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Revista Psicologia Política

versão On-line ISSN 2175-1390

Rev. psicol. polít. vol.19 no.spe São Paulo dez. 2019

 

ARTIGOS

 

Mobilizando a sociedade civil: inovação organizacional e repertórios de confronto no desastre do rio Doce1

 

Mobilizing civil society: organizational innovation and repertoire of contention in the river Doce disaster

 

Movilización de la sociedad civil: innovación organizacional y repertorio de confrontación en el desastre del río Doce

 

Mobiliser la société civile: innovation organisationnelle et répertoire de confrontation dans la catastrophe de rio Doce

 

 

Euzeneia Carlos

Doutora em Ciência Política; professora do Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais; Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Vitória/ES, Brasil / euzeneiacarlos@gmail.com

 

 


RESUMO

Analisa as mobilizações sociais no desastre socioambiental do Rio Doce, no bojo de relações conflitivas entre sociedade civil, mercado e Estado. Argumenta que no contexto de desastre emergiram mudanças na ação coletiva que caracterizam processos de inovação organizacional: (a) na emergência de novos ativismos, incremento do associativismo civil e novos formatos organizacionais e; (b) nos repertórios de confronto caracterizados pela combinação entre ação extrainstitucional, ação institucional e tática multiescalar. Argumenta também que as transformações na ação coletiva se vinculam a dois elementos que impulsionam as mobilizações: (a) as restrições políticas e institucionais impostas pelo sistema de governança do desastre à participação e ao reconhecimento das pessoas afetadas; e (b) as organizações preexistentes que desempenharam papel fundamental na mobilização dos atingidos, funcionando como incubadoras para o movimento social contencioso ao agir sobre sua formação organizacional e identitária.

Palavras-chave: Mobilizações; Inovação organizacional; Repertórios de confronto; Ruptura da barragem de Fundão; Desastre no Rio Doce.


ABSTRACT

I analyze the social mobilization in the social-environmental disaster of the Doce river, in the context of conflicting relations between civil society, corporations and state. I argue that in the contexto of disaster emerged changes in the collective action that characterizes processes of organizational innovation: (a) in the emergence of new activisms, increase of civil associations and new organizational formats and; (b) in the repertoires of contention characterized by a combination of extra-institutional actions, institutional actions and multi-scale tactic. I also argue that transformations in collective action are linked to two elements that encourage the mobilizations: (a) the political and institutional constraints imposed by the disaster governance system on participation and recognition of affected people; and (b) preexisting organizations which played a fundamental role in mobilizing those affected, functioning as incubators for the contentious social movement by acting in its organizational and identity formation.

Keywords: Mobilizations; Organizational innovation; Repertoires of contention; Fundao dam rupture; Doce river disaster.


RESUMEN

En este artículo analizo la movilización social en el desastre social y ambiental en Río Doce, en medio de relaciones conflictivas entre la sociedad civil, el mercado y el estado. Sostiene que en el contexto del desastre cambios en la acción colectiva surgido, que caracteriza los procesos de innovación organizacional: (a) en surgimiento de nuevos activismos, aumento de asociaciones civiles y nuevos formatos organizacionales y; (b) en repertorios de confrontación caracterizados por la combinación de acción extrainstitucional, acción institucional y tácticas multiescala. También argumenta que las transformaciones en la acción colectiva están vinculadas a dos elementos que conducir el movilizaciones: (a) las restricciones políticas e institucionales impuestas por el sistema de gobernanza de desastres sobre la participación y el reconocimiento de las personas afectadas; y (b) las organizaciones preexistentes que desempeñaron un papel clave en la movilización de los afectados, funcionando como incubadoras del movimiento social contencioso actuando en su organización y formación de identidad.

Palabras clave: Movilizaciones; Innovación organizacional; Repertorios de confrontación; Ruptura de la presa Fundão; Desastre de Rio Doce.


RÉSUMÉ

Je analyse les mobilisations sociales dans la catastrophe sociale et environnementale de Rio Doce, dans le contexte de relations conflictuelles entre la société civile, le marché et l'État. Je soutiens que dans le contexte de la catastrophe sont apparus des changements dans l'action collective qui caractérisent les processus d'innovation organisationnelle dans: (a) l'émergence d'un nouvel activisme, le incrémenter des associations civiles et de nouveaux formats organisationnels et; (b) dans les répertoires de confrontation caractérisés par la combinaison d'une action extra-institutionnelle, d'une action institutionnelle et d'une tactique multi-échelles. Je soutiens également que les transformations de l'action collective sont liées à deux éléments qui encouragent la mobilisation: (a) les contraintes politiques et institutionnelles imposées par le système de gouvernance des catastrophes sur la participation et la reconnaissance des personnes affectées; (b) des organisations préexistantes qui ont joué un rôle clé dans la mobilisation des personnes affectées, fonctionnant comme des incubateurs pour du mouvement social contentieux en agissant dans sa formation organisationnelle et identitaire.

Mots-clés: Mobilisations; Innovation organisationnelle; Répertoires de confrontation; Rupture du barrage de Fundão; Catastrophe de Rio Doce.


 

 

Introdução2

O desastre de Mariana, provocado pelo rompimento da barragem de rejeitos de Fundão das mineradoras Samarco, Vale e BHP Billiton, deflagrou o maior desastre socioambiental do Brasil. O rastro de destruição estendeu-se desde o distrito de Bento Rodrigues, em Minas Gerais, até a foz do Rio Doce e Oceano Atlântico, no Espírito Santo. O desastre comprometeu os ecossistemas terrestre, aquático e marítimo da bacia do Rio Doce e oceano, deixou vítimas letais e centenas de atingidos sobreviventes. As afetações possuem conteúdos múltiplos e até imensuráveis seja no espectro ambiental ou humano seja no material ou imaterial. Os estudos apontam implicações nos estoques pesqueiros, na segurança alimentar e na saúde (Leonardo et al., 2017); danos aos modos de vida e de subsistência, nas relações de trabalho e na organização social (Milanez & Losekann, 2016); perdas de referências de memória e de identidade social (Ferreira, 2016).

Numa abordagem processual, os desastres constituem processos sociais cuja interpretação remete ao processo histórico de sua ocorrência, inclui um evento crítico circunscrito a um espaço-tempo, mas não se limita a uma única temporalidade (Valencio, 2016). Nesse enfoque, a temporalidade e a vulnerabilidade são elementos essenciais à qualificação do desastre, cujos variados tempos e espaços se entrelaçam. A qualificação de desastre como processo social preocupa-se com as causas básicas da vulnerabilidade e as pressões dinâmicas que contribuem para a criação de condições inseguras que levam a desastres (Marchezini, 2018), buscando compreender os fatores sociais de produção social do risco de desastre (Valencio, 2009). Tais condições de exposição a desastres decorrem de processos de vulnerabilização, desigualmente distribuídos nos territórios dadas as assimetrias sociais e econômicas que caracterizam as formas de apropriação e usos dos territórios e de seus recursos, com exposição desproporcional aos riscos dos socialmente mais desprovidos, de menor renda, populações tradicionais e grupos étnicos (Acselrad, 2004). A abordagem processual também remete às análises longitudinais acerca das formas de continuidade do desastre, identificando o incremento de danos e perdas ao longo do tempo, o prolongamento dos impactos socioeconômicos e psicossociais e as dinâmicas de abandono social no decorrer das reparações (Marchezini, 2014; Valencio, 2012). Em suma, o desastre como expressão social da vulnerabilidade se constitui processual e temporalmente.

