SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.19 número especialDesastre ambiental, atores sociais, políticas públicas e espaços passíveis de participaçãoMinerodependência, prevenção, aprendizado: entrevista com Pedro Jacobi índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Revista Psicologia Política

versão On-line ISSN 2175-1390

Rev. psicol. polít. vol.19 no.spe São Paulo dez. 2019

 

ARTIGOS

 

Por uma tecnologia crítica, reflexiva e engajada com o público

 

For a critical, reflective and engaged technology with the public

 

Para una tecnología crítica, reflexiva y comprometida con el público

 

Pour une technologie critique, réfléchie et engagée avec le public

 

 

Larissa Galdino de Magalhães SantosI; Ana Paula GaldeanoII; Monnique Greice Malta CardosoIII

IDoutora em Ciência Política pela Unicamp; Pós-doutora em Sociologia, rede de pesquisa Com Rio Com Mar - Capes. Pesquisadora de pós-doutorado na Escola de Ciências Sociais da Fundação Getúlio Vargas. Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro/RJ, Brasil / larissagms@yahoo.com.br
IIDoutora em Ciências Sociais pela USP; pesquisadora do CNPq, bolsista de DesenvolvimentoTecnológico. Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP), São Paulo/SP, Brasil / anapaula.galdeano@gmail.com
IIIMestranda em Educação (Linha de Pesquisa: Formação Humana e Políticas Públicas) na UFES. Pesquisadora na Rede de Pesquisa ComRio ComMar. Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória/ES, Brasil / monniquegmalta@hotmail.com

 

 


RESUMO

O artigo discute o potencial do subprojeto Com Rio Com Mar Opinião Popular enquanto uma tecnologia social de governança participativa dos públicos atingidos pelo derramamento dos rejeitos da barragem do Fundão, que transbordou nos municípios e comunidades ribeirinhas do Estado do Espírito Santo. O artigo discute as relações entre pesquisadores e os públicos criados, associados, suportados ou estimulados pelo projeto, destacando questões metodológicas, epistemológicas e o potencial de encaixes institucionais entre sociedade civil e Estado. Argumenta-se que a Sociologia Pública e a pesquisa ação são caminhos importantes a seguir junto aos sujeitos atingidos pelo desastre. O artigo se vale de materiais produzidos nas interações com os atingidos, por meio etnográficas políticas e grupos focais durante as oficinas promovidas pelo projeto, que sugerem a necessidade de recriar a ferramenta de acordo com a realidade local.

Palavras-chave: Tecnologias sociais; Sociologia pública; Metodologia; Encaixe institucional.


ABSTRACT

The paper points out the potential of the Com Rio Com Mar subproject as a social technology for participatory governance of the publics affected by the Fundão dam spill, which overflowed in the municipalities and riverside communities of Espírito Santo state/Brazil. The article discusses the relationship between researchers and the public created, associated, supported or stimulated by the project, highlighting methodological and epistemological issues, and the potential for institutional fits between civil society and the State. It is argued that Public Sociology and action research are important apparatus to work with disaster-stricken subjects. The article draws on materials produced in the interactions with those affected, through political ethnographic and focus groups during the workshops promoted by the project, which suggest the need to recreate the tool according to local reality.

Keywords: Social Technologies; Public Sociology; Methodology; Institutional Fit.


RESUMEN

El artículo analiza el potencial del subproyecto Com Rio Com Mar Opinião Popular como una tecnología social para la gobernanza participativa del público afectado por el derrame de la presa Fundão, que se desbordó en los municipios y las comunidades ribereñas del estado de Espírito Santo. El artículo analiza las relaciones entre los investigadores y el público creado, asociado, apoyado o estimulado por el proyecto, destacando cuestiones metodológicas, epistemológicas y el potencial de encaje institucional entre la sociedad civil y el Estado. Se argumenta que la Sociología Pública y la investigación de acción son vías importantes a seguir con los sujetos afectados por desastres. El artículo se basa en materiales producidos en la interacción con los afectados a través de grupos etnográficos y grupos focales durante los talleres promovidos por el proyecto, que sugieren la necesidad de recrear la herramienta de acuerdo con la realidad local.

Palabras clave: Tecnologías sociales; Sociología pública; Metodología; Encaje institucional.


RÉSUMÉ

L'article traite du potentiel du sous-projet Comriocommar Opinião Popular en tant que technologie sociale de gouvernance participative des publics touchés par le déversement des rebuts du barrage du Fundão, qui a débordé dans les communes et les communautés riveraines de l'Etat de l'Esprit Saint. L'article traite des relations entre les chercheurs et les publics créés, associés, soutenus ou stimulés par le projet, mettant en évidence les questions méthodologiques, épistémologiques et le potentiel de liens institutionnels entre société civile et Etat. On fait valoir que la sociologie publique et la recherche d'action sont des voies importantes à suivre auprès des sujets frappés par le désastre. L'article s'appuie sur des matériaux produits dans les interactions avec les personnes touchées, par des politiques ethnographiques et groupes focaux au cours des ateliers promus par le projet, qui suggèrent la nécessité de recréer l'outil selon la réalité locale.

Mots-clés: Technologies sociales; Sociologie publique; Méthodologie; Ajustement institutionnel.


 

 

1. Introdução

Intoxicados e excluídos, eles vivem em um tempo orientado para agentes poderosos e manipulado por estes. Eles vivem em um tempo alienado e são obrigados, como coloca de forma eloquente Pierre Bourdieu (2000, p. 237), "a esperar tud o dos outros". A dominação funciona - argumentamos - pela rendição ao poder de outros; e é experimentada como um tempo de espera: esperar com esperança, seguida de frustração, que outros tomem as decisões e, efetivamente, render- se à autoridade de outros. De formas inesperadas, encontramos muitas versões do conto de Tirésias entre habitantes contemporâneos da favela. (Auyero, 2011, p. 147)

As tecnologias sociais elaboradas para reforçar o acesso aos direitos, políticas públicas e ao Estado, pretendem agir na contramão da "espera", conforme enuncia Javier Ayuero ao analisar as condições de sobrevivência nas tragédias ambientais em favelas argentinas. Frente ao desastre da lama de rejeitos na Bacia do Rio Doce, este artigo propõe analisar a estratégia de implementação de uma tecnologia social de governança participativa para o público atingido, especificamente as interações, encaixes e transformações a partir da experiência com a comunidade atingida.

A rede de pesquisa Com Rio Com Mar projetou um subprojeto de extensão e pesquisa junto aos atingidos das comunidades afetadas pelo desastre no estado do Espírito Santo, de modo articulado com os eixos transversais de investigação sobre a ação coletiva, sociedade civil, instituições e políticas, movimentos sociais, cultura, identidade e cidadania, valendo-se de uma ferramenta para incrementar a capacidade de governança nos setores de políticas públicas.

O pano de fundo desta análise parte da descrição da tecnologia em discussão com a epistemologia e metodologia da experiência. Isso porque mudanças entre os pesquisadores e os atingidos levaram o projeto a readaptar-se às expectativas de seu público, por meio da construção pública da sociologia. Além do mais, hipóteses e ferramentas foram impactadas por uma imagem assentada na realidade das comunidades, muito além do que era previsto na formulação do projeto1

O derramamento de cerca de 40 milhões de metros cúbicos de rejeitos que se espalharam pela bacia do Rio Doce, quando a barragem de Fundão (Mariana/MG) se rompeu, é apenas uma face do que ocorreu com o desastre ambiental. Além do impacto sobre o meio ambiente, questões políticas, sociais e econômicas mostram-se o grande desafio para os diversos atores da esfera pública.

Por outro lado, as crescentes demandas por participação política nas decisões sobre o risco ambiental, compensação e recuperação dos danos fomentam a pesquisa sobre o papel das universidades, organizações não-governamentais e dos modelos projetados para envolver as partes interessadas nas políticas públicas pós-desastre. Ainda, as formas de gestão dos desastres estão cada vez mais orientadas para atividades baseadas na inclusão da sociedade, de modo a promover a resiliência comunitária e societal através do desenvolvimento de habilidades para resistências, absorção, acomodação e recuperação na conjuntura crítica. Logo, as tecnologias de governança despontam como promessa de facilitar e capacitar processos socialmente ativos (Pitrėnaitė-Žilenienė, Carosi, & Vallesi, 2014) e relevantes para a "(re)construção" das comunidades, e para produção de conhecimento técnico-científico.

Em linha, tecnologias de informação e comunicação também estão sendo utilizadas para dar fomento à construção dessa capacidade de resiliência, seja informado, alertando, gerando informação e conteúdo, engajamento público e, consequentemente, são apreciadas como ferramentas intermediárias para auxiliar os usuários a tomar decisões adequadas, seja diante dos riscos ou dos danos.

No caso do maior desastre ambiental do Brasil, atores diversos se mobilizaram na construção das redes de apoio combinadas com o desenvolvimento de tecnologias de extensão junto à comunidade atingida. A rede de pesquisa Com Rio Com Mar (CAPES-FAPEMIG-FAPES-CNPq-ANA nº 06/2016), com o propósito de recuperação da Bacia do Rio Doce, idealizou a implementação da tecnologia social de governança participativa, Painel de Opinião Popular, para o suporte e estímulo à recomposição comunitária pós-desastre, para informar, sensibilizar, conscientizar e empoderar os cidadãos atingidos perante a gestão dos assuntos públicos.

Na proposta original da rede de pesquisa Com Rio Com Mar, o Painel de Opinião Popular (POP) foi desenhado como uma plataforma livre baseada num kit de ferramentas tecnológicas e conectivas para implementação no território do desastre e para incorporação dos espaços sociais e dos atingidos. O POP foi concebido para ser uma metodologia ágil voltada para a mobilização de moradores para a priorização, avaliação e nova priorização de opiniões sobre um determinado tema relativo ao desastre, por meio de votos em urnas de papel ou aplicativo em celular2

A tecnologia social de governança participativa foi implementada em municípios e comunidade ribeirinhas do Espírito Santo tendo em vista o potencial de gerar e promover informações relevantes e legítimas que permitam diagnósticos compartilhados entre diferentes segmentos afetados, pautando o desenvolvimento de estratégias e ações entre o Estado, as empresas, organizações e comunidades locais em relação à governança do desastre. Em vista disso, a plataforma permitiria a construção democrática das políticas públicas de recuperação, com base em um processo de inovação, especificamente em torno das dimensões geradas pelo conflito.

