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Revista Psicologia Política

versión On-line ISSN 2175-1390

Rev. psicol. polít. vol.20 no.47 São Paulo ene./abr. 2020

 

ENTREVISTA

 

Engajamento político e reflexões críticas: entrevista com Leoncio Francisco Camino

 

Political engagement and critical reflections: interview with Leoncio Francisco Camino

 

Compromiso político y reflexiones críticas: entrevista con Leoncio Francisco Camino

 

Engagement politique et réflexions critiques: entretien avec Leoncio Francisco Camino

 

 

Frederico Alves CostaI; Frederico Viana MachadoII

IMestre e Doutor pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFMG. Professor no Instituto de Psicologia e no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFAL. Presidente da Associação Brasileira de Psicologia Política (ABPP). Coordenador do Núcleo de Psicologia Política da UFAL (https://nppufal.home.blog/) / frederico.costa@ip.ufal.br
IIMestre e Doutor em Psicologia pela UFMG. Professor do Bacharelado em Saúde Coletiva e do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Coordenador do Laboratório de Políticas Públicas, Ações Coletivas e Saúde (LAPPACS/UFRGS) https://www.ufrgs.br/lappacs/ / frederico.viana@ufrgs.br

 

 

Introdução

A Psicologia Política no Brasil teve como um marco importante de sua institucionalização o Grupo de Trabalho Psicologia dos Movimentos Sociais, o qual se reúne nos congressos da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Psicologia (ANPEPP) desde a década de 1980. O GT posteriormente foi nomeado Psicologia Política e Movimentos Sociais, em seguida Comportamento Político e, por fim, Psicologia Política. Leôncio Camino foi uma liderança importante na condução deste GT, espaço privilegiado para a articulação e formação de pesquisadores que contribuíram para o fortalecimento e disseminação da Psicologia Política no Brasil. Ademais, contribuiu, juntamente com outros pesquisadores da psicologia política brasileira, com a concretização de realizações importantes para o campo da psicologia política brasileira: a fundação da Associação Brasileira de Psicologia Política, em 2000, na qual foi o primeiro presidente; o fortalecimento da Revista Psicologia Política, em 2001, tendo publicado artigos sobre temas importantes para o campo da psicologia política e sobre a própria organização do campo desde o primeiro número da RPP; a realização dos Simpósios Brasileiros de Psicologia Política, nos quais esteve presente como convidado por diversas vezes.

Leoncio Francisco Camino Rodriguez Larraín nasceu em 24 de junho de 1940 na cidade de Lima no Peru, licenciou-se em Filosofia na Faculdade de Filosofia da Alcala de Henares, na Espanha, no ano de 1966 e, na Université Catholique de Louvain, na Bélgica, cursou Psicologia (1967), mestrado em Psicologia (1969), doutorado em Psicologia (1974) e pós-doutorado (1979).

Transitou por países como Peru, Espanha, Bélgica e França, tendo fixado residência no Brasil, mais particularmente na Paraíba, a partir dos anos 1970, lecionando na Universidade Federal da Paraíba desde esta época, onde atualmente é professor Emérito. Trabalhou com pesquisadores nacionais e internacionais prestigiados da psicologia e participou de processos históricos importantes, que serão abordados em detalhe nesta entrevista.

Pesquisou temas como agressão, movimentos sociais, comportamento eleitoral, socialização política, processos de exclusão e direitos humanos. Além disso, atuou junto a instituições de apoio a movimentos sociais e ao Conselho Federal de Psicologia. Como poderemos notar na entrevista, Leoncio sempre adotou um posicionamento crítico em relação às suas próprias pesquisas e inserções sociais, investindo na análise de temas que apresentavam grande relevância social no contexto histórico em que as pesquisas eram desenvolvidas, bem como interpelando modelos teóricos e metodológicos adotados por ele, na medida em que concebe que o ponto de partida da pesquisa é sempre a reflexão sobre o objeto de estudo e não a teoria ou o método.

A partir desta perspectiva orienta pesquisas de iniciação científica, mestrado e doutorado desde os anos 1980 no Grupo de Pesquisa em Comportamento Político (GPCP), na UFPB, tendo formado um grande número de pesquisadores.

Esta entrevista foi realizada em 2019 e, como sempre temos feito, foi sendo revisada de maneira reflexiva em conjunto com Leoncio. A entrevista foi dividida em quatro partes: (a) Trajetória pessoal e acadêmica; (b) O conceito da Psicologia Política e suas diferenças com a Psicologia Social; (c) O desenvolvimento da Psicologia Política no Brasil e o Papel das associações científicas; (d) Pesquisa em Psicologia Política hoje.

Gostaríamos de agradecer a dedicação, a amizade e o cuidado deste professor que incansavelmente, desde sua juventude, se dedica a agir e a pesquisar tendo como horizonte a resistência a processos autoritários e imperialistas vividos no século XX e XXI. O momento político que vivemos no Brasil aponta novamente para a importância de análises psicopolíticas orientadas pela defesa da democracia e dos princípios de liberdade e igualdade.

Convidamos todas e todos a conheceram mais um pouco sobre os aspectos históricos, pessoais e institucionais, mas sobretudo, as reflexões teórico-metodológicas que caracterizam o pensamento de Leoncio Camino.

 

1ª Parte: Trajetória pessoal e acadêmica

1.1. Pergunta: Nos anos 1960, momento de sua formação, viviam-se na Europa discussões políticas e epistemológicas em torno de maio de 1968. Este debate, teve impacto na sua trajetória acadêmica?

E: Caro Frederico, às vezes penso que aqui no Brasil, principalmente entre os jovens, se supervalorizam os acontecimentos de maio 68. Eu de fato, entrei na Universidade em 1958, portanto não pertenço à geração de maio 68, mas a uma geração bem anterior que na América Latina possui características próprias. Para entender ao que me refiro como minha geração, devemos nos lembrar de que o Peru, como o restante da América Latina, possuía uma divisão de classes sociais muito marcada. Acredito que as gerações evoluíram diferentemente segundo suas pertenças sociais: urbana - rural; classe alta e média alta - classe popular. Minhas famílias, a materna e a paterna, situavam-se politicamente em partidos conservadores de direita e vários membros tinham ocupado cargos importantes no estado peruano. Em nossa época os jovens urbanos da classe alta e média alta estudavam em colégios privados que em sua maioria eram católicos. Eu não fui exceção, estudei com os jesuítas e tive uma forte formação religiosa e conservadora. A grande maioria de meus colegas de colégio conservam uma mentalidade conservadora e de direita. Mas vale ressaltar que nesse período alguns setores da Igreja em América Latina (certamente pequenos) começavam a pensar num catolicismo mais aberto, mais social. Aos poucos se descobria que o pobre não era um objeto de caridade, mas o verdadeiro sujeito de sua própria libertação. Nos meus últimos anos de colégio fui um dos poucos que tive contato com aquele tipo de pensamento através das Semanas Sociais organizadas por um setor do clero ligado à Universidade Católica. No meu primeiro ano de estudo de engenharia, já ligado à democracia cristã de esquerda e a "Acción Popular", participei de uma reunião da "Unión de Estudiantes del Perú" (UNEP), junto com estudantes do Partido Comunista Peruano (PCP) que foi brutalmente interrompida pela polícia. Saldo: uma clavícula quebrada, duas noites no presídio central e rompimento definitivo com os valores políticos da minha família.

Aquele período foi marcado também na América Latina, por várias experiências revolucionárias contra as diversas ditaduras. A mais marcante certamente pela sua trajetória e pelo seu sucesso (31 de dezembro de 1959) foi a revolução cubana. Várias outras tentativas de guerrilha se desenvolveram posteriormente, mas sem sucesso, como a levada a cabo pelo "Ejército de Liberación Nacional" (ELN) do Peru, onde em 1963 morreu Javier Heraud, aluno da PUC de Lima; e na Colômbia onde foi assassinado em 1966 Camilo Torres, padre jesuíta, pioneiro da Teologia da Libertação e membro do grupo guerrilheiro "Ejército de Liberación Nacional" (ELN). Pode-se dizer que neste processo muitos de nossa geração fomos evoluindo lentamente das ideias de um cristianismo tradicional e conservador, às ideias de uma democracia cristã de esquerda, e finalmente às ideias socialistas e/ou ideias marxistas.

No meu caso, saí de Lima com as ideias da democracia cristã da esquerda, mas já em um processo de radicalização. Na Espanha, me juntei a um grupo de católicos (alguns sacerdotes e vários estudantes) para participar numa forma de pastoral operária. Eu trabalhei nas férias como operário em várias fábricas da região de Alcalá de Henares e organizei um grupo de jovens operários. A experiência com o mundo operário foi marcante na minha vida, mas ao mesmo tempo essa experiência me mostrou as claras limitações da Igreja Católica1. Sai da Espanha para a Bélgica em 1966 e através de contatos que já tinha, ingressei finalmente, em Paris2, numa célula do Partido Comunista Espanhol em exílio onde iniciei minha formação e minha militância marxista.

Frederico, para retomar tua pergunta inicial, embora concordasse em alguma coisa com o espírito de protesto do movimento de maio 1968, ele me parecia meio juvenil e via negativamente sua despolitização e sua desconexão com o movimento sindical francês. O filme "Os sonhadores" de Bertolucci descreve bem as contradições e limitações desse movimento. Aliás, nesse período a mim, me marcou muito mais a "Primavera de Praga", que oferecia uma visão mais humana do marxismo. Li com entusiasmo os livros de Otto Sika e os discursos de Alexander Dubček. Lamentavelmente todos sabemos como terminou essa experiência democrática dentro do comunismo.

1.2. Pergunta: Qual foi sua formação antes de sua vinda para o Brasil.

E: Cursei engenharia em Lima por três anos sem concluí-la, passando posteriormente a estudar Filosofia na Espanha e Psicologia na Bélgica (Mestrado e Doutorado). Dos estudos de engenharia fiquei com o gosto pelas matemáticas e pelo cálculo que me deram as bases para me aprofundar, num curso da IBM na Bélgica, na análise de sistemas e na programação de estatísticas, conhecimentos que foram práticos para minhas posteriores pesquisas empíricas.

Frederico, gostaria aqui fazer um comentário bem livre. Na minha vida de pesquisador percebi que muitos colegas e alunos ficavam surpresos ao constatar que um pesquisador que se dizia engajado socialmente fazia pesquisa empírica que era chamada de quantitativa e identificada com o positivismo. Fui chamado frequentemente de positivista. Devo confessar que nunca entendi bem essa distinção entre pesquisa quantitativa e qualitativa. Posso pensar pesquisas empíricas de vários tipos, experimentais, observacionais, estudos de casos etc. que possuem maior ou menor tratamento formal e matemático com ou sem estatísticas. Mas não consigo pensar numa pesquisa empírica que possa analisar fenômenos sociais sem ter em conta aspectos quantitativos da realidade. De fato, associa-se erroneamente o positivismo à pesquisa quantitativa. Deve-se ter em conta que a pesquisa quantitativa bem-feita não pretende quantificar a subjetividade das pessoas, ela só quantifica as observações. Assim, quantificar as pessoas que votaram num candidato e as que votaram em outro não é quantificar as pessoas, mas o voto delas. Relacionar esse número de votos com a porcentagem de eleitores de cada nível de instrução, por exemplo, não é quantificar pessoas, mas estabelecer relações entre dois fatossociais: níveis de educação e tendência política. Evidentemente estas relações não podem ser estabelecidas de uma maneira mecânica, mas interpretadas na totalidade de seu contexto social. Não é a abordagem empírica que empobrece uma pesquisa, mas sua análise mecanicista. Lamento esta confusão, pois muitos jovens pesquisadores pensam que a pesquisa qualitativa, por si mesma, implica já um avanço. O que faz avançar o conhecimento é a pesquisa bem-feita seja ela denominada de qualitativa ou quantitativa. A formulação correta do problema, a adequação da abordagem metodológica à natureza do problema e finalmente a análise teórica que coloque o problema observado na sua totalidade social parecem-me ser os elementos essenciais da boa pesquisa.

Voltando ao tema de minha formação e do que me marcou, confesso que tive a sorte, o privilégio, o vai saber o que, de ser aluno de dois professores formidáveis: José Maria Caffarena, professor de Filosofia em Espanha e Gerard de Montpellier, professor de Psicologia Social na Bélgica, que me ensinaram a entender as teorias no seu desenvolvimento histórico. Algo diferente da clássica história das ciências, um simples levantamento cronológico de teorias. O importante para eles era ver como elas se sucedem umas às outras, como os conflitos originam novas perspectivas, como as perspectivas dependem dos contextos, como as teorias são meros instrumentos para entender os fenômenos. Sem eles serem dialéticos, me deram uma perspectiva dialética das teorias. Penso que essa perspectiva tem me marcado até hoje. Por um lado, não sei abordar um novo tema sem olhar as teorias e pesquisas que foram feitas antes, sem analisar como se chegou às atuais abordagens e em quais contextos se deu esse desenvolvimento. E por outro lado, observo os meus próprios resultados e minhas análises com o mesmo espírito crítico. Quem observar o desenvolver de minhas pesquisas durante esses últimos 50 anos, constatará que com o tempo fui mudando de temas de pesquisa, de perspectivas teóricas e de formas metodológicas de abordar os temas. Além dos diversos contextos sócio-políticos pelos que passei, atribuo estas mudanças contínuas ao espírito crítico com que abordo os meus próprios trabalhos.

