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Revista Psicologia Política

versão On-line ISSN 2175-1390

Rev. psicol. polít. vol.19 no.46 São Paulo set./dez. 2019

 

ARTIGOS

 

Políticas de atendimento a migrantes e refugiados no Brasil e aproximações da psicologia

 

Policies of assistance to migrants and refugees in Brazil and psychology approaches

 

Políticas de atención a migrantes y refugiados en Brasil y aproximaciones de la psicología

 

Politiques d'accueil des migrants et des réfugiés au Brésil et approches de la psychologie

 

 

Marco Aurélio Máximo PradoI; Suzana Almeida AraújoII

IProfessor Associado 4 da Universidade Federal de Minas Gerais; mamprado@gmail.com
IIDoutoranda em Psicologia na Universidade Federal de Minas Gerais. Bolsista PDSE/CAPES no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa; psisuzana@gmail.com

 

 


RESUMO

Temos assistido em todo o mundo a intensificação dos deslocamentos de pessoas que deixam seus locais de origem em virtude de ameaças à vida em busca de acolhida em outros países, enfrentando situações extremas tanto antes do processo migratório, como durante e após a chegada em novo território. O Brasil conta com políticas públicas de acolhimento e integração previstas em leis e acordos internacionais, que são aqui explanadas. Propõe-se discutir as aproximações da Psicologia enquanto área que atua nesse campo, a partir de bibliografias disponíveis sobre o tema, tecendo reflexões acerca das formas de compreensão das condições de saúde de imigrantes e refugiados e as modalidades de intervenção que têm sido desenhadas, evidenciando as dimensões sociopolíticas que envolvem o trabalho humanitário. Entende-se que as intervenções devem mobilizar suporte socioassistencial, acionar os recursos materiais e simbólicos dos sujeitos e grupos para enfrentamento da situação e construção de um novo cotidiano, considerando a complexidade das experiências de deslocamentos.

Palavras-chave: Políticas Públicas; Migrantes; Refugiados; Psicologia; Intervenção Humanitária.


ABSTRACT

We have witnessed the intensification of displacements of people who have left their hometown because of threats to life, searching for refuge in other countries, facing extreme situations before the migratory process, during and after arrival in new territory. Brazil has public policies of reception and integration provided for laws and international agreements, which are explained here. This article discusses the approaches of Psychology as an area that acts directly in this field, based on bibliographical references, reflecting on ways of understanding the health conditions of immigrants and refugees and how interventions have been designed, highlighting the sociopolitical dimensions of humanitarian work. Interventions should mobilize socio-assistance support, trigger the material and symbolic resources of the individuals and groups to face the situation and build a new daily life, considering the complexity of the displacement experiences.

Keywords: Public policies; Migrants; Refugees; Psychology; Humanitarian Intervention.


RESUMEN

Hemos visto en todo el mundo una intensificación de desplazamientos de personas que dejan sus lugares de origen en virtud de amenazas a su vida en busca de acogida en otros países, enfrentando situaciones extremas tanto antes delproceso migratorio, como durante y después de la llegada al nuevo territorio. El Brasil cuenta con políticas públicas de acogida e integración previstas en leyes y acuerdos internacionales, que serán explicadas en el presente texto. Proponemos discutir las aproximaciones de la Psicología como área que actúa en ese campo, a partir de bibliografias disponibles sobre el tema, elaborando reflexiones acerca de las formas de comprensión de las condiciones de salud de inmigrantes y refugiados y las modalidades de intervención que han sido disenadas, evidenciando las dimensiones sociopolíticas implicadas en el trabajo humanitario. Las intervenciones deben movilizar apoyo socio-asistencial, accionar los recursos materiales y simbólicos de los sujetos y grupos para enfrentar la situación y construir un nuevo cotidiano, considerando la complejidad de las experiencias de desplazamientos.

Palabras-clave: Políticas públicas; Migrantes; Refugiados; Psicologia; Intervención humanitatia.


RÉSUMÉ

Nous avons assisté à l'intensification des déplacements de personnes qui ont quitté leur ville d'origine en raison de menaces de mort, qui cherchaient refuge dans d'autres pays et faisaient face à des situations extrêmes avant le processus de migration, pendant etaprès leur arrivée sur un nouveau territoire. Le Brésil a des politiquespubliques d'accueil et d'intégration prévoyant des lois et des accords internationaux, qui sont expliqués ici. Cet article traite des approches de la psychologie en tant que domaine agissant directement dans ce champ, en se basant sur des bibliographies disponibles sur le sujet, sur des moyens de comprendre les conditions de santé des immigrants et des réfugiés et sur la manière dont les interventions ont été conçues, en soulignant les dimensions sociopolitiques du travail humanitaire. Les interventions doivent mobiliser un mouvement socio-assistance, mobiliser les ressources matérielles et symboliques des individus et des groupes pour faire face à la situation et construire un nouveau quoti-dien, en tenant compte de la complexité des expériences de déplacement.