Com o objetivo de geração de informações para viabilizar a tomada de decisão, e consequentemente direcionamento das políticas públicas, a tecnologia participativa foi baseada no pilar fundamental da governança. Porém, suas funcionalidades foram sinergicamente ampliadas diante da experiência dos pesquisadores junto às comunidades, atores estratégicos e entidades que atuam no apoio à reconstrução das comunidades afetadas pelo desastre da bacia do Rio Doce no Espírito Santo.

Observa-se a capacidade da tecnologia em fomentar a legitimidade do processo de reconstrução das comunidades a partir da mobilização cidadã e produção de soluções coletivas. Incrementa, ainda, a capacidade de governança, seja ampliando o processo decisório das políticas públicas através da apropriação social da plataforma participativa, seja influenciando a agenda política.

Em termos metodológicos, de outubro de 2017 até dezembro de 2019, a tecnologia se tornou uma intervenção prática na realidade, deslocando da ideia de uma mera plataforma online. O CRCM OP (Com Rio Com Mar - Opinião Popular) se converteu, em essência, numa plataforma de tecnologia social com dispositivos online e recursos metodológicos flexíveis, com o potencial de incrementar direcionamentos científicos para a extensão universitária e para a intervenção em conjunturas críticas.

Ao longo do desenvolvimento do projeto, o nome Com Rio Com Mar Opinião Popular passou a designar uma tecnologia de participação do POP que, a partir dos votos dos moradores em urnas de papel, sistematiza as preferências de cada município participante e fomenta processos de capacitação dos atingidos por meio de (a) oficinas trimestrais e (b) publicação de cartilhas, jornais e boletins que se converteram em subsídios técnicos científicos para apoiar as estratégias por recuperação e direitos diante do desastre-crime.

Como resultado, a ferramenta idealizada tem passado por adequações à realidade da bacia do Rio Doce e das comunidades atingidas, implicando em desafios metodológicos e reflexões epistemológicas para rede de pesquisa. Somado ao cenário pretérito de conflitos ambientais e das grandes empresas, a realidade da bacia no estado do Espírito Santo revelou (a) a precariedade dos requisitos tecnológicos para a implementação do painel (como votações por meio do celular), e (b) dificuldades dos atores locais para implementar suas estratégias de ação num contexto de agravamento das condições de participação nas políticas públicas e da complexa estrutura de governança montada para a reparação (TTAC e TAC Gov). Diante das múltiplas faces do desastre, dos conflitos ambientais e políticos, e das particularidades dos atores na bacia do Rio Doce no Estado do Espírito Santo, foi necessário modificar a tecnologia social de governança participativa, adaptando-a à realidade dos atingidos.

O artigo está organizado em 3 partes para além desta Introdução. Na primeira parte, debatemos o processo de implementação do CRCM OP, explicitando suas fases de ruptura e as readequações em face da realidade local e da estrutura de governança do desastre. Na segunda, explicitamos as questões epistemológicas, metodológicas e pragmáticas envolvidas, com base nas interações entre os pesquisadores e os atingidos, lançando mão de reflexões sobre o potencial da pesquisa com o uso de ferramentas tais como oficinas e grupos de discussão, etnografia pública e netnografia. Na última parte, as reflexões epistemológicas e metodológicas são recuperadas para discutir o posicionamento ativo ilustrado pelas contribuições da Sociologia Pública e da pesquisa-ação.

 

2. Plataforma online rumo ao Com Rio Com Mar Opinião Popular: fases da pesquisa e extensão

Da chamada da CAPES-FAPES-FAPEMG-CNPq-ANA de 2016 para recuperação da bacia do Rio Doce até o segundo semestre de 2019, demarcamos três momentos na trajetória de mudanças e adaptações CRCM OP, que compreendem as interações com os atores, objetivos, métodos e técnicas: (a) o projeto-piloto; (b) a aproximação com os atores e entidades e propostas sobre a capacitação e (c) execução das oficinas, votações e estratégias.

Para o andamento do projeto-piloto, o CRCM OP contou com o apoio dos demais eixos da rede, especialmente o Eixo Sociedade Civil, que realizou pesquisa com os atores envolvidos com os movimentos sociais e organizações da sociedade civil. Neste momento, o projeto valeu-se das experiências acumuladas de outros pesquisadores da rede sobre as comunidades tradicionais, a trajetória associativa no Estado, além de estudos produzidos pelos eixos transversais da rede.

Para viabilizar o CRCM OP diante o cenário conflituoso pós desastre, o projeto escolheu fazer contato junto aos atingidos por meio de parceria com o Fórum Capixaba em Defesa do Rio Doce (FCDR) e com o Movimento de Atingidos por Barragens (MAB), que viera para o Espírito Santo após o desastre. A parceria com eles visava encontrar lideranças locais capazes de difundir o POP nas comunidades atingidas. Neste cenário, as mudanças relativas à inviabilidade do uso da plataforma, à dificuldade de acesso à internet e ao manuseio da mesma pelos atingidos, modificou as estratégias do projeto.

Desse modo, as lideranças multiplicadoras, atreladas às oficinas de capacitação trimestrais executadas pelos pesquisadores da rede, se tornaram essenciais para o desenvolvimento do painel popular. Junto das atividades presenciais, jornais também produzidos pela rede serviriam de suporte ao sistema de votações com foco na prioridade de cada comunidade, soluções e estratégias.

As votações mensais e por região são agregadas ao sistema, processadas por meio de métodos quantitativos e retornariam para as comunidades, de modo a adensar as demandas relevantes para então pensar nas estratégias de acesso às políticas públicas, seja pelas arenas formalizadas pelo sistema de governança definido pelo Termo de Ajustamento de Conduta, seja pelas arenas extra institucionais promovidas pelos movimentos sociais e organizações da sociedade civil.

Contatos com as lideranças de entidades, tais como a Aliança Rio Doce, os Movimentos de Atingidos por Barragens, os Sindicatos, a Cáritas Diocesana, as Associações de Pescadores e de Moradores, os Quilombolas, o Fórum do Rio Doce, as pastorais, e a participação em eventos, seminários, feiras, encontros realizados pelos pesquisadores da Rede CRCM - tudo isso ampliou a visão sobre as particularidades de cada comunidade atingida, e levou ao ajustamento do projeto-piloto. Nesta fase de ajuste percebeu-se a necessidade de um pesquisador atuando como extensionista, em contato direito com os atingidos, ou seja, um pesquisador com papel fundamental de apoio institucional aos participantes do projeto, tornando-se também parte da pesquisa, traços estes que caracterizam a pesquisa-ação.

A pesquisa-ação é um tipo de pesquisa participante engajada, em oposição à pesquisa tradicional, que é considerada como "independente", "não-reativa" e "objetiva". A pesquisa-ação procura unir a pesquisa à ação ou prática, isto é, desenvolver o conhecimento e a compreensão como parte da prática. É, portanto, uma maneira de se fazer pesquisa em situações em que também se é uma pessoa da prática e se deseja melhorar a compreensão desta (Engel, 2000).

Assim, as interações com os grupos e as comunidades elevaram a atuação dos pesquisadores-extensionistas da rede para lideranças multiplicadoras. A participação nos constantes eventos, como os descritos acima, possibilitou o acúmulo de saberes sobre o desastre e o impacto na comunidade atingida, o reconhecimento das estratégias de luta, parcerias e até mesmo conflitos sociais propalados com o desastre.

Trata-se, pois, de comunidades e grupos que trazem suas diferenças internas, sobrepostas pela posição distante do sistema de governança conduzido pela Fundação Renova3, cuja participação do atingido fora reduzida em instâncias consultivas ou espaços decisórios de difícil acesso e entendimento pela grande parte das comunidades. Além disso, os programas definidos, bem como as instâncias de apoio direcionadas aos atingidos ainda estão em processo de construção, solapando a confiança dos mesmos sobre a recuperação e reparação integral do desastre na bacia do Rio Doce.

A redefinição do desenho do CRCM OP como uma tecnologia social, em essência, para aproveitar as estratégias já existentes em comunidades e organizações atingidas nos municípios de Vitória, Serra, Colatina, São Mateus e Linhares, assim como os encaixes institucionais em andamento, foi particularizada de acordo com o perfil da comunidade/grupo, suas estratégias e parcerias. As entradas de cada grupo exigiram novos recursos metodológicos por parte da equipe do CRCM OP de forma a aproveitar os encaixes prévios, mas, também, mantendo a implementação de acordo com o tempo dos atores e suas demandas. Afinal, "o pesquisador parece-se, neste contexto, a um praticante social que intervém numa situação com o fim de verificar se um novo procedimento é eficaz ou não" (Engel, 2000, p. 184).

Nesta fase, ou momento, a atenção se voltou à percepção dos encaixes institucionais particulares de cada comunidade, entendidos como instantes ou situações em que atores sociais estabelecem acesso junto ao Estado e burocracias, aumentando sua capacidade de influência no processo decisório (Carlos, Dowbor, & Albuquerque, 2017; Skocpol, 1995). Isso, entretanto, a despeito de não se tratar de processos cristalizados e encaixes de médio alcance, mas de encaixes pontuais e instáveis, diferentes daqueles que configuram processos de "domínio de agência" tais como descritos por Lavalle et al. (2018).

Concomitante ao andamento das votações e estreitamento das relações com os atores dos mais diversos grupos e das comunidades atingidas, a equipe do CRCM OP ajustou a estratégia de capacitação através de oficinas, incluindo outros atores institucionais, como resposta às próprias estratégias sinalizadas pelas comunidades e reforçadas pelas lideranças multiplicadoras.