Mas gostaria de explicitar, que a atitude crítica de que falo, se desenvolve dentro do processo de construção teórica ao analisar empiricamente um fenômeno social. Não se trata de uma crítica "por fora" da pesquisa em ciências sociais como as críticas pós-estruturalistas de Foucault ou o desconstrucionismo de J. Derrida, ideias que nos anos 60 começavam a influenciar alguns setores das ciências sociais. Trata-se de uma crítica "por dentro" do processo histórico de construção teórica dentro de uma determinada área. Nesse sentido fica claro que eu também não aderi à rejeição crítica da Psicologia Social tradicional, rejeição bastante difundida na América Latina a partir dos anos 80. Pelo contrário, mantenho um forterespeito por essa tradição, o que não me impede criticá-la.

Graças a Universidade de Lovaina, que nos anos 1960 e 1970 era um centro universitário com grande abertura internacional (tanto no convite a professores visitantes como na aceitação de alunos do terceiro mundo, muitos deles exilados políticos) pude estabelecer contatos profissionais e de amizade com vários professores que de uma maneira ou de outra marcaram a Psicologia Social. No que se refere aos EUA, tive a grande oportunidade, de conhecer o professor Leonard Berkowitz e de ser convidado para trabalhar com ele num projeto de pesquisa sobre a influência dos filmes agressivos em adolescentes. A confiança que ele depositou em mim me estimulou muito e me permitiu começar a pensar por mim mesmo. Nesse período também tive a sorte de compartir da amizade dos professores John Lanzetta, que naquele período era editor do prestigiado "Journal of Personality and Social Psychology" e estava na Bélgica colaborando na criação da Associação Europeia de Psicologia Social e Albert Pepitone, quem nas frequentes noitadas após seminários daquele período encantava a seus colegas de mesa contando divertidas histórias sobre figuras lendárias da Psicologia Social, como Fritz Heider; Solomon Asch; Harry Harlow etc. Estes dois professores, junto com os ensinamentos já mencionados do professor Gerard de Montpellier, me suscitaram um grande interesse pela trajetória histórica da Psicologia Social, interesse que espero ter inculcado nos meus alunos, interesse que me levou a escrever uma breve história da Psicologia Social.

Mas tive também a oportunidade de conhecer alguns professores europeus que estavam trazendo novas ideias para a Psicologia Social tradicional. Entre estes me marcou muitíssimo o professor Serge Moscovici, que passou um ano no Laboratório de Psicologia Social de Lovaina, do qual eu fazia parte. Suas ideias sobre minorias ativas e a ajuda financeira que me ofereceu para testar suas ideias no Brasil foram muito importantes na retomada das pesquisas no meu retorno. Tive também a grande oportunidade de acompanhar durante todo um semestre as aulas de Psicologia Social do professor Henry Tajfel. Suas ideias sobre a importância das relações intergrupais na compreensão dos fenômenos sociais junto com as ideias de Moscovici sobre minorias ativas marcariam em parte minha abordagem teórica nas pesquisas que realizaria nos finais de 70 e início dos 80 sobre os movimentos sociais. Mas a insistência que teria posteriormente em analisar os fenômenos sociais nas suas estruturas sociais, nasceram tanto da minha formação marxista como do contato que tive a partir do ano de 1976 com o professor Wilhelm Doise, quem acabava de publicar, na Bélgica, seu Livro "L'Articulation Psycosociologique et lhes relations entre Groupes". O contato profissional e a amizade pessoal com Doise se mantém até agora. Lamentavelmente não realizamos o projeto que tínhamos de escrever um livro de Psicologia Social marxista.

Como te comentei anteriormente, Lovaina acolhia numerosos estudantes provenientes do que naquele período se denominava de Terceiro Mundo, estudantes que se reuniam por regiões: América Latina; África Central; África do Norte etc. Fui presidente nos anos de 1968 à 1970 da Associação de Estudantes Latino-americanos de Lovaina. Boa parte dos latino-americanos eram muito interessados em política e vários tinham tido ou posteriormente tiveram participação política nos seus países de origem. Assim tive ocasião de conviver e debater os problemas de América do Sul com jovens estudantes que posteriormente seriam importantes na política de seus países como Jaime Paz, que foi presidente da Bolívia entre 1989 e 1993, e como Carlos Franco, quem, além de publicar muitos livros sobre o marxismo em América Latina, fundou em 1971 no Peru, durante o governo de Alvarado, o SINAMOS, Sistema Nacional de Apoio aos Movimentos Sociais. Poderia citar muitos outros, mas fica para outra ocasião. Mas, Frederico, acho que valeria a pena comentar que Carlos Franco, marxista convicto, fez um trabalho experimental muito interessante sobre "A hipótese de Robert Zajonc sobre os efeitos de audiência" sob a direção de Gerard de Montpellier, em 1969, no Laboratório de Psicologia Social de Lovaina.

1.3. Pergunta. Fale um pouco sobre suas pesquisas de mestrado e doutorado.

E: Acho que minha tese de doutorado foi importante para mim, não só pelo grau acadêmico que obtive, mas, principalmente, porque dentro de um esquema clássico de pesquisa financiada pelo professor Leonard Berkowitz, consegui superar algumas limitações iniciais da abordagem abstrata do projeto e tentar analisar o problema em sua realidade social. O tema era a influência dos filmes e da TV na agressão dos adolescentes, tema importante na psicologia social dos anos 1960 e 1970. Neste meu primeiro grande estudo, me preocupei não só em testar a teoria de Berkowitz 3sobre Contágio de Agressão, mas, como contribuição pessoal ao projeto, analisei os fatores sociais presentes ao tema na situação mais natural possível. Tentamos superar as limitações metodológicas das pesquisas em laboratório, adaptando o método experimental a uma situação natural, abordagem considerada como inovadora na época por um manual bastante popular de Psicologia Social (Baron & Byrne, 1977, pp. 24-27). Nesta abordagem observávamos aviolência de jovens internos tendo em conta fatores sociais como a hierarquia de dominância entre os membros dos grupos, níveis iniciais de agressividade do grupo, manifestações espontâneas de agressividade etc.

Os resultados (Leyens, Camino, Parke, & Berkowitz, 1975) mostram que a violência filmada leva sim a um aumento do comportamento agressivo, mas apenas nos jovens inicialmente agressivos. Não se pode falar de um efeito universal como consequência direta do estímulo agressivo. De fato, a pesquisa mostra que fatores sociais como a hierarquia de dominância e a coesão do grupo mediavam as reações agressivas estimuladas por filmes violentos.

É, pois, no quadro de uma psicologia social experimental que iniciamos nossos estudos sobre a agressão. Mas minha própria atividade de pesquisa me levou a criar uma insatisfação pessoal com o conjunto de pesquisas sobre a agressão daquele período tanto pelas limitações conceituais como pelo caráter ideológico conservador dessa perspectiva. De fato, as perspectivas clássicas consideravam como violento o que é proibido pelas normas sociais vigentes e que toda violência, por definição, é negativa. Nesta perspectiva, aceitam-se como justas as normas sociais vigentes e perde-se de vista o fato de que, na História, muitos avanços têm sido acompanhados de violência social. Assim começou o meu interesse por estudar as ações dos movimentos sociais em busca da justiça social.

1.4. Pergunta. Que diferenças observas entre a formação em psicologia no Brasil e aquela vivida por você na Europa?

E: Frederico, deve-se ter em conta que minha experiência como aluno com as universidades europeias se deu nos anos 60 e 70 e meu contato com o Brasil se iniciou nos anos 70. Em ambos os casos as situações eram totalmente diferentes das condições existentes hoje no Brasil e na Europa. Por um lado, as universidades europeias, principalmente depois da Declaração de Bolonha (1999), têm mudado muito, se aproximando cada vez mais das universidades americanas. Mas nos anos 1960 cada universidade tinha seu próprio espírito, que vinha de antigas tradições. Por outro lado, no Brasil nos anos 1960 e 1970, as áreas de ciências humanas estavam começando a desenvolver-se, principalmente no que se refere à pesquisa e pós-graduação. Se comparamos nesse período dos anos 60 as duas formações (no Brasil e na Europa) encontramos diferenças bem marcantes que provavelmente hoje não existem mais ou não são tão marcantes.

A primeira tem a ver com as estruturas curriculares. Na Espanha e na Bélgica se tinha, como máximo, 12 horas de aula por semana. O acento era colocado na leitura individual. Boa parte da leitura indicada era constituída por obras clássicas em Filosofia, em Ciências Sociais e em Psicologia. Lia-se muito os autores clássicos nos seus textos e pouco sobre o que outros falavam deles. Lembro-me que nas aulas de certos professores em Lovaina trabalhamos textos contemporâneos, que hoje são clássicos como: "As palavras e as coisas" de Foucault; "Antropologia Estrutural" de Levy Strauss; "Aprendizagem Social" de Bandura; "Psicologia das Relações Intergrupais" de Heider; etc, etc. Como podes constatar, eram autores de diversas orientações. Apesar de me ter especializado em Psicologia Social, tenho tentado manter essa diversidade de leituras no meu trabalho e inculcado essa atitude a meus alunos.

A segunda, algo que me marcou muito na Universidade Católica de Lovaina (UCL), foi a concepção existente da pesquisa como uma atividade essencialmente grupal. Em ambos os grupos em que participei 4 (constituídos por professores, doutorandos e mestrandos) tinham-se reuniões semanais onde os projetos eram discutidos em conjunto e posteriormente as pesquisas eram realizadas em subgrupos. De fato, as pesquisas eram supervisionadas por um professor, coordenadas por um ou dois doutorandos e desenvolvidas no terreno por alguns mestrandos. As publicações levavam os nomes dos que tinham participado. Acredito que a colaboração entre vários níveis de formação era muito enriquecedora, especialmente para os iniciantes. Quando cheguei ao Brasil, as orientações eram individuais e muitos professores de algumas universidades do sul do país chegavam a defender que as publicações deviam ser só dos alunos. As linhas de pesquisa não eram algo comum naquele período. Se me permites esta imagem, eu tinha a impressão de que aqui no Brasil as pesquisas se acumulavam como tijolos soltos, sem construir uma parede, muito menos uma casa.

1.5. Pergunta: Você chegou ao Brasil em 1970, como professor da UFPB. Como foi essa vinda para o Brasil? Por que a escolha pelo Brasil? Como se deu essa inserção em um país que se encontrava sob uma ditadura militar?

E: Caro Frederico, minha inserção no Brasil não se deu numa vez, mas em fases sucessivas, de fato, se deu em três fases. A primeira chegada ao Brasil se deu em julho 1970, ocasião em que interrompi meu doutorado iniciado na Bélgica em 1969 e permaneci no Brasil até maio 1972. De 1972 a 1974 vivi em Lovaina, quando retomei o doutorado. A segunda fase se deu quando voltei a João Pessoa em julho de 1974 após ter terminado o doutorado. Mais uma vez voltei à Bélgica em 1977 para realizar um Pós-doutorado na Universidade de Lovaina. Finalmente iniciei minha terceira e última fase de inserção no Brasil quando em 1979 voltei a Universidade Federal da Paraíba, Campus João Pessoa (de onde nunca mais saí).

No que se refere à primeira fase, foi no início dos anos 70 que eu e minha esposa, a professora Cleonice Pereira dos Santos Camino, ficamos sabendo que a Universidade Federal da Paraíba precisava de muitos professores que tivessem uma boa formação em várias disciplinas, inclusive Psicologia. Isto se devia ao fato de que em 1969 o governo militar tinha aprovado uma Reforma Universitária e a UFPB, universidade relativamente nova, criada em 1960, e que nesse período tinha como reitor um militar, foi uma das escolhidas para a implantação inicial desta reforma. Para implantar a reforma, a UFPB precisava contratar professores, pois não existiam na Paraíba suficientes professores formados nas diversas áreas. A proposta era econômica e profissionalmente interessante e, na medida em que podíamos suspender nossos compromissos em Lovaina, aceitamos a proposta. No que concerne a Psicologia, nós fomos de fato os primeiros professores realmente formados em psicologia no Departamento de Psicologia.

