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Revista Psicologia Política

versão On-line ISSN 2175-1390

Rev. psicol. polít. vol.19 no.spe São Paulo dez. 2019

 

ARTIGOS

 

Institucionalização e capacidades estatais em dois municípios capixabas atingidos pelo desastre-crime do rio doce: os casos de Colatina e Linhares

 

Institutionalization and state capacities in two municipalities in the state of espírito santo affected by the rio doce disaster-crime: the cases of Colatina and Linhares

 

Institucionalización y capacidades estatales en dos municipios del estado de espírito santo afectados por el desastre-crimen de rio doce: los casos de Colatina y Linhares

 

Institutionnalisation et capacités de l'état dans deux municipalités d'espírito santo touchées par la catastrophe de rio doce: les cas de Colatina et Linhares

 

 

Luciana Andressa Martins de SouzaI; Maira RodriguesII; Paolo de Souza SilvaIII

IDoutora em Ciência Política, professora do Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória/ES, pesquisadora do Núcleo Democracia e Ação Coletiva (NDAC) do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEPRAP) e do Núcleo Participação e Democracia (NUPAD/UFES). Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória/ES, Brasil / lu.ufscar@hotmail.com
IIDoutora em Ciência Política, professora visitante da Universidade Federal do ABC (UFABC), Santo André/SP, pesquisadora do Núcleo Democracia e Ação Coletiva doCentro Brasileiro de Análise e Planejamento (NDAC-CEBRAP). Universidade Federal do ABC (UFABC), Santo André/SP, Brasil (orcid: 0000-0001- 9030-9340) mairarodrigues@hotmail.com
IIIMestrando do Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Vitória/ES, e pesquisador do Núcleo Participação e Democracia (NUPAD/UFES); Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Vitória/ES, Brasil / paolodesouza@gmail.com

 

 


RESUMO

O objetivo deste artigo é comparar os diferentes padrões de institucionalização e construção de capacidades estatais em um momento crítico. A análise se divide em duas frentes: (a) Analisar o processo histórico de interação entre os atores estatais e os atores de mercado, induzindo a construção de capacidades estatais em diferentes níveis federativos, especialmente no nível municipal, e o contexto do desastre- crime socioambiental do Rio Doce e; (b) Comparar os diferentes padrões de institucionalização e construção de capacidades estatais relacionados à área de meio ambiente a partir dos resultados das interações entre os atores estatais e não estatais. Os resultados mostram diferentes padrões de dispositivos de políticas públicas instituídos como resposta ao desastre-crime entre os municípios.

Palavras-chave: Capacidades estatais; Desastre-crime socioambiental; Rio Doce; Meio ambiente.


ABSTRACT

The aim of this paper is to compare the different patterns of institutionalization and state capacity building in a critical context. The analysis is divided into two questions: (a) Analyze the historical process of interaction between state actors and market actors, inducing the construction of state capacities at different federative levels, especially at the municipal level and the context of socio-environmental disaster-crime of the Rio Doce; (b) Compare the different patterns of institutionalization and state capacity building related to the environment from the results of interactions between state and non-state actors. The results show different patterns of public policy arrangements instituted in response to the disaster-crime at the municipalities.

Keywords: State capacities; Socio-environmental disaster-crime; Rio Doce; Environment.


RESUMO

El objetivo de este texto es comparar los diferentes patrones de institucionalización y desarrollo de capacidades estatales en un contexto crítico. El análisis se divide en dos frentes: (a) Analizar el proceso histórico de interacción entre el estado, la sociedad y el mercado, lo que induce a la construcción de capacidades estatales en diferentes niveles federativos, especialmente a nivel municipal y el contexto del Rio Doce y el desastre socioambiental; (b) Compare los diferentes patrones de institucionalización y desarrollo de capacidades estatales relacionados con el medio ambiente a partir de los resultados de las interacciones entre tales actores. Los resultados e muestran diferentes patrones en la creación de dispositivos de políticas públicas para enfrentar el desastre-crimen em los municipios.

Palabras clave: Capacidades estatales; Desastre socio-ambiental- crimen; Rio Doce; Medio ambiente.


RÉSUMÉ

L'objectif de cet article consiste à comparer les différents modèles d'institutionnalisation et de renforcement des capacités de l'État à un moment critique. L'analyse est divisée en deux fronts : (a) Analyser le processus historique d'interaction entre les acteurs étatiques et les acteurs du marché, induisant la construction de capacités étatiques à de différents niveaux fédératifs, notamment au niveau municipal, d'un côté, et le contexte de la catastrophe socio-environnementale- criminelle de Rio Doce, d'autre part ; et (b) Comparer les différents modèles d'institutionnalisation de l'État et de renforcement des capacités liées à l'environnement, à partir des résultats d'interactions entre les acteurs étatiques et non étatiques. Les résultats montrent différents schémas d'arrangements de la politique publique mise en place pour répondre à l'aspect criminel associé aux catastrophes au sein des municipalités.

Mots-clés: Capacités de l'État ; Crime socio-environnemental en cas de catastrophe ; Rio Doce; Environnement.


 

 

1. Introdução

Este artigo apresenta reflexões sobre a comparação entre diferentes padrões de institucionalização e construção de capacidades estatais relacionadas à área ambiental (saneamento, gestão hídrica e reestruturação da biodiversidade local) em um momento crítico. Entre os principais objetivos, destacam-se: primeiramente, analisar como o processo histórico de interação entre atores estatais e não estatais, notadamente os atores do mercado, induziram a construção de capacidades estatais em diferentes níveis federativos, especialmente em nível municipal, e no contexto do desastre-crime socioambiental do Rio Doce1; em segundo lugar, comparar os diferentes padrões de institucionalização e construção de capacidades estatais relacionadas à questões ambientais, a partir dos resultados das interações entre os atores estatais e não estatais. Essa interação é aqui apreendida através da institucionalização dessas interações na criação de dispositivos estatais nos municípios capixabas de Linhares e Colatina.

A análise tem como foco os padrões de institucionalização e construção de capacidades estatais instituídos antes e após o desastre-crime socioambiental sofrido pelo Rio Doce e o seu entorno, em 16 de novembro de 2015. O rompimento da barragem de rejeitos de mineração de Fundão, localizada no Distrito de Bento Rodrigues, em Mariana (MG), construída e operada pela Samarco Mineração S/A2, é considerado "o maior desastre tecnológico da mineração tanto em volume de rejeitos liberados, quanto em extensão geográfica de danos causados ao meio ambiente" (Ramboll, 2017, p. 34; segundo Silva Zorzal, Cayres, & Souza, 2019, p. 467). Além de destruir residências e a infraestrutura da região e ter causado 19 mortes, impactos ambientais e sociais de grande magnitude, os quais se avolumaram ao longo dos 41 municípios atingidos nos Estados de Minas Gerais e Espírito Santo, especialmente devido à poluição hídrica da bacia do Rio Doce e à interrupção de abastecimento de água.

Considera-se o desastre-crime socioambiental do Rio Doce como um momento crítico, uma vez que ele possivelmente abre uma janela de oportunidades para a atuação dos atores estatais e não estatais, despertando o interesse para a necessidade de ação imediata. Kingdom (2003) estabelece um conjunto de mecanismos, entre eles eventos de grande magnitude, tais como crises e desastres por exemplo, os quais desencadeiam momentos críticos que possibilitam transformar questões já relevantes em problemas urgentes para os atores do processo decisório e, consequentemente, produzir mudanças na agenda governamental.

Este estudo se inspira na abordagem que compreende o processo de institucionalização e de construção das capacidades estatais enquanto resultante do caráter mutuamente constitutivo das interações socioestatais (Gurza Lavalle, Carlos, Dowbor, & Szwako, 2019), incluindo os atores do mercado. A perspectiva relacional multinível (Izunza Vera & Gurza Lavalle, 2012) foi adaptada como ferramenta analítica para investigar os padrões de interfaces socioinstitucionais e, neste caso também intra e interinstitucionais, das capacidades estatais relacionadas ao meio ambiente.

