnik (1989, p. 3), confere elasticidade aos seus critérios e princípios e diz que "o cartógrafo sabe que é sempre em nome da vida, e de sua defesa, que se inventam estratégias, por mais estapafúrdias".

Em compasso com as proposições de pensadores-filósofos com os quais temos nos encontrado, particularmente Espinosa, Deleuze e Guattari - com as quais a discussão de Rolnik dialoga - é possível dizer que os pensamentos, as movimentações, as escritas, os compartilhamentos e os processamentos que temos produzido no encontro com outros corpos, espaços e tempos (o que inclui concepções, saberes, valores, apostas, afetos, temporalidades, planos que constituem as existências e modos de viver) dão língua e visibilidade a um modo de pesquisar com base na experiência/experimentação. Aproximando do que estes pensadores trazem como questões, podemos dizer que nosso modo de estar como pesquisadores, que diz de nossos modos de estar na vida, aposta num processo de elevação "das percepções vividas ao percepto, de afecções vividas ao afecto" (Deleuze & Guattari, 2010, p. 201).

Assim, o exercício que experimentamos nesse texto foi o de reunir um conjunto perceptivo e perspectivo comum e em processo, por meio dos modos de ocupar a escrita e a produção dos campos de nossas pesquisas. Mais ainda, trata-se de fazer do texto um exercício de co-emergência dos mundos que atravessam o pesquisar e as vidas em processo de produção de si e dos coletivos. Assim, estamos implicados quando nos encontramos com tais vidas no campo de pesquisa, bem como quando escrevemos com os afectos e com as variações perceptivas que tais encontros produzem em nós, pesquisadoras e pesquisador, interessados nas singularidades que envolvem a produção da vida, incluindo as nossas como pesquisadores implicados.

A discussão sobre os afectos e perceptos trazidas por Deleuze e Guattari diz de um processo de aproximação e de um aprendizado que nos permite perceber o que se passa no jogo de afetar e de ser afetado, tal como ilustrado pelos autores em relação aos processos construídos por um escritor, um escultor ou um pintor e que dizem dos seus modos de produzir a existência. Segundo eles, "de toda arte ... seria preciso dizer: o artista é mostrador de afectos, inventor de afectos, criador de afectos em relação com os perceptos ou as visões que nos dá." (Deleuze & Guattari, 2010, p. 207), o que nos faz pensar sobre o que tem nos mobilizado para a composição dos problemas de pesquisa e do que temos nos ocupado como pesquisadores.

Nesta perspectiva integramos o coletivo Micropolítica e Saúde da Faculdade de Saúde Pública da USP, que, por sua vez, está conectado ao coletivo de pesquisa Micropolítica do Trabalho e o Cuidado em Saúde/Observatório de Políticas e Cuidado em Saúde vinculado à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Compomos um nós, que se ocupa de diferentes papéis na condição de profissionais da saúde e do SUS, docentes e estudantes da universidade pública, cidadãos, defensores do SUS, da democracia e da produção de e da vida a partir da diferença, da garantia de direitos e do bem comum. Temos assim nos constituído por meio de constantes experimentações sobre modos singulares de produzir encontros.

Portanto, como coletivo, temos nos ocupado de explorar caminhos que nos parecem instigantes no campo da construção do conhecimento nas Ciências Humanas e Sociais em Saúde - sem desconsiderar suas diretrizes, acúmulos e produções - apostando em construções que buscam operar dobras sobre o próprio campo da saúde coletiva e sobre o que é produzir pesquisa, tomando sujeitos e modos de vida como espaço de análise e de interlocução, tal como o que experimentamos no projeto de pesquisa "Redes de Avaliação Compartilhada: avalia quem pede, quem usa, quem faz" (RAC).

Por meio deste projeto, constituímos distintos coletivos de pesquisadores partindo da compreensão de que no mundo da produção do cuidado todos são pesquisadores (incluindo trabalhadores e usuários), na medida que a construção do cuidado e do trabalho em saúde ocorre a partir de atos vivos, como parte de um processo histórico e social que toma o sofrimento das pessoas segundo diferentes processos, o que inclui considerar o modo como o conhecimento é construído e reafirmado no campo da saúde coletiva, muitas vezes reafirmando a medicalização das vidas (Lima & Merhy, 2016).

Buscamos, então, produzir uma pesquisa nômade e ambulante no sentido de que "nas ciências ambulantes ou nômades, a ciência não está destinada a tomar o poder e nem sequer um desenvolvimento autônomo" (Lima & Merhy, 2016, p. 20), tentando contribuir para uma contraposição ao que Deleuze e Guattari denominam de ciência régia. Uma vez que "o que é próprio da ciência régia, do seu poder teoremático ou axiomático, é subtrair todas as operações das condições da intuição para convertê-las em verdadeiros conceitos intrínsecos ou categorias" (Deleuze & Guattari, 1997, p. 42).

Conforme destacam Lima e Merhy, a produção de conhecimento que Deleuze e Guattari denominam de ciência régia tem como contraposição a fabricação de uma ciência nômade, ou seja, uma 'nomadologia', um movimento 'ambulante' que, como colocam os autores, constitui-se nas franjas do Estado como máquina de guerra. É neste contexto que, para Deleuze e Guattari, "os corpos coletivos sempre têm franjas ou minorias que reconstituem equivalentes de máquina de guerra". Assim, tais máquinas podem assumir diferentes formas, algumas vezes muito inesperadas e em agenciamentos como "construir pontes, construir catedrais, ou então emitir juízos, ou compor músicas, instaurar uma ciência, uma técnica (...)" (Deleuze & Guattari, 1997, p. 32). Tal perspectiva nos é cara pois permite a percepção de que o outro não pode ser apreendido em sua totalidade, na condição de objeto de reflexões, análises e produção de conhecimentos, justamente porque há sempre uma produção que se inscreve como fugidia, em permanente movimento.

Assim, a premissa que orienta nossas ações é a de que há infinitas possibilidades de invenção epistemo-metodológica, considerando, entretanto, tal invenção apenas possível se realizada na relação com o outro e com seus modos de vida, ou seja, em ato, em acontecimento e no encontro (Lima & Merhy, 2016, p. 20). Deste modo, ocupamo-nos de produzir pesquisas que tenham um sentido para o conjunto de viventes (denominados no campo da saúde como gestores, trabalhadores e usuários), os quais, por sua vez, de diferentes maneiras, com distintos atravessamentos, com maior ou menor poder e governabilidade, fazem a gestão desse processo que chamamos de cuidado (Santos & Mendes, 2016).