A gestão do desastre tem sido caracterizada pelo tratamento administrativo de conflitos ambientais, desconsiderando a assimetria de poder e recursos nas relações entre Estado, empresas e pessoas atingidas: "aos quais são dedicadas tecnologias diversas de prevenção de disputas, com ênfase em acordos orientados à construção de pretensos pactos entre partes potencialmente litigantes" (Zhouri et al., 2016, p. 36). No desastre de Mariana, a governança do desastre mobilizou dispositivos específicos, como mesas de negociação e a assinatura de Termos de Ajustamento de Condutas (TACs), instrumento extrajudicial de resolução de conflitos, ao contrário de investigações e punições pela via da judicialização (Zhouri et al., 2016). Conforme acentua Acselrad (2014), a primazia do acordo entre as partes, especialmente no TAC, pode implicar "em temerário processo de contratualização ou bilaterialização em que se cristalizam assimetrias e particularismos", com efeitos nas "complexas relações entre os conflitos ambientais e a esfera política" (2014, p. 11). Zhouri e colaboradores destacam que, "sob o manto da mediação e do acordo, por vezes operam imposições excludentes, cujo efeito é a flexibilização de direitos" (2016, p. 36). Isso, pois, em condição enfraquecida para negociação, os atingidos veem seus direitos ameaçados pela resolução negociada de conflitos.

Nesta perspectiva de contratualização do conflito socioambiental, as redes de poder das empresas aplicam estratégias de harmonização da negociação através do tratamento individualizado dos atingidos e da negação da existência do conflito. Assim impõem condutas autoritárias a partir de um enquadramento do problema e soluções que não partem das pessoas afetadas (Valencio, 2018).

No caso em tela, o estabelecimento de TACs entre União, governos estaduais e as corporações responsáveis, por si só, nutriu conflitos com os atingidos. Esses, alijados da participação na definição da institucionalidade de governança e dos programas e medidas reparatórias e de compensação, excluídos da definição da própria exposição a perdas e danos e dos conteúdos das afetações. O primeiro celebrado foi o Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC), em maio de 2016, que estabeleceu programas de restauração, mitigação e compensação dos danos, e a criação de fundação de caráter privado para executar as ações - Fundação Renova. Também criou o Comitê Interfederativo (CIF) e suas câmaras técnicas, como instância de validação, monitoramento e fiscalização daquela, formado por representantes do Executivo federal, estaduais e municipais e comitê de bacia (Zorzal, Cayres, & Souza, 2019). O Acordo foi questionado por movimentos sociais e organizações civis e não foi assinado pelo Ministério Público Federal (MPF). No processo de negociação foi firmado o Termo de Ajustamento Preliminar (TAP), em janeiro de 2017, assinado pelo MPF e as três empresas. Logo depois foi firmado o Termo Aditivo ao TAP incluindo além do MPF e as empresas, o Ministério Público de Minas Gerais (MP-MG) e o Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH). No Aditivo, a participação dos atingidos nas negociações e as Assessorias Técnicas aos atingidos foram tematizadas. Em junho de 2018, um novo acordo foi assinado entre o MPF, MP-MG e MP-ES, Defensoria Pública da União, Defensoria Pública de Minas Gerais, Defensoria Pública do Espírito Santo, mais 09 órgãos públicos e empresas envolvidas - o TAC Governança. Esse TAC alterou o processo de governança do TTAC para definição e execução das diversas ações, programas e projetos de reparação dos danos causados; previu a criação de estruturas de participação dos atingidos em todas as etapas e fases do TTAC, e a contratação de assessoria técnica para os atingidos; e possibilitou o eventual estabelecimento de um novo processo de negociação dos programas já em curso sob responsabilidade da Fundação Renova (Souza & Carlos, 2019). No entanto, embora previstos o monitoramento da Fundação Renova pelo CIF e a participação dos atingidos, a institucionalidade do TTAC "concedeu ampla autonomia decisória e gestora às empresas mineradoras para execução do acordo por meio da Fundação Renova" (Zorzal, Cayres, & Souza 2019, p. 14).

A Fundação Renova ao operar com classificações de danos e perdas de modo impositivo, com métricas definidas a priori, sem a participação das pessoas atingidas e pouco sensível aos diversos territórios, resultou no não reconhecimento de pessoas e categorias profissionais afetadas, impedindo seu acesso a qualquer tipo de reparação. Por exemplo, o Programa de Levantamento e de Cadastramento dos Impactados (PLCI) que definiu previamente o perfil de atingidos e a área de abrangência do desastre, cujas classificações e categorias adotadas reforçam o controle da empresa sobre a definição e reconhecimento dos efeitos do desastre (Zhouri et al., 2017, p. 50-51). Os encaminhamentos institucionais por parte do Estado e das empresas culminaram no agravamento de vulnerabilidades desencadeadas pelo desastre, na marginalização da participação dos atingidos no processo de decisão e no desprezo das mobilizações de movimentos sociais e organizações civis. Diante deste cenário, configuraram-se interações conflitivas entre organizações de atingidos, empresas e governos. A contenda se estabelece, notadamente, em torno do sistema de governança TTAC-Fundação Renova-CIF e suas medidas de reparação e compensação de pessoas atingidas.

A contribuição deste artigo é analisar a mobilização dos atingidos pela garantia dos direitos de reparação dos danos e de compensação nos territórios do Espírito Santo, no bojo de relações conflitivas entre sociedade civil, mercado e Estado. Busca argumentar que o desastre socioambiental no Rio Doce produziu mudanças na ação coletiva que caracterizam processos de inovação organizacional, verificadas em dois aspectos: (a) emergência de novos ativismos, incremento do associativismo civil e criação de novos formatos organizacionais; e (b) repertórios de confronto caracterizados pela combinação entre ação extrainstitucional (protestos públicos), ação institucional (instituições participativas e ação judicial) e tática multiescalar (nacionalização e internacionalização da causa). Argumenta também que as transformações na ação coletiva se vinculam (a) às restrições políticas do contexto de desastre socioambiental que favorecem a emergência de formas de mobilização; e (b) aos movimentos sociais e organizações preexistentes que desempenham papel fundamental na mobilização dos atingidos, funcionando como incubadoras para o movimento social contencioso ao agir sobre sua formação organizacional e identitária.

O texto segue estruturado em três seções. Após esta introdução, a primeira seção traz considerações metodológicas sobre a pesquisa aplicada nos territórios atingidos no Espírito Santo. A segunda destaca as contribuições da abordagem contention politics à compreensão da emergência de movimentos e organizações civis através das noções de oportunidades e restrições políticas, inovação organizacional e repertórios de confronto. A terceira seção discute os dados empíricos da pesquisa, analisando a inovação organizacional nas formas de mobilização de atingidos com a emergência de novos atores, organizações, repertórios e performances, em que pese o papel das incubadoras do movimento social contencioso. Finalmente, o artigo conclui pelo papel das restrições políticas e das organizações preexistentes na inovação organizacional da mobilização dos afetados pelo desastre.