De acordo com os pressupostos apresentados por Gurza Lavalle et al. (2019, p. 27), ao voltarmos nosso olhar para o Estado, a pergunta a ser feita consiste em saber se a capacidade acumulada (assim como a falta dela) incrementa ou não os instrumentos de ação e intervenção estatais instituídos após o desastre-crime. Os autores apontam que essas configurações têm lugar através de encaixes e interações socioestatais, ou seja, "esses instrumentos têm gênese política" (Gurza Lavalle et. al., 2019, p. 27). Neste estudo, desloca-se o foco para os resultados das interações entre atores estatais e não estatais e, portanto, não se observam os processos nos quais elas foram constituídas. No entanto, apresentamos uma breve contextualização acerca de como o legado histórico de interação entre os atores citados, notadamente os atores do mercado, induziram a construção de capacidades estatais em diferentes níveis federativos e o contexto do desastre-crime socioambiental do Rio Doce.

Empiricamente, comparamos os padrões de institucionalização e de construção de capacidades administrativas voltadas para a produção de políticas públicas ambientais, em dois municípios capixabas atingidos pelos desdobramentos do rompimento da Barragem do Fundão. As capacidades instaladas são pensadas em termos de ações e instrumentos estatais institucionalizados através de dispositivos3, ou seja, através de instituições, leis, portarias e decretos municipais instituídos pelos Poderes Executivo e Legislativo na área ambiental e na capacidade técnico administrativa, abordada a partir dos recursos orçamentários destinados às rubricas de saneamento e meio ambiente selecionadas na pesquisa. Izunza Vera e Gurza Lavalle (2012) utilizam o conceito de dispositivo em um quadro analítico para contrastar a diversidade da arquitetura institucional multinível (nacional e municipal) da participação orientada para o controle social, em dois contextos de inovação distintos: México e Brasil. No presente estudo, a institucionalização e a capacidade estatal será observada por meio da comparação entre os diferentes dispositivos constituintes dos arranjos institucionais para a implementação de políticas públicas. Estes últimos entendidos por Pires e Gomide (2014) como as regras específicas estabelecidas pelos agentes para si nas relações políticas ou como o "conjunto de regras e processos que definem a forma particular como se coordenam atores e interesses na implementação de uma política pública específica" (Pires & Gomide, 2014, p. 22).

Este artigo está organizado como segue. Na seção subsequente, apresenta-se o processo histórico de interação entre os atores estatais e os atores do mercado e a construção de capacidades estatais com relação ao meio ambiente, em nível federal e municipal, assim como o contexto do desastre-crime socioambiental do Rio Doce. A terceira seção é dedicada a apresentar a metodologia de pesquisa utilizada e, na quarta seção, apresentam-se os resultados da análise em ambos os municípios. Por fim, são oferecidas algumas considerações finais aliadas aos principais desafios desta agenda de pesquisa.

 

2. O contexto do desastre-crime do Rio Doce: o processo de interação entre os atores estatais e os atores do mercado

Desastres ambientais, principalmente na região de Minas Gerais, estão diretamente correlacionados com os períodos baixos dos ciclos dos preços minerais, como amplamente demonstrado pela literatura (Milanez & Losekann, 2016; Wanderley, Mansur, & Pinto, 2016; Zonta & Trocate, 2016). Estes ciclos são relacionados a diversas questões estruturais, dentre elas, o interesse das empresas para que as licenças ambientais sejam obtidas em pouco tempo, ocasionando pressão sobre as fases de pesquisa e estudos aprofundados, estes últimos de imensa necessidade e importância para os processos de licenciamento ambientais. Uma vez pressionadas, as agências de licenciamento podem igualmente adotar escolhas impróprias ou incompletas nas avaliações de impactos e riscos ambientais, aumentando a incidência destes últimos (Wanderley, Mansur, & Pinto, 2016, p. 39).

A Companhia Vale do Rio do Doce foi uma instituição de forte presença e simbolismo para a corrida desenvolvimentista do Brasil durante todo o século XX. Desde os governos de Getúlio Vargas e de Juscelino Kubistchek, até durante a ditadura militar, a Vale desempenhou papel estratégico para a economia nacional e, durante muito tempo, foi considerada como exemplo de eficiência no âmbito do Estado brasileiro (Silva, 2004).

Entretanto, durante as décadas de 1970 e 1980, alguns fatores impulsionaram a revisão do papel do Estado, com consequências para as companhias nacionais, tais como a Vale. Resumidamente, a crise e posterior crítica ao modelo de Estado de Bem-Estar Social (Pierson, 2001), acompanhada de críticas endereçadas à validade e à legitimação do papel indutor do desenvolvimentismo pelo Estado e envolvendo a crise econômica do petróleo de 1973, levaram a propostas de reconsideração do o papel do Estado na provisão de serviços e políticas, com vistas à redução dos gastos estatais. A partir deste momento, ganharam força novos modelos de gestão pública, os quais se consolidam na chamada Nova Administração Pública ou Administração Pública Gerencial, nascida do debate sobre a reforma administrativa do governo central e com um conjunto de reformas do setor público em muitos países, especialmente a partir dos anos 1990. No Brasil, a reforma do Estado foi pensada a partir de redefinição de suas funções, visando ajuste fiscal que, segundo Bresser-Pereira (1997), devolveria maior autonomia financeira ao Estado, além de reforma administrativa com foco gerencial e não burocrático. Essas reformas são orientadas para melhorias no serviço público, inspiradas em uma presumida eficiência do setor privado, utilizando métodos de privatização e terceirização para ganhar competitividade (Pierre, 2011) e que privilegiam o papel do Estado como regulador e desvalorizam a respectiva atuação social e até mesmo no mercado, o que passou a ser compreendido como práticas de liberalização econômica, conhecidas como neoliberalismo (Pierre, 2011; Silva, 2004). Foi neste contexto de revisão do papel estatal que a antiga Companhia Vale do Rio Doce foi privatizada, em 1997, deixando de fazer parte do aparato do Estado, alterando o seu funcionamento para se adequar às regras do mercado. No entanto, embora, por um lado, a Companhia deixa de ser estatal, por outro lado, as relações entre ela e o Estado continuam a existir.

Esta foi a dinâmica sobre a qual se desenvolveram os trabalhos da Samarco na região de Mariana - MG. A Barragem de Fundão foi licenciada entre os anos de 2005 a 2008, justamente no momento mais aquecido do setor de mineração e o seu licenciamento foi realizado por instituições que sofreram sérios processos de precarização, os quais se aprofundaram ainda mais quando da sequente baixa por ocasião da subsequente queda nos preços das commodities. Além disso, importantes condicionantes ambientais foram muitas vezes atendidos de forma pouco satisfatória (Wanderley, Mansur, & Pinto, 2016).

A Samarco esteve em operação desde a década de 1970, na região de Mariana, tendo deixado muitos problemas na esteira da sua atuação na região. Em primeiro lugar, a dependência econômica da cidade para com o mercado da mineração. Em 2015, o orçamento do município de Mariana-MG dependia em 80% do setor de mineração. Em segundo lugar, a operação da Samarco fomentou igualmente a precarização do trabalho, uma vez que a maioria dos postos de trabalho são temporários. Em geral, os postos de níveis mais especializados são ocupados por pessoas que vivem em grandes centros, ao passo que a população local é somente contratada para serviços de limpeza e manutenção das estruturas (Wanderley, Mansur, & Pinto, 2016). Outro fator que eleva a precarização do trabalho é a terceirização que vem acompanhada da deterioração das condições de trabalho, tais como, por exemplo, menos estabilidade, salários inferiores e a não fiscalização das condições de trabalho. As informações mostram que dos 14 trabalhadores mortos no rompimento da Barragem de Fundão, 13 eram de empresas terceirizadas (Wanderley, Mansur, & Pinto, 2016).

Muitos são os motivos que podem levar uma barragem a se romper, tais como o excesso de chuvas, as condições estruturais do talude, a erosão, os vazamentos, a quantidade de rejeitos acima do recomendado ou ainda causas naturais como abalos sísmicos e terremotos. Com efeito, muitos acidentes ambientais acontecem no Brasil, segundo dados do IBAMA. Informações mostram que durante o ano de 2009, por exemplo, foram registrados 508 eventos (Coelho et al., 2017).