Reafirmamos, então, que o que articula este micro coletivo de escrita é o pressuposto da construção de aproximações, diálogos e relações por meio da experiência e com o que é do outro, incluindo os distintos outros, como possibilidade de que experimentemos a produção de composições com os infinitos modos de estar no mundo, produzidos pelos viventes nos mais diferentes espaços e mundos, atuais e por vir. A questão é que tais movimentos demandam uma prontidão de nossos corpos para os encontros, como sentido de podermos produzir modos de dar a ver, de sentir e de perceber algo do que se passa nos encontros e também o que aumenta ou diminui nossa potência de vida, na condição de um processo de invenção que é permanente.

Partilhando desse comum, lançamo-nos nesta escrita, cada um trazendo seus incômodos, questões, experimentações. Nesta produção, um aspecto que chama nossa atenção diz respeito à necessidade de aproximação e de problematização do termo ocupação, partindo do entendimento de que ele é polissêmico. Isso fez pensar que há diferentes possibilidades de nos ocuparmos da vida, da nossa vida e da vida do outro nos diferentes espaços em que estamos implicados, sobretudo como pesquisadores-cartógrafos-doutorandos em saúde pública na universidade pública.

Do que temos nos ocupado? Essa foi a questão disparadora para a composição desta escrita. Nesta perspectiva, citamos uma pesquisa de mestrado (Mendes, 2013) que problematizou a fabricação de outros modos de estar com o outro por meio do trabalho com práticas corporais no âmbito da atenção básica, buscando tensionar o viés preventivista-promocionista que predomina neste âmbito da atenção e que privilegia a composição de grupos homogeneizantes e excludentes segundo a faixa etária, o gênero, o diagnóstico, a modalidade de prática ofertada, em detrimento das expectativas, dos desejos, das necessidades e dos múltiplos planos que constituem a vida dos integrantes de tais grupos (Sarti & Feuerwerker, 2018; Ferreira et al, 2016).

Apostou-se na construção de contraposições ao modo de agir-pensar que privilegia o governo das existências e que produz ativamente estratégias de determinação de modos de viver, que ao serem reproduzidas nos serviços de saúde conforme operadas no âmbito privado, tendem a produzir sofrimento, medo, culpa e dependência em relação ao profissional, na medida em que as ações muitas vezes são reduzidas à prevenção e ao combate ao risco de adoecimento do corpo biológico (Mendes, 2013; Mendes & Carvalho, 2016).

Estava em questão a produção de encontros com o próprio pensamento e com o pensamento do outro quando se experimentam e se praticam outras sensibilidades e formas perceptivas de cuidado, tendo como fio condutor a necessidade de incluir e problematizar a compreensão das pessoas envolvidas com a produção do cuidado no que se refere à construção das relações, aos desejos, aos interesses, às necessidades e às distintas maneiras de existir, bem como sobre a produção de modos de cuidar orientados para a fabricação de corresponsabilidade, de autonomia e de vínculo. Essas questões estão diretamente relacionadas ao entendimento dos distintos planos que conformam a vida das pessoas e dos modos como estas habitam os territórios e como se apropriam dos espaços públicos e de como experimentam os encontros consigo, com o outro e ainda com os equipamentos e serviços de saúde, de lazer e de cultura, entre outros espaços em que constroem suas vidas (Mendes, 2013; Mendes & Carvalho, 2016).

Assim, o tema dos modos de viver e de produzir as existências pelas pessoas que a saúde muitas vezes não visibiliza é uma questão com a qual este micro coletivo de escrita tem se ocupado. De modo geral, não tem sido uma questão para a saúde compreender e estar nos territórios para além de uma área definida e esquadrinhada a partir do plano formal, na qual as pessoas são depositadas segundo critérios que pouco dialogam com as questões e às necessidades relacionadas ao seu modo de existir e que, por sua vez, desconsideram as diferentes possibilidades de movimentações e de articulações realizadas por estes viventes para que possam seguir existindo (Feuerwerker, 2016; Merhy et al., 2016; Mendes & Feuerwerker, 2018).

O campo da saúde, ao se ocupar majoritariamente de metas, números, normas e ações programáticas determinadas pelo plano formal em detrimento de um olhar sensível para a vida das pessoas tende a não reconhecer que os viventes povoam os territórios produzindo conexões e invenções que permitem a construção de inúmeras redes, por meio das quais produzem solidariedade, proteção, aprendizagens, compartilhamento de diferentes questões, valores, saberes e práticas e de outras possibilidades de compor o viver, frequentemente desqualificados pela racionalidade que predomina no campo da saúde, que tende a definir de antemão como deve ser a vida do outro (Feuerwerker, 2014; Merhy, Feuerwerker & Gomes, 2016; Rodrigues, 2014).

Reconhecendo que há um esforço de autores de diferentes países, como, por exemplo, Foucault (2006), Deleuze (2013), Pelbart (2003; 2015) e Rolnik (2016), para renovar o modo como pensamos a vida e as práticas de cuidado no campo da saúde, entendemos ser premente problematizar e experimentar a construção de aproximações e de acompanhamentos sobre que outros modos de existir que têm sido produzidos e, nessa medida, quais pontos de tensão, de rupturas, de capturas e de potencialidades podem ser localizados e, sobretudo, considerados legítimas produções de existência (Merhy, 2012; Foucault, 2001).

Neste contexto o desafio que se apresenta para nós, particularmente no campo da saúde, mantém relação com a construção de um entendimento dos viventes como legítimos construtores de suas vidas e de outros modos possíveis de pensar-agir, o que inclui considerar a produção de um cuidado de si e do outro, justamente porque estes dão pistas sobre formas de existência que se diferenciem da normatividade imposta biopoliticamente.

Assim, nosso propósito é partilhar parte do que temos experimentado, sentido e percebido em nossos campos de pesquisa, considerando o encontro com distintos viventes, grupos/coletivos e lugares. Nesses encontros foi possível produzir visibilidades sobre as conexões, os atravessamentos, as apostas e a intensa operação de modos de compor as existências. Nossas andanças mostram que há muitos revides sendo produzidos, ou seja, que há distintos e singulares modos de constituir as existências nos âmbitos individual e coletivo, o que estamos assumindo, como modos ocupação de si e do outro.

