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Revista Psicologia Política

versión On-line ISSN 2175-1390

Rev. psicol. polít. vol.19 no.46 São Paulo sept./dic. 2019

 

EDITORIAL

 

Ódio, violência e colonialidade: questões para a psicologia política

 

Hate, violence, and coloniality: issues for political psychology

 

Odio, violencia y colonialidad: cuestiones de psicología política

 

La haine, la violence et la colonialité: enjeux de la psychologie politique

 

 

Adolfo Pizzinato; Aline Reis Calvo Hernández; Conceição Seixas; Frederico Viana Machado

 

 

Chegamos ao último número de 2019, que também encerra a gestão desta equipe editorial, iniciada em 2016. Ao longo destes anos trabalhamos para qualificar a Revista Psicologia Política, pautando-nos pela busca pela excelência acadêmica e pelo compromisso ético e político na condução dos processos editoriais. Cabe, portanto, neste encerramento de ciclo, avaliar a gestão e prestar contas à nossa comunidade de leitores, autores, pareceristas e sócios da Associação Brasileira de Psicologia Política (ABPP) sobre o trabalho desenvolvido pelo grupo de editores e editoras.

Inicialmente, cabe reiterar nosso agradecimento aos presidentes da ABPP deste período, os colegas Jáder Ferreira Leite e Frederico Alves Costa (este último também membro de nossa equipe até a assunção do cargo). Sem este compromisso com a manutenção da qualidade do processo editorial, financiamento de indexadores e editoração, a Revista de Psicologia Política estaria descontinuada e, certamente, pior avaliada pelas agências de fomento à pesquisa. Avaliação aliás que, apesar dos contratempos que enfrentamos com os números atrasados, a Revista conseguiu manter no sistema QUALIS da CAPES.

O atraso da publicação dos números - ora sanada - era um compromisso dessa gestão editorial para poder entregar à nova equipe condições (e desafio) de apresentar-se a novos indexadores e, assim, incrementar a acessibilidade e a divulgação da RPP em outros círculos acadêmicos, brasileiros e internacionais. Além da manutenção dos indexadores, a RPP também investiu em divulgação em outras plataformas, como Facebook e Academia. O perfil da RPP no Facebook (https://www.facebook.com/RevistaPsicologiaPolitica/) conta atualmente com mais de 3.500 seguidores e o acesso no Academia também tem crescido (https:// usp-br.academia.edu/RevistaPsicologiaPolítica). Estas estratégias de divulgação têm incrementado a visualização da revista junto ao PEPSIC, seu principal indexador nacional, dentro do sistema Scielo.

Nesse período, a RPP também investiu em articular os diversos grupos e autores/as interessados/ as em debater temas dentro do escopo da revista, lançando nove números temáticos e deixando mais dois preparados para a próxima gestão (Saúde, gênero e cultura, no nº 47 e Interseccionalidades para o nº 48). Estamos trabalhando, também, em um número especial sobre Estado, Políticas Públicas e Desastres, que será publicado ainda em 2019. Ao assumirmos a revista, um dos grandes problemas enfrentados era o baixo número de submissões ativas no sistema, que deixava o fluxo lento e pouco diversificado do ponto de vista regional e institucional. Atualmente, além dos artigos publicados em 2019, deixamos a revista com 30 artigos aprovados para serem publicados no próximo ano e mais de 70 submissões ativas no sistema.

Deste modo, podemos afirmar que a aposta pelos números temáticos não prejudicou o fluxo de recebimento e editoração das submissões no sistema de fluxo contínuo da RPP e ainda colaborou para o fortalecimento de redes de pesquisadores da área e à presença de autores e autoras de alta representa-tividade e impacto nos números da revista. Essa oferta de números temáticos só foi viável por termos conseguido agilizar a comunicação com os/as autores/as e pareceristas, mantendo em dia os processos editoriais, tanto do fluxo contínuo como das chamadas de artigos, retomando a confiança na revista pela sua comunidade. Neste sentido, reiteramos nossos agradecimentos a todo coletivo de autores e autoras que confiaram na RPP como vetor de divulgação de suas pesquisas e reflexões acadêmicas. É por eles e elas que a revista existe (e resiste) em um panorama de crescente mercantilização dos processos de profissionalização editorial.