Este terceiro momento de mudanças, mais recentes, conduziu a equipe à reflexão sobre o plano de implementação, técnicas, dinâmicas de capacitação e desenvolvimento do CRCM OP para além das esferas informais. Com o avanço das votações em Vitória, Serra, Colatina e São Mateus, bem como com a consolidação das votações em comunidades de Linhares, as oficinas tornaram-se espaços de experimentação e construção de estratégias junto aos atingidos, atores institucionais, do poder públicos, órgãos e instituições, além de pesquisadores, que foram convidados a participar no refinamento das demandas e estratégias. E novamente, a performance dos atores nas capacitações e nas interações entre os encontros presenciais com a equipe do CRCM OP, desencadearam avaliações internas e procedimentos orgânicos nas ações de acesso às políticas de reparação e recuperação do desastre.

Portanto, a implementação do CRCM OP destaca, até o presente, três períodos de "ruptura" com o projeto idealizado: primeiro diante das experiências do projeto-piloto e conhecimento do território, bem como as características socioeconômicas e os conflitos internos; segundo: a aproximação com os atores e entidades durante a implementação, o que realçou as particularidades de algumas demandas e estratégias de mobilização já construídas pelos atingidos; e finalmente, a inovação na dinâmica das oficinas e nas aproximações com as atividades das comunidades, que permanecem ainda em andamento rumo aos encaixes institucionais entre sociedade civil e Estado. Nesta última fase, tem sido particularmente relevante a interlocução com a Defensoria Pública do Estado do Espírito Santo, tendo em vista que a estrutura de governança para alcançar a reparação dos atingidos e a repactuação dos programas desenhados são lentos e, evidentemente, conflituosos.

Ao longo desses três processos, alguns atingidos tiveram no projeto uma base de apoio para se firmar enquanto lideranças, ao mesmo tempo em que, paralelamente, vinculavam-se às instâncias da estrutura do desastre como as Comissões Locais, Câmaras Técnicas e o Comitê Interfederativo. Outras não conseguiram se envolver ou engajar os moradores nos processos de votação do CRCM OP, ainda que tenham participado das oficinas trimestrais do projeto.

O CRCM OP foi pensando como uma metodologia ágil e replicável, ademais, seu apoderamento pelos atingidos expandiu a capacidade de influenciar na tomada de decisões, trazendo as autoridades públicas e atores que atravessam o sistema de governança do desastre para próximo dos atingidos, levando esses a refletir e conjecturar sobre as estratégias e parcerias, bem como o direcionamento das demandas para encaixes nas esferas de poder.

O resultado da "ruptura" no planejamento de implementação do CRCM OP desencadeou em reflexões epistemológicas sobre a tecnologia social, no desempenho e atuação do corpo acadêmico, na realidade do objeto dado; nas intervenções sobre o planejamento metodológico; e sobre objeto ressignificado, apropriado pelos sujeitos, pelos pesquisadores, pelos atingidos, num lócus mediado.

 

3. Tecnologia e intervenção: promovendo o mosaico de interações

Aqui vale uma metáfora: na construção de um edifício entram todos os materiais e estruturas, bem como todos os estrados externos que permitem que o edifício seja erguido. Mas, uma vez que o edifício está pronto, para estar disponível ao fim ao qual se destina, é preciso remover aqueles andaimes que foram absolutamente necessários no processo de construção. (Brüning & Faria, 2017)

Pesquisar não é automático, tampouco há um reducionismo no contato do pesquisador com os sujeitos envolvidos na pesquisa, ou uma simplicidade nas relações e na forma com que a mesma se transforma durante seu processo de realização. A pesquisa comporta momentos distintos, interação, de compreensão do real, de múltiplas interações entre os sujeitos participantes e o pesquisador, sem, contudo, haver uma predefinição dos eventos versus momentos em sentido linear. Quando superadas as limitações do pesquisador e existiremavanços na pesquisa, não há garantias de que o "sujeito pesquisador" necessite retomar os entendimentos constitutivos nas fases anteriores. Há, portanto, ir e vir, entre o "sujeito pesquisador" e a realidade, há dinâmica e há contradição (Faria, 2015).

O exame da forma processual de ação do pesquisador tal como o processo de "abertura" e "reflexão" sobre a extensão do CRCM OP é um recurso da própria epistemologia crítica, uma vez que o pesquisador é um sujeito que produz suas condições de existência, que ao medir o real e a consciência, determina um lócus de mediação. Por exemplo, a mediação do pensamento pela prática política se dá pela intervenção do sujeito na realidade com uma finalidade e de forma ativa. Já a medição do pensamento pela organização é observada pelas vinculações do sujeito com associações, ou seja, o estabelecimento dos vínculos sociais comuns.

O que queremos enfatizar é que o pensamento elaborado pelo sujeito e o conhecimento apreendido pelo pesquisador partem das condições de existência do sujeito, e da mediação do pesquisador com o real. Existe uma sinergia entre o "sujeito pesquisador" que transita do indivíduo para o coletivo através da interação, conforme podemos observar no depoimento dos participantes na 4a Edição do Jornal CRCM OP.

O CRCM OP já não é só da pesquisa, o CRCM é nosso! ... Então aceitamos o desafio de começar o CRCM OP (Com Rio Com Mar Opinião Popular) em nosso bairro. De fato, vem sendo um desafio, pois nestes 2 meses tem sido bem difícil convencer as pessoas a conhecer e confiar na pesquisa, para que no futuro tenhamos algum benefício. Ter essa conversa inicial, explicar tudo, é desgastante, as pessoas desconfiam. Mas mesmo com esse desafio, os moradores têm participado porque confiam na gente, na Associação de Moradores. Assim foi nosso primeiro mês com o CRCM OP. (CRCM OP, 2019, p. 4)

Portanto, é lógico que o campo empírico imprima "aberturas" nos limites definidos pelo pesquisador quando em seu gabinete de pesquisa. Neste estado, o pesquisador define seu referencial teórico e seus instrumentos pois está submetido à racionalidade da pesquisa.

Contudo, no confronto de suas ideias, do seu objeto e da realidade, pelas lentes do seu método, o pesquisador percebe que o real diz mais do que o formato previsto e racionalizado. Essas relações entre o sujeito pesquisador e o objeto compõem uma "sequência orgânica", segundo Bachelard (conforme citado por Faria, 2015)4. . É um percurso dialético enriquecido com as múltiplas determinações do real que o sujeito foi capaz de desvendar e com as reelaborações que ele foi capaz de fazer em suas reflexões, pois ambos, sujeito e objeto, se moveram no processo (Faria 2015, p. 28) [grifo nosso], conforme a percepção dos participantes abaixo.

No segundo mês, que foi maio, percebemos mais confiança dos participantes, mais tranquilidade e com o sentimento de mudança para que esse desastre não aconteça novamente. As pessoas mais velhas conseguem entender melhor e valorizar mais esta iniciativa. ... e esperamos que o projeto fortaleça esta nossa luta, pois o CRCM OP já não é só da pesquisa, o CRCM é nosso! (CRCM OP, 2019, p. 4)

Para observar as rupturas e aberturas do CRCM OP enquanto projeto pesquisa e extensão, nos detemos a observar a interação sujeito e objeto, o ferramental teórico-metodológico e a realidade concreta. Na seção sobre as fases de implementação da tecnologia indicamos três períodos de ruptura com o projeto idealizado, como prescrito no gabinete do pesquisador. A seguir, sob a perspectiva da epistemologia crítica do concreto (Faria, 2015) examinamos estes três períodos conforme a dimensão das interações entre o pesquisador e objeto, com o intuito de enfatizar a reorientação metodológica, epistemológica e a inovação pragmática do CRCM OP a partir de sua implementação.

De acordo com a epistemologia crítica do concreto (Brüning & Faria, 2017; Faria, 2015), existem três momentos fundamentais em uma pesquisa, compreendidos a partir da reflexão processual da ação do pesquisador e sua prática.

Na fase do projeto-piloto do CRCM OP a aproximação do pesquisador com o objeto é precária, e caracterizada pela consciência de várias teorias e aportes pré-sincréticos5. Já a segunda fase de implementação da tecnologia, formatação da capacitação através das oficinas e dos dispositivos de apoio como as cartilhas e jornais, bem como do protocolo com as lideranças multiplicadoras, é marcada pela aproximação construída, cujo conhecimento é elaborado no continuum das relações entre o pesquisador e o sujeito. Na terceira fase, de síntese, os sujeitos envolvidos na pesquisa compreendem que há um conhecimento científico produzido a partir das trocas com o CRCM OP, quer dizer, o CRCM OP é incorporado por seu objeto, pelo sujeito, para a produção do conhecimento científico.

Tendo conhecido seu objeto no campo empírico, a partir da implementação do CRCM OP nas comunidades e grupos atingidos, o esforço do pesquisador é lançar mão de conceitos, análises e estudos para auxiliar no aprofundamento da pesquisa. É justamente nessa fase que o pesquisador observa que existem fatos cuja teoria consistente pode ser desenvolvida, orientando, ele mesmo, a desenvolver argumentos e reflexões. É o momento de tensão entre o pesquisador e o objeto, rumo à construção sistematizada do conhecimento.

Há uma práxis do pesquisador com o objeto que leva a conceituação, descrição, organização e classificação, que afeta a elaboração do conhecimento e, também, as próprias relações. A seguir abordamos as transformações da relação pesquisador/objeto, indicando a transformação entre o conhecimento precário e o conhecimento valorizado com o desenvolvimento do CRCM OP.

 

4. Plano epistemológico: a apropriação da tecnologia social

No plano epistemológico, crítico e concreto, a tecnologia social para além da extensão é apropriada pelo objeto e apropria-se das suas condições.

Sob a perspectiva da epistemologia crítica do concreto, o grau de incerteza do conhecimento científico investigado sobre o CRCM OP, e suas fases de aproximação do objeto, pré-sincrética, sincrética e síntese, é viabilizada pelos procedimentos que representam a metodologia.

