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Revista Psicologia Política

versão On-line ISSN 2175-1390

Rev. psicol. polít. vol.20 no.47 São Paulo jan./abr. 2020

 

ARTIGOS

 

Rede de atenção psicossocial: os desafios da articulação e integração

 

Psychosocial attention network: the challenges of articulation and integration

 

Red de atención psicosocial: los desafíos de la articulación e integración

 

Réseau d'attention psychosociale: les enjeux de l'association et de l'intégration

 

 

Silvia de Medeiros VieiraI; Sônia Maria Oliveira de AndradeII; Luiza Helena de Oliveira CazolaIII; Silvia Segóvia Araújo FreireIV

IPós-graduada em Saúde Pública pela Universidade Gama Filho em convênio com Instituto Brasileiro Interdisciplinar em Saúde (IBDS), em Atenção Básica em Saúde da Família, pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (2012) e em Gestão da Clínica nas Regiões de Saúde, pelo Hospital Sírio Libanês (2017). Mestrado em Saúde da Família, pela UFMS-FIOCRUZ (2017). Tem vínculo público como cirugião- dentista na Prefeitura Municipal de Corumbá, desde 1997. Atualmente, trabalha como Cirugiã-Dentista da Estratégia de Saúde da Família / silviavieira2007@yahoo.com.br
IIMestrado em Saúde Coletiva pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (1995) e doutorado em Saúde Pública pela Universidade de São Paulo (2002). Atualmente é professora associada da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, docente e pesquisadora atuando no Programa de Pós-Graduação em Doenças Infecciosas e Parasitárias (mestrado e doutorado) e no Programa de Pós-Graduação em Saúde e Desenvolvimento na Região Centro-Oeste (mestrado e doutorado). Docente credenciada pela Secretaria de Estado de Saúde de Mato Grosso do Sul, com experiência em Educação à distância / soniaufms@gmail.com
IIIMestrado em Saúde Coletiva pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (2002) e Doutorado em Saúde e Desenvolvimento na Região Centro-Oeste pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (2011). Atualmente é Docente do Mestrado Profissional em Saúde da Família da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Tem experiência na área de Saúde Coletiva, atuando principalmente nos seguintes temas: atenção primária à saúde, estratégia saúde da família, educação em saúde e avaliação de serviços de saúde / luizacazola@gmail.com
IVMestrado em Saúde e Desenvolvimento na Região Centro-Oeste pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (2012). Curso de Formação de Tutores do Projeto Caminhos do Cuidado (2013). Curso de Aperfeiçoamento em Processos Educacionais na Saúde com Ênfase em Avaliação de Competência pelo Instituto Sírio Libanês de Ensino e Pesquisa (2017). EPES Processos Educacionais na Saúde - Especialização com Ênfase em Tecnologias Educacionais Construtivas pelo Instituto Sírio Libanês de Ensino e Pesquisa (2017). Profissional de Saúde – psicóloga na Prefeitura Municipal de Corumbá MS, vínculo estatutária / silvinha.s.f@bol.com.br

 

 


RESUMO

Este estudo objetivou conhecer a perspectiva de profissionais de saúde com relação a articulação e integração dos pontos de atenção da Rede de Atenção Psicossocial no território. A pesquisa foi realizada com 63 profissionais médicos e enfermeiros das equipes de Estratégia da Saúde da Família (ESF); psicólogos, educadores físicos e assistentes sociais, de duas equipes de Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF) e psicólogos, assistentes sociais e enfermeiros de três Centros de Apoio Psicossocial (CAPS AD, CAPS II E CAPS i), em Corumbá-MS. Os resultados indicam articulação insatisfatória entre as equipes de ESF e NASF e melhor integração das equipes de CAPS com outros serviços da rede. A realização de ações de educação permanente voltadas para os aspectos dinâmicos implicados no trabalho em rede, típicos do atendimento de usuários com sofrimento mental, tornam-se necessárias.

Palavras-chave: Saúde da família; Saúde mental; Saúde na fronteira; Atenção primária à saúde.