Mots-clés: politiques publiques; les migrants; les réfugiés; psychologie; intervention humanitaire.


 

 

Introdução

Temos assistido em todo o mundo deslocamentos em massa de pessoas que deixaram seus países ou locais de residência habitual em virtude de ameaças à vida, como resultado de conflitos políticos, ideológicos, étnicos, religiosos, além dos deslocamentos que ocorrem pela condição de miséria extrema ou por questões ambientais, o que gera a necessidade de sistematizar mecanismos de proteção internacional. Tais mecanismos são regulados por documentos assinados por diversos países, que orientam as práticas humanitárias.

Após a II Guerra Mundial foi adotada a Convenção das Nações Unidas relativa ao Estatuto dos Refugiados: Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR, 1951), um tratado global que define quem é o refugiado, estabelecendo direitos e deveres entre este e o país de acolhimento. Nele se reconhece como refugiada a pessoa que, "em consequência dos acontecimentos ocorridos antes de 1º de janeiro de 1951, temendo ser perseguida por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas, se encontra fora do seu país de nacionalidade e que não pode ou, em virtude desse temor, não quer valer-se da proteção desse país". Em novo documento firmado em Nova York em 1967, o Protocolo Relativo ao Estatuto dos Refugiados, desfaz-se a restrição de tempo, permitindo que "todos os refugiados abrangidos na definição da Convenção, independentemente do prazo de 1 de janeiro de 1951, possam gozar de igual estatuto."

Em complemento, considerando as particularidades da situação vivenciada na América Central, marcada por regimes ditatoriais e intensos conflitos políticos que resultaram no deslocamento de 2 milhões de pessoas para outros países da região bem como para o Canadá e Estados Unidos entre as décadas de 1970 e 1980 (ACNUR, 2000), foi realizado na Colômbia, em 1984, o Colóquio sobre Proteção Internacional dos Refugiados da América Central, México e Panamá, no qual foi adotada a Declaração de Cartagena, documento elaborado com a finalidade de "promover dentro dos países da região a adoção de normas internas que facilitem a aplicação da Convenção e do Protocolo." A Declaração amplia a noção de refugiado, contemplando pessoas que tenham fugido dos seus países em virtude de ameaças à vida, segurança e liberdade, pela violência generalizada, conflitos internos, violação de direitos humanos ou outras circunstâncias que perturbaram gravemente a ordem pública. Outras reuniões subsequentes aconteceram na Guatemala, 1989, San Jose, 1994, e Cidade do México, 2004, novos documentos foram elaborados no intuito de reforçar os acordos e compromissos dos governos e organizações para com a questão do refúgio, fortalecendo a cooperação entre os Estados tanto no sentido de erradicar as condições que originaram o êxodo forçado, como de alargar a proteção internacional e encontrar soluções humanitárias para os problemas advindos dos deslocamentos em massa.

Pautadas nestes documentos, atuam agências em âmbitos nacional e internacional, que se ocupam dos processos que envolvem o acolhimento a pessoas em deslocamento. A agência líder no tema do refúgio é o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), que tem como função coordenar ações que possam proteger e garantir o deslocamento e alocação de refugiados. Criada em 1951, ela tem uma longa trajetória de atuação e se coloca em estreita relação com entidades governamentais ou da sociedade civil na elaboração e execução das ações, auxiliando os países de acolhimento na inserção dos refugiados nas comunidades locais.

No Brasil, a Lei n. 9.474/1997 define os mecanismos para a implementação do estatuto, adotando a definição ampliada de refugiado, além de estender a concessão para os membros da família. A lei estabelece direitos e deveres da pessoa reconhecida como refugiada, pautados tanto no Estatuto de 1951 como no Protocolo de 1967, firmando o compromisso de não deportação daqueles que se encontram em situação de ameaça à vida ou liberdade, em virtude de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opinião política. Por meio desta lei é também criado o Comitê Nacional para Refugiados [CONARE], órgão responsável por analisar os pedidos e declarar o reconhecimento, em primeira instância, da condição de refugiado, bem como por orientar e coordenar as ações necessárias à eficácia da proteção, assistência e apoio jurídico aos refugiados, presidido pelo Ministério da Justiça e integrado por membros de outros ministérios e de ONGs dedicadas à assistência. O CONARE destina uma verba anual concedida pelo governo a um programa de saúde mental para os solicitantes, visando dar aos refugiados assistência na saúde, principalmente psicológica (Bógus & Rodrigues, 2011).