Este texto está dividido em três movimentos que resultam de duas pesquisas de doutorado em saúde pública, vinculadas ao departamento política e gestão da Faculdade de Saúde Pública da USP, produzidas a partir da abordagem cartográfica. Cabe destacar que um dos pesquisadores deste micro-coletivo de escrita e que também está vinculado ao mesmo departamento tem como objeto de pesquisa a construção de acompanhamento e de discussão sobre o modo e o processo de fabricação da pesquisa cartográfica. Os Movimentos I e II estão respectivamente relacionados às experiências vividas no Sarau da Cooperifa e em uma Casa de Cultura do bairro de Piraporinha, localizados no distrito Jardim São Luiz, como parte do trabalho de campo da pesquisa desenvolvida nos distritos do Jardim São Luiz, Jardim Ângela e Capão Redondo, zona sul da cidade de São Paulo. Nesse movimento, construímos aproximações e visibilidades sobre a produção micropolítica da vida nestes territórios, tendo como ponto de partida as ações artísticas e culturais de quem ali vive. Nesse processo, conhecemos Betânia (falaremos sobre ela adiante, no Movimento II) e outros grupos, profissionais e frequentadores da tal Casa, acompanhando seus movimentos ali e em diferentes espaços da cidade de São Paulo. Nossas andanças evidenciaram uma extensa rede de conexões individuais e coletivas em distintas ações e projetos, que privilegiam a valorização da cultura africana e afrodiaspórica, da literatura periférica, da gastronomia, do teatro, da dança e da música (entre as quais o rap, o samba e os ritmos afro-brasileiros).

O Movimento III, traz a pesquisa desenvolvida a partir do encontro entre a pesquisadora e o coletivo Slam Dandaras do Norte da cidade de Belém-PA, que é composto por mulheres poetas, pretas, feministas, e moradoras da periferia, que se encontram para poetizar, cantar, declamar, trocar, exercer o desapego de seus pertences (como roupas, sapatos, acessórios) e, sobretudo, para construir posicionamentos políticos e poéticos por meio de seus versos e de seus corpos em movimento.

 

Movimento I: O Sinal Estava Aberto: Tinha Gente De Todo Lugar! É Tudo Nosso!

Olá! Como vai?
Eu vou indo. E você, tudo bem?
Tudo bem! Eu vou indo correndo pegar meu lugar no Sarau da Cooperifa. Vamos!

O diálogo faz referência à canção Sinal Fechado de Paulinho da Viola e remete às primeiras falas entre os autores desse texto-movimento. O ponto de partida era a Linha Verde do metrô. Mas, atenção, ainda teríamos a Linha Amarela do metrô, a Linha Esmeralda da companhia de trem (CPTM) e um ônibus. O sinal não estava fechado para nós que somos jovens... e para o encontro que estava por vir.

Nosso destino, o Bar do Zé Batidão, no Jardim São Luiz. Era dia de Sarau da Cooperifa! Assim nos deslocamos, como diz a canção, cada um em busca de um sonho tranquilo, quem sabe? para o Sarau da Cooperifa - o precursor de um movimento que há 17 anos contribuiu para polinizar a literatura periférica na cidade de São Paulo e na cena literária brasileira, colocando inúmeros moradores e artistas desta e de outras periferias no lugar de poeta-escritores (vários destes com livros publicados e com uma intensa atuação nas escolas públicas por meio da literatura periférica, como professores). Esse movimento também favoreceu o debate sobre as produções literárias periféricas, inclusive do ponto de vista acadêmico por meio de dissertações e teses. Essa busca, esse encontro com o que o Sarau da Cooperifa carrega, tem conexão direta com nossas pesquisas, mas também com nossas relações afetivas e com nossa militância poÉtica.

No percurso, conversávamos sobre nossas questões e achados de pesquisa, encontros e desencontros e estávamos fascinados com aquela expedição, com aquela edição do Sarau que esperava por nós. Ansiávamos estar entre eles, entre elas e entre nós.

Ao chegarmos fomos recebidos com sorrisos escancarados nas palavras e por olhares de gentes de todos os estilos e idades. Ali, todas, todes e todos eram muito bem-vindos. Tinha gente de todo lugar, diferentes profissões e classes sociais: visitantes da Favela da Rocinha (Rio de Janeiro), de Saraus que acontecem em outros bairros de São Paulo, de outras cidades como Recife e Belém e de outros tantos lugares que não seria possível nomeá-los. Muitas gentes. Muitas vidas. São Poetas, rappers, artistas plásticos, artesãos, cantores, pesquisadores e ainda "professores, metalúrgicos, donas de casa, taxistas, vigilantes, bancários, desempregados, aposentados, mecânicos, estudantes, jornalistas, advogados, entre outros", como anuncia o poeta (Vaz, 2018, p. 35). Juntos, moradores de perto e de longe vão compondo e incorporando o coletivo chamado Cooperifa.

Imagens de obras de arte produzidas por um daqueles poetas-artistas ficam expostas na grade que circunda parte do bar. Ao lado do balcão do bar, a parede é ocupada por uma infinidade de livros - uma biblioteca que se apresenta a quem chega ali para fazer o seu pedido. Entre as mesas do salão, onde os participantes do Sarau declamam as poesias, uma árvore preservada no interior do bar conecta aquele espaço entre a terra e o céu noturno. Um de nós comenta: "esta árvore parece ligar com seu corpo os firmamentos e as raízes de vários povos e as suas travessias, para que juntos ganhem novos ares". Outro responde: "fica forte para mim, a imagem de continuidade do piso de concreto, da árvore e da laje. Outro fala: isso não é comum. Primeiro, uma árvore em um bar e, segundo, na cidade de São Paulo que é marcada pelo excesso de concreto e, na periferia, marcada pela escassez de árvores".

Era como se árvore rompesse o concreto, resistisse à força do concreto. Algo próximo do que acontece com as vidas que vão lidando com as capturas nos corpos, com as apostas e com as poéticas que as compõem. Tudo isso nos remete a uma travessia, um movimento de resistência. Árvore-corpo.

 

Figura 1

 

Enquanto éramos tomados pela Árvore-corpo, ela permanecia ali majestosa, soberana, altiva, servindo de suporte estético-político elemental àquela multiplicidade de corpos sentados às mesas e na escada que dá acesso ao piso superior, bem como outros que permaneciam em pé no balcão ou no lado de fora, olhando pela grade e ainda na calçada em frente ao bar, cuja atenção oscilava entre uma apresentação que os convocava para dentro e as conversações que os convidavam para o fora.