ABSTRACT

This study aimed to learn the perspective of health professionals regarding the articulation and integration of the attention points of the Network of Psychosocial Care in the territory. The research was carried out with 63 medical professionals and nurses from the Family Health Strategy (ESF) teams; Psychologists, physical educators and social workers from two teams from the Family Health Support Center (NASF) and psychologists, social workers and nurses from three Psychosocial Support Centers (CAPS AD, CAPS II and CAPS i), in Corumbá-MS (Brazil). The results indicate unsatisfactory articulation between ESF and NASF teams and better integration of CAPS teams with other network services. The implementation of permanent education actions focused on the dynamic aspects involved in networking, typical of the care of users with mental suffering, become necessary.

Keywords: Family Health; Mental Health; Health at The Border; Primary Health Care.


RESUMEN

Este estúdio objetivo conocer la perspectiva de profesionales de salud com relación a la articulación e integración de los puntos de atención de la Red de Atención Psicosocial em el territorio. La investigación fue realizada con 63 profesionales médicos y enfermeros de los equipos de Estrategia de Salud de la Familia (ESF); Psicólogos, educadores físicos y assistentes sociales, de dos equipos de Núcleo de Apoyo a la Salud de la Familia (NASF) y psicólogos, assistentes sociales y enfermeros de tres Centros de Apoyo Psicosocial (CAPS AD, CAPS II Y CAPS i), en Corumbá-MS. Los resultados indican una articulación insatisfactoria entre los equipos de ESF y NASF y una mejor integración de los equipos de CAPS com otros servicios de la red. La realización de acciones de educación permanente orientadas a los aspectos dinámicos implicados en el trabajo en red, típicos del la atención de usuários com sufrimiento mental se hace necesaria.

Palabras-clave: Salud de la familia; La salud mental; Salud en la frontera; Atención primaria a la salud.


RÉSUMÉ

Cette étude visait à connaître le point de vue des professionnels de la santé en ce qui concerne l'articulation et l'intégration des points d'attention du réseau de soins psychosociaux sur le territoire. La recherche a été réalisée avec 63 professionnels de la santé et infirmières des équipes de la Stratégie de santé de la famille (ESF); psychologues, éducateurs physiques et travailleurs sociaux de deux équipes du centre de soutien pour la santé familiale (NASF) et psychologues, travailleurs sociaux et infirmières de trois centres de soutien psychosocial (CAPS AD, CAPS II et CAPS i), à Corumbá-MS. Les résultats indiquent une articulation insatisfaisante entre les équipes ESF et NASF et une meilleure intégration des équipes CAPS avec d'autres services réseau. La réalisation d'actions d'éducation permanente axées sur les aspects dynamiques impliqués dans la mise en réseau, typique des soins prodigués aux utilisateurs souffrant de souffrance mentale, devient nécessaire.

Mots-clés: Santé de la famille; Santé mentale; Santé à la frontière; Soins de santé primaires.


 

 

Introdução

A atenção à saúde mental no Brasil constitui-se em um desafio para a saúde pública, visto que aproximadamente 20% da população do país necessitam de algum cuidado nessa área. Os transtornos mentais severos e persistentes, que requerem cuidados contínuos correspondem a 3% da população, enquanto os transtornos menos graves somam 9%, e necessitam de atendimentos eventuais. Os transtornos decorrentes do uso de álcool e outras drogas, que devem ser acompanhados regularmente, correspondem a 8% (Ministério da Saúde, 2007).

A saúde mental precisa ser entendida como uma questão complexa e que necessita de estratégias de trabalho em rede para que se atenda às recomendações da Declaração de Caracas de 1990, que defende a permanência do usuário no território de origem por meio de equipamentos substitutivos descentralizados, territorializados e integrados com redes sociais e propõe a reestruturação da atenção psiquiátrica e sua vinculação à Atenção Básica (Gama & Campos, 2009).

Para reforçar um modelo de atenção aberto, garantindo a livre circulação dos pacientes em saúde mental pelos serviços e pela comunidade, o Ministério da Saúde instituiu a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) através da Portaria nº 3.088, de 23 de dezembro de 2011. A RAPS estabelece os pontos de atenção para o atendimento de pessoas com problemas mentais e integra o Sistema Único de Saúde (SUS), sendo composta por serviços e equipamentos variados que devem ser integrados e articulados entre si (Ministério da Saúde, 2011).