Nesse período, a UFPB era uma universidade relativamente nova, ainda sem campus próprio, suas poucas faculdades se encontravam espalhadas pela cidade. Nossa função principal era dar aulas de Introdução a Psicologia no ciclo básico criado pela Reforma. Eram 16 horas de aula por semana. Mas isto não foi o pior. As ditaduras, além de exercer repressão política, produzem conflitos e frequentemente aviltamento das relações sociais. Eu já tinha vivido no Peru a ditadura de extrema direita de Manuel Odría (1948-1956) seguida pelo segundo governo de Manuel Prado (1956-1962), representante das oligarquias mais atrasadas. Nesta época, onde grassavam as injustiças sociais, criaram-se muitos conflitos geracionais. Assim, alguns jovens da classe média alta entraram em conflito com os valores tradicionais de suas famílias, aderindo a diversas correntes de oposição, como falei anteriormente 5. No meu caso este distanciamento dos valores familiares foi uma das causas da minha ida a Espanha. Na Espanha voltei a viver numa ditadura, a de Franco, mas neste período meu posicionamento político de esquerda já estava formado. Criaram-se alguns problemas políticos e institucionais, mas graças a que ainda o nome de minha família tinha alguma importância, consegui sair de Espanha com uma bolsa para ir a estudar na Bélgica, na Universidade de Lovaina.

Mas devo confessar que quando cheguei ao Brasil senti como nunca o peso da ditadura. Nesse período Médici estava na presidência e a repressão era muito forte. Mas não se tratava somente de repressão política, mas do aviltamento das relações profissionais. O oportunismo e o "dedurismo" mais descarado regiam as relações nessa Universidade que estava sendo empurrada a crescer rapidamente com as contratações de jovens profissionais vindos de fora. As relações eram de um autoritarismo enorme. Nas reuniões de departamento só podia falar o chefe. Eu me dei mal neste sistema de trabalho e terminei sendo enquadrado no decreto lei 477 de 1969, pelas acusações absurdas de meu chefe de Departamento. Este decreto, que permitia julgar no interior das Universidades casos de desvio político e cassar os culpados, foi um dos mais importantes instrumentos repressivos direcionados a área educacional. Esta lei transferia perversamente à própria instituição a incumbência de manter a ordem política. De fato, muitos professores foram cassados pelos seus próprios colegas. Tive muita sorte que, por politicagem interna, alguns setores da universidade aproveitassem esta situação, não para me cassar, mas para afastar da Chefia do Departamento de Psicologia precisamente o professor que me tinha acusado. Mesmo inocentado, fui transferido, como castigo, ao Centro de Educação no departamento de orientação vocacional. As atividades não tinham nada a ver com meus interesses e me dediquei a colaborar na implantação da informática na UFPB. Fiquei lá só um semestre, pois tive a sorte de receber o convite para coordenar na Bélgica o projeto de pesquisa do professor Leonard Berkowitz do qual já falei. Certamente aceitei o convite e consegui uma licença de meu contrato como professor na UFPB.

Na segunda fase, após o doutorado em maio 1974, voltei ao Brasil, e já desde o primeiro dia da minha chegada, literalmente, sem exagero, fui incumbido de coordenar o curso de graduação em Psicologia que acabava de ser criado. Naquela época não existiam eleições nos departamentos. O diretor do Centro te nomeava e pronto. Tive que aceitar, pois era o único psicólogo com pós-graduação completa. Era muito trabalho, mas sobretudo muita preocupação pelo futuro desse curso, dado que as condições eram mínimas (nesse período o Departamento de Psicologia contava só com cinco psicólogos). No ano seguinte, a fim de poder garantir uma boa formação aos futuros professores que seriam contratados, propusemos e conseguimos aprovar um curso de pós-graduação do qual fui nomeado coordenador. De 1974 a 1977 me dediquei, pois, a coordenação dos dois cursos e ao ensino. Embora a situação ainda fosse bastante autoritária, deu para avançar em algumas coisas, como por exemplo a criação no Mestrado de uma área de concentração em Psicologia Comunitária. Acho que foi o primeiro curso de pós-graduação de Psicologia Comunitária no Brasil. Nos colegiados instituímos a prática de tomar as decisões coletivamente. Mas nesses três anos minha vida profissional se viu reduzida à sala de aula e à administração dos dois cursos. As possibilidades de pesquisa eram limitadas e as de extensão ainda mais limitadas. Em 1977 tive a possibilidade de fazer um pós-doutorado em Lovaina, onde, além de manter bons laços profissionais, tinha deixado alguns projetos pendentes. Nesses dois anos de pós-doutorado tive a possibilidade de ir pensando em alguns projetos de pesquisa sobre movimentos sociais para minha volta ao Brasil, na UFPB, da qual tinha me licenciado por um período.

Na volta ao Brasil em 1979, no que denominarei minha terceira e definitiva fase de inserção no Brasil, a situação política tinha mudado muito. Embora a ditadura continuasse, não possuía o poder de controle dos primeiros tempos. Existia em vários setores da sociedade uma clara e aberta oposição ao governo militar. Esse período se caracterizava pelo contexto de inquietação social e início das lutas trabalhistas em todo o Brasil. Assim, em agosto de 1979, após uma ampla mobilização social, o Presidente Figueiredo sancionava a Lei da Anistia no Brasil. Nesse período, as greves de 1978-1980 no ABC Paulista marcaram o ressurgimento do movimento operário brasileiro que tinha sido fortemente golpeado durante grande parte da ditadura. Outras categorias que iniciaram sua luta sindical nesse período foram a dos professores (universitários e secundaristas). No que se refere a Paraíba, os professores universitários da UFPB tinham criado em 1978 a Associação dos Docentes da Universidade Federal da Paraíba e em 1979 iniciaram uma greve local com ocupação da Reitoria. Já os professores secundaristas formaram em 1974 a Associação do Magistério Público do Estado da Paraíba - AMPEP -, mas, a partir de 1979, ela se transformaria numa das associações sindicais mais combativa da classe trabalhadora paraibana. Iniciaríamos nossas pesquisas sobre movimentos sociais estudando as greves da ADUF/PB e da AMPEP. Ao mesmo tempo, no início de 1980 juntamente com vários colegas da UFPB colaboramos na fundação do CENTRU - Centro de Educação e Cultura do Trabalhador Rural - e trabalhamos nele como educadores populares6. Iniciava-se assim um período da minha vida profissional entre 1979 e 1989 na qual tentei articular as atividades de extensão com as atividades de pesquisa procurando ajudar ao Brasil na sua luta contra as injustiças sociais.

1.6. Pergunta: Num artigo publicado em 1995, na revista Psicologia & Sociedade - "Uma abordagem psicossociológica no estudo do comportamento político" - você afirma que os fundadores e participantes da ABRAPSO, sendo você um dos fundadores, encontraram no materialismo histórico-dialético os fundamentos para a afirmação de uma psicologia social antagônica à produzida na ALAPSO, orientada em direção aos movimentos e às lutas populares. Você afirma que a pesquisa participante se converteu na prática dominante destes pesquisadores, trazendo uma articulação entre militância e pesquisa. Como isso impactou a sua trajetória política e acadêmica?

E: Como já te falei, na minha volta ao Brasil em 1979 várias coisas tinham mudado. Em primeiro lugar, durante minha última estadia em Lovaina (1977-1979), tinha começado a me orientar ao estudo dos movimentos sociais e suas ações coletivas, como greves, manifestações etc. Aliás, os movimentos sociais eram para nós não só objetos em si merecedores de estudo, mas tarefas indispensáveis na luta contra a ditadura. Nesse sentido, nossos estudos objetivavam obter resultados que pudessem cooperar no desenvolvimento dos próprios movimentos sociais. Em segundo lugar, junto a minha disposição pessoal, o ambiente tinha mudado tanto no Departamento de Psicologia (DP) como na própria Paraíba. No DP novas contratações7 tinham permitido que no Curso de Psicologia Comunitária se desenvolvessem atividades de extensão junto aos setores populares. Na Paraíba, como no Brasil, começavam a surgir as oposições sindicais. Neste contexto, como já comentei anteriormente, juntamente com vários colegas da UFPB colaboramos na fundação do CENTRU - Centro de Educação e Cultura do Trabalhador Rural - e trabalhamos nele como educadores populares. Nesta atividade, tivemos a possibilidade de acompanhar ocupações de terras e experiências de trabalho coletivo nos assentamentos.

Em terceiro lugar, o ambiente na Psicologia começava a mudar, tanto no Brasil como na América Latina, o que permitiu que psicólogas e psicólogos pudessem manifestar mais livremente suas opções políticas. Esta reação manifestou-se com mais força entre os psicólogos interessados pelos aspectos sociais da psicologia. E, dado que as ditaduras militares tinham chegado ao poder com o apoio dos Estados Unidos, não era de estranhar que os movimentos de luta pela democracia estivessem impregnados de forte antiamericanismo. Assim, nesse período crescia um forte descontentamento em relação à Psicologia Social americana pelo seu caráter ideológico e positivista. Neste ambiente criou-se a ABRAPSO, que se propunha construir uma psicologia voltada aos interesses das classes mais desfavorecidas. Vale a pena observar que a ABRAPSO nasce mais como um movimento social que como uma sociedade científica. De fato, ela não oferecia uma definição clara do que se entendia por Psicologia Social, não colocava critérios para a filiação e estimulava uma organização em núcleos. A meu ver, a ABRAPSO foi a forma conjuntural na qual os psicólogos interessados pelo social se organizaram na luta pela redemocratização do Brasil.

Neste movimento originado pela ABRAPSO vale a pena ressaltar duas coisas. Primeiro, que entre alguns psicólogos sociais ganhava força a ideia de se construir uma psicologia em consonância com a problemática social a partir do quadro conceitual do materialismo histórico. Nesta perspectiva, junto com a professora Silvia Lane e outros colegas, participei da organização de cursos de psicologia marxista pelo Brasil. Mas acredito que de fato a ideia de apoiar-se no materialismo histórico não chegou a passar de um manifesto de boas intenções de um grupo pequeno de psicólogos sociais. Para a grande maioria o que motivava era o fato de participar de uma psicologia aberta a uma sociedade progressista e mais justa.

Segundo, como você mesmo coloca, pretendia-se criar uma psicologia alternativa à ALAPSO. Vale ressaltar que a Associação Latino-Americana de Psicologia Social (ALAPSO), criada em 1973 por psicólogos sociais que se tinham se formado nos Estados Unidos ou na Inglaterra, não era constituída necessariamente por psicólogos politicamente retrógrados. Assim, a professora Maritza Montero da Venezuela era da diretoria e me parece, embora não tenho certeza, que Ignácio Martin Baró participou de alguns encontros iniciais. O que de fato aconteceu para criar o antagonismo é que o professor da PUC/RJ Aroldo Rodrigues, representante da ALAPSO no Brasil, assumiu publicamente atitudes políticas de extrema direita, ligadas ao movimento integralista Tradição, Propriedade e Família (TPF). Não convém esquecer que o referido professor terminaria sendo demitido da PUC/RJ pelo seu posicionamento político. De alguma maneira, o antiamericanismo fortemente arraigado na esquerda brasileira8 terminaria se concretizando, no âmbito dos psicólogos sociais, na figura do Aroldo Rodrigues, autor do manual muito conhecido de "Psicologia Social" da Editora Vozes, onde o autor se limita a expor, de maneira clara e correta, mas sem nenhuma avaliação crítica, as teorias dominantes na psicologia social americana dos anos 1940 a 1960. Passou-se da rejeição ao posicionamento político do referido professor à rejeição pura e simples do produzido na psicologia social americana nos anos 1940 a 1980. Acho que esta atitude de "jogar fora a criança junto com a água da banheira" foi lamentável. É evidente que a tradição da psicologia social americana tinha problemas e merecia uma crítica aprofundada, mas jogá-la fora sem conhecê-la me parece algo problemático. Aliás, não foi essa a atitude da psicologia social europeia. Por exemplo, em 1970, Denise Jodelet e colegas publicaram o livro "La Psychologie Sociale, une discipline en mouvement", onde nos capítulos típicos da Psicologia Social dessa época (percepção social, atitudes, influência social etc.) eram apresentadas as pesquisas clássicas da Psicologia Social Americana, mas esses capítulos eram concluídos com análises críticas e propostas desenvolvidas pelo Institut des Sciences de l'Homme, como Representações Sociais e Minoria Ativa que tentavam superar a herança individualista deixada pela obra clássica de Floyd Allport (1924). Nessa perspectiva, Moscovici desenvolverá suas duas teorias. Desenvolverá a teoria das "minorias ativas", a partir dos estudos da influência social da psicologia social americana, principalmente os estudos de Asch, e construirá a teoria das Representações Sociais propondo-se superar o conceito clássico de atitudes.

Penso hoje que para uma psicologia que pretendia se fundamentar no materialismo histórico, a rejeição total (frequentemente sem conhecimento nenhum) do conhecimento produzido anteriormente na área de psicologia social, constituiu-se de fato na negação do materialismo dialético, fundamento do materialismo histórico. No processo dialético, a antítese não é uma pura negação da tese. De fato, a síntese inclui elementos da tese e da antítese, mas os coloca em um nível superior.