Em consequência, os saberes baseados na mediação do sujeito/pesquisador e objeto/CRCM OP, foram construídos sobre o empirismo, ou seja, o conhecimento que decorre da experiência e da redução do pensamento. Neste fluxo, a tecnologia social elaborada "no gabinete" é integrada nas mediações do sujeito e objeto, e conduz a redução do conhecimento sobre a tecnologia experienciada.

A princípio, o Projeto Com Rio Com Mar foi visto como uma grande novidade. Hoje, as pessoas participam com o sentimento de que nossas opiniões estão sendo ouvidas. Moramos em uma área que não está muito próxima da foz do Rio Doce, mas fomos reconhecidos como área impactada. O projeto se lembrou de nos perguntar de que forma fomos atingidos pela lama de rejeitos da Samarco. Jornal 4a Edição. (CRCM OP, 2019, pp. 3-4)

Os meses de agosto, setembro e outubro de 2018, marcaram a finalização da fase piloto e da primeira oficina do CRCM OP, realizada em julho de 2018. A partir de então a tecnologia social foi reformulada, especialmente perante as interações com os atores sociopolíticos que se relacionavam no CRCM OP.

A fase sincrética iniciada na segunda oficina, em novembro de 2018, foi marcada pela intensa mediação com as lideranças e respectivas comunidades. A terceira oficina, realizada em março de 2019, consolidou a apropriação da tecnologia pelos atores, cuja aproximação impactou em outras funcionalidades, como a interlocução com as autoridades, arenas decisórias e estratégias de ação.

Os primeiros meses do POP em São Miguel/Ilha Preta e Barra Nova Sul foi um processo de luta para poder fazer a construção do reconhecimento através das votações, para que os atingidos dessas comunidades compreendessem melhor como funciona a pesquisa e entendessem que é uma construção para chegarmos no poder público. Jornal 3a edição - oficina 3. (CRMR OP, 2019, p. 3)

Vale enfatizar que a tecnologia social foi inicialmente elaborada com base nas tecnologias de informação e comunicação. No entanto, o real e concreto das comunidades, dos atores e do contexto, mostraram que a tecnologia seria útil apenas se estivesse relacionada a estes fatores e variáveis.

Em resposta solvente, o modelo de governança foi repactuado de acordo com as condições sociais e necessidades das comunidades, a urna e os votos em cédulas e também a atuação das lideranças locais, trazendo para os pesquisadores de campo um novo papel, de acordo com o novo desenho nesse cenário da pesquisa, no qual o papel do pesquisador se eleva também a de participante, uma espécie de liderança, por meio do qual explica o formato e proposta do projeto e acompanha a comunidade, encaixando-se nas mobilizações particulares de cada parceiro, sendo procurado como referência via redes sociais, tais como whatsapp, tornando, assim, real a possibilidade do CRCM como tecnologia social capaz de obter informações, expressar e alcançar um diálogo político, e subsidiar a petição de autoridades. Neste momento fica claro o diálogo entre pesquisa-ação e etnografia, na implementação da tecnologia social, visto que:

a observação participante como técnica para se fazer um estudo etnográfico, tem um duplo objetivo: engajar-se em atividades apropriadas na situação estudada e observar as atividades, pessoas, e aspectos físicos da situação. O observador participante experimenta estar dentro e fora da situação estudada, e se transforma, ele mesmo, em um importante instrumento de pesquisa, como já salientamos anteriormente, com seu corpo e linguagem. (Neves, 2006, p. 7)

Por conseguinte, a tecnologia proposta pelo CRCM aproximou-se do "saber do fazer, os problemas de suas soluções, em sintonia com a diversidade socioeconômica e ambiental das regiões brasileiras" (ITS, 2005, p. 3). Num movimento ascendente, a capacidade criativa do segmento atingido promove uma nova aplicação da tecnologia, principalmente num cenário de processos excludentes, e de difícil acesso às informações e conhecimento, de acordo com falas dos atingidos durante as oficinas e grupos de discussão, sobre a experiência do CRCM OP.

Sobre as estratégias de mobilização do CRCM OP Oficinas6
Serve para diagnosticar as prioridades dos atingidos, promover reunião com a comunidade, posso usar como exemplo o boletim... o mesmo se torna um documento público. Buscar informações técnicas para repassar às comunidades. Identificar e eleger os problemas emergentes prioritários. Cobrar respostas e execução dos projetos da Renova. Mobiliza a comunidade para criar um plano de ação com boletim. Reconhecer e nivelar as informações e perdas de cada território, e com esta informação podemos reorganizar e reafirmar aquilo que vamos pedir à Fundação. Como chamar a atenção do poder público para o povo atingido? Qual a estratégia para conseguir acessar e ter o apoio das políticas públicas? (CRCM OP, 2019, grifo nosso)

Serve para diagnosticar as prioridades dos atingidos, promover reunião com a comunidade, posso usar como exemplo o boletim... o mesmo se torna um documento público.

Buscar informações técnicas para repassar às comunidades.

Cobrar respostas e execução dos projetos da Renova.

Mobiliza a comunidade para criar um plano de ação com boletim.

Reconhecer e nivelar as informações e perdas de cada território, e com esta informação podemos reorganizar e reafirmar aquilo que vamos pedir à Fundação.

Como chamar a atenção do poder público para o povo atingido? Qual a estratégia para conseguir acessar e ter o apoio das políticas públicas? (CRCM OP, 2019, grifo nosso)

Na esteira desse momento, o "social" combinado ao termo "tecnologia de governança participativa", refere-se ao processo e método que traz uma dimensão de construção democrática (ITS, 2007) na medida em que os atingidos passam a ser atores protagonistas na construção e desenvolvimento social e tecnológico.

Para que os atingidos e atingidas pudessem ter autonomia de reconhecer os impactos surgidos, fizemos propostas em cada região para garantir um levantamento, para que ficasse claro quais são as necessidades do povo atingido e a partir daí utilizarmos seus resultados para procurarmos o poder público.

Nós aqui de São Mateus achamos que é um momento muito importante para nos unirmos com a Rede de Pesquisa Com Rio Com Mar, para garantir a reparação do povo atingido, já há 3 anos, onde não há proposta do poder público e nem das empresas, então confiamos que possamos conseguir algum acesso com a pesquisa.

E a pesquisa veio para afirmar isso. E a partir da pesquisa podemos solicitar medidas de reparação, feitas por nós mesmos. Que é totalmente o contrário das propostas da empresa, que são verticais (ou seja, de cima para baixo). Jornal 3ª edição - oficina 3. (CRMR OP, 2019, p. 3)

A tecnologia do CRCM ampliou a capacidade de atender às necessidades específicas de cada comunidade e grupo, sem abandonar a sistematização da tecnologia, promovendo o diálogo entre os saberes acadêmicos e populares.

Por isso a comunidade entendeu a importância da pesquisa dentro de seu próprio território, sem que haja a necessidade de se deslocar para participar. Ao contrário disso, participam em sua comunidade, fazendo propostas, votando em suas próprias propostas e com a pesquisa facilita e ajuda na reivindicação de seus direitos.

A pesquisa Com Rio Com Mar veio para somar com a comunidade, onde temos finalmente propostas verdadeiras, do próprio povo atingido para o poder público e para a própria empresa criminosa, uma vez que a pesquisa traz a informação para a comunidade, onde o sentimento é de esperança, de fé e de solução. Jornal 3ª edição - oficina 3. (CRMR OP, 2019, p. 3)

Com estes tópicos, pode-se afirmar que os objetivos da tecnologia de governança participativa reverteram a tendência das tecnologias convencionais, diminuindo as assimetrias de poder dentro das relações de poder sobre as políticas públicas para a recuperação e reparação dos danos do desastre. É importante frisar que a abordagem tecnológica do CRCM OP considera efetivamente as especificidades das realidades locais, também relacionadas aos processos de organização coletiva nas diversas situações de exclusão, de conflito e de vulnerabilidade social.

A apropriação da tecnologia conduz a reflexão de que a complexidade sociotécnica que, está atrelada a essas ferramentas de intervenção, demanda um exame analítico não apenas da natureza tecnológica em si, mas também das condições sociais do entorno. Os problemas que desafiam essas tecnologias são de fato sociais e técnicas - como inclusão digital e literacia sobre o uso de tecnologias de informação e comunicação -, assim também, as soluções elaboradas foram resultadas de processos sociotécnicos complexos entre sujeito/pesquisador e a tecnologia/objeto.

Durante os votos, os moradores entendem o projeto, escolhem os códigos que representam suas demandas e fazem as votações. As oficinas do projeto permitem o fortalecimento das lideranças locais nas comunidades pois, até então, não éramos vistos como lideranças. Ao mesmo tempo, o projeto fortalece a aproximação com o atingido, na medida em que passamos a ouvir o problema de cada um. (CRCM OP, 2019, pp. 3-4)

Embora um dos desafios da apropriação da tecnologia seja a promoção do empoderamento comunitário, a experiência do CRCM OP tem mostrado que a extensão universitária pode potencializar a participação ativa dos atingidos, através de relações sinérgicas. Como aponta Dias,

Muitas tecnologias sociais poderiam se tornar ainda melhores, caso houvesse significativo volume de pesquisas e atividades de inovação orientadas para elas, como há para as "tecnologias convencionais". Afinal, como nos ensinam a sociologia da tecnologia e a economia da inovação, "as tecnologias não são escolhidas por serem as melhores, mas se tornam melhores porque são escolhidas". ... A tarefa tende a recair, portanto, sobre as universidades e os institutos públicos. (Dias, 2011, p. 64)

Em termos práticos, o efetivo envolvimento da comunidade com a tecnologia social permitiria o adensamento da produção de conhecimento orientada para as soluções das problemáticas relativas ao desastre. Os conhecimentos técnicos dos pesquisadores da Rede CRCM são necessários para aprimorar as demandas e os canais de conexão com as políticas. Por isso, a partir da terceira oficina, a discussão sobre as estratégias de acesso às autoridades, influência sobre a tomada de decisão e impacto sobre as políticas públicas é introduzida na pauta e dinâmica de capacitação, bem como as mesas de debate com autoridades temáticas das arenas institucionais.