A Portaria identifica os componentes ou serviços inseridos na Rede, obedecendo à hierarquia do SUS (atenção básica e especializada) e, também, confere a cada componente, suas responsabilidades no atendimento aos pacientes com sofrimento mental (Ministério da Saúde, 2011).

A saúde mental destina-se também, a atender pessoas com problemas decorrentes do consumo de álcool e outras drogas o que foi impulsionado pela publicação da Política do Ministério da Saúde para a Atenção Integral aos Usuários de Álcool e outras Drogas (Alves, 2009).

Persiste, contudo, o desafio de operacionalização das redes de cuidado, a articulação e a integração entre os vários componentes, o que se sustenta no conhecimento e ação de profissionais de saúde.

Para captar os pontos críticos da atenção em rede, buscou-se conhecer no município de Corumbá, do Estado de Mato Grosso do Sul, situado na fronteira Brasil-Bolívia, a perspectiva de profissionais médicos e enfermeiros das equipes de Estratégia Saúde da Família (ESF); psicólogos, educadores físicos e assistentes sociais das equipes do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF) e psicólogos, assistentes sociais e enfermeiros dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), com relação à articulação e integração dos pontos de atenção da Rede de Atenção Psicossocial no território.

Corumbá recebe acentuada demanda de pacientes estrangeiros em busca de atendimentos em seus diversos serviços de saúde, inclusive para os da rede de saúde mental (Marca, 2007), o que reflete dificuldades no financiamento das ações e serviços, visto que o repasse federal é realizado na modalidade per capita, e a população estrangeira, sendo itinerante, não é contabilizada (Giovanella et al., 2007).

 

Metodologia

Trata-se de uma pesquisa descritiva, seccional, com abordagem quantitativa, desenvolvida no município de Corumbá do Estado de Mato Grosso do Sul, situado na fronteira Brasil-Bolívia com aproximadamente 109 mil habitantes e, que possui uma ligação contundente com as cidades bolivianas de Puerto Suárez e Puerto Quijarro, que, juntas, somam 37 mil habitantes, e com o município brasileiro de Ladário, de apenas 20 mil habitantes (IBGE, 2010).

Foram convidados a participar do estudo 68 profissionais, dentre eles médicos e enfermeiros das equipes de Estratégia Saúde da Família (ESF); psicólogos, educadores físicos e assistentes sociais de duas equipes de Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF); psicólogos, assistentes sociais e enfermeiros de três Centros de Apoio Psicossocial (CAPS AD, CAPS II E CAPS i). A rede de atenção é responsável pela demanda em saúde mental de Corumbá, Ladário (município vizinho) e de pessoas da fronteira da Bolívia que procuram os serviços do município.

Ao final participaram do estudo 63 profissionais, visto que na fase da coleta de dados, 3 (três) estavam de férias, 1 (um) de licença e 1 (um) recusou-se a participar.

Para a coleta de dados primários, realizada no período de outubro a dezembro de 2015, utilizou-se de um questionário com questões estruturadas e autoaplicáveis, entregues aos profissionais participantes da pesquisa pelas coordenadoras das equipes de ESF, NASF e CAPS, que se responsabilizaram pela devolução dos instrumentos respondidos.

Foi realizada análise descritiva dos dados que foram organizados em planilha eletrônica Microsoft Office Excel®, sendo as questões agrupadas conforme respostas afins e apresentados em formato de tabelas.

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, sob o Parecer nº 1.300.282.

 

Resultados e Discussão

O atendimento de demandas em saúde mental realizado por profissionais das equipes de saúde da família e do NASF são apresentados na tabela 1.

A totalidade dos profissionais do NASF mencionou atender pacientes com transtorno mental e 81,2% dos profissionais das equipes de Estratégia de Saúde da Família reconheceram que atendem demandas em saúde mental nas unidades, também mostrado em estudos realizados em Natal-RN (Dimenestein et al., 2009), no nordeste brasileiro (Camuri & Dimenestein, 2010), no Distrito Federal (Arce, Souza, & Lima, 2011), em Cuiabá-MT (Luchesse, Oliveira, Conciani, & Marcon, 2009).