1.7. Pergunta: No mesmo artigo da Psicologia & Sociedade você faz uma autoanálise de sua trajetória afirmando que entre 1985 e 1988, no interior do seu Grupo de Pesquisa em Comportamento Político (GPCP), iniciou-se uma crítica tanto relativa ao modo que se construía a pesquisa participante na época quanto ao papel do materialismo histórico-dialético (impossibilidade de deduzir categorias psicológicas diretamente do materialismo histórico).

E: Como você mesmo coloca na sua pergunta, caro Frederico, a crítica se dirige exclusivamente ao nosso próprio trabalho, certamente não visa à produção da psicologia social do Brasil nesse período. Vale a pena ressaltar que nossa crítica às nossas atividades desenvolvidas na década 1980 - 1990 se dirigia a dois aspectos de nosso trabalho. O primeiro aspecto refere-se a nossa pretensão de desenvolver pesquisa-ação e/ou pesquisa-participante por meio de nossa inserção nos movimentos sociais que estavam surgindo publicamente9 na Paraíba. Mas na medida em que assumimos em alguns dos movimentos em que participávamos funções administrativas e/ou de liderança, perdemos o distanciamento necessário para desenvolver pesquisas. De fato, as pesquisas que realizamos foram sobre movimentos onde não tínhamos participação direta (Oposição sindical da construção civil; Associação de professores universitários e do ensino secundarista; Ocupações urbanas...). Onde tínhamos participação direta, nossa militância engajada terminou dominando nossas atividades, o que na prática nos impediu de desenvolver pesquisas. Não é de estranhar que as pesquisas que realizamos e publicamos nesse período não foram realizadas estudando os movimentos onde estávamos inseridos como o CENTRU, mas estudando movimentos com os que tínhamos relação indireta.

Devo esclarecer que essa crítica se dirigiu principalmente ao fato de termos sido incapazes de desenvolver pesquisa nos movimentos em que participamos, mas de maneira nenhuma criticamos ou nos arrependemos de nosso engajamento nos movimentos populares. Além do fato de que esse período nos colocou a necessidade de participar diretamente na redemocratização do Brasil, nossa inserção no movimento terminou sendo positiva para a Universidade, pois colocamos alguns setores da UFPB em contato direto com lideranças dos movimentos populares. Hoje eu entendo melhor o que Marx quis dizer na famosa tese nº 11 Na ciência trata-se de elaborar teorias capazes de estimular as mudanças. As ações práticas em vista dessas mudanças têm outro caráter e se aproximam mais ao que Lênin define como estratégia e tática (Camino, 1999). Acho que nós, no início, confundimos a práxis com a prática política, mas esta era necessária. Acho que conseguimos elaborar uma estratégia de Educação Popular (Camino, 1987).

Por outro lado, percebíamos claramente que nossa estratégia de pesquisa, que consistia em escolher certas noções psicológicas e retirá-las de seu contexto individualista e mecanicista, para utilizá-las como sinônimos de conceitos do materialismo dialético, não se havia mostrado eficaz para construir uma teoria psicológica diferente. Assim, ao substituir a noção de ideologia pela noção de "Crença no Mundo Justo", de Lerner (1980), chegávamos à conclusão óbvia e individualista de que as pessoas menos influenciadas pela ideologia dominante sobre o que é justo numa sociedade capitalista e meritocrática seriam aquelas que mais participariam de ações oposicionistas. Não analisávamos, nem como as crenças dominantes e divergentes surgem nesse contexto social específico, nem tampouco, em quais condições as crenças divergentes se transformariam em atividades oposicionistas. Embora tivéssemos a intenção de fazer uma psicologia fundamentada no materialismo histórico, na prática fazíamos o que se denomina de uma psicologia social psicológica, é dizer, uma psicologia que explica o social a partir do indivíduo.

1.8. Pergunta: Conte-nos um pouco mais sobre como essa autocrítica reorientou sua trajetória acadêmica e política. Fale-nos sobre sua trajetória profissional.

E: Como já mencionei antes, os anos 1985-1988 nos trouxeram um conjunto de insatisfações relacionadas com diversos aspectos de nossas atividades na militância e na pesquisa. Por um lado, percebíamos que não se colocava mais, ao menos com a urgência anterior, a necessidade da participação direta de intelectuais nas organizações populares. Por outro lado, com a Constituinte de 1988, chegava-se ao fim da polarização entre grande parte da Sociedade Civil e o Regime Militar. Esta nova situação mudava em parte a natureza dos agentes sociais, dado que os processos políticos institucionais, como a constituição de partidos populares e as eleições, adquiriam uma importância maior. Por tanto dois temas serão centrais em nossas preocupações durante os anos 1988 - 1998: a socialização política em relação à identidade partidária e o comportamento eleitoral.

Abordamos estes dois temas a partir do conceito de Identidade Social, inicialmente desenvolvido por Tajfel (1981), mas que nós tentamos dar-lhe uma conotação menos psicologizante. Assim considerávamos que a identidade social poderia ser entendida como um processo dialético porque, por um lado, mudaria o sujeito, facilitando a incorporação de valores e normas do grupo social, mas por outro lado, implicaria na participação ativa do sujeito na construção da identidade grupal e, portanto, na transformação contínua do grupo. Mas a propriedade dialética dos processos de identidade não se limitam à relação entre o indivíduo e seu grupo. Ela se aplica às relações dos grupos entre si e com o sistema social. Deve-se considerar que o processo de identidade social não ocorre no vazio social, mas num contexto histórico onde os diversos grupos mantêm relações concretas entre si, mediadas pela ideologia (Camino, 1996).

O processo de identidade social afetaria não só a maneira como indivíduos e grupos percebem a organização da sociedade, sua estrutura, estabilidade e legitimidade, mas também o modo como nela atuam, procurando modificá-la em função de seus interesses sociais. Assim, numa direção, os processos subjetivos seriam influenciados pelas formas concretas que uma formação social adota, e na direção oposta, as formações sociais vão sendo construídas dinamicamente pelo conjunto de representações e ações dos indivíduos que as constituem. Esta perspectiva teórica nos permitiu iniciar nossos estudos criticando a maneira em que a psicologia tinha abordado os temas da socialização política e do comportamento eleitoral.

No que concerne à socialização, a tradição analisava a forma como as crianças e os adolescentes iam se adaptando à vida em sociedade. Nesta perspectiva funcionalista, a sociedadeestava lá já pronta e o que interessava era observar como crianças e jovens se integravam nela. Este paradigma clássico da socialização política que contrapõe o jovem à sociedade não reconhece o fato de que os grupos constroem suas identidades nas relações intergrupais e que os sujeitos se "socializam" neste processo. Em nossa perspectiva, afirmávamos que tanto a identidade social dos indivíduos, construída pelo sentimento de pertença a grupos sociais, como as alternativas políticas, formadas pelos interesses dos diversos grupos sociais, são consequências das formas concretas que tomam as relações intergrupais no interior de uma determinada formação social. Esta abordagem postula que a identidade social dos indivíduos e a representação sociopolítica dos partidos, como percebidas pelos indivíduos, estão intimamente relacionadas e que esta relação é função da participação do sujeito nas organizações da sociedade civil.

Esta concepção que desenvolvemos no estudo da socialização política nos foi fundamental no estudo do comportamento eleitoral, pois ela nos permitiu superar a abordagem clássica de saber por que as pessoas votam e nos estimulou a estudar na sua complexidade o comportamento eleitoral. A maioria dos estudos sobre o processo eleitoral tem-se centrado no estudo dos fatores que levam o eleitor a votar. Esta abordagem justifica-se tanto pela metodologia individualista, empregada pela psicologia clássica, como pelas concepções políticas que deram origem ao voto. Neste sentido, a propriedade mais marcante do voto na democracia representativa é a de ser um ato individual, secreto. De fato, o liberalismo promove a liberdade do indivíduo frente ao Estado, mas a sua desconfiança frente as massas (lembremos a Psicologia das Massas de Le Bon e de Tarde) o leva a enfatizar também a necessidade de criar condições para que a escolha eleitoral se faça em isolamento, pois as decisões tomadas numa assembleia não representariam os verdadeiros interesses dos participantes. Promove-se, portanto, a liberdade dos indivíduos simultaneamente frente ao Estado e frente aos outros indivíduos.

A partir desta visão liberal, o voto foi estudado como um ato essencialmente individual, que tanto é determinado por fatores sociais que agem sobre os indivíduos como é influenciado por variáveis intraindividuais, sustentando-se assim a mesma visão dualista da realidade social encontrada na socialização. Mas deve-se situar o voto no quadro mais amplo do processo político global. Tanto o ato individual de escolha como a existência de alternativas políticas devem ser entendidos como aspectos interativamente ligados de um único processo, complexo e multideterminado onde interagem diversos fatores psicológicos, sociológicos, econômicos e culturais em diferentes níveis de análise.

Dois conceitos foram importantes para abordar esta complexidade: a Representação Política e a Inserção Social. Estudamos a representação política a partir do cruzamento entre a percepção que o eleitor tem dos setores sociais defendidos ou representados por seu partido de simpatia, e a percepção dos setores sociais representados pelos partidos opostos à sua visão política. Esta análise nos permitiu observar as visões que os sujeitos possuíam da estrutura social, implícita nas atribuições de representação política. E, de fato, constatamos a existência de três tipos de visão política. Uma visão que denominamos de classista, pois percebia a sociedade como dividida em dois setores: o trabalhista (operários, camponeses, estudantes...) e o capitalista (Industriais, banqueiros, latifundiários...). Outra que denominamos de populista, na qual a sociedade se divide entre o povo e os ricos. E finalmente aquela visão sistêmica e despolitizada que opõe todos os cidadãos aos políticos e ideólogos.

A Inserção Social constitui-se das formas concretas em que as pessoas participam nas diversas organizações da sociedade civil. Inserção Social é um conceito totalmente diferente do que se denomina em Psicologia de categorias sociais10. As pesquisas comparam, por exemplo, homens e mulheres. Mas de fato as mulheres não se definem por serem mulheres, mas pelo significado que "ser mulher" adquire nos diversos grupos em que participa, igreja, estudos, sindicalização etc. Em nossas pesquisas postulamos que nesse processo de socialização nos diversos grupos, as pessoas vão construindo sua identidade social e se situando na estrutura sociopolítica da sociedade. De fato, os resultados de nossas pesquisas desse período mostraram que a visão que o sujeito possui da estrutura social, implícita nas atribuições de representação política, relaciona-se com as posições políticas fundamentais do seu partido de simpatia (Camino, Silva, & Souza; 1998; Camino, Souza, & Silva 2005).

Vendo nosso trabalho em perspectiva, considero que o período de 1988 a 1998, quando trabalhamos temas como socialização política, comportamento eleitoral e valores, foi um período muito produtivo. Nele conseguimos construir uma equipe relativamente grande e competente de bolsistas (chegamos a contar num ano com 16 bolsistas, entre mestrandos e alunos APB e de iniciação científica.), graças tanto aos programas de bolsas do Balcão do CNPQ11, como à qualidade dos bolsistas12. Todas estas condições supuseram um avanço em nossa linha de pesquisa. Mas vários fatores, sociopolíticos, institucionais e pessoais interviram no final dos anos 1990 para que nossa trajetória profissional mudasse.

No que concerne aos fatores sociopolíticos vale a pena ressaltar que desde o final dos anos 90 as esperanças de que a democracia eleitoral significasse uma verdadeira democracia social começavam a se enfraquecer. De fato, com o neoliberalismo dos governos civis de Collor e de FHC as diferenças sociais aumentavam claramente. A eleição de Lula em 2002 só daria um curto alento a esta esperança. Começava a ficar claro que as dinâmicas subjacentes aos processos de exclusão - inclusão social extrapolavam os processos políticos. Portanto na procura de uma sociedade democrática se precisava entender melhor os processos de exclusão. Meus interesses de pesquisa se orientaram nesta direção. Assim estudamos processos como o racismo, a homofobia, o sexismo etc.

No que concerne aos fatores pessoais e institucionais, o tema dos Direitos Humanos aparecerá entre os meus interesses, primeiramente, graças ao convite feito no final dos anos 1990 pelo Conselho Federal de Psicologia para participar da recém-criada Comissão dos Direitos Humanos. Posteriormente, em 2005, seria convidado pelo Centro de Ciências Jurídicas da UFPB para coordenar uma nova área de concentração do programa de pós-graduação em Direito, a área de Direitos Humanos, o que reforçaria o meu interesse por esse tema. Desde minha experiência na Comissão de DDHH do CFP, comecei a pensar sobre o papel da psicologia como instituição criadora de saber na construção dos DDHH. Se, por um lado, percebia nos psicólogos e nas instituições, como os conselhos regionais de Psicologia, uma clara motivação de colaborar na defesa dos direitos dos mais desfavorecidos, por outro lado, não podia deixar de pensar em como nosso conhecimento PSI colaborava de uma maneira ambígua na luta pelos DDHH (Camino 2004a).