O lugar é de alegria, luta, reivindicação e afirmação das várias vidas, corpos e grupos tidos como minoritários. Aos poucos, poetas começam a recitar a vida em sua cotidianidade, os anseios, os amores, as dores. Declamam poemas, textos, letras de música que dizem dos modos de vida singulares, violência, trabalho, política, lidas diárias, rupturas, opressões e, principalmente, apostas e disputas necessárias para afirmar a vida em várias frentes.

Cada atualização, compartilhamento de memórias e poesia dos diversos autores escolhidos ganham espaço e novas capacidades por meio da oralidade e singularidades das vozes que se ocupam das palavras confeccionada por eles e por outros. Tons e entretons nos corpos dão passagens às linhas produzidas por quem recita poesias autorais e de outros autores. As vozes trazem aos textos outros possíveis modos de afetar quem ali estava.

Diferentes territórios existenciais, diferentes ritmos e sotaques vão criando um grito-canto comum naquela espacialidade ética, política e alegre: há quem recite cantando, há quem faça da própria voz canto, utilizando o peito como caixa de ressonância. Há ainda quem produza pegadas entre as mesas, deixam seu rastro e fazem de nossos corpos e do ambiente corpos ressonantes, fazendo-nos vibrar juntos com cada verso. Políticas com as palavras, políticas com o corpo e produção em ato de um coletivo vibrátil.

Sentíamos um misto de familiaridade e estranhamento, pois antes de chegar lá já havíamos nos encontrado com textos, imagens e vídeos sobre aquele encontro que acontece semanalmente há 17 anos. Mas nada como estar lá e sentir no corpo a intensidade daquelas palavras que deslizavam até nós por meio do imperativo de que o silêncio é uma prece. Pudemos sentir e perceber o sentido disso enquanto nossos silêncios eram povoados pela polifonia das poesias e do lugar.

Qualquer um pode declamar, declarar, partilhar o que pensa e o que sente por meio de uma poesia, de um trecho de uma obra, de uma música - autorais ou não -, mas há que se respeitar o silêncio. Por vezes, quem está com a palavra deseja partilhar outras coisas. Agradecer, contar o motivo que o levou até ali naquela noite, de onde veio, o que faz, com quais questões está se encontrando e se confrontando individualmente e/ou por meio do coletivo que integra. Mas estas manifestações são desencorajadas, o que é relembrado vez por outra, considerando o número de inscritos para declamar.

Contudo, em vários momentos alguns ao tomarem o microfone aparecem para além da apresentação de seu nome e/ou do trabalho/função que desempenha na região ou fora dela. Percebemos isso à medida que os responsáveis por conduzirem o Sarau pediam apoio para uma situação enfrentada por determinada pessoa e/ou quando lembravam que as obras daqueles poetas-artistas-artesãos estavam disponíveis para serem conhecidas e adquiridas, evidenciando uma rede de solidariedade.

Mesmo sem espaço para expor outros assuntos, as implicações, as questões e as pautas que compõem e atravessam aquelas vidas se mostravam a cada apresentação: o genocídio da população negra e periférica, os feminismos e as distintas formas de violência contra a mulher, o racismo e os preconceitos contra a população da periferia, o amor, a solidão e as formas de lutas concebidas na periferia contra as injustiças sociais, as questões políticas locais e nacionais, o conhecimento e a arte como caminhos para o enfrentamento destas questões que nos atravessam a todos. Entre os silêncios e as partilhas, uma rede em conexão. Emoção, pulsação, vibração.

Ao final daquelas apresentações que invadiam nossos corpos, algumas com a intensidade de uma performance, gritos e aplausos tomavam a cena, havendo por vezes coros que entoavam e exaltavam o nome de quem provocou tal sensação que reverberava como uma onda de afectos nos vários corpos que se ocupavam daquele encontro.

Após aquele encontro, o mundo não seria mais o mesmo, nossas trajetórias de pesquisas seriam povoadas de outros modos, com outros corpos, com outras territorialidades. Os corpos que cartografavam processos de produção de vida ganhariam uma vitalidade e uma vibratilidade outra. Chegar lá, estar lá, se embriagar de literatura, de militância, de gente, de nós, e brindar o nós ali, teve um sentido magistral, marginal. Assim, fomos produzindo variações em nossa percepção e fomos nos deslocando a outras margens. Variações nas percepções e nas fronteiras.

Andando com eles, seríamos levados a diversas outras produções e ocupações periféricas. Finalmente pudemos entender o que todos gritam naquele Sarau em alto e bom som para quem possa ouvir: É tudo nosso! Esse grito conecta-se com o entendimento de que ser periférico e estar à margem das políticas públicas são dificultadores importantes para construção de algumas formações desejantes, que não raramente as opressões minam em sua nascente. No entanto, com a produção em ato de conhecimento e da ação política coletiva, existe nesse grito a abertura para se criar linhas de fugas, produzir desejos e possibilidades.

Sentimos uma ação afirmativa do espaço, dos afetos, da amizade, e de um modo de existir que não espera mais por uma ação salvacionista ou um reconhecimento externo e tampouco do Estado. Tudo ali pareceu ser construído para afirmar o encontro com os que lá chegavam para aquele acontecimento, que atende pelo nome de Sarau da Cooperifa. Um encontro de Brasis, com a predominância de histórias de vida e de morte nas periferias, de luta pela terra, de denúncias e de apostas em uma vida revolucionariamente poética. Um lugar onde os Brasis se encontram e onde nossa escrita se conectou e desejou produzir relações, ligações, ocupações.

Como dissemos, ali conhecemos Betânia e, a partir do contato com ela, vários encontros foram produzidos e acompanhamos seus movimentos dentro e fora da Casa. Com ela, conhecemos e acompanhamos os grupos, as festas populares e eventos da Casa de Cultura, alguns dos quais realizados desde o período de sua fundação em 1984. Realizamos conversas (entrevistas) com vários de seus integrantes, entre os quais, os profissionais que desenvolvem voluntariamente as oficinas e os grupos e com os participantes que são moradores da região e de outros distritos da zona sul da cidade de São Paulo.

 

Movimento II: Ato-Ocupação: Que Casa É Essa?