A liderança comunitária acolhe as dores e as inquietudes dos atingidos em relação ao desastre ambiental. As oficinas do CRCM contribuem com estratégias junto às autoridades. Acreditamos que a partir do momento em que os órgãos públicos tomarem ciência das necessidades das áreas impactadas, eles acordarão para a realidade. ... Nossos moradores se sentem orgulhosos de participar da pesquisa. (CRCM OP, 2019, pp. 3-4)

Nos meses seguintes, de novembro de 2018 até junho de 2019, as conexões com os integrantes das arenas do sistema de governança do desastre passaram a integrar as oficinas de capacitação do CRCM OP. O estreitamento das relações ampliou as funções da tecnologia e inaugurou a fase de síntese epistemológica, na medida em que a tecnologia se torna um facilitador da mediação dos atores com outros atores, extrapolando as interações do pesquisador com os atingidos, e (re)elaborando o conhecimento produzido a partir da experiência, como ilustra o depoimento abaixo.

Ao utilizar os materiais produzidos pelo CRCM OP, eu tentei abordar a pesquisa de forma didática. Lancei mão do Jornal, do problema e dos conteúdos como um recurso didático para abordar algumas questões como a fonte de energia utilizada, o modelo adotado pelo Brasil, os impactos da mineração como atividade econômica que causa grandes impactos e como o discurso do crescimento econômico é utilizado para legitimar a ação dessas empresas em território nacional. Assim, utilizei o que aconteceu ao longo desses 4 anos, o conteúdo do jornal e as reuniões com as comunidades, tentando mostrar como o impacto ambiental é também social. Ou seja, como o ambiental se mistura com o social e o social se mistura com o ambiental. Como esses processos não são facilmente separáveis e como há uma interdependência entre o social, o econômico e o ambiente físico. Jornal 5a Edição. (CRCM OP, 2019, p. 3)

A condição de precisão das concepções se apresenta para o pesquisador de acordo com suas capacidades de proceder o constante movimento, e relações, entre os objetos e ele mesmo. Assim, a exposição da teoria não tem um alcance determinado, sua dimensão se constitui à medida que o concreto se revela. Melhor dizendo, o alcance da teoria influencia no concreto, que por sua vez se apropria da condição teórica como que uma simbiose.

Entretanto, a intervenção, o desenvolvimento de produtos e de sistemas inovadores através do painel têm levantado questões importantes, e latentes na Sociologia, sobre a gestão coletiva, o desenrolar da pesquisa e dos próprios resultados, uma vez que a intervenção sociológica está mais relacionada às conexões orgânicas da comunidade atingida, como parte do sujeito (objeto de conhecimento) dotado de capacidade de ação e de contestação. Além disso, Dias (2011, p. 64) enfatizou a existência de uma lacuna de pesquisas sobre a extensão universitária e a tecnologia social "mediante o fortalecimento e valorização da participação da comunidade universitária e local nos processos de sua construção".

Inspirado no real e no concreto, os conceitos e concepções definidos para implementação da tecnologia, não se encontravam, de imediato em sua forma mais elaborada e, de fato, foram ampliados. Geralmente, tensionar a realidade faz parte o movimento de revelação dos conceitos. Assim, a Sociologia Pública como prática que não se limita a falar dos públicos, mas cujo interlocutor privilegiado é o próprio público, passou a subsidiar a reflexão sobre a intervenção do CRCM OP.

Quanto ao resultado esperado quanto as votações dos atingidos, sabemos que é difícil apostar em algum ponto específico. Mas o que sabemos, também, é que sem mobilização e pressão social, não há atuação do Legislativo, via parlamentares, e do Executivo, via políticas públicas, no sentido de legitimar os interesses coletivos no Brasil. Ao mesmo tempo é importante provocar as comunidades e, talvez, com o grande número de pessoas e votos envolvidos, os dados do projeto se tornarão instrumento de legitimação de alguma política e alguma mudança. Jornal 5a Edição. (CRCM OP, 2019, p. 3)

 

5. Plano metodológico: procedimentos e técnicas da pesquisa

A participação dos pesquisadores do CRCM OP no acompanhamento e suporte às comunidades e aos grupos passa pelo processo de conhecimento, e definição dos "cuidados" necessário para habilitar a reciprocidade com os atingidos. Não se trata de uma simples decisão, pois as avaliações internas da equipe que ocorrem quinzenalmente, o material etnográfico produzido com as fotos e avaliações das oficinas e os relatos das lideranças multiplicadoras, subsidiaram o "desvelamento" da realidade de cada parceiro atingindo (comunidades), o modus operandi para a efetiva participação e o uso da tecnologia social e participativa de governança.

O posicionamento ativo dos pesquisadores tem gerado processos de mudança nos próprios indivíduos envolvidos no projeto, através da participação e do acompanhamento dos eventos particulares de cada grupo ou comunidade, muitas vezes com a participação de burocracias de médio escalão; da escuta atenta durante os intervalos mensais das oficinas quando dos telefonemas; nos grupos de comunicação instantânea como o whatsapp; na promoção das votações e na dinâmica das oficinas.

A ação e a organização a partir de postura da pesquisa-ação tem um efeito sobre o papel dos pesquisadores como apoiadores das lideranças locais. Ao assistir algumas comunidades, alguns pesquisadores acompanham votações, fazem exposições sobre os objetivos e modus operandi do projeto e da estrutura de governança do desastre. A produção, transferência e partilha de conhecimento não habilitou a criação do poder popular, mas constitui-se em sensibilização e conscientização. Os pesquisadores, inseridos nos processos e compreendendo os significados dos problemas enfrentados, superam a relação de distanciamento entre o pesquisador e os atingidos - os primeiros, com seu suporte teórico e metodológico, e os segundos, envolvidos com suas experiências e vivências.

A nova forma de comunicação com o propósito da realização de um trabalho conjunto, socializou também o pesquisador, que "torna parte da luta e da comunidade". Esta conexão promove a autoetnografia (Kock, Godoi, & Lenz, 2012) - outro recurso metodológico mobilizado, pois permite o envolvimento do pesquisador, de sua narrativa, de seus pensamentos, com o objeto de estudo. No exercício de uma liderança multiplicadora, o pesquisador transpõe um grupo de experiência vivida. O envolvimento do etnógrafo acarreta a reflexão sobre os discursos pessoais analisados no campo. Pela autoetnografia, o pesquisador é observador e observado, também por ele mesmo. Desse modo, a cada regresso do campo, os pesquisadores retornam como lideranças multiplicadoras, e no momento da relatoria se colocam na posição de aprofundamento intrínseco do ambiente vivido.

Além disso, a observação participante tem papel fundamental no posicionamento do etnógrafo, para que ele mantenha o foco, interesse e orientação em sua observação para pesquisa, ainda que no campo, como parte do contexto, seja reconhecido como uma liderança multiplicadora, pois é capaz de reproduzir o conhecimento e as vivências dos atingidos. O relatório mensal, que é condição protocolo da liderança multiplicadora, criado pelo CRCM OP, é o próprio diário de campo, com os fatos registrado, e a explicação das ações, logo as reflexões do pesquisador7

Além disso, as dinâmicas das oficinas com o aperfeiçoamento da tecnologia suscitam reflexões sobre os encaixes institucionais e demandas de cada comunidade e grupo. Levando em conta a diversidade entre eles, e com base no conhecimento exploratório sobre as estratégias de ação entre arenas de conflito, na medida em que os atores mobilizam enquadramentos e repertórios com relação aos outros, foram introduzidos grupos de discussão na dinâmica das oficinas, de modo a amparar o debate estabelecidos com os atores institucionais presentes e os atingidos.

Com base nos macrotemas da oficina (correspondente às votações agregadas dos moradores de cada comunidade pelos temas Trabalho e Geração de Renda, Meio-Ambiente, Saúde, Justiça e Reconhecimento e Outros), foram definidos grupos de trabalho para elaborar e sistematizar as propostas cruciais a serem apresentadas às autoridades. Após o grupo de discussão as questões foram devolvidas aos participantes de modo a pensar cursos de ação para acessar as autoridades e os órgãos envolvidos, como forma de influenciar a tomada de decisão e provocar a repactuação dos programas. Optou-se pela manutenção dos grupos divididos por macrotemas e escrutínio das propostas elaboradas e sistematizadas de modo a propor estratégias de ação. Os grupos de discussão realizados nas Oficinas 3 e 4, foram organizados em quatro momentos, descritos abaixo:

1. Manutenção dos grupos/municípios por macrotemas; posteriormente houve a devolução das questões elaboradas na parte da manhã e incentivo às elaborações de novas questões relativas as políticas de recuperação de danos.

2. Fornecimento de cartazes para cada grupo, cuja orientação foi de estruturação da proposta de modo a contemplar as seguintes questões: "quais as estratégias de ação e mobilização?"; "para quais autoridades se dirigem estas estratégias nos órgãos públicos e na estrutura de governança do desastre?"; "como provocar a repactuação dos Programas da Fundação Renova, vinculando-os às políticas públicas?". Um relator por grupo sintetizou as questões. Para facilitar a organização visual, o cartaz foi dividido em três tópicos: ações, estratégias e autoridades.

3. Após o debate com duração de até 30 minutos, os relatores de cada grupo apresentaram as questões levantadas, e o debate foi reaberto com todos os participantes.

A escolha pela operacionalização da técnica de grupos de discussão deve-se principalmente ao fato de que sua aprendizagem é dada pela aplicação. Ou seja, o pesquisador "ocupa a técnica", e é o "aparato técnico [que] se adapta e está condicionado à situação concreta de investigação (Gutiérrez, 2008; Ortí, 1986) (Godoi, 2015, p. 644)".