No mundo moderno, quando as concepções medievais sobre o ser humano estavam sendo colocadas em questão, cabiam às novas ciências e profissões a incumbência social de redefinir o funcionamento dos indivíduos e da sociedade. Mas definir a forma como funcionam as pessoas e as sociedades no quadro de uma ciência ou profissão legalmente reconhecida é informar ao público o que é bom para os indivíduos e para a sociedade e quais as estratégias que devem ser empregadas para evitar o mau funcionamento dos indivíduos. Mas o que pensar frente à existência de várias teorias na Psicologia? Pode-se afirmar que as diversas concepções do ser humano na ciência fazem parte essencial do processo histórico de construção da consciência coletiva sobre o que é o ser humano e sobre quais são os seus direitos. Mas, por causa da diversidade de concepções e práticas no interior da Psicologia, o papel desempenhado por esta na construção dos direitos humanos é, em certo sentido, ambíguo e às vezes até contraditório. A ambiguidade dessa relação decorre do fato de que a ciência, enquanto instituição histórica, faz parte da arena onde se desenvolvem as lutas sociais. Portanto, faz-se necessário analisar criticamente os conceitos que utilizamos.

Veja-se, por exemplo, esta situação. Em nossos primeiros estudos sobre o racismo (Camino, Silva, Machado, & Pereira, 2001), observamos que praticamente todos os universitários entrevistados afirmam que os brasileiros são preconceituosos, mas curiosamente a grande maioria não se considera preconceituosa. Os estudantes parecem ter clara consciência da discriminação racial que se vive no Brasil, mas não aceitam a responsabilidade por esta situação. Como explicar esta situação? Para responder a esta pergunta fomos obrigados a refletir sobre como o preconceito é concebido na psicologia social. Classicamente, ele é percebido como uma atitude ou disposição individual, embora socialmente aprendida. Assume-se, sem muito discutir, que se trata de uma disposição universal na qual as pessoas variam, dependendo de vários fatores, no grau com que aderem a ela. Mas deve se ter em conta que mesmo que os indivíduos possam ter atitudes preconceituosas, de fato é a sociedade como um todo que devemos considerar preconceituosa, se suas práticas e suas normas institucionalizadas são preconceituosas.

Podemos supor que a noção individualista do preconceito, tal como desenvolvida pela psicologia clássica, explica a dissociação que fazem os estudantes universitários, no estudo anteriormente citado, entre as atitudes deles. Sugerimos que os estudantes expliquem seu não comprometimento individual com a forte discriminação racial vivida no Brasil a partir da noção de preconceito, noção que faz parte do senso comum, mas que de fato é influenciada a partir da forma como é definida pelas instituições de saber reconhecidas socialmente, como é o caso da psicologia social (Camino, 2004b). Mesmo aqueles psicólogos que rejeitam e/ou não conhecem a tradição clássica possuem uma visão subjetiva do preconceito devido a formação "psicologizante" própria da psicologia. É interessante observar que esses estudantes que não se consideram preconceituosos identificam os brasileiros negros como pessoas do terceiro mundo e as pessoas brancas como pertencendo ao primeiro mundo. Em outros estudos, membros da equipe puderam observar que alunos universitários justificam o fato de que na hora de se contratar, numa loja de roupas femininas, se prefira uma moça branca a uma moça negra, considerando-se que a clientela branca poderia ficar constrangida com uma vendedora negra. A psicologização excessiva da noção de preconceito faz com que facilmente se perca de vista a função econômica essencial nos processos de exclusão racial. É realmente muito contraditória a visão brasileira do racismo. Se, por um lado, os supremacistas brancos radicais são considerados como psicopatas, vivemos tranquilamente numa sociedade onde de fato a supremacia é branca e recebemos de maneira indireta os benefícios dessa situação. Mesmo assim, não nos consideramos racistas. É realmente uma psicopatia social. Para analisar estas contradições, usamos como analogia o conceito de "formação reativa", tomado da psicopatologia, para indicar que tanto os mecanismos psicológicos de inibição das atitudes negativas como as mudanças nas formas de se representar as diferenças de cor destinam-se a justificar práticas sociais que continuam a manter a discriminação racial.

Nossos estudos desse período sobre a homofobia nos levaram as mesmas conclusões quanto ao papel às vezes negativo da Psicologia na construção dos direitos humanos. Nossos estudos provaram que a atribuição de causas religiosas e/ou psicológicas à homoafetividade se relacionam com uma noção negativa desta. A participação das teorias psicológicas clássicas sobre a sexualidade certamente ainda influenciam muito a maneira como se vê a diversidade sexual.

1.9. Pergunta: Você orientou dezenas de pessoas que hoje estão em diferentes universidades brasileiras; como você compreende esta contribuição para a Psicologia? O trabalho de orientação e formação na pós-graduação tem mudado muito nas últimas décadas?

E: Como já comentei, algo que me marcou muito na Universidade de Lovaina foi a concepção existente da pesquisa como uma atividade essencialmente grupal. De fato, nas três vezes que estive em Lovaina participei de três grupos de pesquisa diferentes, mas com a mesma estrutura e forma de atuar: as pesquisas eram supervisionadas por um professor, coordenadas por um ou dois doutorandos ou doutores jovens e desenvolvidas no terreno por alguns mestrandos. Quando voltei definitivamente ao Brasil em 1979, constatei que as orientações eram individuais e, nos debates que começavam a se realizar na ANPPEP, muitos professores de algumas universidades do Sul do País chegavam a defender que as publicações deviam ser só dos alunos. As linhas de pesquisa não eram algo comum naquele período.

Se desde a minha volta definitiva criamos, em 1980, com vários colegas e alunos da UFPB, o "Grupo de Pesquisa em Comportamento Político" (GPCP), este grupo, que perdura até hoje, foi adquirindo diferentes formas, dependendo dos contextos profissionais e sociais vividos. Assim, como expliquei anteriormente, nos primeiros anos o GPCP foi constituído fundamentalmente como um grupo de extensão. A maioria trabalhava no CENTRU, enquanto alguns davam assessoria a movimentos que estavam surgindo. O pequeno grupo (6 a 7 membros) era constituído por professores da UFPB, alunos do mestrado e um ou dois alunos de graduação voluntários. As nossas reuniões não eram tão sistemáticas, pois nossa forma de nos inserirmos no movimento nos obrigava a seguir o ritmo próprio do movimento.

Mas, a partir de 1988, vários fatores nos levaram a reorganizar nossas atividades e passamos a dar prioridade às atividades de pesquisa. Como já comentamos, a partir da constituinte, de 1987-1988, abria-se a possibilidade de influenciar mais através da participação política partidária que estava sendo redemocratizada. Por tanto, dado a nova conjuntura política, focamos nossos esforços de pesquisa no comportamento eleitoral e na socialização política. Por outro lado, mudanças institucionais no CNPQ e na UFPB nos deram tanto acesso a diversas bolsas de mestrado, de aperfeiçoamento B e de iniciação científica, como ajuda financeira para compra de material de pesquisa (computadores, impressão de questionários etc.) e para participação em congressos. Entendíamos que uma linha de pesquisa consistia essencialmente na elaboração de pesquisas que respondiam a questionamentos que iam sendo elaborados não só em conjunto, mas à medida que as pesquisas avançavam novos questionamentos apareciam que serviam de base para novas pesquisas. Assim, no que concerne ao comportamento eleitoral, iniciamos as pesquisas em 1988 estudando aspectos parciais até que em 1996, após estudos em três eleições municipais e duas federais, conseguimos testar um modelo relativamente completo do comportamento eleitoral, como já comentamos anteriormente (Camino, Silva, & Souza, 1998; Camino, Souza, & Silva, 2005). Mas este trabalho em grupo exigia que todos participassem do mesmo embasamento teórico e metodológico. Por isso, grande parte dos seminários semanais eram dedicados à apresentação e debate das diversas teorias em psicologia social. Mas as teorias deveriam servir para entender os processos sociais concretos. O importante era situar o problema e questioná-lo na maneira correta. Aliás acredito que esta atitude vinha da minha experiência prática em análises de conjuntura, introdução necessária ao debate político da tradição marxista. Por isso alguns seminários eram reservados para discutir os problemas sociais em sua conjuntura: movimentos sociais da década de 1980; o processo eleitoral em sua retomada em 1988 após a ditadura; os processos de exclusão social tal como eles eram vividos no final do século XX e no início do século XXI. A partir destes debates surgiam alguns questionamentos que nos permitiam elaborar em conjunto projetos de pesquisa. Estes projetos eram realizados em subgrupos durante a década de 1990 e/ou por alunos elaborando sua tese e/ou sua dissertação nos outros períodos. Mas sempre os projetos e seus resultados eram debatidos em grupo. Penso que esta disciplina de trabalho, em que os alunos entravam como bolsistas IC desde os primeiros anos de graduação, lhes permitiu adquirir não só um razoável conhecimento da psicologia social, mas uma boa experiência em pesquisa, pois participavam de várias pesquisas como coautores, além das que constituíam suas tarefas individuais (monografias e dissertações). Por isso não é de estranhar que muitos desses ex-participantes do GPCP sejam hoje pesquisadores conhecidos trabalhando em várias universidades, principalmente no Nordeste.

De 1999 a 2001, interrompi minhas atividades na UFPB em licença sabática para ser professor visitante na PUC/SP. Na minha volta, passei a trabalhar no recém-criado doutorado em Psicologia Social, em colaboração entre a UFPB e a UFRN. De 2001 a 2010 (quando me aposentei pela compulsória) meu trabalho de orientação centrou-se principalmente em doutorandos, o que não permitiu realizar um trabalho coletivo como o tínhamos feito na década anterior.

Observando o que acontece hoje em dia, constato que na área de ciências humanas ainda persiste a ideia de que a investigação é essencialmente uma tarefa individual. Embora as normas vigentes e o "palavreado" politicamente correto priorizem o trabalho em grupo e a constituição de linhas pesquisas, o espírito tradicional tem encontrado meios de sobreviver à burocracia atual. Um pouco como o racismo encontra meios de se perpetuar adaptando-se às novas demandas, mudando de cara, se mascarando.

 

2ª Parte: O conceito da Psicologia Política e suas diferenças com a Psicologia Social

2.1. Pergunta: Considerando a posição de Maritza Montero (Montero, 2009), em um artigo publicado na revista Psicologia Política, de que se faz importante definir o campo da psicologia política para que seja possível refletir sobre sua pertinência, utilidade e alcance, como você definiria a Psicologia Política? A Psicologia Política teria alguma especificidade epistemológica?

E: Caro Frederico, antes de dar a minha definição sobre o que é a Psicologia Política, permita-me expressar minha opinião sobre essa tendência, tão enraizada nos psicólogos sociais da América Latina, de debater ao infinito a epistemologia da psicologia como ciência.

De fato, a epistemologia etimológica tradicionalmente era considerada como a ciência das ciências. É dizer uma reflexão filosófica a priori sobre os fundamentos de uma disciplina particular. Ou seja, acreditava-se na necessidade de fundamentar uma ciência empírica a partir de uma reflexão filosófica. Hoje essa ideia sobre a necessidade de uma reflexão epistemológica a priori é muito questionada. Atualmente, se pensa que uma fundamentação a priori de um processo de descoberta empírica não seria capaz de validar por si só os dados assim encontrados. É a capacidade dos dados de facilitar a compreensão do fenômeno estudado que em certo sentido valida o processo.

Tenho esta convicção há muito tempo. No meu primeiro ano em Lovaina (1966), fazendo a transição entre meus primeiros estudos de filosofia e a iniciação numa ciência empírica como a Psicologia Social, participei de um seminário com o professor Jean Ladrière, professor de filosofia13, precisamente sobre a epistemologia das ciências. Ladrière insistiu em todo o seminário que não era possível determinar a priori princípios gerais filosóficos do que era cientificidade. Para ele, era no próprio desenvolver-se da ciência que aparecerá ou não sua capacidade de ser Ciência, é dizer, de explicar ou de facilitar a compreensão de fenômenos sociais.

Participava deste seminário de Ladrière seu assistente Jacques Herman (com o qual participei anos depois de um Dicionário de Ciências Humanas da Universidade de Lovaina (Thinès & Lempereur, 1975), quem junto com outros colegas publicaria um livro sobre pesquisa em ciências sociais (Bruyne, Herman, & Schoutheete, 1974). Embora algo antigo, possa ser útil aos leitores de revista Psicologia Política para saber o que se pensava naquela época sobre ciências humanas na Universidade de Lovaina. Nessa época, vários autores, como Kaplan (1964), Popper (1972a), Kuhn (1972) e Piaget (1972) defendiam a mesma perspectiva. Certamente essa foi a perspectiva na qual fui introduzido na pesquisa.