A lei que dispõe sobre as migrações é a 13.445/2017, que estabelece direitos e deveres do migrante, bem como regula sua entrada e estada no país. Define como imigrante a pessoa nacional de outro país ou apátrida que trabalha ou reside e se estabelece temporária ou definitivamente no Brasil. Neste campo atua a Organização Internacional para as Migrações [OIM] da ONU, que trabalha em parceria com governos, outras organizações e sociedade civil, fornecendo assistência e assessoramento. Em âmbito local, temos o Instituto Migrações e Direitos Humanos [IMDH], uma entidade filantrópica que visa promover o reconhecimento da cidadania plena de migrantes e refugiados, atuando na defesa de direitos, na assistência sócio-jurídica e humanitária, em sua integração social e inclusão em política públicas, com especial atenção às situações de maior vulnerabilidade (IMDH, 2014).

A distinção entre migração e refugio remete ao campo legal, na medida em que a conceituação está disposta nos documentos regulamentares das políticas internacionais e na legislação local, bem como ao campo da experiência, com contornos menos precisos neste caso. O refugiado é um migrante que possui estatuto diferenciado, alvo de políticas específicas, que foi forçado a deixar seu país por circunstâncias de ameaça à vida e a ele não pode retornar. A migração ocorre por motivos variados, mas questões econômicas e sociais estão no bojo da decisão de migrar, impulsionada principalmente por condições precárias de vida. Resguardadas as particularidades, ambos dizem respeito ao deslocamento de pessoas que saem do seu local de residência habitual em busca de proteção ou de melhorias das condições de vida, que enfrentam comumente situações extremas no percurso de deslocamento, e precisam se adaptar a um novo território, cultura e construir novas relações. Para além dos contornos conceituais, tratam-se de experiências bastante heterogêneas quando se atenta para as singularidades com as quais se dão os fluxos de indivíduos, famílias e coletividades.

A migração não representa em si uma condição de vulnerabilidade, mas muitas vezes ela é marcada por intensas desigualdades e violações de direitos, presentes em todo o processo, desde a saída do país de origem à inserção em novo território. "Ao chegar em um novo país, as dificuldades que enfrentam não se limitam à nova cultura, ao idioma e aos costumes. Não raro, chegam em situação de pobreza, emocionalmente abalados, às vezes doentes e sem perspectiva de reestruturar sua vida" (Milesi & Carlet, 2012, p. 87).

Ao entrar no país, o estrangeiro pode solicitar o visto temporário, no qual se insere a acolhida humanitária, ou pedir o reconhecimento da condição de refugiado. Assim, a permanência é possível por meio da obtenção de visto, de asilo político ou refúgio. Ao estrangeiro é garantido direito de acesso a programas sociais e à saúde gratuitos (Lei n. 9474/ 1997). O acolhimento é realizado tanto por organismos governamentais como por iniciativa da sociedade civil, em especial entidades religiosas e ONGs. As políticas públicas para atendimento a essa população podem se constituir a partir da implementação de serviços específicos ou fomentando o acesso aos já existentes, por meio de equipamentos como os do SUS e SUAS. As políticas de assistência atuam nos eixos saúde, alimentação e moradia; as de integração atuam pelas vias do trabalho, educação e cultura, e possuem importante papel na garantia de direitos econômicos, sociais e culturais.

Observam-se mecanismos já consagrados e formalmente estabelecidos de acolhimento a migrantes e refugiados. Tem-se aqui como objetivo apresentar algumas ações no campo das políticas públicas que têm sido desenvolvidas para dar assistência a esse público e promover sua integração no país. A partir disso, propõe-se discutir sobre as aproximações da Psicologia enquanto área que atua diretamente nesse processo, tecendo reflexões acerca das formas de compreensão das condições de saúde de migrantes e refugiados e as modalidades de intervenção que têm sido desenhadas, buscando evidenciar dimensões sociopolíticas que envolvem o campo do trabalho humanitário.

 

Políticas de acolhimento e integração voltadas a imigrantes e refugiados no Brasil

As políticas migratórias não dizem respeito apenas às condições de entrada e permanência no país, mas incluem a preocupação para que a população de migrantes tenha acesso às políticas públicas e a programas que atendam suas necessidades específicas (Lussi, 2015). "Respostas de políticas públicas aos desafios das migrações e do refugio devem ser: interdisciplinares, integradas, contextualizadas, capazes de reconhecer e assumir a complexidade que o tema requer, sem simplismos" (Lussi, 2015, p. 142). Segundo orientações do Informe sobre as Migrações no Mundo (OIM, 2013), deve-se focar nas consequências da migração para a vida dos migrantes, entendendo que nos debates políticos eles tenham oportunidade de contar suas histórias, que sua participação nos processos se dê de forma ativa, colocando uma ênfase na dimensão da experiência, em contraposição ao interesse habitual nas dinâmicas socioeconômicas, o que fomentaria a formulação de políticas públicas mais compatíveis com as necessidades humanas.