A compreensão conceitual da prática conduz ao diálogo e discurso grupal, de um grupo que é convocado com o objetivo da pesquisa (pensar as ações, estratégias e autoridades relativas às temáticas/demandas/comunidades) e que são definidos pelo pesquisador. É um "processo de reagrupação" (Callejo, 2001; Ibáñez, 2003). O grupo de discussão, portanto, atua como um dispositivo de produção de textos de acordo com os objetivos colocados. Estes textos são suporte ao discurso e representações sociais, ao mesmo tempo que o discurso é uma construção do analista a partir da análise das condições (diálogo) e textos produzidos.

 

6. Plano pragmático: a tecnologia apropriada como policy advocacy e whatsapp

A terceira fase da pesquisa-extensão se baseia na ideia de que o pesquisador deve levar a sério as experiências dos atingidos e deixá-los controlar criticamente o que tem sido produzido. Ao mesmo tempo, conduzindo pesquisas de extensão universitária e tecnologia social, guiadas "mediante o fortalecimento e valorização da participação da comunidade universitária e local nos processos de sua construção" (Dias, 2011, p. 64).

Esta etapa da pesquisa-extensão reforça as estratégias elaboradas no final da segunda fase, em direção a contatos que reconhecem e favorecem os encaixes entre sociedade civil e Estado8, uma vez que os atingidos já realizavam encontros com a Defensoria Pública e participavam de reuniões das Câmaras Técnicas e do Comitê Interfederativo. Neste momento, as autoridades que compõem as instâncias do desastre são convidadas a interagir com os atingidos nos espaços das oficinas. Os pesquisadores, ao mesmo tempo, passam a estabelecer uma relação próxima com as lideranças, realizando visitas nas comunidades, ouvindo suas conquistas e dilemas para "lutar contra gigante", como afirmou uma liderança comunitária em visita realizada na comunidade de Barra Nova Sul, município de São Mateus, ao se referir à Fundação Renova.

Igualmente, os pesquisadores mantêm uma relação próxima para acolher os dilemas quanto os conflitos que operam internamente nas comunidades - que vão desde disputas entre lideranças e associações no mesmo território pela legitimidade de representar a comunidade, passando pela escuta quanto às dificuldades pessoais de cada sujeito (violência doméstica, alcoolismo na família, depressão), até o acompanhamento dos trânsitos das lideranças pelas instâncias da estrutura do desastre. Assim, as oficinas ganharam um significativo aumento quanto ao número de participantes: se nas primeiras oficinas o número de participantes foi menor que 20 atingidos, na oficina 3 o número foi de 43, enquanto a oficina 4 congregou 73 participantes.

Tal crescimento quantitativo ficou evidente nas falas e avaliações realizadas pelos atingidos e instituições parceiras do projeto durante a oficia 4. Para um membro do Fórum Capixaba, "o Fórum firmou parceria com a pesquisa. E a pesquisa cumpre o papel que o Fórum estava fazendo. É bom que a principal função [do projeto e do Fórum] aconteceu: os atingidos se organizaram".

As avaliações preenchidas pelos atingidos, igualmente, indicam a importância de aglutinação e troca de saberes entre os atingidos de diferentes comunidades e municípios, assim como a relação com as autoridades e as metodologias empregadas. Das 42 avaliações preenchidas ao final da oficina 4, 11 avaliações relataram pontos positivos quanto a metodologia, descrevendo questões como: "Gostei muito, adorei a oficina"; "Foi muito bom"; "Gostei de tudo"; "da metodologia usada"; "da forma, da dinâmica das oficinas"; "oportunidade de troca de saberes, metodologia objetiva e de fácil compreensão"; "muito proveitoso, produtivo e afirmativo, informações foram bastante claras". Outras 16 avaliações marcaram, especificamente, a importância da reunião de atingidos de várias comunidades e a troca de saberes entre a população atingida pelo desastre-crime: "Gostei do encontro de atingidos de lugares diferentes"; "pessoas de vários municípios, de ver o grupo crescendo"; "da presença de várias comunidades e todos empenhados"; "boa presença"; "presença das comunidades em peso, das comunidades unidas". "Pela primeira vez participei de uma reunião como essa. Comecei a entender tudo isso"; "troca de saberes"; "troca de informações"; "troca de valores"; "interação com as comunidades é de muita importância pois há troca de informações e interação dos grupos". O terceiro ponto mais destacado, com 7 avaliações positivas, diz respeito à importância da participação e interação com as autoridades. Os/as participantes afirmaram que gostaram de "Falar com as autoridades"; "[d]a palestra, a participação dos órgãos competentes"; "gostei que a cada reunião estão comparecendo mais colaboradores para somar nessa nossa luta e saber que não estamos sozinhos"; "Sempre aparece mais alguém a nos estender a mão"; "a presença das 'autoridades' foi muito importante"; "da presença das autoridades"; "As Comissões: como ter acesso ao nosso interesse. Também das pessoas que responderam ao que foi proposto".

No desdobramento do trabalho de campo e da pesquisa-ação, a equipe dá ensejo a grupos de discussão em que os atingidos trabalham no processo de agregação de propostas votadas, reclassificando temas de propostas muitas muito parecidas, para, na sequência, definir estratégias de ação com foco nas políticas públicas e nas demandas que não foram atendidas pelas ações ou políticas relativas à recuperação pactuadas pela Fundação Renova. Os grupos intentam contribuir com a elaboração pública de um problema, por meio da divulgação de informações através dos meios de comunicação, em direção a policy advocacy, um processo cujo objetivo pode ser efetuar uma mudança de política ou alterar a visão do público sobre um problema (Lane & Carter, 2012). A efetivação desta prática reforça a voz política a uma mensagem ligada à defesa de uma causa, como instrumento de influência da opinião pública e dos tomadores de decisão. É um papel ativo expresso por estratégias e métodos que influenciam a opinião dos tomadores de decisão. A atividade de policy advocacy pode ser equalizada através de parcerias, combinando competência e recursos, através da coalizão com grupos.

Ao mesmo tempo, a reclassificação de propostas poderá contribuir para ações de advocay, definidas por Marlene Libardoni como

iniciativas de incidência ou pressão política, de promoção e defesa de uma causa e/ou interesse, e de articulações mobilizadas por organizações da sociedade civil com o objetivo de dar maior visibilidade a determinadas temáticas ou questões no debate público e influenciar políticas visando à transformação da sociedade. (Libardoni, 2000, p. 02)

As mídias digitais, por isso, têm um papel importante a desempenhar na estratégia do CRCM OP, por meio do refinamento do site já existente e da ampliação de processos de alimentação de conteúdo em meios diversificados. Nesse afã, têm-se ampliado as estratégias de comunicação no sentido de melhorar a arquitetura do site, ampliar as postagens de conteúdos semanais e atualizar a homepage; realizar posts semanais no facebook, tanto das informações resultado dos dados de pesquisa, quanto dos encaixes socioestatais entre os atingidos e o Estado, bem como por meio de curadoria de conteúdos/reportagens sobre desastres ambientais. Outros veículos como o Instagran também favorecem explorar a divulgação de artes gráficas com frases, dados ou números, divulgando pontos-chave relativos a conteúdos capazes de fomentar a advocay e a policy advocacy.

Anterior a um desenho mais refinado quanto o uso das mídias digitais como estratégia de comunicação para influenciar encaixes institucionais, o whatsapp tem sido uma tecnologia importante para a interação entre os pesquisadores e os sujeitos da pesquisa, com forte potencial para a realização de etnografia virtual ou netnografia. A metodologia tem sido utilizada para "seguir os atores" em trabalho de campo e observação conduzidas por meio eletrônico (Braga, 2011). O método tem sido considerado pertinente e operativo, apesar de demandar outros aportes metodológicos. Em comparação com a etnografia, o método tem sido descrito pela literatura como menos dispendioso, mais rápido, menos invasivo e subjetivo, já que o pesquisador mergulha no ambiente natural da comunidade (Kozinets, 2002). Ao mesmo tempo em que pode ser absolutamente observacional ou intensamente participativo. Segundo Koninets, as fases de uma pesquisa netnográfica envolvem a entrada no campo, coleta e análise de dados, ética de pesquisa e checagem de informações com os membros do grupo.

A equipe da pesquisa CRMC OP participa de diferentes grupos de whatsapp, criados pelo próprio projeto para facilitar a comunicação com as lideranças. Em outros casos, as pesquisadoras são incluídas em grupos previamente formados pelos próprios atingidos. Nesses últimos, especialmente, seria possível filtrar conteúdos sobre os repertórios de ação dos atingidos, suas estratégias, os conflitos internos, assim como o mix de repertórios operados em busca de justiça como, por exemplo, o forte componente religioso lado a lado às narrativas sobre "arregaçar as mangas" e "correr atrás" de informações qualificadas. Embora potente como instrumento de análise, não caminhamos a ponto de seguir os procedimentos éticos e analíticos suficientes para tal descrição. De todo modo, os grupos de whatsapp promovem uma interação coletiva que, para animarem o processo de pesquisa-ação, demandam a relação interessada, direta e mais próxima entre as pesquisadoras e as lideranças comunitárias e atingidos atuantes no projeto. Ao mesmo tempo em que reforçam dados observados em campo, como os encaixes institucionais entre os atingidos e os diferentes setores estatais.

 

7. Apontamentos finais: o CRCM OP em diálogo com a sociologia pública

A Sociologia Pública, per si, mobiliza a pesquisa-ação (Baldissera, 2011), como um modo artesanal (Burawoy, 2014) onde o sujeito responsável pela investigação intervém num processo social, nas micro e macroestruturas.

A Sociologia Pública, como vertente de intervenção sociológica, tem sido uma lente útil para observar o projeto intelectual de obtenção de um conhecimento habilitado pela tecnologia social de governança participativa. Outros instrumentos de pesquisa, outras técnicas, vem sendo adicionadas ao CRCM OP, promovendo um conhecimento transformador - não apenas para a resolução dos conflitos, mas como parte das modificações que resultam dele. Ou seja, o conhecimento é destinado a uma população com o qual o diálogo e interação - para intervenção - é estabelecido e cuja relação social criada é transformadora do público. A própria definição do "atingido" revela parte das disputas políticas e simbólicas que se desenrolam no reconhecimento institucional do desastre e das comunidades atingidas.