De fato, existem relações entre mineração voltada para a exportação, riscos e política ambiental como bem demonstram os pressupostos de Coelho et al. (2017). Estes autores apontam que, com a crescente demanda por minério de ferro e outros minerais, o número de barragens subiu como forma de solucionar o problema dos rejeitos advindos das atividades de lavra. Um agravante da situação é que regiões de exportação de matérias-primas minerais, como o caso da Bacia do Rio Doce são, historicamente, territórios de frágeis regulações ambientais onde a sociedade tem sérias dificuldades em acompanhar as informações e perceber o que está acontecendo.

Apesar de toda a orientação da responsabilidade do desastre-crime apontar para as práticas próprias da empresa, é importante igualmente voltarmos o olhar para a atuação do Estado em sua relação com ela e com o mercado da mineração de modo geral. Tanto no papel de regulação das atividades da empresa e da forma de exploração dos minérios, quanto na atuação estatal após o momento do desastre-crime.

O rompimento da Barragem de Fundão é um bom caso para se compreender como o Estado tem organizado as suas capacidades para a orientação, regulação e fiscalização das atividades produtivas no país, em especial no que diz respeito a atividades que tenham impacto ambiental. Para pensar a qualidade da governança ambiental é preciso lembrar que as agências ambientais sempre foram vistas como de menor importância vis-à-vis de outras agências e ministérios, tais como os Ministérios do Planejamento, Indústria ou Cidades, por exemplo (Santos & Wanderley, 2016).

O desenho da política ambiental de um país demonstra como os recursos naturais são explorados na tarefa do desenvolvimento econômico, financeiro e social. No caso brasileiro, bem como em outros casos, nota-se a crescente necessidade de produção paralelamente ao esgotamento dos recursos naturais (Ferreira & Salles, 2016; Monosowski, 1989).

Para entender como funciona a atual dinâmica da gestão ambiental no país, é preciso discutir as influências do federalismo no compartilhamento das responsabilidades entre os entes federados. No artigo 23 da Constituição Federal de 1988, a preservação ambiental e o combate à poluição estão listados dentre as competências compartilhadas igualmente entre os três entes federados. Porém, a regulamentação das formas de cooperação entre a União, os Estados e os Municípios previstos neste capítulo constitucional somente ocorreu em 2011 - através da Lei Complementar nº140/2011 - (Leme, 2016), ou seja, apenas quatro anos antes do rompimento da Barragem de Fundão.

O arranjo institucional da Política Nacional de Meio Ambiente orbita ao redor do Ministério do Meio Ambiente - MMA como principal articulador do Sistema Nacional de Meio Ambiente - SISNAMA. É o MMA quem coordena e articula as ações, enquanto no nível estadual estão as instituições fiscalizadoras das atividades que podem causar degradação ambiental, ao mesmo tempo que são as responsáveis pela execução dos programas e planos estatais (Leme, 2010).

Ao nível municipal cabe o controle e a fiscalização das ações, sendo igualmente nesta esfera onde são encontradas as maiores dificuldades de institucionalização do SISNAMA (Ganem, 2014)4. No município também reside o palco em que a população está mais próxima dos representantes políticos e pode interagir de forma mais intensa com as políticas públicas, tanto em sua formulação, quanto em sua avaliação (Leme, 2010). Por este motivo, torna-se relevante compreender as capacidades estatais instaladas nos municípios e as distinções entre os tipos de gestão ambiental por eles promovida.

 

3. Metodologia

Este artigo utiliza a metodologia de comparação entre pares para analisar as semelhanças e diferenças nos padrões de institucionalização e construção de capacidades estatais instituídos antes e após o desastre-crime em dois municípios capixabas, os quais figuram entre os primeiros atingidos pelos rejeitos de minério no Estado do Espírito Santo (ES)5

No dia 25 de novembro de 2015, 35 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério em lama vazaram da Barragem de Rejeitos de Fundão, localizada no distrito de Bento Rodrigues, em Mariana (MG), de propriedade da empresa Samarco Mineração S. A., e afetaram todo o território a jusante da Bacia Hidrográfica do Rio Doce, atingindo desde a respectiva nascente até a foz, alterando a dinâmica de vida no estuário do rio e matando praticamente toda vida em seu interior.

A lama tóxica chegou no Estado do Espírito Santo (ES), através do Rio doce, no dia 16 de novembro. Dois dias depois, chegou à cidade de Colatina (ES), deixando os moradores amedrontados, já que o abastecimento de água era diretamente realizado por meio deste Rio. O terceiro município capixaba a ser atingido pela lama foi Linhares, no dia 22 de novembro, causando bastante indignação, especialmente na comunidade de Regência, muito ligada à pesca e ao turismo, sobretudo, por ser tratar de área considerada como refúgio natural.

Ambos os municípios compartilham o território atingido pela mesma dinâmica de desastre-crime ambiental, apresentando muitas características em comum, tais como localização geográfica próxima, mesmo porte populacional, mesmo alinhamento político partidário no contexto do governo estadual e alimentados pelo mesmo rio. No entanto, sublinham-se algumas diferenças quanto ao resultado das políticas públicas, verificadas por meio dos indicadores de meio ambiente e do número de instituições participativas. O município de Colatina tem uma população estimada, em 2019, de 122.499 habitantes segundo o IBGE, e conta com 19 conselhos, dos quais apenas um foi criado antes do ano 2000 (MUNIC, IBGE). Observa-se que 85.5% de domicílios possuem esgotamento sanitário adequado, 62.3% de domicílios urbanos têm vias públicas com arborização e 40.9% de domicílios urbanos estão em vias públicas com urbanização adequada (presença de bueiro, calçada, pavimentação e meio-fio) (IBGE, cidades). Ao passo que o município de Linhares tem população estimada de 173.555 pessoas, em 2019 segundo o IBGE, e conta com 15 conselhos, dos quais 4 foram criados antes do ano 2000 e os demais após este ano (MUNIC, IBGE). Verifica-se uma cobertura muito menor de domicílios com esgotamento sanitário adequado: 66.7%, uma pequena vantagem em relação a porcentagem de domicílios urbanos em vias públicas com arborização: 71.6%; e, uma vez mais, uma esmagadora diferença com relação aos domicílios urbanos em vias públicas com urbanização adequada: 19.7% (IBGE, cidades).

Essa caracterização serve de base para o nosso foco de comparação, a saber, dados sobre as legislações ambientais, volume dos recursos específicos para meio ambiente e saneamento, existência de canais de participação, a exemplo dos conselhos de meio ambiente e instituições em quesito de órgãos, secretarias e departamentos, presentes no arranjo institucional de cada município, distribuídos segundo a gestão e o partido do Prefeito e o Vice-Prefeito (desde 2004 até o presente, nas tabelas apresentadas nas seções dedicadas a cada município). No âmbito destes arranjos, analisam-se os dispositivos a partir das suas interfaces socioestatais e intra e interestatais, além do tipo de ação, capturados segundo a adaptação da análise multinível de Isunza Vera e Gurza Lavalle (2012).

Ademais, utilizou-se dados do Ministério da Fazenda, dos Portais da Transparência e de Leis Orçamentárias Anuais para se analisar os recursos financeiros disponíveis e utilizados ou não para dar conta dos trabalhos de prevenção de desastres, gestão ambiental e saneamento antes e após o rompimento da Barragem de Fundão em Mariana-MG (ex ante e ex post).

A partir dos dados disponibilizados pelo Siconfi6, em sua tabela FINBRA (Finanças do Brasil - Dados Contábeis dos Municípios), extraíram-se informações referentes às Despesas Pagas. Os dados orçamentários são apresentados a partir de duas rubricas: Gestão Ambiental e Saneamento. Em que pese as funções estarem intimamente ligadas e muitas vezes se confundirem em um só órgão7, na verdade, as duas trazem diferenças que merecem ser explicitadas. A rubrica de saneamento básico diz respeito às medidas de modificação ou preservação ambiental, com vistas a prevenir doenças, melhorar a qualidade de vida e facilitar as atividades econômicas mediante a atuação em ações de abastecimento de água, manipulação de esgotos (doméstico, industrial, rural e pluvial) e recolhimento e destinação de lixo. Ao passo que a rubrica Gestão Ambiental refere-se às técnicas de gestão de recursos financeiros e humanos para o ordenamento de atividades humanas, a fim que estas causem o menor impacto ambiental possível, ou, por fim, concernem às atividades de preservação, conservação e restauração de ecossistemas (Yon, Homa, & Palma, 2006).