 

1. Metodologia de pesquisa

A pesquisa empírica combina métodos qualitativos e quantitativos (mixed method research) na investigação das mudanças na ação coletiva de Organizações da Sociedade Civil e Movimentos Sociais (OSC/MS), no contexto de desastre socioambiental no Rio Doce. Baseia-se em duas fontes de dados primários, referente ao período de três anos do desastre (2015 a 2018): (a) entrevistas em profundidade com 44 ativistas, representantes de 36 OSC/MS dos territórios atingidos no Espírito Santo, selecionados por meio de amostra não aleatória que considerou a posição de centralidade do ativista na organização e dos movimentos nos territórios; (b) documentos coletados nas organizações de movimentos e órgãos públicos, como atas dos fóruns da sociedade civil (2015 a 2017) e vídeos das audiências públicas de atingidos com autoridades, realizadas após o desastre (2015 e 2016).

As entrevistas com ativistas foram realizadas in locus, nos seus territórios de atuação, sendo eles, os municípios de Colatina (19 entrevistas), Baixo Guandú (7), Linhares (11), Vitória (5) e São Mateus (2). O número de entrevistas por território considerou o levantamento prévio das OSC/MS existentes com atuação sobre o desastre no rio Doce, complementado à exaustão pela técnica snow boll, sendo representativo do universo amostral. As entrevistas foram aplicadas por meio de survey semiestruturado, previamente testado e validado, com cerca de 1h40m de duração, não gravada em áudio, com falas transcritas no momento da entrevista e complementadas logo após a aplicação. Foram identificados e entrevistados dezesseis segmentos organizados, assim distribuídos: associação de pescadores (4 entrevistas), associação de moradores (6), associação de comerciantes (2),associação de artesãos (2),comissão de meio ambiente (2),ONG ambientalista (4), fórum ambientalista (2),fórum de defesa do rio Doce (5), comissão de atingidos (2),comitê de bacia do rio Doce (1),organização religiosa (3),movimento de educação (2),movimento de saúde (1),movimento dos atingidos por barragens (4), movimento dos pequenos agricultores (1),sindicato de trabalhadores rurais (3). O período de aplicação das entrevistas foi de maio a setembro de 2018.

As informações coletadas (entrevistas e documentos) foram processadas em dois bancos de dados, sendo o quantitativo no SPSS e o qualitativo no NVIVO Pro 11, após serem sistematizadas em planilhas do Excel. Na análise, as informações oriundas das diferentes fontes e bancos de dados foram trianguladas a fim de identificar as linhas convergentes de investigação.

 

2. A mobilização da sociedade civil no contexto de desastre socioambiental: restrições políticas e inovação organizacional

Nas teorias de movimentos sociais, a abordagem do confronto político (contention politics) enfatizou o papel do contexto político na emergência da ação coletiva de movimentos sociais (McAdam, Tarrow, & Tilly, 2001; Tarrow, 2009). Os estudiosos acentuaram o papel das oportunidades e dos constrangimentos políticos, que cognitivamente percebidos pelos atores coletivos, podem reduzir os custos da ação coletiva e incentivar a emergência de movimentos sociais (Tilly & Tarrow, 2007). Embora impreciso e conceitualmente ambíguo, a noção de oportunidade política remete às mudanças inconstantes no interior da estrutura do Estado, sendo destacadas cinco dimensões principais: (a) liberalização do sistema político e acesso de novos atores à participação; (b) evidências de realinhamentos políticos dentro do sistema; (c) aparecimento de aliados influentes; (d) divisões entre as elites e; (e) declínio na capacidade do Estado de reprimir a dissidência (Tarrow, 2009).

Por seu turno, os estudos sobre o papel dos constrangimentos ou restrições políticas têm demonstrado que seu efeito pode resultar na expansão da mobilização social e não na sua constrição (Goodwin & Jasper 2004). A literatura sobre a relação entre restrições políticas e mobilizações tem encontrado evidências mistas quanto à efetividade da repressão em conter a dissidência doméstica, conforme assinalam Abby e Wahlström (2015). Isso significa que "a repressão governamental pode ser bem-sucedida ou levar a uma escalada da violência e indignação pública" (Abby & Wahlström, 2015, p. 644). Assim, as medidas repressivas dos opositores, dependendo de condições adicionais, podem ser intensificadoras da contestação política (Almeida, 2005).

Este artigo relaciona as medidas repressoras do Estado e empresas mineradoras à participação dos atingidos no processo decisório acerca das reparações e compensações à emergência de formas de mobilização social e repertórios confrontacionais. Precisamente, no contexto de desastre socioambiental no Rio Doce, as restrições políticas e institucionais impostas pela governança do desastre (TTAC-Renova-CIF) - caracterizada por instrumentos extrajudiciais de resolução negociada de conflitos e restritivos à participaçao social -, impulsionaram a contestação e mobilização na sociedade civil. As restrições políticas remetem sobretudo à duas dimensões - institucional e funcional. Na primeira, destaca-se: constrangimento institucional à participação dos atingidos nas decisões acerca das reparações, através da sua exclusão do desenho institucional do sistema de governança e da objeção à assessoria jurídica para população afetada; disputas políticas e simbólicas em torno da definição e reconhecimento institucional do conceito de "atingido", que conduziu ao não reconhecimento de populações e territórios afetados. Na segunda dimensão: repressão ao exercício do ativismo de movimentos sociais contestatórios e organizações civis através de intimidação, perseguição, retaliação, ameaças e medidas judiciais; manipulação de pessoas atingidas através do incentivo a negociações individualizadas acerca das compensações; violência simbólica através da desinformação, assédios, difamações, confisco de evidências e ausência de transparência nas decisões, nutrindo a desconfiança e insegurança na garantia dos direitos.

Assim sendo, a governança do desastre pelo Estado e empresas mineradoras, impondo restrições à participação institucional das pessoas atingidas e a negação da legitimidade do conflito, com implicações no agravamento das vulnerabilidades desencadeadas e ameaças aos direitos das populações afetadas, impulsionou a mobilização na sociedade civil. Este artigo, ao analisar a inovação organizacional na ação coletiva de movimentos e organizações da sociedade civil, considera o papel dessas restrições políticas inscritas no sistema de governança do desastre socioambiental no Rio Doce, configuradas no bojo de interações conflituosas entre sociedade civil, mercado e Estado.

Outrossim argumento acerca do papel das organizações e movimentos sociais preexistentes na inovação organizacional de segmentos atingidos. A inovação organizacional ocorre quando movimentos sociais e organizações civis adaptam para propósitos políticos os modelos de organização não politizados existentes (Clemens, 2010, p. 164). Isso implica o uso não convencional de formas organizacionais conhecidas. Quando mobilizadas em novas formas por grupos não usuais, mesmo os modelos organizacionais mais conhecidos, pode ter consequências perturbadoras para as instituições políticas (Clemens, 2010, p. 165). A autora argumenta: "mobilizando múltiplos modelos organizacionais em campos institucionais diversos, os movimentos sociais podem ser fonte de mudança institucional" (Clemens, 2010, p. 165).