Caixas do divino, pandeiros, maracas indígenas em punho. Braços dados numa corrente intransponível. Vozes firmes entoam um cântico de defesa da Casa que é de todos. Pés batem com força naquele solo. O ritmo é marcado pelas Caixas do divino, pelas vozes, pelos pés num compasso definido por aqueles corpos insurgentes que anunciam repetidamente:Lá vai, lá vai, lá vai. Lá vai subindo o morro. Quem bate o joelho enterra, ô lêlê, vamos todos pedir socorro! A luta era por um espaço erguido e vivido por aqueles que o habitam com a pele. Esse espaço é nosso por direito. É nosso por direito! Moramos aqui e aqui temos pessoas que lutam por esse espaço e que estão conosco há muitos anos. Alguns desses meninos conheci com 15, 16 anos. Muito obrigada por todas as pessoas presentes, porque a união faz a força. Estamos aqui para isso. Neste espaço as paredes são grafitadas com as cores e com as questões que não se restringem à periferia. Questões do mundo, questões ancestrais, questões nossas. Um Abraço em forma de ato para aquela Casa. Abraço em ato. Ato ocupação.

Esta cena enseja visibilidades em distintos planos acerca de várias produções. O primeiro plano diz respeito ao ato que resultou na ocupação realizada durante vários dias por viventes que produzem a tal Casa de Cultura com que nos encontramos na região sul de São Paulo; seus integrantes lutam para que ela siga cumprindo seu papel de quilombo, conforme ouvimos de várias pessoas em diferentes situações naquela Casa.

Comecemos pelo ato cujo estopim foi uma situação vivenciada durante um encontro do grupo de danças brasileiras, sobre o qual falaremos brevemente a seguir, e que culminou com a saída do coordenador da Casa. Trazemos aqui a fala de vários integrantes da Casa, de várias idades e inserções, diferentes histórias...

Foi um negócio muito forte. Estávamos sentados e ele chegou gritando para desocuparmos a Casa, porque ela seria dedetizada. Já chegaram jogando o produto. Falei que não iria sair. Mas tivemos que ir para não passarmos mal. A partir disso, fizemos um boletim de ocorrência e não teve mais volta. Fizemos uma vigília, que foi proposta no dia que demos o abraço na Casa. E a partir disso as pessoas ficaram se revezando.

Até de noite? Sim. Foi uma vigília. As pessoas emendavam. Saia um grupo e entrava outro e a partir disso ele não era mais coordenador da Casa. Saiu no diário oficial. Desde que ele entrou tivemos problemas. É o que te falo, é difícil chegar alguém que não tem nada a ver com o que é da cultura, com a educação do povo, com a responsabilidade em relação a quem mora aqui na periferia, para que tenha uma melhor posição como cidadão. Parou de ter atividade nesses dias? Não. As atividades continuaram. (Integrante da Casa de Cultura)

Um ato e uma ocupação produzidos por aqueles que há muito vêm se insurgindo e construindo movimentos que têm o sentido de um trabalho de permanência, como apontado por outro dos integrantes daquele coletivo:

Trabalho de permanência é um trabalho de conscientização, de fortalecimento, de crescimento como pessoa, como cidadão. Só quem vai vivenciado, entende. Já ouvimos que existir um grupo na Casa há trinta anos era formação de gueto. Para "eles", o negócio é propor oficina de três meses, que é conduzida por um professor que vem e que depois vai embora. (Integrante da Casa de Cultura)

Estes distintos movimentos de luta nos permitem pensar num processo de constante produção de estados de presença em relação ao fortalecimento e ao cuidado desta Casa e, por conseguinte, dos grupos que a habitam, com o sentido de produzir debates, problematizações e invenções que vivificam a cultura negra, nordestina, popular e periférica. Cultura que é de todos nós. Fabricam formas de ser e de estar juntos, que têm possibilitado o compartilhamento de um conjunto de questões, de sofrimentos, de dores e também de alegrias. Assim, os integrantes desta Casa de Cultura têm produzido apostas, disputas, enfretamentos e revides que têm como pauta a construção de corpos políticos de múltiplos modos.

Este espaço foi construído de forma coletiva pela comunidade local e por distintos movimentos sociais que há trinta anos ansiavam por um espaço que possibilitasse o cultivo de modos de cuidar, defender e proteger o conjunto de elementos que conformam a vida dos moradores da região, entre os quais a cultura afrodiaspórica, nordestina e os múltiplos saberes da cultura popular. A Casa foi o primeiro espaço cultural da região cuja gestão e manutenção foi conduzida pela comunidade, tendo sido um modelo para outras Casas da cidade e sendo vinculada à secretaria municipal de cultura apenas em 1992.

É frequentada por crianças, jovens, adultos e velhos que participam de diferentes grupos, alguns dos quais realizados desde o período de sua fundação, como destacado anteriormente. Entre os grupos e atividades da Casa citamos: grupo de danças brasileiras; grupo espírito de zumbi que inclui percussão, capoeira, dança afro e a festa do Panelafro; aulas tai-chi, de teatro; café filosófico da periferia; samba da cultura; projeto a voz do vinil; baile da melhor idade; cine campana; movimento pelo direito à moradia (MDM) e grupos de curta duração de dança propostos pela secretaria de cultura. Assim, esta Casa de Cultura é defendida por vários de seus integrantes, moradores e não moradores da região, alguns dos quais participantes do processo de fundação deste espaço, que há mais de trinta anos vêm sofrendo e resistindo às sucessivas e intensivas tentativas de desmantelamento. Ainda há quilombos em pleno século XXI.

Que Casa é essa?
É Casa de estar. É Casa de passar. É Casa de vadiar. É Casa de ficar.
Muitos ainda nela estão.
Outros têm outro tempo... vem, ficam, passam, saem, voltam, vão...
Casa de movimento.
Que Casa é essa?
É uma Casa de aprendizagens... no corpo, para a existência.
É Casa de afetos. É Casa de encontros. É Casa de afecções.
É Casa do diverso.
É Casa de combates incessantes.
Casa de disputas... por vidas singulares, contra múltiplas forças e poderes
É Casa de viver. É Casa de habitar.
É Casa de Tumulto. É Casa de Ocupação. É Casa de Vigília
É Casa de desobediência. Ocupada pela diversidade
Lugar de produção de Permanência...
Permanecer = ocupar, defender... a si mesmo e o outro
Casa de lutar por tantas existências...
Por modos de existir que não se rendem às investidas institucionais
Que Casa é essa?
É Casa de conflitos. É Casa de vaidades. É Casa de preconceitos.
É Casa de desavenças. É Casa de problemas.
É Casa que dá dor de cabeça... que maltrata o corpo.
É Casa de enfrentamentos.
Embates longínquos e constantes... múltiplas violências.
Disputa viva entre o instituído e o instituinte.
Que Casa é essa?
É Casa de dissidentes... que saem para produzir vida em outros lugares.
Produção de invenções para além de um Triângulo de Morte.
É Casa daqueles que estão ao mesmo tempo dentro e fora dela.
Movimentos que tecem afetos, relações, novos saberes, novas apostas de vida.
Movimentos que formam outras redes... diferentes amarrações nesta tessitura periférica.
Um tecer permanente.
Fios que se desgastam, que arrebentam, que se refazem, que se desfazem.
Fios que constituem novas tramas. Fios impalpáveis e invisíveis... Rede consistente.
Rede nômade... Rede viva.
Rede intensa, rede extensa... rede que cuida.
Emaranhado de fios... rede interminável.
Mas que Casa é essa?
É uma casa Popular. É uma casa de Cultura.
É uma Casa, de M'Boi Mirim.