Apesar do rompimento da Barragem de Fundão ter ocorrido no ano de 2015, as análises das legislações ambientais em nível municipal dão conta de legislaturas a partir dos anos 2000 até o presente. Essa escolha foi feita considerando que o legado institucional (capacidade estatal instalada ou a ausência dela) é importante, no intuito de se compreender as estruturas e os arranjos institucionais que dotaram os governos de capacidade para dar respostas ao momento crítico.

 

4. Apresentação dos resultados

Nesta seção, apresentam-se as diferenças e especificidades dos arranjos institucionais (saneamento, gestão hídrica e reestruturação da biodiversidade local), assim como as variações nos dados financeiros entre os anos de 2013 a 2017 em cada um dos municípios analisados e, em seguida, a análise dos resultados em ambos os municípios.

4.1 Colatina

Em Colatina, entre 2001 e 2017, levou-se em consideração para a análise a institucionalização de dispositivos legais, com foco no Código de Meio Ambiente, no Fundo de Meio Ambiente e no Programa Produtor das Águas, como respostas para a crise hídrica na primeira década dos anos 2000. Além dos dispositivos de articulação com municípios vizinhos e entes do mercado financeiro internacional e os poucos instrumentos instituídos após a chegada da lama ao município.

Em Colatina a primeira gestão analisada (2001-2004) foi a coligação entre o PSB e o PT, com a eleição de João Guerrino Balestrassi (PSB). O sucesso desta chapa, nesta eleição, significou o rompimento de um grande ciclo político na cidade, liderado pelo ex-prefeito Dilo Binda, do PDT (Partido Democrático Trabalhista), figura icônica da política estadual nos anos 1980, quando era base de apoio para o governador Max Mauro (também do PDT)8

O principal dispositivo criado nesta legislatura foi o Código Municipal de Meio Ambiente, instituído em 2004 em um esforço do Executivo Municipal para atualizar e agrupar as legislações ambientais pré-existentes em uma só norma, com objetivos de compatibilizar o desenvolvimento social com a preservação ambiental através do controle da rede de produção instalada no município; estabelecer normas, critérios e padrões da emissão de efluentes; e promover a qualidade ambiental na cidade.

Este código igualmente instituiu o Sistema Municipal de Meio Ambiente, atribuindo ao Sanear (órgão de saneamento municipal) as funções de execução da política ambiental municipal, assim como a gestão do Fundo Municipal de Meio Ambiente e o poder de Polícia Ambiental. A gestão era prevista para ser compartilhada com o Conselho Municipal de Meio Ambiente - CMMA, como órgão tripartite entre o poder público, setores empreendedores e a sociedade civil.

No entanto, a composição do conselho deu indicações de maior abertura para a participação da sociedade civil, uma vez que dos 18 representantes que o compuseram apenas 6 foram de órgãos ligados à administração pública e 12 foram de entidades da sociedade civil, formando maioria absoluta. Além disso, o novo sistema teve ligações com o Plano Diretor Municipal, Zoneamento Ambiental, a gestão das Áreas de Preservação Permanente, as avaliações de impacto e o padrão de qualidade do meio ambiente.

Para a gestão entre 2005 e 2008, o prefeito Guerino Balestrassi (PSB) foi reeleito, sendo reconduzido ao cargo. Porém desta vez, teve ao seu lado o PPS como vice da coligação, seguidos por PT, PV e PSDB10

Neste período, foram criados poucos instrumentos de políticas públicas, sendo o principal deles a reformulação do Fundo Municipal de Meio Ambiente, confirmando a gestão por parte do Sanear em conjunto com o Conselho Municipal de Meio Ambiente. Ao Sanear compete a elaboração da proposta orçamentária, a celebração de convênios e contratos, bem como a ordenação de despesas, sendo fiscalizado e aprovado pelo Conselho, o qual tinha competências para definir critérios e prioridades, fiscalizar a aplicação dos recursos, apreciar propostas, relatórios e contas do SANEAR, além de aprovar o plano anual de trabalho. Este é um instrumento que tem função estratégica para a relação política, uma vez que regula a saída de recursos financeiros da área ambiental no município.

A gestão entre 2009 e 2012 é a gestão imediatamente anterior ao rompimento da Barragem de Fundão e à chegada da lama tóxica ao município. A análise do seu arranjo institucional é importante para se entender a capacidade do Estado em atuar sobre o território, principalmente, na construção e implementação das políticas públicas voltadas para saneamento e gestão ambiental.

Na conjuntura política local ocorreu uma ruptura entre o PT e o PSB, pois como foi o segundo mandato consecutivo de Guerino Balestrassi (PSB), houve uma disputa pelo direito de concorrer à eleição entre os partidos. Não havendo consenso, o PT e o PSB romperam os acordos de aliança e cada um lançou o seu candidato à chefia do Executivo. O PT lançou Leonardo Deptulski à disputa, aliado a outros cinco partidos e foi eleito.

Leonardo Deptulski11é central para a compreensão de muitas das questões relativas à gestão hídrica do município de Colatina e do Estado do Espírito Santo. Isso porque, após ser prefeito da cidade, ele foi nomeado para a presidência da Agência Estadual de Recursos Hídricos (Agerh) pelo Governador Paulo Hartung, em 2017. A Agerh é a principal autarquia estadual nas ações estatais relativas à contaminação das águas capixabas pelos rejeitos da mineradora Samarco.

As principais leis ambientais promulgadas durante este governo foram: o Programa Produtor das Águas; a assinatura do Consórcio Intermunicipal de Saneamento - CISABES e a criação da Unidade Executora do Programa de Desenvolvimento Urbano e Saneamento.

O Programa Produtor das Águas foi criado como instrumento regulatório, implementado devido à crise hídrica instalada no município naquele período e pretendia atuar na conservação e melhoria das águas e da biodiversidade local, na redução dos processos erosivos e na captura e fixação de carbono, com vistas a diminuir os efeitos das mudanças climáticas. Sua gestão ficou por conta do SANEAR e da Câmara Municipal que puderam realizar convênios com bancos, órgãos governamentais e entidades da sociedade civil para dar apoio técnico e financeiro aos produtores rurais que aderissem ao Programa. Ao passo que as despesas decorrentes das ações do Programa ficaram por conta do Fundo Municipal de Meio Ambiente.

A criação da Unidade Executora do Programa de Desenvolvimento Urbano e Saneamento Ambiental de Colatina ocorreu em 2012, através de um instrumento regulatório e fiscalizatório. Neste caso, a Câmara Municipal autorizou o Executivo a contratar um empréstimo no valor de U$11 milhões de dólares com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) para ações do Programa de Desenvolvimento Urbano e Saneamento Ambiental do município, tendo como condicionante a criação da UEP - Unidade Executora do Programa12, responsável pela interlocução entre o Poder Municipal e o BID.

O Consórcio Inter Municipal de Saneamento do ES - CISABES é constituído por 25 municípios capixabas e outro do Estado de Minas Gerais (Aimorés). Este consórcio pode atuar na área de saneamento, abastecimento de água, coleta e tratamento de esgoto, resíduos sólidos e drenagem urbana, podendo ainda fiscalizar e regular contratos quando não for o executante ou realizar licitações em nome do município. Além disso, o CISABES faz a gestão operacional e administrativa de sistemas de saneamento, os quais tratam da implantação de processos de planejamento e capacitação. Dentre as suas atribuições, encontram-se igualmente a formulação de políticas ambientais a serem cumpridas nos municípios participantes, podendo também prestar assistência jurídica oficial ou extraoficialmente e até mesmo representar os municípios que participem do Consórcio. É um grande ator com influência em todas as regiões do Estado do ES (norte, sul, metropolitana e serrana).