Nosso compromisso é o de tentar manter, na medida do possível, um acesso livre à publicação, sendo um suporte qualificado para a consolidação da Psicologia Política em um panorama crítico de precarização da pesquisa pelo estrangulamento de seus financiamentos diretos e pelo ataque às instituições universitárias públicas, responsáveis pela maior parte da produção do conhecimento e da ciência no Brasil. A tentativa de desmonte do sistema universitário público federal - alcançado na mesma proporção em muitas redes estaduais - é particularmente sentido pelos pesquisadores e pesquisadoras das áreas de Ciências Humanas e Sociais, não apenas pela dureza dos cortes orçamentários nessas áreas, mas também pelos ataques de caráter ideológico de matizes fascistas que os líderes do atual regime perpetram ao pensamento crítico como um todo. Nesse panorama, mais do que nunca, uma publicação nos moldes da nossa se faz importante como tela de projeção do rico panorama de produção dessas áreas.

Nossos agradecimentos se intensificam quando pensamos no corpo de pareceristas de nossa Revista. Sem elas e eles, nem a qualidade e nem a quantidade de artigos publicados teria sido essa. Nestes quatro anos de gestão publicamos 125 artigos originais, 3 artigos traduzidos, 7 resenhas, 4 entrevistas e duas homenagens. Esse abnegado, anônimo e silencioso trabalho é um dos maiores expoentes do espírito de cooperação a apoio acadêmico, do qual a RPP se orgulha de participar, com um coletivo de pesquisadores e pesquisadoras de alta qualidade e generosidade. A todas elas e eles, nosso sincero agradecimento.

Por fim, neste último número de nossa gestão editorial, apresentamos 15 artigos originais, um artigo traduzido, um ensaio fotográfico, uma entrevista e uma resenha. Estas últimas modalidades de apresentação seguem sendo muito valorizadas por nossa política editorial, atentando para que seu número e qualidade não comprometam os parâmetros editoriais convencionados por nossos indexadores. Entre os autores e autoras deste número, estão representadas 20 instituições de 12 Estados brasileiros, e dois autores estão vinculados à instituições estrangeiras, do Uruguai e da Espanha. Além disso, abrimos este número com uma homenagem à professora e pesquisadora Tânia Galli Fonseca, por ocasião de seu falecimento, considerando o papel de sua trajetória na consolidação da pesquisa social na Psicologia e, na formação de um grande número de pesquisadoras e pesquisadores.

Apresentamos textos que expressam a atualidade dos temas pesquisados no campo da Psicologia Política Brasileira: polarização política; novas dinâmicas políticas com o uso político das redes sociais e temas tradicionais, como a colonialidade persistente que assola o sul global e ganha ares de urgência. Tem crescido o número de pesquisas e publicações que, aliadas às ações dos movimentos sociais ligados a temáticas diversas - raciais, de gênero, ambientais, indígenas, territoriais etc., vem tensionando os modos de produção de saber, e também de ser, compromissados com paradigmas eurocentrados que se estruturam a partir de uma perspectiva hegemônica e colonialista. Estas pesquisas e publicações reivindicam a produção de textos que, baseadas em outras vertentes epistemológicas, deem conta de produzir outras histórias, outras possibilidades subjetivas que insurgem a partir de uma reflexão das consequências dos processos de colonização no mais amplo sentido - da academia, dos corpos, do uso do tempo humano existencial etc.

No campo da Psicologia, a publicação de Pele negra, máscaras brancas, em 1952, pelo psiquiatra e militante político martinicano Frantz Fanon, representa um dos grandes marcos na tentativa de interpretar as desigualdades raciais, que estão situadas nas bases dos processos coloniais, a partir de uma "interpretação psicanalítica do problema negro" (Fanon, 2008, p. 27). Em interseção com diversas áreas do conhecimento, a Psicologia Política, que tem como objetivo produzir conhecimentos situados epistemológica e politicamente nas realidades das quais faz parte, tem como compromisso se debruçar sobre as problemáticas que nos alcançam. E, quando pensamos e produzimos uma Psicologia Política Brasileira, a realidade do nosso país é cara a este campo de estudo. Com base nisso, este número reúne diversos textos, a partir da temática Ódio, violência e colonialidade, que interrogam e propõem para a Psicologia Política.

O primeiro artigo, intitulado "Construção de testemunhos de violência de Estado: exercício político da formação em Psicologia", foi escrito por Karine Shamash Szuchman, Gislei Domingas Romanzini Lazzarotto e Analice de Lima Palombini da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. O artigo discute as possibilidades de construção de testemunhos de violência de Estado como uma ferramenta clínico-política no âmbito das práticas da formação em Psicologia.