Entramos aqui no segundo plano, que nos permite visibilizar os movimentos de uma integrante do grupo de danças brasileiras da Casa de Cultura no que se refere à ampliação de suas conexões existenciais, ou seja, a ampliação de uma rede de relações e de um modo de construir a sua vida. O fragmento da poesia Essas Mãos, de Cora Coralina (1976), recitado por Betânia no ato em defesa da Casa foi a primeira poesia por ela decorada, após recebê-la em áudio, no período em que perdeu a visão.

Ao encontrar com aquela poesia, no período em que frequentou uma instituição para deficientes visuais na cidade de São Paulo, seu corpo foi habitado por novas visões e por novas audições. O encontro com a poesia e com a literatura, neste momento de sua vida, resultou em um processo de experimentação de outras sensibilidades e de outras formas perceptivas. Foi neste processo que Betânia integrou um grupo do centro de convivência da região por sugestão da profissional que a atendia na instituição para deficientes visuais. E, neste centro de convivência, Betânia conheceu em 1993, a profissional que seria a responsável pela concepção um grupo de convivência para pessoas da terceira idade e que ainda permanece à frente deste grupo na referida Casa de Cultura da região.

Do centro de convivência, a profissional em questão e Betânia, foram juntas para tal Casa, em 1996, período em que foi gestado o referido grupo de convivência, posteriormente nomeado de Flor de Lis, que tem as danças brasileiras como um de seus focos. O interesse por compor este grupo resultou de um processo de compartilhamento pelas participantes do grupo de suas experiências e histórias, que remetiam a seus locais de nascimento e às suas vivências na infância e na adolescência e que eram partilhadas de modo afetuoso com as outras participantes. Assim, as danças brasileiras foram incorporadas pelo grupo em 2003 (período da entrada do primeiro professor) e desde 2009 o grupo é conduzido por uma professora, moradora da região, que possui formação danças brasileiras.

Betânia vem construindo sua vida misturada à vida do grupo. Falar sobre o grupo Flor de Lis é falar sobre ela e vice-versa. Entender este processo nos ajuda a perceber como Betânia foi se produzindo na condição de integrante deste grupo, da referida Casa de Cultura e do Sarau da Cooperifa (sobre o qual falamos no Movimento I) e também se constituindo como uma referência nestes espaços, por meio dos quais ela tem enriquecido sua rede de conexões de encontros, de afetos, de cuidado consigo e com o outro, pois, sem dúvida, ela cuida de todos os que dela se aproximam.

A Casa e o Sarau ocupam lugares singulares nesta existência, pois são pontos de contato que vêm abrindo possibilidades para a invenção de um outro modo de se produzir na vida. A Casa e o Sarau são pontes que têm possibilitado que Betânia chegue em diferentes espaços da cidade de São Paulo e de fora desta e que constitua novos encontros e novas relações.

Betânia:
Olha para estas mãos
de mulher roceira,
esforçadas mãos cavouqueiras

Pesadas, de falanges curtas,
sem trato e sem carinho.
Ossudas e grosseira

Mãos tenazes e obtusas,
feridas na remoção de pedras e tropeços,
quebrando as arestas da vida

(Essas Mãos - Cora Coralina)

Ela segue produzindo outros movimentos e percorrendo outros caminhos, na companhia de muitos poetas, como Solano Trindade, Castro Alves e Sérgio Vaz, entre outros escritores e amigos da chamada literatura periférica. Nesta trilha, partilha suas histórias, declamando as poesias que tocam em temas caros para sua vida, para a vida da população periférica e para a vida de todos nós, alguns dos quais compilados na forma de um CD, que já está na terceira edição.

É uma partilha construída de muitos modos, entre os quais, encontros produzidos por amigos, professores, poetas e agitadores culturais que atuam na rede pública e/ou em diferentes espaços culturais, o que possibilita seu encontro com os inúmeros admiradores e amigos que vêm acumulando. Tal como pudemos acompanhar num encontro em que dividiu o palco com outras duas mulheres negras: "cada momento é um momento único. Não repete igual. Crio uma expectativa imensa e fico feliz quando termina e as pessoas vêm me cumprimentar. É um carinho muito grande. Uma alegria imensa .

Mulher negra, mulher guerreira, mulher amiga da poesia, mulher que dança com um largo sorriso no rosto as cirandas e as cantigas de nossa vasta cultura popular. Mulher que reafirma incansavelmente: "esta Casa é nosso quilombo cultural. Já passamos e ainda continuamos passando por ventos e tempestades. Mas não desistimos". Como ela, outras mulheres que integram o coletivo da Casa também lutam e dançam com suas saias estampadas e acompanhadas pela força, pela alegria e pela implicação da coordenadora e da professora do referido grupo, que carrega nome de flor. Mulheres flores. Mulheres fortes. Mulheres que se ocupam de cuidar daquela Casa, que pelo modelo de gestão partilhada se tornou uma referência para outros espaços da cidade no período de sua fundação e que nos dá exemplos sobre possibilidades de produzir coletivamente cuidado, proteção e defesa de povos, de valores e de vidas.