O reconhecimento dessa demanda merece atenção para que os profissionais da atenção básica sejam continuamente capacitados para a receptividade, acolhida e atendimento aos usuários, tendo em vista que a inserção do atendimento à saúde mental na atenção básica de saúde se consolidou com a reforma psiquiátrica.

A Estratégia Saúde da Família (ESF), adotada enquanto diretriz para reorganização da Atenção Básica no contexto do Sistema Único de Saúde - SUS passou a ser imprescindível no atendimento das pessoas portadoras de transtornos mentais e seus familiares; com base no trabalho organizado segundo o modelo da atenção básica e por meio de ações comunitárias que favorecem a inclusão social destas no território onde vivem e trabalham (Correia, Barros, & Colvero, 2011).

Ribeiro, Ribeiro e Oliveira, (2008) descrevem que o PSF adquiriu novos conhecimentos que propõem ações de saúde mental na atenção básica, tais como: identificação, abordagem e cuidado de pessoas em sofrimento mental, que motivam modificações no modelo da assistência psiquiátrica, determinando a desconstrução do histórico distanciamento entre as práticas psiquiátricas excludentes e a atenção primária à saúde.

A Estratégia Saúde da Família (ESF) deveria ser utilizada como uma forma de implementação da reforma psiquiátrica, visando a mudança dos modelos de atenção através da vigilância, prevenção e promoção de saúde. O cuidado deve estar focado na pessoa, com apoio dos familiares e não na doença, desta forma evitando a internação (Lima et al., 2012).

Os dados referentes à articulação e integração entre os serviços da Rede de Atenção Psicossocial estão representados nas tabelas 2 e 3.

Na tabela 2 pode-se perceber que, na perspectiva dos profissionais das equipes de ESF, sua articulação com as equipes do NASF é maior (47,9%), enquanto apenas 24,9% dos profissionais participantes respondeu que se articula com as equipes dos CAPS.

A articulação da ESF com o NASF (47,9%) é considerada insatisfatória, visto que as equipes de NASF foram criadas para apoiar as equipes de ESF, mas os dados mostram que o NASF atua sozinho. Estudos realizados em municípios da região oeste de Santa Catarina (Andrade et al., 2012), Fortaleza (Santos, 2012) e Goiânia (Martinez, Silva, & Silva, 2016) apresentam resultados semelhantes.

As equipes de Saúde da Família surgem em 1994 com o objetivo de expandir o atendimento à saúde da população, passando a ser um marco na atenção primária. Com foco no atendimento às famílias, atuam como porta de entrada do sistema de saúde, sendo referência na comunidade (Machado & Camatta, 2013).

Para tanto é preciso que as equipes estejam preparadas e conheçam algumas ferramentas importantes e as utilizem no processo de cuidado as pessoas com sofrimento mental e/ou usuários de álcool e outras drogas.

O Apoio Matricial surge como um processo de construção compartilhada, numa nova proposta de intervenção pedagógico-terapêutica, buscando facilitar a articulação entre as especificidades das equipes de saúde da família e a necessidade de atenção à saúde mental (Ministério da Saúde, 2011).

Os NASF podem reunir profissionais de variadas áreas de saúde, entre: psicólogos, médicos (ginecologistas, pediatras, internistas, do trabalho, geriatras, acupunturista, homeopata e psiquiatras), profissionais de educação física, nutricionistas, farmacêuticos, assistentes sociais, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais, profissionais com formação em arte e educação e profissionais de saúde sanitarista.

Esses Núcleos podem configurar-se atualmente em duas modalidades - NASF1 e NASF2 - que se diferem de acordo com o número de ESFs a ser vinculado, número de profissionais participantes, carga horária total e forma de financiamento (Ministério da Saúde, 2012).

Cabe aos gestores municipais organizar a demanda local, no entanto, a portaria que regulamenta o NASF sugere que em cada equipe haja minimamente um profissional da área de saúde mental, "tendo em vista a magnitude epidemiológica dos transtornos mentais" (Portaria GM n. 154, 2008, p. 2).