O relatório do CONARE/Secretaria Nacional de Justiça mostra que, entre 2000 e 2017 o Brasil recebeu cerca de 126 mil solicitações de reconhecimento da condição de refugiado, sendo que aproximadamente 33 mil foram feitas apenas no ano de 2017, e destas, 17.865 partem de venezuelanos, somando 53%. Dentre os pedidos realizados, 47% concentram-se no estado de Roraima, seguido por 28% em São Paulo e 8% no Amazonas. Em 2018 existiam 10.145 refugiados reconhecidos pelo Estado brasileiro, sendo em sua maioria (35%) de origem Síria. Das solicitações em trâmite, 33% são de pessoas originárias da Venezuela, 14% do Haiti, 13% do Senegal, dentre outras nacionalidades (CONARE, 2018).

Pensando nesse crescente fluxo de pessoas que chegam ao Brasil e na necessidade de otimizar os serviços de atendimento, em 2017 o Ministério da Saúde lançou a portaria n.º 3.565, instituindo o Grupo de Trabalho sobre Saúde do Estrangeiro, que tem por finalidade "discutir e propor estratégias e diretrizes para a organização das ações e dos serviços públicos de saúde aos imigrantes, refugiados, residentes fronteiriços e visitantes no Brasil, considerando as normativas e a legislação vigentes". Desde 2014 centros de acolhimento têm sido inaugurados em diferentes municípios. O Centro de Referência e Acolhida para Imigrantes - CRAI, localizado na cidade de São Paulo, foi o primeiro. Trata-se de uma iniciativa da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania [SMDHC] e de Assistência e Desenvolvimento Social [SMADS]. Um segundo centro foi instalado em Florianópolis no ano de 2018, mantido pela Secretaria de Estado da Assistência Social, Trabalho e Habitação [STT], enquanto os serviços de atendimento são executados pela Ação Social Arquidiocesana. Neste espaço os imigrantes recebem assistência jurídica, encaminhamento para o mercado de trabalho, orientações para regularizar documentos e atendimento psicológico.

Com proposta semelhante, foi inaugurado em 2018 um Centro de Referência para Migrantes e Refugiados nas dependências da Universidade Federal de Roraima, em Boa Vista, financiado pelo ACNUR, voltado especialmente para atender a população venezuelana que chega ao Brasil, prestando serviços de orientação, proteção e integração. A equipe é composta por funcionários das Nações Unidas, da Universidade Federal de Roraima [UFRR], de organizações da sociedade civil e dos governos municipal, estadual e federal. Entre as atividades desenvolvidas estão a oferta de cursos de português e qualificação profissional, inserção no mercado de trabalho por meio de parcerias com empresas locais e atendimento judicial itinerante (UFRR, 2018).

Em janeiro de 2019, também em Boa Vista, o Fundo de População nas Nações Unidas [UNFPA], em conjunto com o ACNUR e o Exército da Salvação inauguraram o Centro de Convivência e Atendimento Psicossocial, um espaço de convívio social destinado a brasileiros, refugiados e migrantes que sofreram violência de gênero ou outras violações de direitos humanos, com o obj etivo de ampliar a proteção a refugiados e migrantes e garantir a integração e coexistência pacífica com a população local. Os serviços disponíveis compreendem assistência social e psicológica, orientação jurídica, oficinas terapêuticas e de habilidades para a vida, além de atividades socioeducativas e tem como público prioritário mulheres, jovens, idosos, pessoas com deficiência e população LGBT em situação de vulnerabilidade social (ACNUR, 2019). O UNFPA e o ACNUR estão também envolvidos na criação do Projeto CARE - Centro de Apoio e Referência a Refugiados e Migrantes na cidade de Manaus, que teve início em 2018. Nele são realizados atendimentos em saúde, orientação jurídica, agendamento de solicitação de refugio, acompanhamento psicológico e aulas de português. (ACNUR, 2018).

A Rede Cáritas, uma organização não governamental internacional, no país vinculada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil [CNBB], tem uma participação bastante ativa tanto com ações do governo, com o ACNUR, bem como por iniciativas próprias. Possui instalações localizadas em diversos estados brasileiros e conta com uma equipe técnica formada por assistentes sociais, advogados, psicólogos e voluntários que prestam atendimento aos solicitantes de refúgio ou refugiados, e atuam em várias frentes como: políticas públicas, ações emergenciais, ações de organização das comunidades, trabalho, renda e economia solidária (Cáritas Brasileira, 2019; Jubilut, 2012). Nessa mesma linha atua o Serviço Jesuíta para Migrantes e Refugiados, uma organização católica internacional que visa "acompanhar, servir e defender os refugiados e as pessoas deslocadas" (SJMR, 2019).