 

Movimento III: Dandaras Do Norte: A Produção De Corpos Políticos Poéticos Em Rede

Aqui trazemos à cena o coletivo Slam Dandaras do Norte da cidade de Belém-PA. Esse coletivo é composto por um grupo de mulheres poetas, pretas, feministas, e moradoras da periferia, que se encontram para poetizar, cantar, declamar, trocar, exercer o desapego de seus pertences que não lhe cabem mais, como roupas, sapatos, acessórios. Também para se posicionar politicamente por meio de seus versos e de seus corpos em movimento. Esse fragmento de campo e de modo de pensar e pesquisar não comporta explicações e descrições do vivido e se faz no movimento e em movimento, fugindo das descrições e prescrições. Isso é pouco! Criar verbos me apraz! Então, dandare-se!

Esse ato/movimento fala de um processo de experimentação vivenciado em um espaço de oficina de Slam no 13° Congresso Internacional da Rede Unida, realizado na cidade de Manaus-AM, nos dias 30 de maio a 02 de junho de 2018. Assim, expressa o que se produziu, colheu e acolheu da proposição intitulada: Oficina de Slam Dandaras do Norte: como se produzir como corpo político poético? que compõe uma das problematizações de tese de doutorado de uma das integrantes desse microcoletivo de escrita.

Assim, traz um pouco do percurso cartográfico da pesquisadora e poeta e das poetas Dandaras, saindo da cidade de Belém para a cidade de Manaus e o desejo de alargar e conectar à rede de poetas da região Norte, aproximar as manas dessa região, que ficam tão perto e tão longe. A oficina se constitui como uma verdadeira máquina de guerra afetiva e efetiva do ponto de vista de produzir movimento de escrita, expressão e explosão de si. Conduzida por uma rapper feminista do coletivo das Dandaras e pela pesquisadora, e pensada por tantas manas Slams, produzir interferências de toda ordem, no congresso, nas participantes e nas proponentes, que puderam compartilhar um pouco do que se fabrica em Belém do Pará.

Ser mulher negra. É estar pronta pra treta. Ter que chorar o genocídio. Sem provocar alarde.

Enquanto no terreiro o que nos ergue é a força do atabaque
É abrir a minha boca. E lutar contra o não dito. O silêncio que dizem ser histórico
Enquanto as pretas sempre estiveram lado a lado nos conflitos
Nossa responsabilidade carrega. Subjetividade, nossa força vem das outras!
Das que antes. Senhores ou preferiram a morte do que ser escravizada
Ser mulher preta é desafiar. Já saber que seu atrevimento não é coisa aceita
que bom que a gente se reconheça olho no olho dente por dente
O machismo não vai mais roubar a vida da gente!
Nossas raízes são fortes e crescentes.

Andreia Simplião (Poeta, participante da Oficina no 13° Congresso Internacional da Rede Unida)

Nesse movimento não se pretendeu contar histórias ou descrever acontecimentos, e sim conectar os pontos dos contos. Assim, na oficina da Rede, muito contos foram contados por aquelas que ali se encontraram para participar daquela experimentação e compartilhamento de histórias de vidas e de movimentos de ocupação, de invenção, e de reinvenção da vida. Após as falas disparadoras e o convite à batalha de poesia, os poemas foram surpreendentes, sobretudo para quem a princípio acreditava que não conseguiria falar por meio da poesia. O que dizer quando se tem a possibilidade de estar no exato momento de criação de sujeitos poéticos? Interpretar, jamais, pois experimentar nos apraz!

O exercício da cartografia por dentro dos saraus, Slam s, batalhas, das redes, têm sido um exercício de si, de nós, um encontro constante de descoberta de si, ora como poeta, ora como cartógrafa, ora como fotógrafa, e no caso desse manuscrito, exercitando o ato de compartilhar nossas experiências de campo e das nossas andanças.

O é tudo nosso, não é só palavra de ordem, é enfrentamento afetivo e produtivo, é ocupação, é invasão, no sentido de dar vazão aos sufocamentos do cotidiano, é tomar o que lhe é de direito, doce ou atroz, manso ou feroz, como um o caçador de mim, como nos ensinou Milton Nascimento.

Das poucas certezas que temos, é que cartografias têm muito a ver com cartas e com as grafias. Esse movimento tem contagiado fortemente os pesquisadores-cartógrafos e os cartógrafos pesquisadores da região Norte, particularmente da cidade de Belém do Pará, que tem produzido encontros e grafias com o coletivo de mulheres poetas da periferia da cidade, do movimento hip-hop, que produzem encontros para poetizar e pautar as lutas das mulheres pretas e invisibilizadas. São encontros que produzem encontros, pois a cada edição da batalha de poesia, outras manas são incorporadas e encorajadas a escrever e declamar seus escritos e histórias de vidas nas praças e locais públicos e que guardam alguma ligação com o grito de guerra, que é: guerreiras, rainhas, mulheres de resistência, Dandaras do Norte só Slam de consciência. Nesse sentido, elegeram um símbolo quilombola para dar nome ao coletivo que se chama Slam Dandaras do Norte, numa alusão a Dandara, que na história oficial foi a esposa de Zumbi dos Palmares. Assim, o coletivo busca na força de Dandara, no legado de Zumbi, potencializar suas existências por meio da poesia, no formato de Slam, que é uma batalha!

Assim, esses encontros, assim como essa escrita, tiveram muitas dobras que lembram tanto a fita de Moebius, já que à medida que íamos nos movimentando, íamos produzindo conexão e mais conexão, sem que distinguíssemos onde havia começado e se tinha fim.

Não, não tem fim. É permanente! Ele nos lançou também, e intensamente, nos movimentos produzidos pelos corpos insurgentes da Casa de Cultura que, ao cantarem e empunharem seus instrumentos, lutavam por questões que carregam na pele, bem como lançou-nos aos movimentos realizados pelos distintos poetas, artistas e outras gentes que semanalmente partilham no Sarau da Cooperifa dores, alegrias, provocações e invenções. Questões e lutas que não são deles. Não, elas são nossas, são de todos, todas e todes. E estes movimentos, com os quais temos nos encontrado e que ora partilhamos, dizem de modos de se ocupar daquilo que interessa para que prossigam produzindo acolhimento, cuidado e vida poética.

 

Considerações Finais

Encontros abrem possibilidades de encontros com os distintos movimentos dessa imensa rede sobre a qual produzimos visibilidades. É uma rede de afetos, de apoio, de encontros, de produções-produtos, de aprendizagens, de disputas, de explicitação e de defesa de questões comuns. Rede infinita. Rede de ocupar a vida. Habitar essa rede tal como fizemos requereu falar com eles e não por eles. Para nós não há sentido em falar em nome do Sarau da Cooperifa, da Casa de Cultura, de Betânia e de tantas outras vidas que têm produzido enfrentamentos e invenções na periferia de São Paulo e tampouco do coletivo Dandaras do Norte, que se encontra para poetizar, cantar, declamar, vender e trocar roupas, protestar, dentre outras ações e movimentos. Corpos em composição. Corpos-multidão.