Na quarta gestão analisada, entre 2012 a 2016, Leonardo Deptulski conseguiu a reeleição, novamente pelo PT, e desta vez ampliou a respectiva base de apoio, contando com PRB, PP, PTB, PMDB, PSDC, PRTB, PTC, PRP e PSDB (nove partidos) e igualmente ampliou a sua aprovação perante ao eleitorado, alcançando 63% dos votos válidos e totalizando 39 mil votos nominais. Observa-se que o PT, antes com o PSB, não encabeçava a chapa, mas ao deixar a aliança confirmou uma trajetória de guinada para cima pela segunda eleição consecutiva.

Foi nesta gestão que ocorreu o rompimento da Barragem de Fundão, em 2015, lançando os milhões de metros cúbicos de rejeitos de minérios que alcançaram as margens do Rio Doce em Colatina.

A principal lei promulgada nesta gestão foi a reestruturação do Sanear. A autarquia foi criada em 1998, na administração de Dilo Binda (PTB), neste período absorveu as competências dos antigos SAAE - Serviço Autônomo de Água e Esgoto e do SAMAL - Serviço de Meio Ambiente e Limpeza Urbana, tornando-se a partir deste momento o responsável, simultaneamente, pelos serviços de criação e implementação das Políticas Públicas para o setor de Meio Ambiente, e executando as atividades de saneamento e limpeza urbana, abrangendo a preservação, a conservação, a fiscalização e o controle ambiental e a gestão das ações de captação, tratamento e abastecimento de água para o município.

Porém, em 2016, após o desastre-crime e as suas consequências na governança local, houve determinações para que o Sanear se desvinculasse dos serviços de Meio Ambiente e se dedicasse exclusivamente ao Saneamento Ambiental. Dentre as mudanças estruturais mais importantes esteve a perda de poder para realizar o licenciamento ambiental para a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente e a indicação de que os serviços prestados pela Autarquia seriam exercidos através do recolhimento de taxas e tarifas pelos serviços prestados e não mais apenas através do orçamento municipal.

Nesta gestão, apresentamos também os dados financeiros, sendo conferido um aumento expressivo na arrecadação municipal de cerca de R$ 224 milhões em 2013, para R$275 milhões em 2016, um aumento de 20% em 4 anos. As despesas pagas em gestão ambiental acompanharam o sentido de aumento nos gastos, passando de cerca de R$308 mil para R$ 1.153 milhão, em 2016. Em números percentuais percebe-se que o investimento saltou em cerca de 350% em Gestão Ambiental, bem acima dos 20% a mais em arrecadação.

Os Gastos em Saneamento também acompanharam o crescimento nos gastos de modo geral, passando de cerca de R$ 29 milhões, em 2013, para R$ 42 milhões, em 2016, evoluindo em cerca de 40% em quatro anos. Comparado com o orçamento total do município, os gastos nesta rubrica foram de cerca de 15% em 2013 para quase 20% em 2017.

Para a atual gestão, iniciada no ano de 2017, houve uma grande reviravolta nos números eleitorais, possivelmente, como um resultado do impacto da chegada da lama no município. Dos partidos que compunham a Câmara, cinco perderam totalmente a representação. O prefeito eleito foi Sérgio Meneguelli (PMDB), com 19.689 votos, cerca de 30% dos votos válidos. O PMDB nesta conjuntura deixou de ser um partido que apenas compunha a base aliada e nunca havia lançado uma candidatura solo ao Executivo, para se tornar o partido que tem o chefe do executivo.

Por outro lado, no Legislativo o resultado foi desastroso para o governo. Foi a primeira vez que o partido governista não conseguiu eleger sequer um candidato à Casa de Leis Municipais. Das 15 cadeiras em disputa, todas foram para partidos de oposição. Contudo, nota-se que dentre os eleitos se confirmou vereadores que compõem a base aliada ao governador da ocasião, Paulo Hartung (PMDB).

A principal lei do período, até o momento, é o Plano Municipal de Saneamento, que apresenta a Política Municipal de Saneamento Básico e o Sistema Municipal de Saneamento Básico. Este plano tem por objetivo o incentivo e a adoção de mecanismos de planejamento, regulação e fiscalização da prestação de serviços de saneamento básico, embasados em princípios de redução da desigualdade, na geração de emprego e renda, na preferência de ações em regiões com população em situação de baixa renda, na minimização de impactos ambientais e no desenvolvimento técnico-científico, além da transparência, do controle social e da articulação com outras políticas.

Quanto ao Sistema Municipal de Meio Ambiente, a partir desta regulamentação, ele igualmente sofreu modificações, passando a ser composto pelo Órgão Gestor (Sanear) que detinha a função estratégica de coordenar as Unidades Executoras. Além do Sanear, outras nove secretarias municipais passaram a se articular em torno do sistema (Saúde, Educação, Agricultura, Defesa Civil, Assistência Social, Comunicação Social, Desenvolvimento Rural e Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente)13

Igualmente compõe o Sistema uma Comissão Permanente de Acompanhamento e Avaliação, órgão consultivo, deliberativo e fiscalizador do Sistema, podendo propor demandas emergenciais e alterações nos Planos Municipais de Saneamento.

No tocante aos dados financeiros, apesar do crescimento dos investimentos observados de modo geral no período, após a chegada da lama em 2015, ocorreu leve queda no investimento nas duas áreas, em cerca de 10% na Gestão Ambiental e de 5% no Saneamento Básico.

4.2. Linhares

No caso de Linhares observam-se a institucionalização de dispositivos legais ligados ao Código de Meio Ambiente e suas alterações, a articulação com municípios vizinhos para a instituição do Consórcio de Saneamento, a renovação do Plano Diretor Municipal (PDM) e o estabelecimento do Plano Municipal de Saneamento, além dos programas que tentaram responder às demandas que apareceram a partir da chegada da lama ao município. Essas informações estão sistematizadas no quadro a seguir.

Em Linhares, na primeira gestão analisada (2001-2004), o chefe do Executivo foi Guerino Zanon (PMDB), que venceu a eleição sendo apoiado por 10 partidos e alcançando 35 mil votos, cerca de 61% da preferência do eleitorado. Na Câmara de Vereadores, a oposição formou minoria, alcançando apenas 5 vagas das 14 disponíveis. Já o governo foi apoiado por 9 vereadores, compondo maioria absoluta, o que é uma característica dos governos de Guerino Zanon.

A principal lei do período foi a criadora do Código de Meio Ambiente e também previu a criação do Sistema Municipal de Meio Ambiente, em 2002, através da Lei nº 2322/02, a qual trouxe contribuições para o desenho da política ambiental da cidade. A principal inovação foi para o conceito de propriedade pública ou privada, uma vez que reconheceu não apenas a função social, mas também a ambiental. É no texto desta lei, em seu artigo 2º, inciso VI, que se previu a 'obrigação de recuperar áreas degradadas e indenizar-se pelos danos causados ao meio ambiente'. A política se operacionalizava a partir do Licenciamento Ambiental, o Zoneamento, a Auditoria, o Fundo Municipal de Meio Ambiente, o Plano Diretor de Áreas Verdes, a Fiscalização e o Conselho Participativo, todas ações que compunham o Sistema Municipal de Meio Ambiente.

 

Quadro 2

 

Integraram o Sistema: a Secretaria Municipal de Meio Ambiente, o Conselho Municipal de Meio Ambiente - CMMA, organizações da sociedade civil que tenham a questão ambiental em seus interesses, outras Secretarias do município e ONG's. O órgão que executaria a política seria a Secretaria Municipal de Meio Ambiente e igualmente coordenaria a gestão dos instrumentos criados, inclusive do Fundo.

O Conselho Municipal de Meio Ambiente era um órgão colegiado de caráter consultivo, normativo e deliberativo. Porém, a ele foram atribuídas poucas ações além de estabelecer parâmetros, analisar, apreciar e apresentar sugestões. Nota-se que na composição do conselho, dos 15 representantes, 7 eram representantes estatais e a ligeira maioria foi formada por representantes da sociedade civil.