Silva (2017) destaca a centralidade de instituições religiosas no acolhimento a imigrantes, inicialmente oferecendo assistência em momentos emergenciais, e atuando na mediação entre estes e o mercado de trabalho. Ressalta a atuação da Pastoral do Migrante, em São Paulo, no atendimento aos haitianos que chegaram ao Brasil em 2010, suprindo demandas não atendidas pelas políticas do Estado. No estudo de Gomes (2017), em Florianópolis, também se destacou a atuação tanto da Pastoral do Migrante como da Cáritas como referências no processo de inclusão dos haitianos nesse município.

Nos campos da educação, saúde e trabalho, algumas ações vêm sendo realizadas há pelo menos uma década por parte do governo em conjunto com outros setores da sociedade, conforme mostram Milesi e Carlet (2012). Elas citam, por exemplo: a criação de mecanismos de ingresso de refugiados em cursos do ensino superior da Universidade Federal de Minas Gerais, mediante documentação expedida pelo CONARE, garantida pela Resolução n.º 03/2004; a mudança na identificação lançada na Carteira de Trabalho emitida para refugiados, que passa a adotar a designação "estrangeiro", ao invés de "refugiado", no intuito de combater a discriminação à qual estão expostos; a criação, em 2005, de uma rubrica no orçamento do governo brasileiro, dotada ao CONARE, destinada para acolher refugiados; a criação por parte do Ministério da Saúde do Centro de Referência para a Saúde dos Refugiados, no Rio de Janeiro, com a finalidade de capacitar os profissionais do Sistema Único de Saúde no atendimento a essa população.

Em termos de política, o Brasil avançou consideravelmente nas últimas décadas, ao prever na legislação meios que visam assegurar a acolhida e permanência de migrantes e refugiados no país. Barbosa (2015) destaca que somos um país promissor na capacidade de receber refugiados, porém, há uma deficiência evidente na elaboração e aplicação das políticas públicas, marcadas por entraves burocráticos nos processos de tomada de decisão, identificando-se "uma preocupação maior do Estado Brasileiro de classificar e admitir os refugiados do que em integrá-los a comunidade local" (p. 22), o que acaba ficando a cargo de outras entidades da sociedade civil organizada. Segundo Silva (2017), parceiras público-privadas tem sido uma saída para ausências de políticas públicas voltadas para imigrantes em situação de vulnerabilidade social. Ademais, ainda que seja preconizado o acesso aos serviços, há necessidade de aprimoramento dos equipamentos voltados a essa população, como chamam atenção Martins (2017) e Hamid (2012), apontando para a falta de capacitação dos profissionais, dificuldades de comunicação, falta de conhecimento por parte dos refugiados acerca dos próprios direitos, falhas na estrutura disponível, aceitação seletiva e restritiva de refugiados, ou mesmo receio dos próprios migrantes de procurar os serviços de saúde.

 

Saúde mental, intervenção humanitária e psicologia: dimensões sociopolíticas

O trabalho com migrantes e refugiados se situa no campo da intervenção humanitária, que se tornou um importante modo de referência para as políticas de intervenção do Ocidente em contextos globais marcados por infortúnios, tanto em casos de conflitos armados e desastres naturais como em torno de suas consequências na forma de epidemias, fome, lesões físicas e traumas emocionais (Fassin, 2007). O humanitarismo se pauta em princípios que, via de regra, lhe conferem um caráter apolítico, no sentido de que não responde a autoridades governamentais, não assume posição explícita entre as partes dos conflitos, tem presença livre nas áreas onde eles ocorrem, está ideologicamente desimplicado, pautando a atuação exclusivamente nas demandas humanas de auxílio em situações de ameaça à vida, eximindo-se de quaisquer outros interesses. Mas, efetivamente, em muitos momentos da história das práticas humanitárias se evidencia a politização do campo, posta ora como uma quebra dos princípios fundamentais que as guiam e o comprometimento com interesses que extrapolam o da necessidade das vítimas, ora como um emaranhamento inevitável diante da complexidade que envolve esse campo (Douzinas, 2015; Hisamoto, 2012; Weiss, 2014). Considerando a impossibilidade de haver um espaço vazio de política ou fora dela, segundo Fassin (2007), o que se vê é uma negação de vida política para aqueles que estão submetidos à prática do humanitarismo.

As situações de sobrevivência não são igualmente dramáticas, nem envolvem os mesmos riscos, mas o cenário de modo geral é o da vida sob ameaça. As vidas em questão são as dos refugiados e pessoas deslocadas em campos, dos desabrigados em busca de asilo em centros de acomodação, reconhecidos como vítimas, delineando a figura para a qual a ajuda humanitária é oferecida (Fassin, 2007). Esse reconhecimento é central nos processos que são mobilizados para minorar os efeitos das crises, bem como na produção de um sujeito de direitos que apela por justiça social. A constatação do trauma, sua atribuição mediante vivências extremas, torna-se um recurso político de legitimação do status de vítima, como analisa Fassin (2014), ocorrendo uma valorização e uma positivação desse lugar. O trauma de certa forma atesta a condição da vítima, a realidade da violência à qual foi exposta e a validade do sofrimento que se queixa.