Mas certamente em Lovaina, naquela época, também circulavam ideias diferentes e até em oposição às ideias de Ladrière e de outros professores de Lovaina como Michotte e Montpellier que, embora filósofos por formação, tinham-se transformado em psicólogos empiristas. Assim, em 1967 ou 68, não lembro bem, o professor Jacques Schotte, famoso psicanalista belga, nos deu a ler o livro de M. Foucault "Le Mot et les Choses: Une Archéologie des Science Humaines" (1966) onde claramente se classificava as ciências humanas de falsas ciências, pois tomavam seus modelos emprestados de outras ciências da natureza. Retomava-se, assim, os argumentos antigos do século XIX que negam a possibilidade de que o sujeito da ciência possa ser ao mesmo tempo sujeito e objeto da ciência. Acho que desde esse período fiquei com a convicção de que, antes de nos perder em debates abstratos, era necessário avançar com a prática da pesquisa para ver quais condições da prática de pesquisa nos permitem adquirir um conhecimento relevante, ou seja, científico.

Considero, portanto, que a epistemologia não seria uma disciplina externa, não derivada da atividade científica, mas um momento importante de reflexão incluído na própria investigação científica. Trata-se de uma reflexão dirigida à própria abordagem utilizada a fim de avaliar criticamente a partir dos próprios resultados, que estão sendo confrontados com as explicações teóricas existentes, se essa abordagem é útil para entender da melhor maneira o fenômeno social estudado. Essa abordagem nunca dará a última palavra sobre o que é ciência ou não ciência, mas seguirá sempre procurando "ad infinitum".

Pode se perceber também, em oposição ao dogmatismo epistemológico, que se sustenta em princípios filosóficos "a priori", a existência de outro tipo de dogmatismo: o dogmatismo metodológico. Este dogmatismo se encontra em grupos de pesquisadores que defendem radicalmente uma psicologia quantitativa, que cria critérios metodológicos perfeitos também "a priori". Frequentemente a obediência rígida ao método é considerada como a condição mais importante ou única para o sucesso de uma pesquisa. Neste caso, o método converte-se num critério externo que nada ou pouco tem a ver com o fenômeno estudado. Já ouvi dizer por colegas de muito prestígio internacional que autores como Harré, Gergen e outros têm boas ideias, mas lamentavelmente os métodos deles são fracos. Eu bem que gostaria de dominar esses métodos fracos a fim de chegar a essas ideias tão boas. Em minha opinião, a escolha tanto dos métodos e técnicas como das teorias filosóficas para abordar um objeto e/ou tema de estudo, não deve seguir critérios externos em voga, mas fundamentar-se na natureza do tema estudado.

Para mim, o essencial na pesquisa não são os critérios externos, sejam filosóficos ou metodológicos, mas a natureza do próprio tema em estudo. É evidente que esta natureza não nos é dada nem a priori, nem em sua objetividade crassa. Ela é o resultado de uma reflexão epistemológica sobre o objeto de estudo e, principalmente, sobre o questionamento que lhe fazemos. Essa reflexão nos permitirá escolher o método e as técnicas adequadas para abordar o tema como também nos ajudará e escolher, entre as teorias existentes, as teorias mais úteis para contrastá-las com os nossos resultados a fim de entendê-los melhor.

Caro Frederico, acho que esta maneira de pensar está explícita no meu trabalho apresentado no X Simpósio de Psicologia Política e publicado no livro organizado por você e Marquinhos onde analiso a crise política iniciada em 2013. Neste trabalho apresento várias perspectivas clássicas sobre a política como as abordagens estruturalista, culturalista, da escolha racional e psicológica e analiso quais os elementos de cada uma destas perspectivas podem ser utilizados para a compreensão da crise.

Frederico, permite-me insistir neste tema citando ninguém menos que Piaget (1972), quem considerava que é na reflexão epistemológica sobre o objeto de estudo que se inicia a fase científica da pesquisa. Para ele a pesquisa começaria no ato de dissociar o verificável do que é apenas reflexivo ou intuitivo, o que permitiria ao pesquisador elaborar métodos específicos, adaptados a seu problema, métodos que sirvam simultaneamente tanto para a abordagem quanto para a verificação. Não se trata, portanto de uma reflexão a priori nem evidentemente de uma reflexão a posteriori, mas de uma reflexão que se faz simultaneamente com a construção do questionamento que se faz ao objeto de estudo. Perguntas como, qual é a natureza deste objeto de estudo, como ele pode ser conhecido, devem ser feitas simultaneamente à pergunta ou questionamento essencial, que é o que eu quero conhecer, que é o que eu quero saber deste objeto.

Dito assim parece fácil, mas aqui se coloca um problema fundamental. De fato, os cientistas, por serem cidadãos, não estão acima da disputa social e política. Pelo contrário, como tenho escrito em vários trabalhos, as diversas teorias fazem parte da disputa política na arena ideológica. Um caso muito claro é o atual debate sobre Escola sem Partido, onde se confrontam não só visões ideológicas, mas também concepções teóricas diferentes sobre sexualidade e gênero. Mas, ao mesmo tempo, a ciência não se reduz à ideologia dos atores que se confrontam. Lamentavelmente se cai frequentemente no maniqueísmo: eu estou certo, você está errado. A ciência pressupõe sempre uma ruptura com o senso comum, com a ideologia, com a cultura. Da dos outros e, certamente, da minha também.

Mas pode dar a impressão de que estou defendendo uma ciência neutra. Não, de maneira nenhuma. De fato, na minha vida profissional sempre procurei colocar minhas pesquisas à serviço das causas populares. Se na minha juventude tive uma certa ligação com a teologia da libertação, que posteriormente me levaria a uma concepção marxista do mundo, na minha vida profissional tenho me guiado pelo espírito do que, posteriormente, nos anos 90, será denominado Psicologia da Libertação. Nisso concordo com o artigo da Maritza Montero que você cita na sua pergunta14. Mas é evidente que não posso transformar minha visão política na visão da realidade. Posso e devo, enquanto cientista, assumir uma posição política que guie meus valores subjetivos, mas não posso confundir a minha subjetividade com a subjetividade de nossos objetos de pesquisa (as pessoas, os grupos, as sociedades, as culturas...). Certamente meus posicionamentos políticos me levarão a escolher os temas de pesquisas, me darão base para iniciar o questionamento científico, mas na construção propriamente dita da abordagem deverei atender ao objeto de estudo, sem o confundir com minha própria visão. Evidente que esta ruptura epistemológica é difícil e frequentemente cometemos erros. É aqui onde eu situo os processos de crítica e de autocrítica tão necessários na atividade científica. Neste sentido, trata-se de uma vigilância interna dos cientistas sobre seus procedimentos e seus resultados, sem imposição de dogmas externos.

2.2. Pergunta. Como você diferenciaria a Psicologia Política da Psicologia Social? Como você definiria sua especificidade: por teorias, por métodos, por temas ou objetos de estudo, pela perspectiva empregada?

E: Caro Frederico, penso que o mais importante é diferenciar a Psicologia da Psicologia Social pois a diferença entre a Psicologia Social, tal como eu a penso, e a Psicologia Política é uma questão de temas, de objetos de estudo, só. Para mim a verdadeira diferença está entre a psicologia e a psicologia social. Vou me explicar. Desde a origem da Psicologia Social têm existido duas perspectivas ou formas de analisar a relação indivíduo - sociedade (Camino & Torres, 2013). Na análise de fenômenos sociais, numa destas perspectivas (que a chamarei de Psicologia Social Psicológica), se dá prioridade ao indivíduo como elemento essencial da explicação, enquanto na outra perspectiva se dá prioridade ao social (Psicologia Social Sociológica). Evidentemente, adotar uma perspectiva é uma opção do pesquisador, mas não é uma opção fixa a priori, assinalada por uma meta epistemologia anterior a qualquer análise do objeto. Não. Essa opção (ou perspectiva) se descobre numa relação entre a análise do objeto que o pesquisador faz ao planejar a pesquisa (o que eu denomino de questionamento) e uma série de condicionantes sociais do pesquisador (como a sua tradição teórica, sua cultura institucional, sua ideologia etc. todos os condicionantes sociais que ele traz). É neste sentido que a crítica e a autocrítica são indispensáveis.

Para resumir, penso que é inútil debater a priori o status epistemológico da Psicologia Política. O que deve ser feito é analisar epistemologicamente o questionamento que se está fazendo ao tema em estudo. Assim, como já coloquei anteriormente, nos anos 1980 nosso questionamento em essência era: quais as características que levam a uma pessoa a participar de movimentos sociais. Era uma pergunta ao nível da psicologia social psicológica, bastante limitada, pois não nos dizia nada sobre a formação dos movimentos sociais. Só no estudo da oposição sindical "Zé Pião" da construção civil (Amado & Camino, 2005) conseguimos observar como no período final da ditadura militar as associações de bairro e as pastorais operárias, na medida em que não foram tão fortemente reprimidas como foram os sindicatos e os partidos políticos, auxiliaram aos membros destes grupos a passarem à luta sindical e à política partidária. Terminamos este estudo afirmando, contra o nosso questionamento inicial, de que não se entra num grupo para lutar, mas se luta porque se está dentro de um grupo atuante. Ficava claro que não nos interessaria tanto entender as motivações, disposições, marcos cognitivos etc. dos participantes duma luta social, quanto o contexto sociopolítico e econômico onde esta luta surge.

Tínhamos já aprendido a lição quando iniciamos em 1988 nossas pesquisas sobre o comportamento eleitoral. Não nos interessava responder à pergunta típica da Psicologia Social Psicológica "por que as pessoas votam?", mas porque o processo eleitoral se dá de uma forma específica. Analisando o processo eleitoral na sua totalidade percebemos que tanto a constituição das candidaturas quanto a tendência do eleitorado a escolher uma das candidaturas estariam relacionadas às formas como a estrutura social é representada nos discursos do debate político, como já falei anteriormente. Para entender a escolha do eleitor tínhamos que colocá-la, usando a perspectiva do materialismo dialético, entre o conjunto das outras relações sociopolíticas. Não é que o materialismo dialético seja uma condição a priori. Não, ele se fez necessário no momento quando começamos a construir a maneira de abordar as eleições. Comparar as características sociais dos eleitores de cada um dos candidatos nos dá um quadro social estático, mas não explica a dinâmica. Assim, por exemplo, para entender os resultados das eleições de outubro 2018 não basta descrever as caraterísticas socioeconômicas dos eleitores de cada candidato, mas tem que se analisar os movimentos de 2013-2014, o resultado extremamente apertado das eleições de outubro 2013, a crise econômica de 2014 e 2015, o impeachment da Dilma etc., depois ver como essas situações estavam sendo vividas pelos diversos setores sociais e finalmente avaliar em que medida os anseios e as crenças criadas por estas situações se relacionavam. Assim, como nos ensina o materialismo dialético para entender um fato social, deve-se se colocá-lo entre todos os fatos sociais concomitantes e analisar suas relações. A dialética não é um critério a priori, mas uma necessidade quando se deseja entender um fenômeno em sua totalidade.

Quando no final do século XX e início do XXI iniciamos nossos estudos sobre o racismo, criticamos abertamente a noção individualista e psicologizante do preconceito como atitude social (Camino; 2004b). Numa perspectiva dialética, é dizer, colocando o preconceito racial na totalidade das relações sociais, considerávamos o preconceito não só como uma atitude, mas principalmente como um discurso institucional que tem um papel econômico claro. Como já falei anteriormente, nossos estudos mostravam que os estudantes, embora não se considerassem preconceituosos, classificavam abertamente os brasileiros brancos como primeiro mundo (ambiciosos e trabalhadores) e os brasileiros negros como membros do terceiro mundo (despreocupados e alegres). Se se liga esta percepção socialmente aceita aos processos de contratação laborista, pode-se entender os argumentos implícitos que justificam as opções dos empregadores.

Outra maneira de ver a epistemologia como análise ligada à pesquisa empírica é a proposta por Piaget em sua "Epistemologia Genética" onde se estuda como as crianças, a partir de seus primeiros reflexos, vão construindo seus esquemas sensoriais ao operar no meio ambiente. É evidente que o meio ambiente é social (pais, escola, amigos etc.) e Piaget lhe atribui importância nas suas análises, principalmente quando trata do desenvolvimento moral, mas, mesmo assim, fundamentalmente trata-se de uma perspectiva da Psicologia individual. E isso não quer dizer que a perspectiva piagetiana esteja errada. Pelo contrário, trata-se de uma perspectiva bastante fecunda no estudo do desenvolvimento humano. Gostaria de concluir afirmando que Piaget constrói uma epistemologia genética dos esquemas ou mecanismos pelos quais o ser humano apreende a realidade da natureza e do social, mas não pretendeu nem lhe cabia aprofundar o papel do social nessa realidade.