O segundo artigo também aborda a memória e os testemunhos. Escrito por Karen Sibila Strobel Moreira Weimer, Denize Cristina Oliveira e Luís Flávio Chaves Anunciação da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, tem como título "A Comissão Nacional da Verdade e a construção de memórias sociais" e analisa os aspectos psicossociais e psicopolíticos da memória em relação à ditadura, por meio da percepção e sentimentos gerados em torno da Comissão Nacional da Verdade.

A terceira produção desse número "Fascismo de gênero: controle, opressão e exclusão de mulheres " é assinada por Roger Ceccon, da Universidade Federal de Santa Catarina e Stela Nazareth Meneghel da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Esse ensaio discorre sobre o conceito de fascismo social e busca aplicação aos estudos de gênero, principalmente na análise das violências, iniquidades, feminização da aids e violações de direitos sociais de mulheres que vivem em cenários de capitalismo racista e patriarcal, em sociedades que utilizam a exploração, a exclusão, o abandono e a morte como mecanismos de controle.

O quarto artigo, "Encarceramento feminino: reflexões acerca do abandono afetivo e fatores associados" de Jessika Borges Lima Santos e Márcio Santana da Silva da UNIFAC, Associação de Ensino de Botucatu, aborda histórica e criticamente o encarceramento feminino, bem como, o abandono afetivo experienciado pelas mulheres encarceradas com base em revisão de literatura, tendo sido investigado a partir das características da mulher criminosa desenvolvida pela criminologia positivista no final do século XIX, até o acervo literário mais atual sobre a temática do encarceramento feminino. O texto analisa como o rompimento do ideal de mulher estabelecido historicamente despontou como um dos principais fatores em análise, juntamente com as relações de poder de base patriarcal instituídas sobre essas mulheres.

O quinto artigo, "Criminalização, extermínio e encarceramento: expressões necropolíticas no Ceará", de autoria de João Paulo Pereira Barros, Larissa Ferreira Nunes, Ingrid Sampaio de Sousa, Clara Oliveira Barreto Cavalcante, da Universidade Federal do Ceará discute as expressões da necropolítica no Brasil e suas implicações no cotidiano de juventudes periféricas no Ceará, a partir de uma pesquisa sobre juventude, violência urbana e processos de subjetivação.

"Menores Infratores? Educação, Psicologia Política e Discursividades na Mídia", de Sheyla Werner, Cláudia Rodrigues de Freitas e Ricardo Burg Ceccim, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, analisa os enunciados noticiosos sobre jovens cumprindo medida socioeducativa, tendo em vista sua influência na "educação da cultura" e "formação educacional". O sexto artigo desse número traz um dado alarmante: a elevação de ocorrências e crescimento da narratividade política de exclusão e rechaço coincidente com os abalos no mundo político nacional, isto é, um pico envolvendo as "Jornadas de 2013", queda, nova elevação no período do "impeachment" presidencial e ascensão no período de implantação de um projeto de governo não eleito.

O sétimo artigo, "Homicídios juvenis em Fortaleza sob a perspectiva de profissionais da Estratégia de Saúde da Família", de Luís Fernando de Souza Benicio, João Paulo Pereira Barros e Dagualberto Barboza da Silva da Universidade Federal do Ceará apresenta dados alarmantes, dos últimos anos, sobre o cenário histórico de violência letal contra segmentos juvenis no Brasil e da intensificação desta problemática na região Nordeste. O artigo busca analisar as percepções de profissionais da Estratégia Saúde da Família (ESF) que atuam em uma das regiões periferizadas de Fortaleza, acerca dos homicídios juvenis em seus cotidianos de atuação. O lócus da investigação se justifica pelo fato de que Fortaleza se destaca como a capital brasileira com maior Índice de Homicídios na Adolescência (IHA).

O oitavo artigo, "O uso político do discurso do ódio: um estudo de caso no Facebook (2016)", de Joelma Galvão de Lemos e Daniel Menezes Coelho da Universidade Federal de Sergipe, discute o período de instauração do processo de investigação das "pedaladas fiscais" realizadas pela presidente Dilma Rousseff nas redes sociais on-line, dentre elas o Facebook, e como foram usadas pelos seus navegadores para expressar seus posicionamentos a favor e contra o pedido de investigação, evidenciando um contexto de tensão e disputa de narrativas, bem como, para divulgar as mobilizações e atos públicos de apoio e oposição a esse processo.

O nono artigo "Uma reflexão sobre o atual fundamentalismo religioso a partir de Freud", de Thiago Araújo Oliveira, da Pontifícia Universidade Católica de Minas, se apóia teoricamente na Psicanálise, principalmente nos estudos de Freud e tem como objetivo refletir sobre as atuais manifestações do fundamentalismo religioso que se faz expressivo no Brasil. O texto compreende que a intransigência, a intolerância e a violência, que se fazem presentes no comportamento de alguns grupos fundamentalistas, constituem formas de expressão e de atuação da pulsão de morte na religião.