O conjunto de modelos organizacionais cultural e empiricamente disponíveis (repertório organizacional), pode ser fonte de inovação a partir de processos de adaptação e imitação (Clemens, 2010). Este feixe de formas de organização culturalmente preexistentes pode ser ressignificado e reconstruído a partir das deliberações das coletividades. Ao invés de adotar uma única forma organizacional, os atores coletivos utilizam múltiplos formatos - movimentos, organizações, fóruns, comissões, associações, coletivos e sindicatos -, cuja heterogeneidade organizacional se reflete nos repertórios de organização.

O rearranjo e a ressignificação dos repertórios organizacionais existentes remetem ao arcabouço cognitivo ou cultural dos repertórios de ação coletiva (Tilly, 2006). Na sua formulação como repertório de confronto, Tilly define repertórios como "conjunto de performances reivindicatórias, historicamente criada, limitada e familiar, que circunscrevem geralmente as formas pelas quais as pessoas se engajam na política contenciosa" (Tilly 2008, vii). O conceito de repertório como conjunto de performances valoriza tanto a continuidade como a inovação na sua escolha e transformação ao longo do tempo. Escolha, interpretação, significado, improviso, aprendizagem, tradição e adaptação abarcam os repertórios e performances dos atores coletivos na dinâmica do confronto político.

Através de empréstimos do repertório de organização mais amplo, as organizações de atingidos ajudaram a inovar na organização política, além de transformar o repertório de ação coletiva. As iniciativas de inovação organizacional e os repertórios de contestação de movimentos sociais serão exploradas na próxima seção, considerando o contexto de restrições políticas e de organizações preexistentes.

 

3. Inovação organizacional no contexto de desastre no Rio Doce

Esta seção analisa a inovação organizacional em movimentos sociais e organizações da sociedade civil, no contexto de desastre socioambiental, em dois aspectos: (a) na insurgência de novos ativismos, movimentos sociais e organizações civis, e de novos formatos organizacionais; (b) na combinação de diversos repertórios e performances, sejam extrainstitucionais sejam institucionais sejam multiescalares. Busco argumentar que o contexto de desastre no Rio Doce, de restrições políticas e de organizações preexistentes, produziu mudanças na ação coletiva que caracterizam processos de inovação organizacional.

3.1. Os ativistas mobilizados

De acordo com a pesquisa de survey, os ativistas que atuam em prol dos direitos dos atingidos possuem um perfil predominantemente masculino, adulto e escolarizado. A composição por gênero aponta que 59% são homens e 41% mulheres. Embora a presença de mulheres na posição de liderança esteja presente, a maioria são homens,3 cuja distribuição ocorre tanto nas associações tradicionais preexistentes quanto nas emergentes após o desastre. A distribuição por faixa etária demonstra um perfil geracional adulto ou acima, com 62% de 50 a 59 anos, 18% de 24 a 39 anos, 11% de 62 a 75 anos de idade. Interessante notar que o ativismo sobre o desastre no rio Doce não é dos mais jovens, geração predominante no ciclo de protestos no país de Junho de 2013 e nas ocupações estudantis de 2016. Mas de adultos, em geral, responsáveis financeiros pela família. A causa em torno da defesa da subsistência e dos modos de vida parece ter impulsionado o ativismo entre os adultos e mais velhos. No nível de escolaridade o padrão é elevado, sendo 55% com ensino superior ou acima, 14% com ensino médio completo e 18% com ensino fundamental (completo ou incompleto).

O perfil político-institucional dos ativistas aponta expressivo capital político-partidário. Dos 44 entrevistados, 43% foi(é) filiado ou simpatizante a partido político; 41% trabalhou em campanha eleitoral para algum candidato; 23% exerceu(e) cargo comissionado no governo municipal ou estadual; 16% foi candidato a cargo eletivo de vereador. Os vínculos com instituições partidárias, eleitorais e burocracias públicas potencialmente amplia a capacitação política dos ativistas, habilitando-os a atuar nas esferas societal e institucional.

A formação associativa dos ativistas mobilizados no Espírito Santo é identificada através de sua participação em organizações da sociedade civil e movimentos sociais (OSC/MS), que traduz um padrão de associativismo que diferencia esses atores coletivos de outros indivíduos e grupos sociais. Nos territórios atingidos, destaca-se a participação dos ativistas em organizações religiosas, movimentos sociais e fóruns da sociedade civil, conforme Tabela 1. Nas organizações religiosas, com 54% de adesão, movimentos sociais, com 51%, e fóruns da sociedade civil, com 46% de participantes (Tabela 1). Esses segmentos têm em comum a pauta de reivindicação abrangente e propositiva acerca do desastre socioambiental que defende os direitos sociais e humanos dos atingidos e a recuperação do rio Doce, num enquadramento de injustiças ambiental, social e humanitária. Dentre as organizações religiosas assumem relevo as entidades da Igreja Católica (segundo 70% respondentes válidos4), como Diocese de Colatina, Cáritas, pastorais e Comissão Justiça e Paz (CJP), seguidas pelas Pentecostais e Evangélicas. Diversos movimentos sociais são identificados: Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), mencionado por 63% dos respondentes, movimentos ambientalistas (26%) como a Associação Colatinense de Defesa Ecológica (ACODE) e o Grupo Ambientalista BioAtlântica (GAMBA), Movimento de Pescadores e Pescadoras Artesanais (MPP) e Comissão Pastoral da Pesca (CPP), também por 26%, Movimento Estadual de Direitos Humanos (MEDH) por 11%, e outros movimentos da Liga Camponesa como Movimento de Pequenos Agricultores (MPA) e Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), citados por 11%. Por fim, são os seguintes os fóruns mencionados: Fórum Capixaba em Defesa do Rio Doce, Fórum S.O.S. Rio Doce, Fórum Foz Norte, Fórum Foz Sul e Fórum Ambiental Permanente (FAP). Resta destacar a participação de ativistas em fóruns históricos para os movimentos de direitos humanos e ambientalista, como o Fórum Permanente Contra a Impunidade e Violência "Reage Espírito Santo" e a Rede Alerta Contra o Deserto Verde.

A despeito da preponderância da participação dos ativistas em movimentos e organizações de pauta mais abrangentes, existe uma diversificação no associativismo civil sendo variadas as formas de inserção dos ativistas nas coletividades. As organizações coletivas se desdobram no associativismo territorial e corporativo. A ênfase recai sobre o associativismo territorial (associações de moradores, com 38%, e comissões de atingidos, com 37%) e corporativo (sindicatos trabalhistas, com 37%, associações de pescadores, com 22%, e associações comerciais, 16%), conforme Tabela 1. A diversificação no associativismo é observada, ainda, pela presença das associações esportivas, culturais e outros, como coletivos profissionais. Suas temáticas são diretamente vinculadas aos territórios atingidos e suas demandas de subsistência e de reconstrução dos modos de vida. Além de reivindicações de defesa de interesses de categorias profissionais específicas como pescadores, comerciantes, agricultores e artesãos, também das práticas de esporte, cultura e lazer associadas ao rio e ao mar, como turismo, surf, pesca esportiva e atividades culturais e folclóricas.

O pertencimento múltiplo ou multifiliação5 dos ativistas às organizações e movimentos sociais sobrepostos prepondera entre 84% dos entrevistados, ou seja, dos 44 entrevistados 37 participa de outras OSC/MS. A multifiliação é observada sobretudo nas novas organizações e movimentos sociais emergentes, cujos ativistas conectam seu envolvimento múltiplo no movimento de atingidos por barragens, nas comissões de atingidos e nos fóruns da sociedade civil às organizações religiosas e associações preexistentes.