Isso significa que esta relação, interação e intervenção, torna-se parte do conhecimento científico, sob a lente reflexiva da sociologia, uma vez que a intervenção provoca o público a quem ela é endereçada e, também, o pesquisador. Consequentemente, expõe o sujeito/pesquisador a própria capacidade de julgamento e intervenção.

Especificamente no caso das comunidades locais na Bacia do Rio Doce, o pesquisador lida com pessoas comuns, cujos constrangimentos nem sempre são percebidos, justamente pela condição de disputas pelo reconhecimento institucional como atingido, com isso, cabe ao pesquisador criar um público, de modo que esse "público" passe a se interessar por seu destino e solicitar a intervenção sociológica.

Através da parceria com as organizações da sociedade civil, como o Fórum Capixaba em Defesa do Rio Doce e o Movimento de Atingidos por Barragem, o CRCM OP prioriza o fortalecimento das capacitações com as lideranças mobilizadoras e as comunidades atingidas. A tecnologia é transferida através da formulação e agregação das opiniões da comunidade, não para fins de mudança imediata, mas também para ativar a carga reflexiva que a influência do pesquisador ativou. Exemplar a esse respeito, é o depoimento de uma liderança comunitária sobre os efeitos do projeto em sua atuação na comunidade:

As oficinas do projeto permitem o fortalecimento das lideranças locais nas comunidades pois, até então, não éramos vistos como lideranças. Ao mesmo tempo, o projeto fortalece a aproximação com o atingido, na medida em que passamos a ouvir o problema de cada um. A liderança comunitária acolhe as dores e as inquietudes dos atingidos em relação ao desastre ambiental Jornal CRCM OP, Edição 4. (CRCM OP, 2019, pp. 3-4)

O pesquisador cria seu público, o sujeito do conhecimento, que cria o objeto do conhecimento. Tal postura afeta os procedimentos de investigação como, por exemplo, decisões sobre a temporalidade das oficinas e capacitações, qual a oscilação desejável para o recolhimento dos votos e elaboração das propostas, diversidade dos informantes, mudança de roteiro para coleta de votos por parte das lideranças, alterações de roteiro de grupos de discussão, estratégias a serem definidas para fortalecer os encaixes entre sociedade civil e Estado, os boletins técnicos, são, enfim, questões que não são enquadradas nas amarras de um método puramente positivista, e que ganham significado com a perspectiva da Sociologia Pública, com a realização conjunta do pesquisador e seu público.

De acordo com Burawoy (2014) a sociologia é um compromisso com diversos públicos sobre diferentes questões públicas, por isso, o desastre na Bacia do Rio Doce oferece uma gigantesca quantidade de material para a "crítica". Cabe às tecnologias inovadoras, sociais, participativas e de governança, posicionar-se, e fazer visível o invisível. Para Buroway, a sociologia está preparada para "devolver o conhecimento científico a suas fontes inspiradoras, tornando públicas as questões referentes a problemas privados" (Braga & Santana, 2009, p. 223).

Entre os componentes da discussão, observamos que o CRCM OP tem caminhado para a realização da sociologia engajada, que não abre mão da objetividade do conhecimento diante da possibilidade de traduzir problemas que circulam em ambientes privados para as arenas relativas aos desafios públicos, a partir da centralidade do conhecimento dos atingidos. Este "compromisso axiológico" permite o exercício da Sociologia Pública alinhada com o público ativo e visível de atingidos, cuja "organicidade" é perceptível pelos resultados científicos que a tecnologia articula, tanto por meio de materiais didáticos, resultado de dados qualitativos e quantitativos, que são resultados do conhecimento acessível, quanto pelos vínculos criados com diferentes públicos. Através da sociologia orgânica estimulada pelo CRCM, o conhecimento dos atingidos (Braga & Santana, 2009) torna-se central, ambos engajados.

Dadas as condições e conflitos sociais presentes na arena pública brasileira, a apropriação da Sociologia Pública, formulada no contexto da sociologia norte-americana, incita uma crítica ao estado atual da sociologia no Brasil. Isso porque a sociologia pública tem forte sentido no cenário do desastre, em virtude da estrutura de desigualdades e de cerceamento de direitos que se reproduz continuamente pelos entraves de acesso às políticas públicas de reparação e recuperação. Em torno da luta pelo acesso aos programas pactuados pela estrutura do desastre está uma rede densa e ativa de organizações compostas por movimentos sociais, sindicatos, associações de moradores, quilombolas, agricultores, além de grupos não organizados que a eles se somam como as mulheres marisqueiras, os jovens sem perspectiva de empregos, os moradores sem acesso ao atendimento específico às doenças de pele surgidas após o desastre, entre outros.

Assim, a tecnologia participativa do CRCM OP é aperfeiçoada para lidar com a natureza conflitiva das relações do Estado, sociedade e mercado, ao mesmo tempo em que teve que lidar com os antagonismos presentes na sociedade civil, composto por públicos não homogêneos. No caso dos pescadores, por exemplo, o sindicado Sindpesmes luta pelas indenizações por danos morais, já a Associação de Pescadores de Jacaraípe, Serra, mobiliza-se pelo autorreconhecimento enquanto atingidos; enquanto em outros municípios as associações de moradores disputam a legitimidade entre os moradores locais e se organizam para assumir a gestão de Assessorias Técnicas9

Ao acompanhar esses processos, o pesquisador assume o papel do intelectual engajado, atendendo às identidades plurais, lança luzes sobre o deslocamento da produção sociológica e o engajamento de públicos situados para além da academia (Carvalho, 2017). Ainda que o caso brasileiro a sociologia pública apareça "evidente" (Maia & Perlatto, 2012), tal sociologia deve se debruçar sobre os casos nacionais como as tecnologias, conflitos e desastres ambientais.

Essa discussão passa por reflexões clássicas na sociologia em torno da questão do engajamento, no âmbito epistemológico, mas passa também pelo plano metodológico, com relação aos métodos (re)elaborados na sinérgica aproximação entre sujeito/pesquisador e o objeto/atores no CRCM OP. Assim, pesquisa-ação, etnografia política, grupos de discussão e estudo de caso ampliado, etnografia virtual ou netnografia são instrumentos valiosos num " espaço para um saber crítico e reflexivo, engajado com públicos extra-acadêmicos e capaz de tornar públicas questões sociais relevantes" (Braga & Santana, 2009, p. 226).

Não se trata de cair na armadilha de se tornar "instrumento, representante, intermediário ou cúmplice" de atores políticos, como alertou Javier Auyero, mas, de fato, conforme o mesmo autor, de realizar "múltiplas traduções" de relatos, conectando atores políticos, além de aportar informações relevantes (Auyero, 2011, pp. 155-156). A tarefa se torna ainda mais relevante diante de uma estrutura de governança previamente articulada e de difícil acesso em termos de resolução de problemas. A Sociologia Pública, e o projeto em questão, não têm o propósito de dizer às pessoas que elas têm problemas - é evidente que elas conhecem seus problemas privados -, mas dada suas condições de "pacientes do Estado" (Auyero, 2011), e a publicização de suas demandas vis-à-vis ao contexto complexo de governança do desastre, o que se pretende é contribuir para um conhecimento imparcial e preciso sobre o mundo social.

Para além de explicitar as discussões epistemológicas que remontam à Sociologia Pública, a ótica da epistemologia crítica do concreto repercute sobre como o valor da tecnologia está em seu reconhecimento como uma ferramenta útil, cujo valor público é dado pelo cidadão, pelo processo e por sua participação. A cada mediação nas etapas de implementação da CRCM OP, as formas de uso são ressignificadas e, com isso, novos métodos e técnicas de pesquisa foram articulados. Como projeto em curso, a pesquisa e a utilização do conhecimento pelo público estão passíveis de serem permanentemente avaliadas, assim como o potencial analítico do projeto é ainda parcial e passível de revisão e crítica constante.

 

Referências

Auyero, J. (2011). Vidas e Política das Pessoas Pobres: as coisas que um etnógrafo político sabe (e não sabe) após 15 anos de trabalho de campo. Sociologias, 13(28),126-164. Recuperado de https://www.redalyc.org/pdf/868/86821166006.pdf        [ Links ]

Baldissera, A. (2011). Pesquisa-ação: uma metodologia do "conhecer" e do "agir" coletivo. Revista Sociedade em Debate, 7(2),5-25. Recuperado de http://www.rsd.ucpel.tche.br/index.php/rsd/article/view/570        [ Links ]

Braga, L. Usos e consumo de meios digitais entre participantes de weblogs: uma proposta metodológica. In XVI Encontro da Compós, Anais Curitiba: Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação. Recuperando em: http://www.compos.org.br/data/biblioteca_162.pdf        [ Links ]

Braga, R. & Santana, M. A. (2009). Sociologia pública: engajamento e crítica social em debate. Caderno CRH, 22(56),223-232. https://dx.doi.org/10.1590/S0103-49792009000200001        [ Links ]

Brüning, C. & Faria, J. H. (2017). Ontologia, Epistemologia, Metodologia e Teoria em Estudos Organizacionais. Volume II: EPISTEMOLOGIA, METODOLOGIA E TEORIA. Curitiba; EPPEO.         [ Links ]

Burawoy, M. (2014). Marxismo Sociológico: quatro países, quatro décadas, quatro grandes transformações e uma tradição crítica. São Paulo: Alameda.         [ Links ]

Callejo, J. (2001). El grupo de discusión: Introducción a una práctica de investigación. Barcelona: Editorial Ariel.         [ Links ]

Carlos, E., Dowbor, M., & Albuquerque, M. C. (2017). Movimentos sociais e seus efeitos nas políticas públicas. Balanço do debate e proposições analíticas. Civitas, 17(2),360-378. Recuperado de https://www.redalyc.org/pdf/742/74252567011.pdf        [ Links ]