Já, por outro lado, penso que Moscovici, de alguma maneira, pretendeu desenvolver uma teoria sócio-genética do conhecimento social. Não é por acaso que Moscovici aponta como processos fundamentais na construção do conhecimento social a Objetivação e a Ancoragem, processos que lembram muito os conceitos propostos por Piaget, a Assimilação e a Acomodação, para explicar os mecanismos individuais de construção da realidade. Embora seja uma teoria que tem impulsionado muitos estudos interessantes, penso que desde a obra fundamental de Moscovici, "La Psychanalyse, son image et son publique", permanece a oposição ou dicotomia entre a construção das opiniões sociais através da difusão e propaganda de ideias e a apropriação dessas ideias pelos indivíduos e grupos sociais através dos processos de objetivação e ancoragem. Doise (1992) tem pretendido superar esta dicotomia equiparando a concepção da ancoragem com a noção de inserção social. Desta maneira, os elementos antecipatórios do conhecimento se desenvolveriam precisamente nas relações sociais.

Enfim, para concluir, antes que os futuros leitores caiam no sono, gostaria de propor que o objetivo de uma psicologia social sociológica, que por natureza é uma psicologia política, seja estudar o desenvolvimento de crenças, ideologias e emoções em situações específicas da conjuntura socioeconômica sob influência de determinadas forças políticas. Como exemplos atuais poderíamos estudar: como surgiu a ideia tão fortemente difundida de que nunca se esteve tão ruim no Brasil como na época do PT? Por que o terraplanismo converte-se num elemento da extrema direita? A diferença entre Psicologia Política e Psicologia Social Clássica (Psicológica) não se situa no tema, mas na perspectiva em que é tratado o tema. Pense-se por exemplo no caso do namoro. A Psicologia Social Psicológica o estuda como um processo de relações interpessoais, tentando descrever as formas (cores) que o namoro pode tomar. Por outro lado, a Psicologia Social Sociológica estudaria as crenças sociais e culturais que determinam as razões pelas quais uma pessoa escolhe seu par e a forma que o namoro tomará. Estudos que realizei com o professor Jean Claude Deschamps da Universidade de Laussane (Suíça) mostraram que ideias conservadoras sobre o casamento, provenientes do patriarcado, se fazem presentes com força na forma em que jovens do Nordeste percebem o namoro. Esta influência é bem menos forte nos jovens suíços (Deschamps, Camino, & Neto, 1997).

2.3. Pergunta: Seria adequado pensarmos numa psicologia política latino-americana? Haveria razão em falarmos de perspectivas latino-americana, norte-americana ou europeia, por exemplo? Se sim ou não, qual o motivo?

E: É uma pergunta complicada, pois embora se utilize frequentemente termos como psicologia norte-americana, psicologia latino-americana ou a Psicologia que se faz na Europa (eu mesmo usei estes termos nesta entrevista), eles são muito gerais e podem encerrar diversas realidades dependendo se se está falando de organização institucional, da atuação profissional ou da construção do conhecimento. Acredito que tua pergunta se refere a este último aspecto, especificamente a pesquisa. Me limitarei aqui a falar da pesquisa no mundo ocidental. Mesmo assim deve-se ter em conta que estas denominações se aplicam a vários aspectos das atividades de pesquisa.

Mas, inicialmente, cabe observar que em cada país, e com maior razão em cada continente, existem diferentes abordagens na pesquisa em Psicologia Social, mas é evidente que existem tendências dominantes ao lado de algumas tendências não majoritárias, embora tenham sua importância e sua influência. Veja o caso da Europa. A revista "European Journal of Social Psychology", a mais conceituada lá, expressa os padrões dominantes na Psicologia Social americana, embora existam centros de pesquisa e associações científicas importantes que trabalham em perspectivas diferentes como as Representações Sociais e a Análise do Discurso.

Penso que as denominações de psicologia latino-americana, europeia etc. podem se referir tanto à forma predominante (o estilo) de fazer pesquisa, como aos temas e resultados obtidos nas pesquisas segundo os diferentes continentes. No que se refere às formas de fazer pesquisa ou estilo, me limitarei, no que concerne ao Brasil, a falar da pesquisa só na área da psicologia social e/ou política. Penso que aqui não possuímos revistas nessa área que utilizem padrões que reflitam consensos. Mas se analisamos unicamente os trabalhos apresentados nos encontros de associações como ABRAPSO e ABPP e as monografias e dissertações realizadas nestas áreas, podemos observar a existência do que eu denominaria "o estilo brasileiro de fazer pesquisa em Psicologia Social". A meu ver, este estilo se define por um conjunto de caraterísticas. Uma característica que marca este estilo é o fato da maioria auto intitular seu trabalho como pesquisa qualitativa indicando o uso da análise de conteúdo sem explicitar claramente o procedimento utilizado. Outra caraterística, que eu já tinha percebido numa análise que fiz dos trabalhos apresentados no primeiro encontro da ANPEPP (Camino & Schliemann, 1988), é que maioria dos trabalhos cita pensadores interessantes, sim, como Marx; Derrida; Foucault, Freud, Boaventura, Habermas, Deleuze, Guattari, Baumann etc. sem fazer uma articulação precisa dessas concepções gerais ao objeto concreto de estudo e oferecendo poucas citações ou nenhuma de estudos empíricos anteriores relacionados ao tema. Embora se tenha demonizado, em boa parte da psicologia social brasileira, o uso de autores da psicologia social norte americana fugindo-se do colonialismo, a lista de citações da que falei anteriormente mostra que se usa e eu diria até que se abusa das citações de autores estrangeiros de procedência europeia. Encontram-se muito poucas citações cruzadas entre autores brasileiros.

É bem peculiar a esse estilo brasileiro de fazer psicologia social preencher, frequentemente, o espaço entre as citações gerais e o objetivo da pesquisa com conceitos tais como "atribuição de significados", "construção da subjetividade" etc. Estes conceitos indicam a adoção da perspectiva de uma Psicologia Social Psicológica. Na medida em que não se explicitam os processos subjacentes à "atribuição de significados" nem a "construção da subjetividade" nem se relacionam estes conceitos a situações sociopolíticas específicas, os resultados achados se reduzem a um conjunto de opiniões dos entrevistados interpretadas a partir dos valores do pesquisador. No que concerne às pesquisas na perspectiva das Representações Sociais, embora existam pesquisas muito interessantes no Brasil, uma boa parte das pesquisas inspiradas pela teoria das Representações Sociais limita-se a verificar opiniões dos entrevistados. De fato, frequentemente estas pesquisas afirmam terem como objetivo a verificação do que as pessoas pensam sem maiores questionamentos. Para finalizar, me parece que este é o problema central do que estou denominando o estilo brasileiro de fazer pesquisa social. Verificam-se opiniões de pessoas sem ter realizado um questionamento preciso do "por que" e do "para que" do objeto de estudo.

Penso que um problema sério da Psicologia Social no Brasil é situar-se exclusivamente (tanto ao nível institucional como ao nível de formação) no campo da Psicologia. Eu penso que a Psicologia Social deveria situar-se nas Ciências Sociais, como uma área própria que usa elementos da sociologia, da antropologia e da psicologia. Além da formação muito centrada nos aspectos subjetivos e com pouquíssimas aulas de ciência social, nos parece que pesa também a motivação de entrada dos candidatos da Psicologia. Assim, num estudo que realizamos há algum tempo, observamos que quase 2/3 dos alunos de psicologia considera que a Psicologia é fundamentalmente uma forma de autoconhecimento e de conhecimento dos outros a fim de poder lidar melhor consigo mesmo e com os outros. Por isso a intuição e o autoconhecimento seriam as habilidades mais importantes a adquirir no curso.

A influência da primazia dada à subjetividade me parece muito forte na Psicologia Social do Brasil. Dois casos que eu presenciei, embora anedóticos, me parecem mostrar claramente esta tendência. Num encontro internacional sobre representações sociais aqui no Brasil, uma colega afirmou que as entrevistas não deveriam se limitar a respostas de perguntas concretas, mas o pesquisador deveria deixar livre ao entrevistado que dessa maneira se chegaria à verdadeira intimidade da pessoa. Foi ovacionada por uma plateia de seguidores da teoria das Representações Sociais, teoria que versa sobre a construção social do conhecimento. Num outro congresso, uma colega abordou o racismo a partir do conceito de alteridade. A atenção do público chegou ao máximo e ao final da palestra as perguntas versavam sobre problemas no desenvolvimento das crianças e sua relação com as tendências ao racismo. Poucas vezes vi colocar com tanta ênfase (sobretudo, por parte do público) o racismo como um problema psicológico, produzido pela aceitação ou não aceitação da alteridade. Lacan que explique!

Frederico, como falei no início, se pode sim observar peculiaridades entre países e/ou continentes nos temas escolhidos para pesquisar e nos resultados obtidos pelas pesquisas. No que concerne os temas escolhidos, podemos dizer que a Psicologia Social em América Latina se caracteriza por escolher mais, como tema de estudo, problemas sociais concretos, enquanto na psicologia norte americana a ênfase é dada mais aos processos psicossociais do que aos processos psicológicos. Já no que concerne aos resultados de pesquisas sociais, as diferenças são óbvias, mas isso não quer dizer que existam psicologias diferentes, mas sim que as situações estudadas são diferentes. Por exemplo, nossos estudos sobre o racismo realizados na Paraíba dão resultados algo diferentes dos realizados por Jorge Vala em Portugal, embora ambos os estudos tenham utilizado a mesma abordagem teórica e metodológica. Nossos entrevistados paraibanos avaliam as pessoas negras com muito tato, chegando a avaliá-las mais positivamente que as pessoas brancas. Já os entrevistados portugueses, embora restrinjam o uso de adjetivos negativos em relação aos negros, avaliam mais positivamente os brancos. Estas e outras diferenças, que foram encontradas nos dois estudos, podem ser explicadas a partir dos processos históricos nos dois países. Durante a colônia a maior parte dos escravos trazidos da África foram levados ao Brasil onde se deu o complexo processo da miscigenação. Aqui se apresenta claramente a diferença entre as ciências naturais e as ciências humanas. Se os fenômenos naturais são os mesmos em todo o mundo e podem ser estudados com a mesma abordagem, não se pode dizer o mesmo dos fenômenos sociais. Embora possa haver certas características universais na abordagem científica, a necessidade de contextualizar cada fenômeno faz com que os resultados sejam diferentes, mas essas explicações particulares podem ser assumidas em esquemas mais amplos a partir de teorizações geopolíticas.

 

3ª Parte: O desenvolvimento da Psicologia Política no Brasil e o papel das associações científicas

3.1. Pergunta: Como a psicologia política começa a se tornar uma área/campo no Brasil?

E: Como já te falei anteriormente, durante o pós-doutorado que realizei em Lovaina de 1977 a 1979 fui amadurecendo ideias para, no meu retorno ao Brasil, desenvolver pesquisas sobre movimentos sociais. De fato, nos últimos anos de 1970 o Brasil via o despertar dos movimentos populares, o que abria a oportunidade não só de estudá-los, mas também de participar ativamente neles. Assim, na minha volta, com alguns colegas da UFPB15, organizamos uma pequena equipe para colaborar no recém fundado CENTRU onde como educadores pensávamos desenvolver alguma forma de pesquisa-ação. A esse grupo se juntaram alunos da UFPB com os quais começamos a estudar principalmente as greves que estavam acontecendo na Paraíba. Mas, embora fizéssemos pesquisas, a ênfase nesse período estava na inserção nos movimentos populares. Quase nada publicamos e não participamos de muitos encontros científicos. Por isso tinha pouco contato com os trabalhos de colegas de outras instituições.

Nesse período, na medida em que os programas de pós-graduação foram se desenvolvendo, iniciou-se um maior contato entre os diferentes cursos, principalmente após julho 1983 com a criação da "Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Psicologia" (ANPEPP). Em 1988, no I Simpósio da ANPEPP, com relativamente poucos participantes (38 professores de Pós-graduação) as apresentações de cada um foram feitas tendo como público todos os participantes. Eu ainda me lembro de que no título da apresentação fiz uma referência a minha perspectiva marxista (Camino, 1988). Minha apresentação (que criou atritos com o professor Aroldo Rodrigues, presente no encontro) e a do professor Pedrinho Guareschi foram as únicas a tocar problemas políticos. Já para o segundo encontro da ANPEPP, em 1989, onde as participações se fariam em grupos de trabalho, fiquei encarregado de organizar um grupo cujo tema seria precisamente "Psicologia dos Movimentos Sociais16". Na leitura do relatório das atividades de nosso grupo, na sessão final plenária, com os participantes de todos os outros grupos assistindo, anunciamos em forma de brincadeira (ou de provocação) que a Psicologia Política tinha vindo para ficar!

A partir de 1988, com as primeiras eleições diretas pós-ditadura militar num ambiente de democracia formal, o interesse pelos estudos políticos aumentou. De fato, em 1989, um mês após as eleições ganhas por Collor, se realizou em Florianópolis o I Seminário Nacional sobre o Comportamento Político, organizado peloLaboratório de Estudos do Comportamento Político da UFSC, coordenado pela professora Louise Lhullier e pelo professor Paulo Krischke. O Seminário era essencialmente interdisciplinar e, portanto, era dirigido não só a psicólogos, mas a sociólogos, cientistas políticos, historiadores etc. Além de professores universitários, participaram representantes da DataFolha e do IBOPE. Como era de se esperar, por todo o acontecido na campanha das eleições de 1988, o foco do debate situou-se nos problemas éticos do marketing político e das pesquisas eleitorais.