Para a gestão entre 2005 e 2009, o chefe do executivo foi o ex-bancário e agricultor José Carlos Elias (PTB), político desde 1977 e ocupante de diversos cargos, desde vereador a deputado federal e Prefeito. Foi investigado e condenado em 2017 por participação na Máfia dos Sanguessugas. José Carlos Elias venceu as eleições com 40% dos votos válidos, mas não conseguiu maioria na Câmara de Vereadores.

O principal instrumento legal criado foi o Plano Diretor Municipal (PDM) que garantiu o meio ambiente como foco a ser protegido dos efeitos negativos das distorções de crescimento urbano. A audiência pública foi instituída como a instância de participação nos processos de instalação de empreendimentos possivelmente poluidores. Previu-se a preservação especificamente do Rio Pequeno, com vistas a garantir o abastecimento de água da cidade com qualidade. A qualidade ambiental foi considerada uma base para a função social da propriedade. Sobre a água, a Lei trouxe duas seções para o saneamento ambiental e dos recursos hídricos. Ao dispor dos recursos, o legislador, indicou o desejo de garantir a participação do município na gestão da Bacia do Rio Doce, não com viés de preservação, mas para 'maximizações econômicas, sociais e ambientais da produção de água' (Linhares, 2009), dando indícios sobre das intenções do poder público no que tange à gestão ambiental. Malgrado o conhecimento do governo municipal sobre a possibilidade de gestão da Bacia do Rio Doce, as possibilidades de desastres ou crimes ambientais não foram levadas em conta na elaboração da Lei.

Entre 2009 e 2012, portanto, na gestão anterior à chegada da lama tóxica ao município, o poder executivo se reconfigurou: com a derrota de José Carlos Elias (PTB), dando novamente lugar a Guerino Zanon (PMDB). Guerino alcançou 60% dos votos válidos e José Carlos Elias 39%.

A principal lei ambiental do período foi a de nº 2885/09 que apresentou alterações quanto ao rigor para a obtenção do licenciamento ambiental, ao mesmo tempo que restringiu a atuação do Conselho de Meio Ambiente como órgão apenas de apoio consultivo, atribuindo à Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Recursos Hídricos a coordenação e o controle da execução das políticas. Porém, a gestão do Fundo Municipal de Meio Ambiente ficou sob a responsabilidade de uma Comissão de Gestão, composta por três integrantes, sendo dois indicados pelo Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente e um titular da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Recursos Hídricos.

Para a gestão municipal, entre 2013 e 2016, um terceiro nome, para além da conhecida polarização no município entre Guerino Zanon e José Carlos Elias, surgiu como vencedor nas urnas para o Executivo: Jair Correia, conhecido como Nozinho Correia (PDT). No entanto, do total de cadeiras da Câmara de Vereadores, o governo dispôs de apenas duas, enquanto a oposição conquistou onze.

Destaca-se que foi nesta legislatura em que a lama de rejeitos resultante do rompimento da Barragem de Fundão chegou ao município. Foram estes vereadores e estas equipe Executiva que deram os primeiros passos rumo aos trabalhos de gestão da água e provimento das demandas emergenciais aos atingidos.

Os principais instrumentos legais promulgados neste período foram a assinatura do protocolo de intenções do CISABES, o Plano Municipal de Saneamento, a Política e o Sistema de Meio Ambiente, o Programa de Identificação e Preservação das Nascentes e o Programa de Recuperação das Margens do Rio Doce e do Rio Pequeno.

O CISABES foi instituído como um grande ator da gestão de saneamento básico no Estado, tal como apresentado anteriormente14

O Plano Municipal de Saneamento se baseou em estudos de indicadores e propostas apontadas em um documento intitulado "Projeto do Plano de Saneamento Básico do Município de Linhares / ES" e, a partir, destes estudos iniciou-se uma série de diagnósticos em relação ao saneamento, entre eles: os Problemas Relacionados à Gestão de Resíduos Sólidos, Problemas Relacionados ao Esgotamento Sanitário, à Drenagem Urbana, ao Abastecimento de Água Potável, dentre outros.

A Lei igualmente previu que o CISABES fosse o regulador das políticas ambientais em Linhares, o que conferiu força ao consórcio na gestão da política de meio ambiente e saneamento básico no município. A Secretaria definida para cuidar das questões ambientais, na gestão do Plano Municipal de Saneamento Básico, foi a Secretaria Municipal de Planejamento e não aquela de Meio Ambiente. Sobre o Rio Doce, a única menção foi a destinação dos efluentes de esgoto em seu curso d'água.

As despesas pagas com saneamento, no período em que Jair Correia foi Prefeito, cresceram em quase 100%, passando de cerca de R$12 milhões em 2013 para cerca de R$23 milhões, em 2016. Como referência para comparação, este gasto é para o município 29 vezes maior que o gasto per capita do governo federal para todo o país, em saneamento.

A Política e o Sistema de Meio Ambiente foram promulgados em 2014, através da lei nº 3461/14 que reformulou todo o Código de Meio Ambiente, modificando a estrutura da política e instituindo 20 instrumentos para sua operacionalização. O sistema é integrado pela Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Naturais, pelo Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente, por ONGs e outras secretarias e autarquias do município.

O Conselho passou a ser pareado entre o poder público e as entidades da sociedade civil, cada qual contando com nove representantes. Além desta instância de participação, a lei previu que cada unidade de conservação tenha um conselho participativo e que, no tocante ao licenciamento ambiental, a participação da sociedade civil seja exercida através de Consulta Técnica, Consulta Pública e Audiência Pública. Sobre o Fundo, a gestão continua a ser da Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Naturais e a Comissão de Gestão continua a ter três membros, um indicado pela Secretaria e dois pelo Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente.

No final da gestão de Jair Correa (PDT), dois programas foram instituídos pelo poder legislativo. O primeiro, Programa Refloresta Linhares, em um esforço para a identificação, o cadastramento e a preservação de nascentes e cursos d'água, o qual igualmente previu a realização de campanhas educativas. A execução do programa ficou por conta da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Recursos Hídricos. Quanto à lei de número 3568/16, ela também foi promulgada pelo Presidente da Câmara de Vereadores e dispôs sobre a criação do Programa Municipal de Recuperação de Margens do Rio Doce, Rio Pequeno e demais Rios do município, em um esforço para recuperação de matas ciliares. A Lei ainda previu a limpeza dos rios e das suas margens, a recuperação de nascentes urbanas, a plantação de árvores frutíferas e o incentivo a produtores para recuperarem as matas em suas propriedades.

As leis supracitadas foram promulgadas pelo Legislativo em um ano eleitoral e exigiam em seus últimos artigos que o Executivo Municipal as regulamentassem. Porém, cada uma delas foi revogada pelo novo Prefeito Guerino Zanon ao assumir novamente a chefia do Executivo no início de 2017.

Diferentemente do que aconteceu em Colatina, onde o orçamento se manteve crescente, no município de Linhares a arrecadação oscilou bastante, entre 2013 e 2016 e, os gastos com Gestão Ambiental cresceram após a chegada da lama tóxica ao município. A arrecadação foi de cerca de R$400 milhões em 2013 para R$515 milhões em 2015 e teve queda, de cerca de 10% em 2016 e alcançando a marca de R$466 milhões. Ao passo que as Despesas Pagas em Gestão Ambiental foram de R$ 1,5 milhão, em 2013 para R$ 2,3 milhões em 2015 e apesar da queda na arrecadação, em 2016, a Despesa em Gestão Ambiental continuaram crescendo, chegando alcançou R$5,2 milhões.

As prioridades apontadas pelo Portal da Transparência confirmaram uma maior preferência para a implementação de ações a cargo do FUNDEMA (Fundo Municipal de Defesa do Meio Ambiente), as quais chegaram a ser maiores que a manutenção das atividades administrativas. Outras prioridades também apareceram, tais como a implantação da Usina de Reciclagem e Compostagem de Resíduos, a implantação e operacionalização da Coleta Seletiva, a recuperação de Lixões, a elaboração do Plano de Gerenciamento Integrado de Resíduos Sólidos e o monitoramento de Parâmetros e Controle de Efluentes.