Cabe destaque também o papel das associações preexistentes de base territorial pela sua função na mobilização dos moradores atingidos e no levantamento de reivindicações em torno dos impactos múltiplos do desastre (saúde, trabalho, educação, cultural, psicossocial, entre outros). São as seguintes as Associações de Moradores (AM) apontadas: AM Baixo Guandú, AM Boa Vista de Carapina, AM Campo Grande, AM Regência, AM São Miguel, AM São Pedro Frio, AM Carlos Germano Naumann, AM Maria Ortiz e AM Povoação. Assim como, o papel das comissões de atingidos vinculadas à estrutura organizacional do MAB, sendo mencionadas as comissões municipais de atingidos de Baixo Guandu, de Colatina e de São Mateus, além da Comissão Estadual de Atingidos. A tradição associativa local de bases territoriais influenciou a estratégia de movimentos sociais emergentes, como o MAB, ao descentralizar sua estrutura organizacional para os territórios atingidos, criando bases movimentistas nos municípios, territórios reconhecidos pelas pessoas atingidas como base de organização popular. Os formatos de organização emergentes se expandiram para os territórios, adaptando-se à tradição do associativismo local através do uso não convencional de organizações preexistentes.

A estratégia de territorialização organizacional tendo em vista a tradição associativa local, também foi assumida pelo Fórum Capixaba de Defesa do Rio Doce, através da criação dos fóruns locais como o Fórum S.O.S Rio Doce, o Fórum Foz Norte e o Fórum Foz Sul. Ademais, a experimentação de fóruns da sociedade civil no repertório organizacional dos movimentos sociais, em campanhas pretéritas, contribuiu para forjar a inovação na organização política dos atingidos. Resta avaliar os efeitos da vinculação de movimentos e organizações de temas abrangentes nas organizações de cunho territorial, em geral, mais sensíveis às pautas locais e específicas. Observa-se no contexto posterior ao desastre, uma potencial ampliação da bandeira de luta das organizações de base territorial e corporativa, se alargando para questões abrangentes. Ademais, tendem a reproduzir dos movimentos sociais, a lógica de articulação entre diferentes segmentos organizacionais ao aglutinar moradores, pescadores, comerciantes e agricultores em torno da identidade de atingido pela lama de rejeitos da mineração, seja nas comissões de atingidos seja nos fóruns locais. Em suma, a centralidade das organizações preexistentes na vida associativa local conduziu à estratégia de territorialização dos movimentos emergentes, por um lado, favorecendo a capilaridade e legitimidade local desses últimos e, por outro, a propensão dos primeiros a participarem das mobilizações sociais.

A inovação organizacional ocorre na medida em que movimentos sociais e organizações civis adaptam para propósitos políticos os repertórios de organização existentes, visando a defesa dos direitos dos atingidos. O uso não convencional de formas organizacionais conhecidas, a exemplo da territorialização das organizações emergentes, potencialmente gera consequências no processo político acerca das reparações. Nesta adaptação para novos formatos organizacionais dois processos aparecem: (a) a distribuição de múltiplas afiliações em campos organizacionais, ou seja, o entrelaçamento de afiliações entre grupos; e (b) as lógicas culturais que informam o acionamento de repertórios organizacionais preexistentes, expresso na tradição do associativismo territorial e na experimentação pretérita de fóruns da sociedade civil. A inovação organizacional conduziu à territorialização das novas formas de organização e à articulação entre diferentes segmentos de atingidos.

3.1.1. A emergência de novos ativistas e novas organizações

As mudanças na ação coletiva são aqui evidenciadas pelo tempo de participação dos ativistas. A análise do ativismo ao longo do tempo aponta que o contexto posterior ao desastre impulsionou o surgimento de novos ativistas. Considerando o tempo de participação na OSC/MS, 56% dos ativistas entrevistados começaram a participar nos últimos três anos, ou seja, após o rompimento da barragem de rejeitos das mineradoras (2015 a 2017). Ao passo que, 18% iniciaram a participação no intervalo de 4 a 10 anos atrás, 14% de 12 a 16 anos, e 11% há mais de 20 anos (Tabela 2). A análise longitudinal aponta que mais da metade dos ativistas é oriundo de um associativismo emergente, forjado no contexto de desastre socioambiental que impulsionou o ativismo civil.

 

 

Este incremento no associativismo civil posterior ao desastre ocorre especialmente nas modalidades emergentes e de maior vínculo associativo, como movimentos sociais, fóruns da sociedade civil e comissões de atingidos, seguido de associações de pesca, associações de moradores e associações de comércio. Por seu turno, nas Igrejas e nos sindicatos observa-se um associativismo mais longevo, pois remonta ao período anterior ao desastre.

A emergência de novas organizações e movimentos sociais é o segundo indicador de mudanças na ação coletiva, caracterizadas por inovação organizacional. O surgimento de novas OSC/MS é constatado pelo ano de criação após o rompimento da barragem de Fundão, comparativamente àquelas formadas anteriormente. A Tabela 3 demonstra que 12 novas organizações civis e movimentos foram criados após o desastre (2015-2017), do conjunto de 36 OSC/MS entrevistadas, representando 34% do percentual válido. Os dados também apontam que 51% das organizações e movimentos existentes nos territórios foram criados até 2010, tendo o restante emergido nos últimos sete anos (Tabela 3). Observa-se a tendência ascendente do associativismo civil e a expansão das organizações e movimentos nos territórios afetados no Espírito Santo, nos municípios de Colatina, Baixo Guandu, Linhares, Vitória e São Mateus.

 

 

As motivações para criação das OSC/MS tanto emergentes quanto existentes remete a dois elementos centrais: organização da ação coletiva (organização, representação, articulação, gestão e mobilização) e clamores ou bandeiras (reivindicação, problemas sociais, luta pelos direitos, solução de problemas). Especificamente sobre as motivações da criação das novas organizações sociais e movimentos, os ativistas associam seu surgimento ao desastre no rio Doce, relacionando a organização da ação coletiva à defesa dos direitos dos atingidos e do meio ambiente. Nas palavras dos ativistas:

Resolver o problema dos atingidos, somar mais uma equipe para dar suporte aos atingidos." ... "descaso com a área comercial, por não ser reconhecido o comércio como impactado." ... "as comunidades não conseguiam ser ouvidas em relação ao crime." ... "surgiu no sentido de organizar os atingidos e as entidades que representam os atingidos; é uma agulha com linha para costurar, aglutinar, amarrar e mobilizar os atingidos." ... "inexistência de um marco legal sobre os direitos dos atingidos por barragens e seus impactos e violações." ... "o crime da Samarco, poluição do Rio Doce."... "o desastre de Mariana".... "por causa do rompimento da barragem, para ajudar os atingidos." ... "principalmente devido o desastre na bacia do Doce; para incentivar a luta pelas causas ambientais." ... "se organizar para unir forças e trazer visibilidade para os atingidos. (Ativistas, entrevistas 2018)6

As OSC/MS emergentes após o rompimento da barragem de Fundão consistem no Movimento de Atingidos por Barragens e suas comissões de atingidos, fóruns da sociedade civil, organizações ambientalistas, associações comerciais e organizações religiosas. A Tabela 4 destaca, além das 12 novas OSC/MS entrevistadas, mais duas organizações insurgentes citadas pelos atores, perfazendo 14 novas coletividades.

