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Revista Psicologia Política

versão On-line ISSN 2175-1390

Rev. psicol. polít. vol.20 no.47 São Paulo jan./abr. 2020

 

EDITORIAL

 

Psicologia política e o estudo das políticas públicas de saúde e assistência social

 

Political psychology and the study of public health and social assistance policies

 

Psicología política y el estudio de las políticas de salud y asistencia social

 

Psychologie politique et étude des politiques de santé publique et d'assistance sociale

 

 

Kátia MaheirieI; Frederico Viana MachadoII

I(Editora-chefe 2020-2023)
II(Editor-chefe 2016-2019)

 

 

Este número marca a passagem da gestão 2016-2019 para a 2020-2023, tendo sido organizado conjuntamente por nós, editores-chefe destas duas equipes. Esta parceria sinaliza a confirmação dos esforços que têm sido feitos para o fortalecimento da psicologia política. Fazemos parte de um número crescente de pesquisadoras/es que se identificam com o campo e têm se diversificado em áreas temáticas e de pesquisa, bem como em regiões e estados do Brasil.

Abrimos este número com novas expectativas, uma vez que um novo ciclo se abre, visando que se faça juz às conquistas realizadas pela gestão anterior, no vislumbre de novas a serem feitas nos próximos quatro anos. Nosso desafio em iniciar a nova jornada passa por intensificar os avanços realizados pela gestão que aqui se encerra e, ainda, pensar em estratégias de visibilização e ampliação de nossas redes de pesquisa nacionais e internacionais, por meio da crescente qualificação da Revista Psicologia Política. Internacionalizar aparece também como uma derivação do aumento de seu impacto e, por consequência, de seu percentil em indicadores bibliométricos. Outro desafio que nos é colocado se refere a busca por novas bases indexadoras, além das que já temos hoje.

A equipe editorial que assumirá a Revista Psicologia Política entre 2020 e 2023 é composta pela professora doutora Kátia Maheirie, como editora-chefe, e pelos editores associados doutores Francisco Portugal, Marco Aurélio Máximo Prado e João Manuel C. de Oliveira. Esta equipe traz na bagagem experiências importantes no campo editorial e que sem dúvida contribuirão sobremaneira para a qualificação da revista, garantindo a excelência do material publicado e o fomento de produções sobre temas estratégicos.

Neste momento tão delicado, não podemos deixar de falar sobre a pandemia que assola o país e o mundo, e a forma como ela altera nossas vidas, nosso cotidiano, nossas formas de trabalhar e de nos relacionar com as pessoas, mas sobretudo deixa em aberto um campo novo de possibilidades e incertezas que são e serão ainda mais fortemente interpeladas pelo político. Este contexto explicita como, por meio da política, criam-se formas de atuar sobre os corpos e suas relações, transformando ao mesmo tempo as políticas públicas e o campo de tensionamentos e conflitos. Pensando sobre as possibilidades de produção de conhecimento nessa temática, a Revista Psicologia Política está abrindo uma chamada de artigos intitulada "Biopolíticas e Coronavírus/COVID-19" e, com isso, espera contribuir para o enfrentamento psicossocial desta pandemia.

Nesse número, o primeiro do ano de 2020, concentram-se artigos que tratam sobretudo de saúde e assistência social, tendo como eixo condutor a análise das políticas públicas, com foco em diversos equipamentos, tais como o CRAS, CAPS, o Programa de Volta para Casa, dentre outros. A RPP vem cada vez mais aportando importantes estudos sobre as políticas públicas no Brasil que contribuem para a qualificação destes serviços. Além disso, o engajamento dos autores aqui reunidos reafirma em nossa pauta editorial o compromisso deste periódico com o enfrentamento das desigualdades sociais e democratização da sociedade. São 15 artigos, uma entrevista e uma resenha, com autores que representam mais de vinte universidades, distribuídas em 12 estados de quatro regiões do Brasil. Um dos autores é chileno, o que mantém a regularidade de autores latino-americanos publicando na revista.

O primeiro artigo, "A insurreição chilena do século XXI dos 30 pesos", de Pablo Alcota, da Universidad del Bío-Bío (Chile), aborda a recente onda de protestos que tomou as ruas de diversas cidades do Chile desestabilizando o governo e denunciando as consequências das políticas neoliberais do país. Por meio de um trabalho etnográfico, o autor apresenta uma crítica ideologicamente posicionada, mas que aporta reflexões relevantes para compreendermos o contexto político chileno atual.