Com a intensificação da crise migratória nas últimas décadas temos visto a proliferação de ações das entidades de ajuda humanitária e o endurecimento de políticas que se ocupam do manejo dessa crise. As intervenções desenvolvidas nesse campo se concentram principalmente no âmbito dos cuidados básicos em saúde, educação, alimentação, trabalho, abrigo/moradia, busca e salvamento. A Psicologia começa a entrar nesse cenário de forma mais consistente mediante a incorporação do eixo saúde mental nos trabalhos das equipes internacionais de ajuda humanitária (Weintrab et al., 2015). Apresenta-se uma preocupação com as condições de saúde mental de migrantes, entendendo que a experiência de deslocamento mobiliza determinados processos psíquicos que são potenciais geradores de sofrimento. "Essas partidas não-planejadas, e muitas vezes não-desejadas, são frequentemente tomadas por um sofrimento psicológico diretamente ligado ao traumatismo ao qual foram submetidos no período pré-migratório e migratório (violências diversas, tortura, testemunhas e vítimas de massacres, morte de parentes, amigos, etc.)" (Martins-Borges, 2013, p. 153). Atribui-se uma condição de vulnerabilidade psíquica, provocada pelo distanciamento com a cultura de origem e a necessidade de adaptação ao país de acolhimento, o que viria a dificultar o bem-estar psicológico das pessoas em exílio.

A experiência do deslocamento pode ser atravessada por grandes adversidades que vão desde o início do movimento migratório, quando indivíduos, famílias e coletividades deixam seu lugar de residência habitual por uma situação de vida que se encontra insustentável: perda da casa, do trabalho e da comunidade, fome, perseguições, exposição à guerra, morte dos familiares, agressões físicas e sexuais, tortura, aprisionamento. Durante o deslocamento enfrentam também condições extremas que envolvem danos físicos, violência, doenças infecciosas, extorsão, tráfico de pessoas, incerteza quanto ao seu estatuto nos países onde buscam asilo. Ao chegar no país de acolhimento se deparam com uma situação socioeconômica precária, marginalização, ilegalidade, falta de apoio social adequado, inadaptação linguística e cultural, desemprego, além de comumente esbarrarem na resistência dos nacionais e vivenciarem processos de exclusão pautados em um ideário sobre os migrantes como moralmente ambíguos ou desviantes, de alta periculosidade, portadores de desordem social, vistos como fontes de gastos públicos e pouco retorno econômico, social e cultural (Antunes, 2017; Giacco, Laxhman, & Priebe, 2018; Jong, Scholte, Koeter, & Hart, 2000; Mosquera et al., 2010; Nickerson et al., 2015; Pinillos, 2012; Pusseti, 2009; Weintraub, 2012).

Tomando isto por base, alguns autores consideram a migração em si um fator de risco para a saúde física e mental, associando a ela a ocorrência de diversas formas de padecimento psíquico, estabelecendo-se como demanda para intervenção psicológica e psiquiátrica. Nesse contexto, a análise do sofrimento se dá especialmente sob a ótica da saúde mental e da psicopatologia, correlacionando a experiência do deslocamento com quadros patológicos, em um viés para o tratamento de doenças e detecção de manifestações de transtornos psíquicos, fazendo uso de sistemas de classificação que nomeiam esse sofrimento. Os diagnósticos mais comumente atribuídos são o Transtorno de Estresse Pós-traumático, a depressão e a ansiedade, aparecendo em muitos dos trabalhos consultados (Antunes, 2017; Coutinho, Rodrigues, & Ramos, 2012; Fazel, Wheeler, & Danesh, 2005; Giacco, Laxhman, & Priebe, 2018; Goodkind et al., 2014; Jong et al., 2000; Lindert et al., 2009; Medeiros, Sampaio, Sampaio, & Lotufo-Neto, 2014; Mosquera et al., 2010; Nickerson et al., 2015; Rees, Silove, Tay, & Kareth, 2013). Segundo Achotegui (2006), psiquiatra espanhol, o adoecimento provocado pelo processo migratório pode ser localizado em um quadro específico que ele chama de Síndrome do Imigrante com Estresse Crônico e Múltiplo, ou Síndrome de Ulisses, uma condição caracterizada por altos níveis de estresse que superam a capacidade de adaptação, ocasionados por uma combinação de solidão, fracasso no alcance dos objetivos, vivência de carências extremas e terror.