A emergência de novas organizações e movimentos sociais no período posterior ao desastre, mesclando-se com as associações previamente existentes, diversificam a composição do associativismo tradicional de bases territoriais e corporativas. Mas não somente. Consequências sobre o padrão organizacional também são observadas, através de formatos horizontalizados, direção colegiada e descentralização territorial voltada para formação de grupos de base. Este padrão organizacional é exemplificado pela dinâmica de organização dos fóruns da sociedade civil e das comissões de atingidos. Vejamos brevemente dois casos.

3.1.2. Fórum Capixaba em Defesa do Rio Doce e MAB: incubadoras para o movimento social

Considerado uma inovação organizacional, o Fórum Capixaba em Defesa do Rio Doce (FCDRD) surgiu com o objetivo de monitorar as ações de responsabilização da empresa causadora do desastre socioambiental, cobrar a adoção de medidas reparatórias dos impactos ambientais e humanos, a adoção de medidas para prevenção de novos desastres e promover a articulação entre movimentos, organizações sociais e atingidos a fim de dar publicidade à causa. O FCDRD foi criado por iniciativa da Comissão Justiça e Paz (CJP) da Arquidiocese de Vitória, de organizações do Movimento Estadual de Direitos Humanos (MEDH) e do Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH), no dia 16 de novembro de 2015, congregando diversas organizações e entidade civis7 (Souza & Carlos, 2019). O FCDRD consiste numa esfera pública de articulação entre movimentos sociais e organizações da sociedade civil, de mobilização das pessoas atingidas nos territórios do Espírito Santo e de denúncias acerca do desastre socioambiental, em nível nacional e internacional. Sua dinâmica organizacional é caracterizada por coordenação ampliada, composta por comissões especializadas, grupos de trabalho temáticos e plenárias gerais, além dos fóruns locais. Atualmente possui uma rotina de reuniões mensais, tendo sido semanal sua frequência no primeiro ano do desastre, período que contabilizou 49 reuniões, de novembro 2015 a dezembro 2016. Em sua estrutura organizacional, são quatro os fóruns locais estabelecidos: Fórum SOS Rio Doce que abrange os atingidos dos municípios de Colatina e Baixo Guandu, Fórum Foz Norte que congrega o território da foz norte do Rio Doce, Linhares, São Mateus e Conceição da Barra, e o Fórum Foz Sul que abrange o território da foz sul, Aracruz e Serra.

Simultaneamente à emergência do FCDRD ocorreu o surgimento, no Espírito Santo, de um dos movimentos sociais mais expressivos na luta pelos direitos dos atingidos por barragens - o Movimento Nacional dos Atingidos por Barragens (MAB)8. O MAB insurgiu no estado após o rompimento da barragem de Fundão e a chegada da lama nos territórios capixabas, em novembro 2015. Tão logo estabeleceu a coordenação estadual do movimento, ele se integrou à coordenação do FCDRD. Suas ações se iniciaram em Colatina, sede da Diocese regional, na organização do acesso da população à água potável e às medidas emergenciais de subsistência dos atingidos. Através do apoio da estrutura organizacional do MAB nacional, da Diocese de Colatina e de ativistas experientes de outros estados que passaram a residir no estado, o MAB logo expandiu suas ações para outros territórios atingidos ao longo da calha e da foz do rio Doce e oceano, no Espírito Santo. Atualmente suas atividades de militância e organização social abrangem todos os territórios atingidos: Baixo Guandu, Colatina, Linhares, São Mateus, Conceição da Barra, Aracruz e Serra. Foi responsável pelo fomento da emergência de novos ativistas e pela formação de grupos de base nos territórios, em torno da identidade de atingido. No Espírito Santo, o MAB foi o principal responsável pela criação das Comissões de Atingidos nos municípios afetados, com o apoio do FCDRD e ratificadas pelo Ministério Público Federal (MPF) e Defensoria Pública Estadual (DPES). Promoveu diversas ações de mobilização de atingidos e organizações civis, como repertórios disruptivos de contestação ao TTAC e seus programas de cadastramento e de compensação. Reivindicou a garantia da participação dos atingidos no processo de negociação das reparações no que concerne aos direitos humanos, socioeconômicos e ambientais, traçando demandas materiais e não-materiais, assim como a garantia de assistência técnica às pessoas atingidas e o reconhecimento de territórios afetados ao longo da calha e da foz norte e sul.

No propósito intencional e crucial de organização das bases populares nos territórios atingidos, o MAB e o FCDRD como movimentos sociais emergentes assumiram o papel de incubadoras para o movimento social contencioso. Trata-se de movimentos com atuação em nível estadual e nacional, formados por organizações históricas e ativistas com trajetórias na formação política de novas coletividades e na articulação de redes de movimentos.9 Mediante ação coordenada o MAB e o FCDRD desempenharam a função de incubadoras estimulando e apoiando a formação de grupos, indo além do papel tradicional de aliados, agindo na formação organizacional e identitária de ativistas e organizações nos territórios atingidos.

"As incubadoras de movimentos contenciosos influenciam a formação de atores, em particular de grupos pobres sem recursos e politicamente marginalizados, porque incidem na superação dos obstáculos da ação coletiva" (Houtzager, 2004, p. 166). Diferentemente dos aliados que se restringem ao apoio aos movimentos existentes, as incubadoras buscam criar e organizar novos movimentos, reconstruindo clivagens políticas e reorientando a contestação política (Carlos, 2019a).

3.2. Repertórios e performances

Esta seção discute os repertórios de confronto utilizados pelos ativistas, organizações sociais e movimentos em defesa dos direitos dos atingidos e do meio ambiente afetado, ao longo de três anos após o desastre socioambiental (2015 a 2018). A análise destaca três repertórios de confronto compostos por múltiplas ações, performances e táticas, a saber: repertório extrainstitucional (protestos públicos), repertório institucional (instituições participativas e ação judicial) e repertório multiescalar (tática de nacionalização e internacionalização). Ao contrário das teorias tradicionais de movimentos sociais que enfatizam a oposição entre ação outsider e insider, a combinação entre ação extrainstitucional e institucional vem sendo reconhecida em vários estudos no país e alhures.10 Este artigo além de enfatizar o uso combinado de repertórios extrainstitucionais e institucionais pelos atores coletivos, no contexto de desastre socioambiental, acrescenta o repertório multiescalar que articula distintas escalaridades da ação coletiva diante de restrições políticas na arena doméstica.

Dos repertórios e performances desencadeados posteriormente ao desastre socioambiental, são ressaltadas as ações extrainstitucionais (Gráfico 1). Predominam as manifestações públicas, como passeata, caminhada, marcha e ato público, mencionados por 34 ativistas, ou seja, 77% dos entrevistados, seguidas por manifestações on-line11, com 20 ocorrências, barricadas com 19 menções, criação de novas organizações, com 16, abaixo-assinados, com 7, e ocupação de prédios, com 6 citações. A categoria residual 'outros' também aponta ações extrainstitucionais, como assistência técnica aos atingidos, participação na organização de seminários12, educação ambiental nas escolas, manifestos e notas públicas.13 Somadas, as ações do repertório extrainstitucional perfazem 115 menções a atividades de mobilização pública, do conjunto de 176 ocorrências, representando 65% dos repertórios.