Na composição da gestão em 2017, houve uma nova reviravolta. Com a reeleição para o quarto mandato de Guerino Zanon no executivo municipal (1997/2000; 2001/2004; 2009/2012 e 2017/2020), a base do governo voltou a crescer na Câmara de Vereadores e chegou à marca de 67% de representação. Desta vez, durante o processo eleitoral, o candidato fez coligação da grande maioria dos partidos políticos que estiveram na disputa: dezoito, dentre os vinte e nove que lançaram candidatos.

A principal Lei promulgada no período foi o Programa de Conservação da Água e do Solo para fomentar a construção de barragens com fins de armazenamento de água e para ações de recuperação ambiental de áreas degradadas no território do município. Para operacionalizar o programa, a Lei previu o lançamento de edital para que proprietários de terra pudessem pleitear o direito de receberem recursos para a construção das barragens. A gestão do programa ficou por conta da Secretaria de Agricultura, Aquicultura, Pecuária e Abastecimento e da Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos. Com vistas à consecução das atividades, o executivo foi autorizado a abrir crédito suplementar de até R$ 400 mil reais.

No primeiro ano desta gestão, as Despesas Pagas caíram vertiginosamente, passando para cerca de R$ 1 milhão, acompanhando a queda na despesa com saneamento que caiu em cerca de 25%, chegando a R$17 milhões.

4.3. Comparação entre os dois casos: Colatina e Linhares

A partir do quadro analítico proposto, verificou-se a instituição de dispositivos em nível municipal nos dois casos em tela, atingidos pelo mesmo desastre-crime ambiental, e observou-se distintas respostas em termos de elaboração destes instrumentos de políticas públicas e alocação de recursos orçamentários. Estes dados foram utilizados como forma de se apreender se o tipo de capacidade estatal legada nestas localidades, no momento crítico em questão, influenciou ou não as distintas respostas dos atores locais envolvidos.

Os resultados demonstraram que em Colatina, PSB, PT e PMDB estiveram à frente do Poder Executivo Municipal no período analisado. Neste município, há uma clara tendência para se conferir maior atenção ao saneamento e às articulações com parceiros externos, à exemplo de Bancos, Consórcios e Prefeituras vizinhas.

Neste período, observamos a criação de sete dispositivos de políticas públicas no município de Colatina. Dentre estes dispositivos, verificamos que dois foram criados após o desastre-crime ambiental do Rio Doce, sendo que o Sanear foi de fato constituído em 1998, e consideramos a sua reestruturação em 2016 como parte dos esforços dos atores políticos no período.

Em Linhares observa-se que o Poder Executivo Municipal foi composto pelos partidos PTB, PMDB e PDT, sem tendência para a reeleição do prefeito sequencialmente, ainda que Guerino Zanon tenha acumulado 4 gestões15. Em termos de gastos orçamentários, observou-se maior atenção conferida aos gastos em gestão ambiental e à estrutura administrativa do corpo burocrático.

A análise dos dispositivos criados neste período em Linhares revela algumas distinções importantes do que ocorreu em Colatina. Neste caso, observamos a institucionalização de mais dispositivos, ou seja, nove instrumentos que orientam as políticas ambientais, sendo que três dentre eles foram instituídos após o desastre-crime.

Em termos de tipos de interações entre os atores estatais e não estatais, observou-se padrões distintos entre os dois municípios quanto ao tipo de capacidade estatal legada passível de ter influenciado as suas respostas posteriores. No caso de Colatina, verificou-se um tipo de interação ligeiramente distinto entre a políticas de meio ambiente e aquela de saneamento anteriores ao momento crítico em questão. As interações socioestatal e intraestatal relacionadas às políticas ambientais compreenderam relações entre o Executivo, o Sanear e o Conselho Municipal de Meio Ambiente. Contudo, no tocante às políticas de saneamento, especialmente devido à crise hídrica que assolou o município, observou-se um tipo de interação socioestatal, intra e interestatal distinto, envolvendo atores do Executivo, Sanear, CISABES e Legislativo, este último responsável pela interlocução entre produtores rurais e BID. Após o desastre-crime, institucionalizou-se certa ruptura entre meio ambiente e saneamento que pode ser corroborada através da desvinculação dos serviços ambientais do Sanear (ficando este tão somente com o saneamento ambiental) que passa a ser gerido pelo Executivo (Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente), ao passo que a política de saneamento é reestruturada (Plano Municipal de Saneamento, 2017), compreendendo relações entre o Sanear e mais 9 Secretarias, além da criação de uma Comissão Permanente de Avaliação (CPA), ao invés de um Conselho.

Em Linhares, por outro lado, observa-se que a institucionalização e a construção de capacidades estatais relacionadas à política de meio ambiente foram instituídas antes do momento crítico, com destaque especial para o Plano Diretor Municipal que garantiu a proteção do meio ambiente, mas não previu as possibilidades de desastres e crimes ambientais. Desta forma, após o desastre-crime socioambiental constata-se a instituição apenas de programas de recuperação, preservação, campanhas educativas, limpezas dos rios, etc. pelo Legislativo, as quais não interferiram nas relações pré-estabelecidas. Diferentemente de Colatina, observou-se um incremento nos mecanismos de participação que, além do Conselho Municipal de Meio Ambiente (CMMA), incorporaram Audiências Públicas (previstas no Plano Diretor Municipal e na Política e Sistema de Meio Ambiente), consulta técnica e consulta pública. No entanto, verificou-se que a atuação do CMMA foi alterada para apenas consultiva e a gestão do fundo ficou por conta de uma Comissão de Gestão. O padrão de relação apreendido pode ser resumido em interações socioestatais, intra e interestatais por meio de atores posicionados na esfera do próprio Estado (Executivo, CISABES, Secretarias, Autarquias, Conselho e Legislativo).

 

5. Considerações finais

O presente estudo tem caráter exploratório. O objetivo residiu em se analisar os padrões de institucionalização e construção de capacidades estatais instituídos nos municípios capixabas de Linhares e Colatina atingidos pelo desastre-crime socioambiental do Rio Doce, assim como em se ampliar a compreensão do contexto histórico de interações entre os atores estatais e os atores do mercado no qual o desastre-crime está inserido.

A comparação entre os dados dos dois municípios permitiu delinear alguns apontamentos. De modo geral, quanto à participação pode-se observar que as primeiras gestões selecionadas para a análise, na virada do anos 2000, apresentam maior oportunidade e efetividade do poder dos representantes da sociedade civil, uma vez que tanto em Colatina como em Linhares, estes têm maior número de cadeiras nos Conselhos representativos, podendo formar maioria com certa facilidade para aprovar ou vetar projetos dos Poderes Executivos locais. Também se observa que o poder dos Conselhos Municipais de Meio Ambiente nos dois municípios foi aos poucos perdendo força, como o caso do Conselho de Meio Ambiente de Colatina, na gestão de 2005 a 2008, que perdeu várias de suas atribuições que foram direcionadas ao Sanear. Em Linhares, a restrição das competências do Conselho de Defesa do Meio Ambiente se confirmou com a retirada da função de gestão do Fundo de Meio Ambiente, passando esta gestão a uma Comissão Tripartite, em 2009. Em Linhares, outra característica desta diminuição de poder dos representantes da sociedade civil foi a mudança na distribuição das representações, na gestão de Nozinho Correia (2013-2016), uma vez que o Conselho passou a ter composição paritária entre os burocratas e os membros da sociedade civil.

Os dados financeiros também dão importantes dicas sobre a administração das políticas de recursos naturais e quanto às respostas dos governos locais ao rompimento da barragem e a chegada da lama nos municípios. Destacam-se, neste sentido, os investimentos financeiros no ano de 2015, entre os meses de novembro e dezembro. Os dados indicam que mesmo com o caos ambiental, em Colatina não houve queda na arrecadação municipal, ao contrário de Linhares que teve sua arrecadação diminuída entre 2015 e 2016. No entanto, os gastos na rubrica de Gestão Ambiental se comportam de modo diferenciado entre os municípios. Enquanto em Colatina não ocorreu oscilação na arrecadação, os investimentos diminuíram em Gestão Ambiental, na virada do ano de 2015 e 2016. Já em Linhares, apesar da arrecadação crescer em 2015, ela cai no início de 2016, sem afetar negativamente os gastos em Gestão Ambiental que, de fato, são expandidos.