Segundo Pussetti (2009), essa classificação "traduz os conflitos sociais em idiomas psicopatológicos, desviando a atenção do contexto político e económico mais amplo para se concentrar no indivíduo como corpo despolitizado e naturalizado" (p. 37). Isso levou a uma progressiva medicalização da experiência migratória, como aponta a autora, ao ligar indissoluvelmente a migração a formas específicas de sofrimento psicológico. Aqueles que indicam dificuldades para estabelecer diagnósticos apropriados justificam apontando para a insuficiência dos instrumentos, problemas operacionais, despreparo técnico, adversidade das condições disponíveis para que sejam feitas as avaliações, não questionando o próprio processo de análise e enquadramento desse sofrimento. Alguns falam da dificuldade de compreensão dos relatos em virtude das especificidades culturais, o que obscureceria a leitura dos sintomas, ou seja, a lógica da sintomatologia a partir dos referenciais nosográficos prevalece, situando o problema nos modos de expressão e comunicação.

Esta forma de conceber a condição dos migrantes sustenta um modo de intervir predominantemente pensado sobre as capacidades humanas de superação e ressignificação da experiência vivida, voltando-se para o restabelecimento de um equilíbrio anterior à vivência da crise, para a busca de meios para lidar com o estresse desencadeado e minimizar possíveis agravos à saúde, promovendo uma melhor adaptação ao novo contexto. A importância das intervenções em saúde mental, assim, reside na prevenção de sequelas emocionais, evitando o desenvolvimento de quadros agravados de patologias psíquicas, ou eliminação de sintomas e elaboração do trauma, realizadas por meio de diferentes modalidades de psicoterapias individuais e frequentemente com indicação de psicofármacos (Achotegui, 2006; Antunes, 2017; Giacco, Laxhman, & Priebe, 2018; Goodkind et al., 2014; Jong et al., 2000; Nickerson et al., 2015; Pinillos, 2012; Stenmark & cols, 2013). Estes mesmos autores salientam que estas abordagens por si só são pouco efetivas, sem que sejam também ofertados suporte social e econômico. Porém, ainda que se reconheça a atuação dos condicionantes do contexto mais amplo na produção do adoecimento, contemplando aspectos de ordem social, cultural e econômica, em substituição às explicações genéticas e bioquímicas para o fenômeno (Pussetti, 2009), os efeitos são situados no campo das explicações intrapsíquicas, das dinâmicas internas que sofrem os impactos de fatores externos adversos, dotados de uma homogeneidade que permite traduzir toda a experiência a uma linguagem comum, encerrada em categorias diagnósticas. Há, inclusive, uma expectativa de adoecimento, que cai no âmbito da regularidade, ou seja, diante do trágico, coloca-se dentro do espectro da normalidade que sujeitos saudáveis adoeçam, tratando-se de uma "reação normal a um evento anormal" (Fassin, 2014).

As possibilidades de entendimento das experiências do migrante e do refugiado tornam-se limitadas, ao uniformizar modos de subjetivação singulares e vivências emocionais, como aponta Knobloch (2015). "Em nome de uma categoria psiquiátrica, não se escuta o sujeito, só seus sintomas." (p. 170). Além disso, a ideia de um sujeito fragilizado, suscetível a desenvolver problemas psicológicos, toma-o dependente da expertise terapêutica, reforçando a vulnerabilização. "Torna-se uma política, política clínica e terapêutica interpretar a priori a instabilidade da vida do imigrante como anomalia e potencial psicopatológico, sem levar em consideração o contexto, a história do sujeito e as condições sociais e políticas a que são submetidos no país de acolhimento." (Knobloch, 2015, p. 172). Segundo esta autora, é possível construir modos de análise e intervenção não estereotipados, assumindo uma posição ético-política do trabalho clínico-institucional, levando em consideração "a multiplicidade de contextos, culturas e línguas com que convivem no dia a dia do trabalho", procurando desenvolver "estratégias clínicas com capacidade de organizar novos arranjos a cada situação do encontro clínico, considerar a singularidade do sujeito em seu contexto atual com relação a suas referências e especificidades culturais de origem" (p. 170).

Além disso, o olhar centrado na doença impede a identificação de elementos de escolha ativa, de projetos individuais, de resistência e agência, quando emigrar poderia ser visto como um meio de superar as limitações existentes no país de origem e alcançar melhores condições de vida (Pinillos, 2012; Pussetti, 2009). Engessar o sujeito na esfera do adoecimento impede que ele assuma outras posições nesse processo, ficando sempre relegado ao cuidado passivo. Ademais, mediante a identificação de altos níveis de adoecimento relacionados às experiências migratórias, isto poderia servir para denunciar as violências e violações que marcam estas experiências, promovendo uma revisão das estruturas atualmente previstas para lidar com a questão do refúgio e da migração. Se possibilitar melhor integração ao país é posto como um dos objetivos do trabalho assistencial e psicológico, isso deve significar desenvolver meios para que os sujeitos possam atuar na construção dessa nova realidade de outras formas, de modo que integrar não ganhe contornos meramente adaptativos, o que pouco os auxilia a agir sobre as instâncias que geram esse sofrimento.