Em seguida, o tema da saúde mental é trabalhado por diversas perspectivas. O segundo artigo é de Maria Lucia Boarini, "A luta antimanicomial: um mosaico de vozes insurgentes". A autora traz aspectos históricos sobre a ineficácia da segregação em hospitais psiquiátricos e destaca vozes do passado e do presente que marcaram seu tempo protestando contra o paradigma isolacionista contribuindo contundentemente para a reforma psiquiátrica brasileira. O terceiro artigo, "Concepções e práticas de autonomia em um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS): desafios cotidianos, escrito por Katharina Pereira Kammer, Larissa Moraes Moro e Kátia Bones Rocha, analisa as concepções de autonomia no cotidiano de um Centro de Atenção Psicossocial. As autoras destacam a importância de pensar a autonomia para a expansão das relações, sendo esta um objetivo que deve ser transversal às práticas em saúde mental.

"É a loucura em território produzindo vida: experimentações em produção de saúde por beneficiários do Programa De Volta Para Casa" é o quarto artigo deste número e também aborda o trabalho em saúde mental. Escrito por Jorge Luiz da Silva, Alanna Figueiroa Valentim e Jorge Luiz Cardoso Lyra-da-Fonseca, com base na perspectiva da produção de saúde, analisam o Programa de Volta para Casa, considerando seus impactos na saúde de pessoas longamente institucionalizadas. Os autores buscam compreender as estratégias de produção de saúde desenvolvidas por pessoas que viveram longos processos de internação em hospitais psiquiátricos e que agora residem em Serviços Residenciais Terapêuticos e identificam possibilidades de produção de saúde a partir de dispositivos como o trabalho, a autonomia, a expressão artística e a cultura. O quinto artigo, "Micropolítica do trabalho vivo em saúde mental: composição por uma ética antimanicomial em ato", escrito por Simone Alves de Almeida e Emerson Elias Merhy, aborda a dimensão subjetiva do trabalho a partir da micropolítica dos encontros entre os trabalhadores da saúde mental. Em seguida, "Rede de atenção psicossocial: os desafios da articulação e integração", escrito por Silvia de Medeiros Vieira, Sônia Maria Oliveira de Andrade, Luiza Helena de Oliveira Cazola e Silvia Segóvia Araújo Freire, analisa a perspectiva de profissionais de saúde sobre a articulação e integração dos pontos da Rede de Atenção Psicossocial no território.

O sétimo artigo deste número se intitula "CRAS e intervenção psicopolítica: os terreiros como lugar de pertença, acolhimento e resistência política". Escrito por Marcela de Andrade Gomes, apresenta uma intervenção, realizada em parceria com a universidade e um CRAS da cidade de Florianópolis (SC), junto aos terreiros localizados no território de abrangência deste serviço. A autora defende que o terreiro favorece uma conexão afetiva e política de seus membros, protegendo e revitalizando a identidade negra e a cosmovisão afrocentrada, operando como resistência à hegemonia colonial, eurocentrada, branca e racista. O oitavo artigo, "Municipalização das medidas socioeducativas em meio aberto: o CREAS na cena do debate!", de Brisana Índio do Brasil de Macêdo Silva e João Paulo Macedo, analisam a estruturação e a operacionalização do serviço de proteção social aos adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas (MSE) em meio aberto nas unidades CREAS em quatro municípios do norte do Piauí.

O nono artigo, "Uma história do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), a participação do psicólogo e possibilidades de atuação", de Patrícia Araújo de Oliveira e Edna Maria Severino Peters Kahhale, faz uma contextualização histórica do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), explorando as aproximações com o Sistema Único de Saúde (SUS), considerando as origens, semelhanças nos seus princípios e diretrizes, assim como as particularidades de cada política. Destacam a importância da inserção do Psicólogo no SUAS e as potências da atuação desse profissional na proteção social básica, no Centro de referência de Assistência Social (CRAS).