No décimo artigo "Juventude indígena e suicídio: diálogos transdisciplinares, campos de possibilidades e superação de vulnerabilidades", os/as autores/as Debora Linhares da Silva, da Universidade Federal do Pará, Álvaro Pinto Palha Júnior (psicólogo do DSEI/Bahia), Maria Zelfa Souza Feitosa (Faculdade Pitágoras/Fortaleza) discutem, a partir de experiências de atuação em três políticas públicas (educação, saúde e assistência social) questões relacionadas às práticas da Psicologia voltadas à juventude indígena. Com base no cenário atual do país, em que se destacam altos índices de suicídio e uso abusivo de álcool e outras drogas pela população indígena, o estudo aposta na possibilidade de transformação dessa realidade a partir do protagonismo dos/das jovens. Instigados/as com o questionamento de como oferecer um serviço que dialogue com a realidade dessas comunidades, os/as autores/as apostam na necessidade de respeito às especificidades culturais dessas populações; defesa para garantia de seus direitos sociais por meio do fortalecimento das iniciativas coletivas em cada comunidade e estratégias de atuação que sejam potencializadoras de autonomia e libertação.

O artigo de número onze, "Políticas de atendimento a migrantes e refugiados no Brasil e aproximações da Psicologia", de Suzana Almeida Araújo e Marco Aurélio Máximo Prado, da Universidade Federal de Minas Gerais, se debruça sobre o contexto atual de intensificação dos deslocamentos de pessoas que deixam seus locais de origem em virtude de ameaças à vida em busca de acolhida em outros países, e, especialmente, sobre o contexto brasileiro que conta com políticas públicas de acolhimento e integração previstas em leis e acordos internacionais. Situados no campo da Psicologia, a autora e o autor propõem compreender as condições de saúde de imigrantes e refugiados e as modalidades de intervenção que têm sido desenhadas, evidenciando, as dimensões sociopolíticas que envolvem o trabalho humanitário.

O artigo doze "Intervenção psicossocial com ofensoras/es sexuais intrafamiliares: reflexões e componentes de avaliação de processo", Amanda Pinheiro Said, da Universidade de Brasília, discute as intervenções com foco em ofensoras/es sexuais de crianças e adolescentes no Brasil. A pesquisa se embasa em entrevistas realizadas com profissionais de equipe de saúde pública que oferecem tal intervenção. O estudo e sua divulgação se mostram relevantes, considerando a carência de pesquisas com avaliação de processo em intervenções com pessoas que cometem ofensas sexuais.

O décimo terceiro artigo "Colonialidade, invisibilização e potencialidades: experiências de indígenas no Ensino Superior," de autoria de Iclicia Viana, Marcelo Felipe Bruniere e Katia Maheirie, da Universidade Federal de Santa Catarina e Felipe Tonial, do Centro Universitário Estácio/SC, problematiza experiências de indígenas no contexto universitário. Os resultados apontam que os estudantes indígenas enfrentam uma formação colonizada e colonizadora no Ensino Superior, mas em contrapartida, constroem processos de resistência ao descortinar novos caminhos e alternativas à colonialidade cotidiana.

O décimo quarto artigo "^Colonización de subjetividades en el sub-desarrollo?" de José Eduardo Viera (Universidad de la República del Uruguay) trata das singularidades contraditórias e complexas que advém de um conjunto de enfoques e ações à Modernidade, na invenção do 'sujeito-cidadão'. Essa construção simbólica de sujeito produz subjetividades que institucionalizam práticas sociais, políticas e culturais. São tensionadas a ideia de desenvolvimento e suas implicações para uma 'independência-depen-dente' e as produções de subjetividades colonizadas, por meio de conceitos da Psicologia da Libertação de Martín-Baró, tais como a naturalização e a ideologização.

No artigo de número quinze, "Del marxismo occidental al posmarxismo a través de la noción de sobredeterminación", María Cecilia Ipar, da Universidade de São Paulo, analisa a influência da psicanálise na teoria social contemporânea que vai do marxismo ao pós-marxismo centrando-se na categoria de sobredeterminação. A autora realiza tal análise a partir dos trabalhos de Louis Althusser vinculados ao problema da ideologia, do pensamento freudiano e da perspectiva política pós-marxista de Ernesto Laclau e Chantal Mouffe.