Carvalho, K. L. (2017). A sociologia pública de Michael Burawoy: uma nota teórica. In 18º Congresso Brasileiro de Sociologia, Anais, Brasília, DF: Congresso Brasileiro de Sociologia. Recuperando de https://revistas.ufrj.br/index.php/enfoques/article/download/12719/8887        [ Links ]

Dias, R. B. (2011). Tecnologias sociais e políticas públicas: lições de experiências internacionais ligadas à água. Inclusão Social, 4(2),56-66. Recuperado de http://revista.ibict.br/inclusao/article/view/1656        [ Links ]

Engel, G. I. (2000). Pesquisa-ação. Educar em Revista, 16,181-191. http://dx.doi.org/10.1590/0104-4060.214        [ Links ]

Faria, J. H. (2015). Epistemologia crítica do concreto e momentos da pesquisa: uma proposição para os estudos organizacionais. RAM - Rev. Adm. Mackenzie, 16(5),15-40. Recuperado de http://editorarevistas.mackenzie.br/index.php/RAM/article/view/7098        [ Links ]

Gurza Lavalle, A. et al. (2018). Movimentos sociais, institucionalização e domínios de agência. In Movimentos sociais e institucionalização: políticas sociais, raça e gênero no Brasil pós-transição (pp 21-86). Rio de Janeiro: Ed. UERJ.         [ Links ]

Gurza Lavalle, A. & Szwako, J. (2015). Sociedade civil, Estado e autonomia: argumentos, contra-argumentos e avanços no debate. Opinião Pública, 21(1),157-187. http://dx.doi.org/10.1590/1807-0191211157        [ Links ]

Godoi, C. (2015). Grupo de discussão como prática de pesquisa em estudos organizacionais. REA - RAE - Revista de Administração de Empresas, 55(6), 632-644. Recuperado de https://www.redalyc.org/pdf/1551/155142631002.pdf        [ Links ]

Gutiérrez, J. (2008). Dinámica del grupo de discusión. Madrid: Centro de Investigaciones Sociológico.         [ Links ]

Ibáñez, J. (2003). Más allá de la sociología. El grupo de discusión: Teoría y crítica. Madrid: Sieglo Veintiuno Editores.         [ Links ]

Instituto de Tecnologia Social - ITS. (2005). Declaração das ONGs: ciência e tecnologia com inclusão social. Recuperado de http://www.itsbrasil.org.br        [ Links ]

Instituto de Tecnologia Social - ITS. (2007). Caderno Tecnologia Social. Conhecimento e Cidadania. Recuperado de http://www.itsbrasil.org.br        [ Links ]

Kock, K. F., Godoi, C., & Lenzi, F. C. (2012). Discussão e prática da autoetnografia: um estudo sobre aprendizagem organizacional em uma situação de catástrofe. Revista Gestão Organizacional, 5(1),93-106. http://dx.doi.org/10.22277/rgo.v5i1.1249        [ Links ]

Kozinets, R. (2002). The Field Behind the Screen: using netnography for marketing research in online communities. Journal of Marketing Research, 39(1). https://doi.org/10.1509/jmkr.39.1.61.18935        [ Links ]

Lane, C. U. H. & Carter, M. I. (2012). The role of evidence-based media advocacy in the promotion of tobacco control policies. Salud pública de México, 54(3),281- 288. Recuperado de https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/22689166        [ Links ]

Leirner, A. (2011). Projeto Piloto Painel de Opinião Popular - POP. Relatório de Pesquisa - GV Pesquisa, Centro de Estudos de Administração Pública e Governo. (Relatório Técnico). São Paulo: Fundação Getúlio Vargas, Escola de Administração de São Paulo.         [ Links ]

Leirner, A. et al. (2019). Escutando comunidades atingidos pelo rompimento da barragem da Samarco no Rio Doce: resultados iniciais do Espírito Santo, Brasil. In II Simpósio Nacional de Gestão e Engenharia Urbana, Anais (pp. 166-177). São Paulo: Escola de Engenharia Politécnica da Universidade de São Paulo.         [ Links ]

Libardoni, M. (2000.) Fundamentos teóricos e visão estratégica da advocacy. Revista Estudos Feministas, CFH/CCE/UFSC, 8(2),167-169.         [ Links ]

Maia, J. M. & Perlatto, F. (2012). Qual sociologia pública? Uma visão a partir da periferia. Lua Nova, 87,83-112.         [ Links ]

Neves, V. F. A. (2006). Pesquisa-ação e etnografia: caminhos cruzados. Pesquisas e Práticas Psicossociais, 1(1),1-17. Recuperado de https://ufsj.edu.br/portal-repositorio/File/revistalapip/Pesquisa-Acao_e_Etnografia..._-_VFA_Neves.pdf        [ Links ]

Pitrėnaitė-Zilenienė, B., Carosi, A., & Vallesi. P. (2014). Enhancing societal resilience against disasters: engaging the public via social technologies. Social Technologies4(2),318-332. https://doi.org/10.13165/ST-14-4-2-06        [ Links ]

Skocpol, T. (1995). Why I am a historical institutionalist. Polity, 28(1),103-106.Recuperado de https://www.journals.uchicago.edu/doi/abs/10.2307/3235190?journalCode=pol        [ Links ]

 

 

Recebido em: 01/10/2019
Aprovado em: 18/12/2019
Agência de fomento: Este trabalho foi realizado com o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG), Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Espírito Santo (FAPES), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Agência Nacional de Águas (ANA), no âmbito da chamada 6/2016, “Apoio a Redes de Pesquisa para Recuperação da Bacia do Rio Doce”.

 

 

1 Por se tratar das primeiras investidas analíticas sobre a tecnologia social e as transformações da ferramenta a partir das interações do campo experienciadas com os atingidos, não há intenção em aprofundar o diálogo com a bibliografia sobre os movimentos de vítimas de desastres, mas buscar-se observar como as tecnologias projetadas para estes contextos são apropriadas pelos afetados, rearticuladas e reorganizadas. Em vista disso, a literatura sobre tecnologias social e sociologia pública nos parece útil neste ensaio..
2 O Painel de Opinião Popular (POP) é uma metodologia de painel de agregação preferencial de opiniões, idealizada por André Leirner, cujo objetivo é fomentar a reflexão coletiva e a construção de consensos, respeitando a expressão de interesses e os significados implicados nas relações entre atores locais. Sua primeira aplicação foi realizada entre 2009 e 2011, no distrito de Jardim Ângela, São Paulo, por meio de uma pesquisa realizada junto à FGV/EAESP (Fundação Getúlio Vargas/Centro de Estudos em Administração Pública e Governo da Escola de Administração Pública de São Paulo) (Leirner, 2011). Aplicações posteriores foram realizadas na Secretaria da Educação da Estância Turística de Embu das Artes em 2018. E, em seguida, aplicada junto aos atingidos pelo rompimento da barragem do Fundão (Leiner et al., 2019). Agradecemos a André Leirner pelo valioso apoio quanto a metodologia, assim como a Adrian Gurza Lavalle, Maria do Carmo Albuquerque e Fernando Peres Rodrigues pelos debates quanto a implementação da tecnologia adaptada para as comunidades afetadas pelo desastre-crime na bacia do Rio Doce..
3 Entidade instituída a partir do Termo de Ajustamento de Conduta - TTAC, firmado em março de 2016, com o papel de representar as mineradoras causadoras do desastre e com o objetivo de mitigação, reparação e indenização dos prejuízos causados.
4 Utilizamos a expressão "sujeito pesquisador" para enfatizar a dinâmica processual do encontro do sujeito e seu aporte teórico e o objeto apreendido, a realidade. Na relação, o sujeito é pesquisador, sem deixar de ser sujeito, mediando a apreensão da realidade para o conhecimento, num posicionamento sem positivismos, mas, cada vez mais direcionado para intervenção.
5 Pré-sincrético é um conceito elaborado por Faria (2015), para denominar a fase da pesquisa em que existe uma profusão de teorias que ainda estão dispersas a partir do problema de pesquisa. Neste momento ainda não há um recorte correspondente ao conjunto de apropriações da realidade. Na relação com o objetivo, o pesquisador tomará consciência do objeto pesquisado e dos aportes teórico-metodológicos relevantes. Na segunda etapa, sincrética, o pesquisador passa a elaborar os dispositivos epistemológicos. O processo sincrético é aquele em que o pesquisador une as funções cognitivas de interpretação da realidade e executiva, na medida em que observa instrumentos e técnicas para elaborar o conhecimento. Já a síntese, se refere a fase de resultado do conhecimento elaborado e valorizado na interação entre pesquisador e objeto, logo, opõe-se às fases anteriores baseadas na exploração e análise.
6 Até a data da publicação ocorreram cinco oficinas e diversas reuniões locais com as comunidades participantes..
7 O papel de liderança multiplicadora foi realizado pelas pesquisadoras que integram a equipe CRCM OP no Espírito Santo..
8 Agradecemos os membros da Delibera Brasil, Silvia Cervellini e José Veríssimo, que em encontro realizado em 10/04/2019 sobre as estratégias de pesquisa-ação, chamaram a atenção para a importância de investimentos nos encaixes socioestatais. Conforme Gurza Lavalle e Szwako (215, p. 166) "Estado e sociedade civil se constituem mutuamente; o que importa, segundo as lentes analíticas da mútua constituição, é explicar o conjunto de dinâmicas, padrões, encaixes e lógicas que configuram um modo recíproco de constituição socioestatal tendencialmente estável, porém historicamente mutável".
9 Assessoria técnica são instâncias técnicas e consultivas criadas através do Termo Preliminar de Ajustamento de Conduta celebrado entre o Ministério Público, as Empresas e a Fundação Renova. A composição das assessorias foi reforçada com o TAG Gov. de 2018, que definir seu caráter independente. Dentro do sistema de gestão do conflito, as assessorias devem auxiliar as comissões locais de atingidos a elaborar suas demandas relativas ao processo de repactuação dos programas da Fundação para recuperação dos danos e reparação integral. Eventualmente as assessorias também auxiliam as Câmaras Técnicas, e são geridas e supervisionadas pelo Fundo Brasil..

Creative Commons License