O NASF tem apresentando em diversas regiões do país experiências significativas e vem demonstrando a potência transformadora das práticas dos trabalhadores da atenção básica, mediante a inclusão da saúde mental na atenção básica por meio do matriciamento. (Portaria GM n. 154, 2008).

Moreira e Castro (2009) descrevem que o objetivo do NASF, segundo a portaria que cria o serviço, é de ampliar a abrangência e o escopo das ações de atenção básica, melhorar a qualidade e a resolutividade da atenção à saúde na medida em que prevê uma revisão da prática do encaminhamento com base nos processos de referência e contra referência,

Assim, os Nasf possibilitam a evolução para um processo de acompanhamento longitudinal de responsabilidade da equipe de Atenção Básica/Saúde da Família, atuando no fortalecimento dos seus atributos e papel de coordenação do cuidado no SUS.

Os resultados revelam que as equipes dos CAPS possuem melhor articulação com outros serviços da rede em comparação com as equipes da ESF. Estes resultados sugerem que a atenção primaria do município não se configura como porta de entrada para usuários que procuram os serviços. Como bem destacam Rosa et al. (2016), apesar da definição da atenção básica como ordenadora do cuidado, é comum que a entrada sistema se dê em decorrência da demanda espontânea de casos que não se enquadram na lógica da estrutura piramidal. Essa situação impacta na tentativa de construção das RAS e da continuidade delas esperada. Rede esta, definida como os atendimentos realizados através de uma articulação bem elaborada e de claro fluxo entre os serviços existentes que possam atender ao usuário, sejam os serviços da Atenção Básica, Atenção Secundária e quando necessário da Atenção Terciária.

Destacam-se a falta de articulação e integração das equipes de ESF com os outros serviços componentes da RAPS, resultado também observado em estudo exploratório realizado em Manguinhos-RJ (Engstrom & Teixeira, 2016), em Alegrete-RS (Antonacci et al., 2013), região norte do Rio Grande do Sul (Martins et al., 2012), em Maceió (Breda & Augusto, 2001), e Uberlândia (Dias & Silva, 2016).

De acordo com a reorganização do modelo de atenção à saúde mental no SUS, os CAPS são considerados como um dispositivo estratégico articulador para a progressiva desinstitucionalização dos portadores de transtornos mentais (Tenório, 2001). Enquanto que, a Estratégia Saúde da Família (ESF) atua como importante dispositivo componente da rede de saúde mental, considerado como um local excepcional na construção de um novo olhar de atendimento e de relação com os transtornos mentais (Ministério da Saúde, 2004).

Um estudo realizado no município de Sobral, Ceará (Quinderé, Jorge, & Franco, 2014) mostrou que a relação entre os serviços da atenção básica e os serviços de saúde mental secundários é estreita, porém, a rede não funciona de maneira hierarquizada, havendo várias portas de entrada, de acordo com a necessidade do usuário.

Os CAPS têm como função supervisionar e capacitar tanto as equipes da atenção básica como os serviços e programas de saúde mental, no âmbito do seu território e/ou do módulo assistencial. Dessa forma, a inclusão das ações de saúde mental na Atenção Básica se coloca como um dos caminhos possíveis para o exercício de uma clínica solidária e integral do sujeito (Souza & Rivera, 2010).

Por meio do suporte matricial seria possível, entre outras ações, romper-se com a lógica do encaminhamento, muitas vezes vinculada à lógica da desresponsabilização (Souza & Rivera, 2010).

Os sistemas fragmentados de atenção à saúde, fortemente hegemônicos, são aqueles que se organizam através de um conjunto de pontos de atenção à saúde, isolados uns dos outros, que por consequência, são incapazes de prestar atenção contínua à população (Silva, 2013).

As portarias ministeriais que se referem às redes fundamentam-se em visões políticas que buscam reorganizar as ações de atenção à saúde mediante a articulação de diversos pontos de atenção. Estes pontos, defendem Rosa et al. (2016), para funcionarem de forma articulada, devem ser suportados por sistemas de apoio, sistemas logísticos, regulação e gerenciamento das redes.