Algumas experiências de intervenções clínicas e psicossociais, especialmente no Brasil, apontam para outras possibilidades de compreensão do sofrimento e de modos de atendimento. Não cabe aqui descrevê-las, mas podemos mencionar a clínica transcultural (Moro, 2015; Borges, Peirano, & Moro, 2018; Saglio-Yatzimirsky, 2015), a prática psicanalítica clínico-política (Miriam Debieux, 2012) e a clínica do testemunho (Borges, 2018; Silveira, 2017), proposições que têm sido desenvolvidas com o público de migrantes e refugiados e apresentam contornos distintos dos modelos tradicionais de psicoterapias individuais com enfoque na psicopatologia, ao considerar a situação sócio-política dos sujeitos e possibilitar outras formas de expressão e de viver nos novos contextos.

 

Considerações finais

Vemos constituir-se uma rede de atendimento à população migrante e refugiada, amparada nas leis e acordos internacionais, tecida por diversos setores da sociedade, entre os quais protagonizam governo, agências internacionais, entidades religiosas e organizações não governamentais que vão operando na construção de um aparato que proveja a assistência necessária a este público e sua integração no novo território. As políticas públicas devem ser pensadas com a participação direta dos imigrantes e refugiados, a partir das demandas que apresentam, resguardando direitos básicos para manutenção da vida e livre expressão. Elas devem ainda agir de modo a potencializar a construção de relações interpessoais, focalizando também a população local.

Os olhares sobre o imigrante e o refugiado se pautam, dentro do viés humanitário, nas intensas adversidades que enfrentam, na possível condição de vulnerabilidade e sofrimento que experimentam e na necessidade de acolhimento, bem como, numa perspectiva socioeconômica, nos efeitos que sua chegada e permanência produzem para a dinâmica local e nos recursos que devem ser mobilizados para atendê-los e integrá-los. A migração e o refúgio são experiências políticas, e seu manejo requer atentar para os processos de reconhecimento, participação, de reivindicação de direitos, dar visibilidade a uma condição que é efeito da crise, e não a crise em si, e envolvem lutas que objetivam "desmistificar imaginários tipificados em relação aos deslocamentos populacionais, questionando abordagens reducionistas e apontando para o estabelecimento de relações simétricas pautadas no respeito dos direitos humanos" (Marinucci, 2016).

Quanto ao lugar político da vítima, por uma via, tem-se uma condição enclausurada numa esfera que não viabiliza movimentos de agência, e por outra, assume-se esse lugar como meio para obter reconhecimento, legitimar o sofrimento, e, assim, mobilizar direitos. Um princípio de fragilidade é ressaltado ao serem consideradas pessoas susceptíveis a manifestar quadros clínicos decorrentes de uma inabilidade em lidar com tamanho sofrimento provocado. Perspectivas psicopatologizantes e medicalizantes da migração são utilizadas como parâmetro para as instâncias de intervenção, e se restringem a um repertório pré-determinado de manifestações que são passíveis de identificação pelos referenciais classificatórios. Se por um lado essa leitura biomédica colocou em pauta a condição do migrante, por meio da validação científica do infortúnio, ela não permite lidar com demandas complexas e variadas, oferecendo intervenções culturalmente deslocadas.

Como observa Fassin (2007, 2008, 2014) em suas pesquisas etnográficas, a condição de vítima atua como recurso político para fazer valer seus direitos. O próprio vocabulário da Psicologia é utilizado para sensibilizar o mundo ante seu infortúnio, evocando o trauma para atestar o sofrimento de populações oprimidas. O discurso de especialistas psi no campo humanitário produz uma forma de subjetivação que é imposta sobre os indivíduos, mas através dele estes podem existir politicamente. Trata-se de um processo de subjetivação política da vítima adotar o discurso do outro para basear sua própria demanda, usando o traumatismo para expressá-la. Assim, o trauma se torna veículo de reivindicações.

Cabe refletir sobre o alcance das intervenções e do acolhimento oferecido. Tomar o bem-estar como objeto único da nossa ação nos leva a atuar orientados para promover comportamentos adaptativos, quando a intervenção pode ser pensada no sentido de acionar os recursos materiais e simbólicos dos sujeitos e grupos para enfrentamento da situação, mobilizar suporte socioassistencial, buscar a construção de um novo cotidiano, sem negligenciar a complexidade das experiências, os modos culturalmente situados de vivenciar processos de saúde e doença, produzindo intervenções tecnicistas e estereotipadas. O desafio não reside apenas na aplicação técnica do trabalho, mas em pensar as próprias bases da Psicologia e os efeitos concretos da sua ação, entendendo o sofrimento como uma experiência social, psicológica e política.

 

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Recebido em: 31/01/2019
Aprovado em: 17/06/2019

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