Indubitavelmente, as ações extrainstitucionais são predominantes no repertório dos ativistas, organizações e movimentos sociais. Dos protestos públicos desencadeados, destacam-se as marchas e as barricadas pelo seu caráter de inovação nos repertórios e performances. Também chamadas de caminhadas, as marchas pelo rio Doce foram performatizadas desde o rompimento da barragem até a chegada da lama de rejeitos nos territórios do Espírito Santo, repetindo-se ao longo dos três anos posteriores. Anualmente é realizada a passeata "Grito dos Excluídos", promovida pelo FCDRD e pela Arquidiocese de Vitória, evento de protesto que inseriu o tema do desastre socioambiental no calendário da Igreja Católica. A cada aniversário do desastre é promovida também a caminhada em Colatina, pela Diocese local, seguida de ato público, lançamento de manifesto e bênção do rio. Além do Fórum e da Igreja as manifestações públicas são organizadas pelo MAB, ademais articulam as associações de pescadores, de moradores, comissões de atingidos e movimentos ambientalistas. Nos protestos, ativistas e coletivos performatizam a tragédia ambiental com seus corpos sujos de lama, encenando a morte do rio e dramatizando as redes de pesca vazias.

Por sua vez, as barricadas e bloqueios acenam para o apelo público, chamando a atenção para a tragédia e sensibilizando setores da sociedade para a causa. Com forte carga simbólica o bloqueio da ferrovia Vitória-Minas da Vale, uma das mineradoras responsáveis pelo desastre, foi utilizado diversas vezes como estratégia de pressão e abertura das negociações com a empresa, promovidas principalmente por ativistas do MAB, mas também por indígenas e pescadores. Já as barricadas e bloqueios de ferrovias, rodovias e pontes foram estratégias utilizadas por associações de pescadores, comerciantes e moradores, em geral, reivindicando o reconhecimento de categorias profissionais e moradores como atingidos, como os protestos "somos todos atingidos" e "cartão para todos". As ocupações de prédios privados e públicos também foram táticas utilizadas para pressionar as decisões da empresa e de autoridades públicas, como a ocupação do escritório da Fundação Renova e da Prefeitura de Colatina. Por fim, a tática sit-in14 foi utilizada por ativistas do MAB em reunião do CIF, para pressionar as autoridades governamentais a reconhecerem territórios do litoral do Espírito Santo como atingidos pelo desastre.

Embora o repertório extrainstitucional atinja maior visibilidade pública e capacidade de mobilização de atingidos, as ações institucionais também são expressivas. Dessas, são mencionadas sobretudo a participação em audiências públicas, citadas por 18 ativistas, seguida por participação em conselhos e conferências de políticas públicas, realização de lobby ou pressão sobre políticos em cargos eletivos, ambos com 13 ocorrências, ação civil pública, com 9 menções, e participação em comitês de bacia hidrográfica com 8 (Gráfico 1). Cabe destacar que desde a Constituição Federal de 1988, o país incorporou as instituições participativas (conselhos, conferências, comitês de bacia) no desenho das políticas públicas, configurando um espaço de participação preexistente ao desastre no Rio Doce.15 Duas ações civis públicas foram impetradas, dentre outras ações judiciais: a ACP da União, governo de Minas Gerais e do Espírito Santo contra a Samarco (2015), e a ACP do Ministério Público Federal (2016) que criminaliza as mineradoras responsabilizadas pelo desastre socioambiental, dessa última participa o MAB.16

Destes repertórios institucionais, as audiências públicas assumem relevo porque se tornaram numerosas e foram utilizadas de modo inovador pelos atingidos.17 Na maioria dos estudos, as audiências públicas são consideradas como esfera pública institucional limitada à participação e à contestação política, utilizadas com frequência em consultas populares sobre o orçamento público (Zorzal & Carlos 2017) e para o licenciamento ambiental (Alonso & Costa 2004). Além disso, os estudiosos da participação institucionalizada dão pouca ênfase às audiências públicas, mencionando apenas o orçamento participativo, os conselhos e as conferências (Avritzer 2009). Porém, os modelos predominantes de instituições participativas não se adequam satisfatoriamente a esse contexto de desastre socioambiental. As audiências públicas se converteram em importante espaço para vocalização dos atingidos e publicização de sua causa. Observa-se o uso renovado das audiências públicas enquanto uma esfera pública de participação dos atingidos, de articulação entre os atores e de explicitação dos conflitos e tensões. Especialmente são protagonizadas por atingidos e promovidas por organizações mobilizadas na defesa dos seus direitos e reparações. Sobretudo são promovidas pelo Legislativo Estadual (CIPE Rio Doce e Comissão de Meio Ambiente da ALES), pela DP-ES e MP, em conjunto com o FCDRD e o MAB. Assim, no contexto de desastre socioambiental, as audiências públicas podem se constituir como um espaço de inovação e de confrontação. Protagonizadas por atingidos mobilizados, movimentos sociais e associações dos segmentos atingidos, a responsabilização das empresas mineradoras e a garantia dos direitos de reparação são as principais motivações do engajamento social nesta esfera.

Em termos organizacionais, a audiência pública possui composição mista (atores estatais, sociedade civil e atingidos) sendo conduzida pelos atores institucionais. A dinâmica de organização evidencia o caráter interativo dessa esfera, onde as organizações sociais e os atingidos possuem o direito à fala e à argumentação pública. Cabe destacar, no entanto, que enquanto arena de interação socioestatal, nas audiências públicas, o direito à fala, ao depoimento-denúncia e à escuta é desacompanhado de obrigatoriedade de posicionamento das instituições do Estado e autoridades presentes e de decisões vinculantes (Souza & Carlos, 2019).

Por fim, a tática multiescalar (Keck & Sikking 1998; Nash 2015) de nacionalização e internacionalização da causa é o terceiro repertório de confronto a ser destacado. Em geral é acionada de modo concomitante aos repertórios extrainstitucionais como as marchas, atos públicos e bloqueios, e os institucionais como a audiência pública e a ação civil pública. Ocorre através da formalização de denúncias às organizações internacionais de direitos humanos como a Organização dos Estados Americanos (OEA) e a Organização das Nações Unidas (ONU). As ações transescalares de internacionalização da causa ambiental e humanitária foram forjadas já no mês subsequente ao rompimento da barragem de Fundão, em 03 de dezembro 2015, quando o FCDRD impetrou denúncia à ONU em Carta Aberta, apelando para uma investigação independente. O FCDRD apresentou nova denúncia aos organismos internacionais de direitos humanos, em 01 de abril 2016, na OEA, com pronunciamento de um ativista do FCDRD e do MEDH, em Washington, contextualizando a mineração no país, enfatizando a dimensão do desastre e de seus impactos ambientais e humanos, e denunciando o modelo de governança do desastre das empresas responsabilizadas. Simultaneamente à denúncia na OEA, foram realizados a vigília e o ato público "1º de abril: dia das mentiras da Samarco", em frente à sede do governo estadual, em Vitória. Um ano depois, em 28 de novembro 2017, uma ativista do MAB expressou seu depoimento no Conselho de Direitos Humanos da ONU, compondo a denúncia formalizada pela Conectas Direitos Humanos.