No que diz respeito à estrutura institucional e às ações tomadas pelos entes municipais, observa-se em Colatina um movimento de reforma das estruturas de gestão, como verificado no caso do Sanear que deixa de responder pelas funções de órgão executor da política ambiental. Em Linhares, constata-se que as mudanças estruturais no desenho da política ambiental no sentido de maior eficiência foram feitas antes da chegada da lama tóxica, como por exemplo a elaboração do Plano Municipal de Saneamento (em 2013). Após o rompimento da barragem e a chegada da lama ao município, a atuação dos atores políticos se volta a garantir o abastecimento de água potável e aos programas de recuperação da flora local.

A partir dos dados empíricos analisados, observa-se que o legado institucional de Colatina passou por um rearranjo que separou a gestão do meio ambiente da gestão do saneamento no Sanear, além da elaboração do Plano Municipal de Saneamento16. Em Linhares, as instituições do setor ambiental e de saneamento não foram modificadas de modo substantivo após a chegada da lama, apenas programas de recuperação, preservação e conservação de água e solo foram elaborados pelo Poder Legislativo como medidas para lidar com o momento crítico. Assim, do ponto de vista das capacidades estatais, a análise empreendida apontou que o legado institucional se mostrou de maior relevância e importância em Linhares, uma vez que não passou por nenhuma mudança ou ruptura institucional após o momento crítico.

Por fim, ressalta-se que ainda cabe compreender melhor quais seriam os fatores que influenciaram as distintas respostas dos atores políticos nos dois municípios. As evidências aqui analisadas e os resultados encontrados apontam que pode ser importante examinar mais detidamente o interesse dos atores políticos envolvidos neste processo e as interações destes com os diversos atores no setor de meio ambiente, assim como se aprofundar no papel desempenhado pelos atores da sociedade civil, especialmente após o desastre-crime socioambiental em questão. Do ponto de vista da percepção do papel da sociedade civil, os dados analisados indicam um desenho institucional ligeiramente mais participativo em Linhares, ainda que os conselhos tenham caráter consultivo.

Sublinha-se que a intenção deste artigo não foi avaliar se os padrões de institucionalização examinados antes e após o desastre-crime foram mais efetivos em seus resultados para a recuperação, conservação e preservação do meio ambiente - ainda que investigações deste tipo sejam relevantes. O objetivo foi de fato compreender e comparar esses distintos padrões de institucionalização e construção de capacidades estatais relacionados a área de meio ambiente a partir da análise dos resultados das interações entre os atores estatais e não estatais consolidados nos dispositivos instituídos nos dois municípios como resposta ao momento crítico forjado pelo desastre-crime socioambiental.

 

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Recebido em: 07/10/2019
Aprovado em: 04/12/2019
Agência de Fomento: Este trabalho foi realizado com o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG), Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Espírito Santo (FAPES), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Agência Nacional de Águas (ANA), no âmbito da chamada 6/2016, "Apoio a Redes de Pesquisa para Recuperação da Bacia do Rio Doce".

 

 

1 Denominaremos desastre-crime como categoria nativa e levando-se em conta que a Samarco, Vale e BHP foram responsabilizadas pelo desastre e mais de 20 pessoas envolvidas foram denunciadas pelo Ministério Público por diversos crimes, embora ninguém tenha sido preso (informações divulgadas pelo site web do MPF, recuperado de http://www.mpf.mp.br/para-o-cidadao/caso-mariana/o-desastre
2 Empresa controlada pela BHP Billinton Brasil Ltda. e pela Vale S/A.
3 "Os dispositivos regulam as faculdades e os recursos institucionais disponíveis aos diferentes atores" (Izunza Vera & Gurza Lavalle, 2012, p. 109).
4 No estudo de Roseli Ganem (2014) sobre a estrutura institucional brasileira para lidar com desastre naturais, chama a atenção que os desastres ambientais do setor de mineração, como o caso aqui estudado, não possuem uma estruturação institucional específica no nível federal. Os desastres mais próximos considerados por essa estrutura são de ordem geológica, em especial deslizamentos de terra e inundações.
5 Segundo Tarrow (2010), a estratégia de comparação entre pares é um método de análise política que se distingue do estudo de caso e de análises multivariadas. Além disso, embora essa metodologia esteja associada à análise qualitativa, ela é compatível com uma variedade de métodos específicos. Apesar do pequeno número de casos envolvidos, a análise pareada proporciona uma combinação balanceada entre profundidade descritiva e desafios analíticos que progressivamente declinam quanto mais casos forem adicionados..
6 Sistema de Informações Contábeis e Fiscais do Setor Público Brasileiro, nasceu dos esforços preconizados pela Lei Complementar nº 131/09 (Sinconfi, 2014), promulgada pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, para dar maior transparência e participação popular aos processos financeiros e contábeis do governo brasileiro ao prever o lançamento em "tempo real de informações
7 Em Colatina, por exemplo, o órgão de saneamento respondeu pela Gestão Ambiental Municipal até o ano de 2017.
8 No início dos anos 2000, é importante lembrar que o PT esteve em plena expansão na ocupação de postos públicos pelo país. Nesta mesma legislatura, apenas dois anos após a vitória de Balestrassi (PSB) no município, o PT chegou ao Palácio do Planalto pela primeira vez na disputa federal..
9 Baseada no quadro 1 da p.111 de Izunza Vera e Gurza Lavalle (2012), especificamente nas gramáticas relacionais do poder como bem básico de troca e na lógica da ação 'fazer saber' adaptadas ao caso estudado que inclui as interações intraestatais para além das socioestatais. A ideia de mandatar indica que ator direciona autoridade, ou mandata a outro.
10 O trabalho desempenhado por Balestrassi, neste governo, fez com que seus serviços fossem solicitados pelo governador Paulo Hartung (PMDB) tanto em 2009, como presidente do Banco do Desenvolvimento do Espírito Santo (BANDES), quanto em 2016, para a Secretaria de Estado da Ciência e Tecnologia,.
11 Sublinha-se o fato de ele ser o segundo prefeito de Colatina a ter indicação para altos cargos do Executivo do governador Paulo Hartung, o que indica possivelmente que importantes fluxos de comandos no âmbito da cadeia hierárquica do Estado podem ter passado e ainda passar pelo ambiente político de Colatina.
12 A UEP planeja e executa as ações do programa com base no contrato de empréstimo com o BID. É essa unidade que apresenta os relatórios e a prestação de contas ao BID, além de coordenar as licitações para as aquisições do Programa. É composta por sete integrantes, todos indicados pelo chefe do Executivo e apoiada por um conselho consultivo composto pelo Prefeito, o coordenador da UEP, o Procurador Municipal, sete Secretarias Municipais e pelo SANEAR.
13 O Serviço Colatinense de Saneamento Ambiental, responde pelas funções do saneamento atualmente, mas entre o início dos anos 2000 até 2016 respondia pelas funções de gestão ambiental no município..
14 Mais informações sobre o CISABES foram mencionadas na apresentação deste Consórcio na seção que trata de Colatina. Cabe dizer que Colatina assinou a sua participação no CISABES em 2011, enquanto Linhares apenas em 2013..
15 Em relação à dinâmica política local, observa-se que ambos os municípios sofreram mudanças de governo após serem atingidos pelo rompimento da barragem.
16 Cabe dizer que desde a Lei Nacional de Saneamento Básico - LNSB, no. 11.445/2007 os municípios ficam obrigados a elaborar seus Planos Municipais de Saneamento. Nos casos analisados, nota-se que Linhares cumpriu essa exigência em 2013, enquanto Colatina apenas em 2017, já após o rompimento da barragem de Fundão e da chegada da lama ao município.

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