As articulações entre os serviços possibilita a troca de saberes, experiências e campos de atuações em saúde diferentes. A partir dos atendimentos compartilhados e ações integradas às pessoas com sofrimento mental e/ou usuárias de álcool e outras drogas o atendimento pode se expandir as demais áreas necessárias para a melhora na qualidade de vida do sujeito.

De acordo com Souza e Rivera (2010) articulando-se, poder-se-á dar maior sustentação ao campo, além de se poder trabalhar na viabilização de transformações sociais, fazendo a Reforma Psiquiátrica 'acontecer'. O movimento da Reforma Psiquiátrica aponta para a criação de uma rede que estabeleça parcerias e laços com outros segmentos da sociedade.

Em 2004, o Ministério da Saúde apresentou a Educação Permanente em Saúde "como uma ação estratégica, capaz de contribuir para a transformação dos processos formativos, das práticas pedagógicas e de saúde, para organização dos serviços, empreendendo um trabalho articulado entre os sistemas de saúde e suas várias esferas de gestão e as instituições formadoras" (Ministério da Saúde, 2004).

É importante ressaltar que o campo da Saúde Mental foi considerado como prioritário na política de educação permanente. No entanto, a maioria dos municípios não incluiu em seus projetos as equipes de saúde mental como público alvo desse processo de educação.

O conhecimento que propicie a articulação e integração é fundamental visto que quando um usuário demanda um serviço de saúde em geral ou um serviço de saúde mental, dirigindo-se a um trabalhador de uma unidade de saúde, para além da necessidade de cuidado esse cidadão está exercendo o seu direito.

Assim, é compromisso do serviço de saúde procurar proporcionar um melhor resultado, procurando atender as demandas dos usuários ainda que não tenha a solução pronta, mas que seja definida com os serviços existentes na rede de atenção, sejam eles da atenção primária ou não, ainda mesmo diante das dificuldades dos serviços procurar amenizar o sofrimento do usuário. (Conselho Federal de Psicologia, 2013), considerando, ainda, que as necessidades dos usuários requerem articulação permanente e dinâmica para sua satisfação. Isso se dá visto que existem "redes vivas" constituídas por diferentes pessoas cujas redes são construídas no cotidiano (Merhy et al., 2014).

Muito já se tem realizado e tem sido proposto para essa população e ao longo do processo da reforma psiquiátrica vários avanços foram alcançados. Cabe aos profissionais da saúde proporcionar o cuidado de qualidade com ênfase no acolhimento e acompanhamento contínuos, utilizando os dispositivos da Rede de Atenção Psicossocial. Cabe aos gestores, compreender o processo de desinstitucionalização, propiciando espaços coletivos para troca de saberes e oficinas que trabalhem os novos conceitos de rede, colaborando para uma mudança no processo de trabalho das equipes.

 

Considerações finais

A pesquisa forneceu informações que podem se constituir em maiores investimentos em ponto de partida para a construção de estratégias que visem à melhoria dos serviços em saúde mental no município de Corumbá.

Torna-se necessária a realização de estratégias de Educação Permanente em Saúde, voltadas para a construção da atenção psicossocial em rede, para que os profissionais que trabalham com o sofrimento mental saibam lidar com os novos conceitos de trabalho em rede articulado e criem espaços coletivos para troca de saberes.

A reorganização no processo de trabalho das equipes no atendimento aos usuários com doença mental deve ser prioritária visto que o processo de trabalho precisa produzir saúde ressaltando o paciente como protagonista de sua vida, sua saúde, sua cidadania.

Faz-se necessário que profissionais e gestores se coloquem como parte integrante da rede de atenção psicossocial, sendo então responsáveis por provocar e estimular a articulação e integração entre os serviços.

Frente à nova dinâmica de organização dos serviços de saúde mental, todos - profissionais, gestores e usuários - precisam estar envolvidos no processo de planejamento e de produção do cuidado para que se produza saúde com resolutividade.

 

Referências

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Recebido em: 13/05/2017
Aprovado em: 23/05/2019

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