No décimo artigo, "Análise do Discurso sobre gênero e cuidados em saúde de homens internados num hospital", de Juliana Machado Ruiz e Rafael De Tilio, são analisadas formações discursivas sobre gênero e cuidados em saúde de homens internados em um setor de urologia de um hospital. A questão do gênero na saúde é problematizada de forma a discutir as noções de cuidado entre homens. "Saúde para a população LGBT+: uma revisão bibliométrica" é o décimo primeiro artigo, escrito por Gustavo Carrijo Barbosa, Milena Rezende Berigo e Thaís Rocha Assis, e objetiva identificar indicadores bibliométricos acerca da produção científica sobre a saúde para a população LGBT+. Temos ainda uma outra revisão bibliográfica neste número: "Promoção da saúde com transexuais e travestis: uma revisão sistemática de literatura", de Stephanie Moreira Gutierres e Sílvia Renata Lordello. As autoras caracterizam os estudos sobre este tema e, assim como a revisão anterior, demonstram os atravessamentos das desigualdades de gênero e sexualidade no campo da saúde.

O décimo terceiro artigo, intitulado "Tenda do Conto: Reflexões da Experiência do Encantamento no Trabalho em Saúde", de Gabriela Fabian Nespolo Casenote e Emerson Elias Merhy, apresenta reflexões a partir da vivência da Tenda do Conto para compreender como trabalhadores da saúde constroem cuidados de si, argumentando que os relatos de si vão para além do campo discursivo institucional, e apontam a singularidade dos processos existenciais e o sofrimento vivido no cotidiano do trabalhador.

"Córrego de Ubaranas: possíveis caminhos à uma comunidade educadora e emancipadora", de Debora Linhares da Silva, Wanessa Nhayara Maria Pereira Brandão e Vanessa Louise Batista, analisa a experiência da Comunidade de Remanescentes Quilombolas do Córrego de Ubaranas. O artigo aponta que a superação da crise ambiental está na elaboração e familiaridade com as incertezas advindas de um compromisso simbólico e vivencial de busca sustentável. O décimo quinto e último artigo, intitulado "Dança circular e política: inventando mundos", é de autoria de Tatiana Siqueira Trindade, Adriane Roso e Deisi Sangoi Freitas, e se propõe discutir a relação da dança com os paradigmas da ciência, enfocando as danças circulares como potência política, uma vez que movimentam possibilidades de visões de mundo, inventando formas de vivenciar a política.

Para compor este número, incluímos a entrevista "Engajamento político e reflexões críticas: entrevista com Leoncio Francisco Camino", feita por Frederico Alves Costa (UFAL) e Frederico Viana Machado (UFRGS). Essa entrevista permite conhecer uma parte significativa da vida e da obra deste pesquisador de indiscutível importância no cenário das ciências humanas no Brasil, mais particularmente para a consolidação da psicologia política. Leoncio Francisco Camino Rodriguez Larraín nasceu na cidade de Lima no Peru, mas fixou residência no Brasil a partir da década de 1970, sendo atualmente professor emérito da Universidade Federal da Paraíba. De maneira crítica, rigorosa e embasada, o entrevistado reflete sobre concepções de psicologia política, sobre a construção e a história de diferentes associações científicas no Brasil e sobre a agenda e a importância da psicologia política no contexto atual. Apresenta um modo de fazer pesquisa que pensa a ciência de maneira coletiva e antenada com o contexto sócio político no qual o conhecimento é construído e com uma reflexão constante em relação às teorias e metodologias. Esta entrevista dá continuidade ao projeto Memórias da Psicologia Política Brasileira, desenvolvido pelos entrevistadores. A RPP já publicou duas entrevistas deste projeto, sendo a primeira com Cornelis Van Stralen (Costa & Machado, 2018) e a segunda com Vanessa Andrade Barros (Costa & Machado, 2019).

Para encerrar, apresentamos uma resenha escrita por Maria Laís dos Santos Leite "Políticas Públicas, Poder e Desenvolvimento Sustentável: contribuições da obra O Sertanejo e o caminho das águas". Esta resenha discute o livro de Suely Salgueiro Chacon, publicado em 2007 pela editora BNB de Fortaleza (CE) intitulado "O Sertanejo e o caminho das águas: políticas públicas, modernidade e sustentabilidade no semi-árido".

Neste momento de tantos desafios e dificuldades no país e no mundo, desejamos a todas e todos muita saúde, muito cuidado e uma excelente leitura!

 

Referências

Costa, F. & Machado, F. (2018). Para além das fronteiras disciplinares: trajetórias acadêmica e política de Cornelis Johannes van Stralen. Revista Psicologia Política, 18(42),399-427.         [ Links ]

Costa, F. & Machado, F. (2019). Historiadora de vidas: a trajetória acadêmica e profissional de Vanessa Andrade de Barros. Revista Psicologia Política, 19(46),679-699.         [ Links ]

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