Nestas ações multiescalares o papel das ONGs internacionais de direitos humanos como a Justiça Global e a Conectas Direitos Humanos foi fundamental na articulação dos atores e na coordenação da ação coletiva voltada à nacionalização e à internacionalização da causa. Resta mencionar a experiência pregressa do movimento estadual de direitos humanos, presente no FCDRD, que "se conectam a redes transnacionais de direitos humanos, viabilizando a atuação multiescalar, aos moldes de um 'ativismo além das fronteiras'" (Carlos, 2019b, p. 18).

 

Conclusões

A análise das mobilizações da sociedade civil pela garantia dos direitos de reparação e compensação das pessoas atingidas nos territórios do Espírito Santo, fundamenta o argumento de que no contexto de desastre socioambiental no Rio Doce emergiram mudanças na ação coletiva que caracterizam processos de inovação organizacional.

As transformações na ação coletiva se expressam no surgimento de novos ativistas, organizações e movimentos sociais, impulsionando o ativismo civil. Mais da metade dos ativistas é oriundo de um associativismo emergente, participantes sobretudo de movimentos sociais, fóruns da sociedade civil e organizações religiosas. Mesclando com as associações previamente existentes, a emergência de novas organizações e movimentos diversificam a composição do associativismo local.

A inovação organizacional consiste na adaptação e ressignificação do repertório organizacional preexistentes, com o uso não convencional de formatos conhecidos. Obedecendo a tradição associativa de bases territoriais e a experimentação de fóruns da sociedade civil, a inovação organizacional implicou na territorialização das organizações emergentes e na articulação de diferentes segmentos de atingidos em novos formatos organizacionais, a exemplo das comissões de atingidos e dos fóruns locais. Informados pelos modelos organizacionais cultural e empiricamente disponíveis, o repertório organizacional existente contribuiu para forjar a inovação na organização política dos atingidos, a partir de processos de adaptação e imitação.

No contexto de desastre socioambiental de restrições políticas e de interações conflituosas entre sociedade civil, empresas e governos, as táticas e performances reivindicatórias empregadas pelos movimentos e organizações combinam três repertórios de confronto - extrainstitucional, institucional e multiescalar. A complementariedade entre protesto, participação institucional e ação civil pública tenciona as teorias clássicas de movimentos sociais que dualizam ações outsider e insider. Além da ênfase no uso combinado de repertórios extrainstitucionais e institucionais, o estudo demonstra que restrições políticas na arena doméstica são impulsionadoras da tática multiescalar de nacionalização e internacionalização da causa.

Em termos analíticos, o estudo sustenta que estas mudanças na ação coletiva se vinculam a dois aspectos interdependentes que impulsionam a emergência de formas de mobilização. Sejam as restrições políticas e institucionais impostas pelo sistema de governança do desastre, cognitivamente percebidas pelos atores coletivos, marcadamente restritivas à participação das pessoas atingidas e simbolicamente repressoras ao reconhecimento pelas políticas de reparação. Sejam as organizações e movimentos preexistentes, que orientam cultural e empiricamente a inovação organizacional mediante a adaptação do repertório organizacional disponível. Ademais, movimentos emergentes vinculados a organizações históricas desempenham papel fundamental na mobilização dos atingidos, funcionando como incubadoras para o movimento social contencioso ao agir sobre sua formação organizacional e identitária. Em suma, o estudo enfatiza o papel das restrições políticas e das organizações preexistentes nas mudanças da ação coletiva com vistas à inovação organizacional.

 

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Recebido em: 10/08/2019
Aprovado em: 17/11/2019
Agência de fomento: Este trabalho foi realizado com o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG), Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Espírito Santo (FAPES), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Agência Nacional de Águas (ANA), no âmbito da chamada 6/2016, "Apoio a Redes de Pesquisa para Recuperação da Bacia do Rio Doce".

 

 

1 Versão resumida foi publicada na Environmental Assessment and Management (IEAM) - Special Series "SETAC Fundao Meeting, com o título "Civil society and social mobilizations in the context of the River Doce disaster".
2 Agradeço pelas colaborações da Rede de Pesquisa ComRioComMar (www.comriocommar.com.br) e dos pesquisadores do Núcleo Participação e Democracia (NUPAD) da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).
3 Os ativistas homens com função de coordenação ou diretoria na OSC/MS representam 84% dos entrevistados, indicando seu papel de liderança na organização ou movimento social.
4 Para respondentes válidos em cada segmento, vide Tabela 1.
5 A multifiliação de ativistas a organizações e movimentos sociais sobrepostos foi analisada por Mische (2008) no movimento estudantil brasileiro, e por Carlos (2015) no movimento de direitos humanos no Espírito Santo.
6 Depoimento de ativistas de organizações civis e movimentos sociais, entrevistados no período de maio a setembro de 2018. Fonte: Survey de entrevista semiestruturada.
7 O Manifesto de Criação do Fórum Capixaba de Entidades em Defesa do Rio Doce foi assinado por 72 organizações sociais e conta atualmente com 58 entidades participantes.
8 O MAB nacional foi criado, em 1989, no 1º Encontro Nacional de Trabalhadores Atingidos por Barragens. No 1º Congresso Nacional de Atingidos por Barragens, em 1991, foi definido como "um movimento nacional, popular e autônomo, organizando e articulando as ações contra as barragens a partir das realidades locais." Recuperado de http://www.mabnacional.org.br/content/3-os-encontros-nacionais-e-cria-do-movimento-nacional.
9 No caso do MAB no Espírito Santo, destaca-se sua vinculação ao MAB Nacional e ao MAB em Mariana, Minas Gerais. Por sua vez, no FCDRD sua vinculação a organizações do MEDH, do MNDH e de segmentos da Igreja Católica.
10 Banaszak (2010); Goldstone (2003); Abers, Serafim, & Tatagiba (2014); Carlos (2015); Dowbor (2012); Alonso (2014).
11 Plataforma Wiki Rio Doce, sites, Facebook e WhatsApp.
12 Como o Fórum Alternativo Mundial da Água (FAMA) e 8º Fórum Mundial da Água, 2018.
13 A categoria 'outros' também inclui ações de nacionalização e internacionalização da causa, que serão analisadas adiante no repertório multiescalar.
14 Sit-ins são táticas de confronto utilizadas por grupos de ativistas. Os manifestantes ocupam um espaço ou lugar estratégico, como via pública, edifício ou reunião de autoridades, permanecendo sentados até serem retirados ou detidos ou até que as suas exigências sejam satisfeitas.
15 Além disso, o perfil associativista dos ativistas aponta sua participação pregressa em instituições participativas. Dos entrevistados, 68% afirmam ter experiência na participação de orçamento participativo, conselhos gestores de políticas públicas, conferências de políticas, comitê de bacia hidrográfica e audiência pública de licenciamento ambiental.
16 Para uma análise das ações judiciais do desastre do Rio Doce, vide: Dornelas et al. (2016).
17 No período de novembro de 2015 a setembro de 2016 foram realizadas 14 audiências públicas de atingidos, distribuídas nos municípios de Vitória, Colatina, Baixo Guandu e Linhares. Outras audiências públicas de atingidos continuaram sendo organizadas no período subsequente.

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