O que nos interessa e nos mobiliza é construir movimentos com eles. Criar verbos nos apraz! Então, dandaremos-nos! Também não conseguiriamos falar da Cooperifa, sem os versos de Betânia, sem nos conectar com Cora Coralina ou Patativa do Assaré, com Sérgio Vaz, com tantos outros poetas-artistas-inventores de mundos na periferia e com o desejo de caminhar e produzir conjuntamente encontros, de somar e de nos misturarmos a tantas vidas em sua singularidade.

Múltiplos corpos, múltiplas vozes, múltiplas invenções, porém, com questões comuns. Questões com as quais também estamos implicados. E como não estar implicados, se tais questões também são nossas, independentemente de onde, com quem e como as habitamos? Questões que se inscrevem em nossos corpos como escritas que se reinventam intensamente e com as quais seguimos lutando. Seguimos cooperifando, seguimos dandarando, seguimos betaniando, seguimos culturando como o fazem na Casa, na Cooperifa e nos territórios pelos quais andamos e que são de todos!

Nossas andanças reafirmam o sentido de produzirmos no campo da saúde e no processo de produção de políticas públicas outros modos de olhar e de construir a relação com o outro, sobretudo considerando que as pessoas fabricam e cultivam diferentes modos de existir independentemente de supostas regras, imposições e atravessamentos desenvolvidos pelo modelo dominante de gestar a vida. Isso nos faz pensar nas intensas e rizomáticas redes de produção de modos de se ocupar de si e do outro com as quais nos encontramos em nossas pesquisas. Há vida para além da doença e das normas. E ela não é produzida no horário comercial (em que parte da institucionalidade da saúde se organiza), nem respeita a divisão oficial de territórios das cidades. São múltiplas conexões. Há infinitos modos de compor a vida e de estar com o outro, que precisam ser visibilizados e considerados, pois eles são incessantemente inventados e reinventados pelos viventes nos locais em que habitam.

E o verbo, se fez carne? E o verbo se fez fluxo! E se fez mais e mais verbos... desdobramentos de modos de ocupar-resistir:

Habitar + Cartografar + Interferir+ Mover + Permanecer + Experimentar + Cultivar + Libertar + Compor + Produzir + Cuidar + Invadir + Arrastar + Avizinhar + Combater + Insurgir + Escapar + Positivar+ Declamar + Dançar + Acolher + Vibrar + Friccionar + Amar + Ativar + Mudar + Compartilhar + Viver + Corporificar

 

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Vaz. S. (2018). Literatura, pão epoesia. São Paulo: Global editora.         [ Links ]

 

 

1 A incorporação do termo PoÉticas nesta escrita se deve às experiências que temos construído como pesquisadores no que se refere ao encontro com as intensidades sensíveis dos diferentes viventes que se expressam em uma outra estética de produção dos encontros e das existências. Ressaltamos ainda que a utilização do termo mantém relação com a pesquisa de doutorado que está sendo desenvolvida por uma das autoras deste artigo.
2 Temos como referência as proposições de Deleuze que abordou o tema em diferentes obras, particularmente em Lógica do Sentido, na qual discute esta noção a partir da filosofia dos estóicos e da obra de Lewis Carroll. Neste plano de análise apontamos algumas pistas do pensamento de Deleuze sobre Acontecimento. Na Terceira Série: Da proposição, considera: "É neste sentido que é um 'acontecimento': com a condição de não confundir o acontecimento com sua efetuação espaço-temporal em um estado de coisas. Não perguntaremos, pois, qual o sentido de um acontecimento: o acontecimento é o próprio sentido" (2015, p. 23). Já na Vigésima Primeira Série: Do Acontecimento, propõe: "Em todo acontecimento existe o momento presente da efetuação, aquele em que o acontecimento se encarna em um estado de coisas, um indivíduo, uma pessoa, aquele que designamos dizendo: eis aí, o momento chegou; e o futuro e o passado do acontecimento não se julgam senão em função deste momento presente definitivo, do ponto de vista daquele que o encarna. Mas há, de outro lado, o futuro e o passado do acontecimento tomado em si mesmo, que esquiva todo presente, porque ele é livre das limitações de um estado de coisas, sendo impessoal e pré-individual, neutro, nem geral nem particular, eventum tantum...; ou melhor, que não há outro presente além daquele do instante móvel que o representa, sempre desdobrado em passado-futuro, formando o que é preciso chamar a contra-efetuação. Em um caso, é minha vida que parece fraca, que escapa em um ponto tornado presente em uma relação assinalável comigo. No outro caso, eu que é que sou muito fraco para a vida, é a vida muito grande para mim, jogando por toda a parte suas singularidades, sem relação comigo e sem um momento determinável como presente, salvo com o instante impessoal que se desdobra em ainda-futuro e já-passado" (2015:154). Assim: 'o acontecimento não é o que acontece (acidente), ele é no que acontece o puro expresso que nos dá sinal e nos espera" (2015, p. 152).
3 Os termos "perceptos" e "afectos" integram o pensamento filosófico construído por Deleuze e Guattari à luz das proposições desenvolvidas, no século XVII, por Bento de Espinosa. Assim, afecto refere-se ao aumento ou diminuição de minha potência de existir" e percepto remete a "um certo estado ou a uma certa aptidão de perceber mais ou menos coisas" (Cours Vincennes: Kant, le temps, Nietzsche, Spinosa 13.12.1983). Utilizamos o termo "afecto" para tratar da discussão acima referida que não mantém relação com a compreensão de "afeto" na condição de sentimento ou de emoção. A esse respeito Suely Rolnik, no livro a Hora da Micropolítica (Rolnik, 2016, p. 10), ao discutir a subjetividade denominada de "fora do sujeito" ou "extra-pessoal" relacionada às experiências das forças que agitam o mundo enquanto corpo vivo e que produzem efeitos em nosso corpo na sua condição de vivente, destaca que "afecto" é: "diferente de afeto ou sentimento, que são emoções psicológicas, pois aqui trata-se de uma emoção vital que tem a ver com afectar, no sentido de tocar, contaminar, perturbar".

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