O artigo dezesseis "A subjetividade sob dominação: um diálogo entre "The Intimate Enemy" de Nandy e "Nervous Conditions" de Dangarembga", Lucia Rabello de Castro, da Universidade Federal do Rio de Janeiro traduz, com a permissão de Taylor & Francis pela própria autora, o original "The self under domination: a dialogue between Nandy S 'The Intimate Enemy' and Dangarembga 'Nervous Conditions' (Castro, 2018). Com base na obra de Ashis Nandy, The Intimate Enemy (1983), e do romance de Tsitsi Dangarembga, Nervous Conditions (1988), o artigo analisa duas diferentes tentativas de compreender os efeitos da dominação sobre a subjetividade e, ainda, os caminhos tortuosos pelos quais se busca a emancipação. Apoiada na Psicologia, a autora argumenta que a emancipação política de indivíduos e grupos oprimidos depende de como se lida com a abominável realidade da opressão, exigindo, para isso, tanto um trabalho externo como, principalmente, interno. Isto é, a emancipação política consiste tanto em ações coletivas que visem à liberdade quanto a reconstrução interna de um sefvilificado e rebaixado.

O ensaio "O sopro das coisas", de Fernando Carreira, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, é fruto da mistura entre o trabalho de campo realizado pelo autor com os Guarani Mbyá no Rio Grande do Sul e sua leitura da filosofia de Emanuelle Coccia. Trata-se de um ensaio poético e fotográfico definido pelo autor como um "exercício de respiração, de se deixar atravessar por estes outros".

Esse número ainda apresenta a entrevista com Vanessa Andrade de Barros, realizada pelos colegas Frederico Alves Costa, da Universidade Federal de Alagoas e Frederico Viana Machado, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul que, ao conversarem sobre sua história de vida, elencam elementos teóricos sobre a Psicologia do Trabalho em sua interface com a Psicologia Política, sobre sua concepção de Psicologia Política, bem como, sobre contribuições destes campos de trabalho à compreensão do contexto político atual, marcado pelo conservadorismo e pelo autoritarismo.

Fechamos este número com a resenha, "La logística del negocio de las drogas: Narconomics - How to Run a Drug Cartel", escrita por Nubia Nieto, que discorre sobre o livro de Tom Wainwright, intitulado Narconomics: How to Run a Drug Cartel (Wainwright, 2016). A proposta do texto é caracterizar o narcotráfico como um negócio que deve ser analisado do ponto de vista econômico e comercial, não apenas pelos lucros que produz, mas também porque é guiado pelas mesmas leis do mercado. O livro defende a legalização das drogas como forma de impedir que seu controle caia nas mãos de grupos mafiosos e argumenta que isto gera arrecadação para o Estado, além de reduzir os custos da "guerra contra as drogas".

Encerramos esse editorial e com ele nossa gestão. Fazemos votos de que a próxima equipe possa contar com o mesmo apoio que tivemos desde que assumimos a RPP para enfrentar os ventos contrários da cena pública que, nas linhas do horizonte, prometem se intensificar. Nesse momento em que a polarização política e as questões mais sensíveis no cenário político ganham ares apocalípticos, aumenta a responsabilidade deste periódico para trazer lucidez e sistemática ao pensamento social.

Estamos certos de que a resposta aos fascismos e totalitarismos deve passar pelo aprofundamento do embate acadêmico, acirrado e respeitoso, dando voz à pluralidade das perspectivas teóricas e episte-mológicas, primando pelo rigor e excelência acadêmica, sem se proteger das disputas sociais advogando qualquer neutralismo político. Ao contrário, se torna cada vez mais importante explicitarmos os valores éticos e políticos que nos guiam na construção de nossas pesquisas, nossas relações, pessoais, acadêmicas, institucionais e políticas. O campo da Psicologia Política é, por excelência, campo de debate, embate, espaço de litígio, onde as antinomias devem ser colocadas em evidência, a fim de alçar diálogos e ações possíveis em tempos de supressão de direitos sociais e de espaços de participação democrática ativa.

 

Referências

Castro, L. R. (2018). The self under domination: a dialogue between Nandy's The intimate en-emy and Dangarembga's Nervous conditions. Postcolonial Studies, 21(2),192-209, doi: 10.1080/13688790.2018.1470448.         [ Links ]

Fanon, F. (2008). Pele negra máscaras brancas. Salvador: EDUFBA.         [ Links ]

Wainwright, T. (2016). Narconomics: How to Run a Drug Cartel. New York: PublicAffairs.         [ Links ]

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