Anos depois, organizado pelo mesmo laboratório de Estudos do Comportamento Político, se realizou o II Seminário Nacional de Comportamento Político em 1995. Deste seminário sairia um livro (Lhullier, Camino, & Sandoval, 1997), que teve uma certa divulgação. Neste encontro consegui levar, graças à ajuda da UFPB, toda a equipe de jovens pesquisadores do GPCP, em torno de 16 alunos da graduação e da pós-graduação. Mas certamente a Psicologia Política continuava a despertar pouco interesse no conjunto dos cursos de psicologia das universidades brasileiras.

Acho que a partir desse segundo encontro iniciou-se um projeto de pesquisa sobre Valores e Democracia, projeto onde participavam junto comigo a professora Louise Lhullier (UFSC) e o professor Salvador Sandoval (PUC/SP). A ideia da pesquisa era bastante interessante (relacionar a aderência a valores pós-materialistas com atitudes democráticas) e os resultados foram publicados em 2001 (Pereira, Camino, Da Costa, Lima, Lhullier, & Sandoval, 2001; Pereira, Lima, & Camino, 2001). Mas lamentavelmente esta ideia não teve continuidade. De fato, foi a primeira e única pesquisa em Psicologia Política realizada com a cooperação de várias instituições universitárias do Brasil na qual eu participei.

Ao mesmo tempo em que tivemos este breve, mas muito rico contato interdisciplinar, graças à iniciativa da UFSC, continuávamos no âmbito da Psicologia a participar do Grupo de trabalho da ANPEPP, que até o V Simpósio da ANPEPP mantivera o nome de Movimentos Sociais. Já a partir do VI Simpósio (1996), o GT se converteria num grupo de trabalho em Psicologia Política e nesse encontro abordaria principalmente os aspectos referentes à socialização política (Camino & Menandro, 1996). A partir do VII Simpósio da ANPEPP os participantes deste grupo de trabalho decidem ampliar o debate, pensando-se na criação de uma Associação Brasileira de Psicologia Política (ABPP), que se formalizou no ano 2000. Os interessados em participar dessa nova Associação eram em sua maioria abrapsianos e boa parte ex-alunos da PUC/SP, principalmente do professor Sandoval. Alguns poucos vinham de Minas Gerais e da Paraíba. Lembro-me que o fato de eu estar nesse período em São Paulo como professor visitante da PUC/SP facilitou a minha participação na criação da ABPP. Mas, como tínhamos combinado, todo o trabalho administrativo e de editoração da revista ficou nas mãos dos professores Salvador Sandoval e Marco Aurélio Prado. Em 2001 seria publicado o 1º número da Revista Psicologia Política, na qual, enquanto presidente da ABPP, escrevi um prefácio saudando aos nossos primeiros leitores (Camino, 2001). Vendo agora em perspectiva, me parece que desde essa data o interesse pela Psicologia Política vem se difundido cada vez mais e novos temas vêm se acrescentando como os estudos sobre políticas pública, gênero, processos de exclusão social etc.

3.2. Pergunta: Compreendendo que você foi um dos fundadores da ABRAPSO, construída em 1980, e que muitos dos participantes do GT da ANPEPP participavam da ABRAPSO, o que os levou a constituir a ABPP? Como foi a relação com a ABRAPSO no momento de constituição da ABPP? Fale um pouco sobre sua experiência na ABPP, considerando as relações entre os pesquisadores, temas de investigação, metodologias, concepções de psicologia política. Mais recentemente, você, já tendo sido fundador da ABRAPSO e da ABPP, tornou-se fundador da Associação para o Desenvolvimento da Psicologia Social (ADEPS). Que continuidades e descontinuidades podemos considerar entre estas três associações das quais você é fundador?

E: Caro Frederico, tua pergunta faz parecer que fui o fundador de várias associações diferentes de Psicologia no Brasil, o que levantaria duas questões: tive, de fato, essa participação toda? Em que sentido isso indicaria uma descontinuidade nos meus interesses profissionais?

A primeira coisa que se deve ter em conta é que as associações de psicologia no Brasil começaram a se desenvolver no início dos anos 1970, precisamente no período da minha primeira chegada aqui. Assim, me parece que a Associação de Psicologia de Ribeirão Preto/SP começou a ser criada em 1971. Em 1973 instalou-se em Brasília o primeiro Conselho Federal de Psicologia, cuja estrutura e funções foram regulamentadas por lei em 1977. Nesse período não tive o menor contato com nenhuma dessas duas instituições, vivíamos para dar aulas. Quando voltei em 1974 e tive que assumir a coordenação do Mestrado em Psicologia da UFPB, por decisão do Diretor do Centro, participei na CAPES de algumas reuniões com professores de outros cursos de pós graduação. Numa caraterística muito peculiar do Brasil, os cursos de pós graduação se desenvolvem com uma relativa margem de independência de instituições como Departamento e Centro. O contato com a CAPES era através das Reitorias de Pós graduação sem passar pelos Departamentos ou Centros. Esta situação levará aos coordenadores da pós-graduação a procurarem se organizar para dialogarem em conjunto com a CAPES. De fato, em 1983 será criada a Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Psicologia (ANPEPP), associação que tem como sócios não os pesquisadores individualmente, mas os programas de pós-graduação em psicologia. Meu programa de pós-graduação da UFPB participa desde o início. E como já comentei antes, fiz parte do pequeno grupo que desde o início foi introduzindo aos poucos temas da Psicologia Política no campo da ANPEPP.

Em relação à ABRAPSO minha situação é bastante diferente. Pouco tempo depois da minha terceira e definitiva volta ao Brasil, participei em julho de 1980 da 32ª Reunião da Sociedade Brasileira para o progresso da Ciência (SBPC) na PUC/SP. Tinha me inscrito numa sessão de comunicação para apresentar os resultados das minhas primeiras pesquisas sobre as greves dos professores universitários. Nos últimos encontros da SBPC, os cientistas brasileiros tinham manifestado cada vez mais sua oposição à ditadura militar. O governo, em represália, deixou de cooperar financeiramente com o evento em 1980. Como manifestação de sua independência política, a PUC de São Paulo, cujo reitor honorífico era Dom Paulo Arns, arcou com o encontro. Nesse ambiente de oposição vi um anúncio convocando a um encontro de Psicologia Social. Eu estava curioso por conhecer mais psicólogos sociais do Brasil, pois devo confessar que nessa época conhecia poucos. Foi nesse encontro que se fundou a ABRAPSO e, ao participar dessa reunião e assinar o documento, me converti em sócio fundador. Cheguei, sem sabê-lo, na hora certa, no local certo. Mas não tive nenhuma participação ativa na criação dessa associação. Soube depois que em alguns estados, como Minas Gerais, Paraná, São Paulo, já se vinha pensando na criação de uma associação de psicólogos sociais e que a ideia da criação da Associação de Psicologia Social surgiu em novembro de 1979, no I Encontro Brasileiro de Psicologia Social, realizado em São Paulo. De fato, nesse primeiro momento, eu era um desconhecido para esse grupo de psicólogos. O núcleo da Paraíba seria coordenado por dois professores de nosso mestrado em Psicologia Comunitária: Genaro Neto e Rosa Nader. Não tive participação na ABRAPSO nos seus primeiros anos. Minha participação mais ativa na ABRAPSO começou a se dar no IV Encontro Nacional em Vitória/ES (1988), que contou com a participação de delegações de quase todos os estados brasileiros. Nesse encontro fui convidado a dar um curso de Psicologia Marxista e, partir desse encontro, fiz parte de um grupo de psicólogos (Silvia Lane, Wanderley Codo e outros que não lembro) encarregados de organizar cursos de psicologia marxista por todo o Brasil. Um ou dois anos depois, junto com as colegas Fátima Santos e Aída Novelino, da UFPE, Ana Raquel Rosas Torres, da UFPB/JP, e Ângela Arruda, da UFPB/CG, organizamos o V Encontro Nacional da ABRAPSO. Naquela época não existia a terceirização de hoje. Tudo era feito amadoristicamente (no meu apartamento, por exemplo, se alojaram acho que sete colegas e na casa dos pais de Ana Raquel, quatro colegas). Mas tudo correspondia ao espírito de movimento em que tinha sido fundada a ABRAPSO. Se de 1988 a 1990 tive na ABRAPSO alguma participação ativa, embora colateral, antes e depois nunca participei de sua administração. Não cheguei a ser nem coordenador do Núcleo da Paraíba. Meu contato com a ABRAPSO se limitou, na prática, a algumas publicações na Revista Psicologia & Sociedade e a participação em congressos. Entretanto, sempre me mantive afetivamente ligado ao projeto da ABRAPSO de construir uma Psicologia Social voltada aos interesses populares. Nesse sentido continuo sendo abrapsiano.

Caro Frederico, no que concerne a ABPP, participei sim desde o início, mas pelos fatos de eu morar longe do centro de decisões do Brasil e de não ter vocação nem capacidade nenhuma para administrar nada (nos meus 50 anos de vida universitária no Brasil só ocupei cargos de coordenação de curso por necessidade, nunca chefiei nada. De fato, nem síndico tenho sido!), não participei ativamente do seu funcionamento. Por isso, à tua pergunta sobre como foi a relação com a ABRAPSO no momento de constituição da ABPP, só posso responder o que o professor Marco Aurélio Prado me comentou. A saber que tinha havido alguma reclamação no sentido que a criação da ABPP poderia trazer um enfraquecimento da ABRAPSO, um dissociar forças. Eu não ouvi pessoalmente essa reclamação, pois nunca participei dos diversos fóruns que existem da Psicologia, mas penso que ela representa bem o espírito da ABRAPSO, que, na maneira que eu tenho de entender as coisas, mais que uma associação científica de psicólogos sociais, pretende ser uma congregação de psicólogos e não psicólogos que tratam com o social nos seus aspectos digamos subjetivos e que procuram desenvolver uma psicologia destinada aos setores populares. Como falei antes, a criação da ABRAPSO (no início do ressurgimento dos movimentos sociais) foi muito mais que oportuna, foi necessária. Principalmente se se analisa o ambiente marcado pelo espírito clínico, em que se estava desenvolvendo profissionalmente a psicologia naquele período no Brasil.

Mas o tipo de estrutura organizacional com a que nasceu a ABRAPSO a leva mais a expandir-se e procurar o consenso, do que a garantir um debate preciso sobre os fundamentos científicos da psicologia social. De fato, após um tempo, começou a sentir-se a necessidade desse tipo de debate, mesmo entre simpatizantes da ABRAPSO, como é meu caso. De fato, vários colegas se reuniam em grupos específicos, seja na ANPEPP, seja de outra forma, como por exemplo os colegas que trabalhavam a teoria das Representações Sociais, para debater especificamente problemas de sua área. Para responder a esta necessidade, de um debate mais específico, criou-se na ANPPEP, em 2006, um grupo de trabalho sobre a Psicologia Social a fim de se debater especificamente os problemas de Psicologia Social. Fui consultado, concordei e participei nos dois ou três primeiros encontros. A coordenadora deste grupo foi a professora Ana Raquel Torres.

Eu junto com outros colegas, estávamos precisando manter um debate que se enquadrasse dentro de certos parâmetros da produção científica, ou melhor dito, um certo estilo de fazer ciência. Mas Frederico, gostaria de explicitar melhor como foi se constituindo o background dessa iniciativa de constituir um grupo na ANPEPP sobre Psicologia Social. Primeiramente, finais dos anos 1990, o GPCP da Paraíba iniciou uma parceria com o professor Jorge Vala, do Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE), professor visitante da UFPB, sobre o tema de racismo. Nossas primeiras publicações sobre o racismo foram feitas a partir dos trabalhos do professor Vala ajustando-os à nossa realidade. Neste período, quatro ex-alunos meus17 foram a Lisboa para realizar seus doutorados no ICSTE nos temas do preconceito racial e da homofobia. Participei de vários seminários lá no ICSTE e fui membro das bancas de doutorado de meus quatro ex-alunos. No debate levado a cabo nos seminários, embora houvesse uma clara diferença entre minha concepção do racismo e a de meus colegas do ICSTE, constatou-se que era possível avançar bastante. Aliás, pelo que conversei recentemente com o professor Jorge, atualmente as diferenças são mínimas. Por outro lado, nos anos 2000 tive também a oportunidade de conhecer os professores José Luís Álvaro Estramiana e Alicia Garrido da Faculdade de Ciências Políticas da Universidade Complutense de Madrid (UCM) 18, com os quais tive o prazer de trocar ideias sobre as origens e os fundamentos da Psicologia Social na ocasião em que eles estavam escrevendo seu texto já clássico sobre Psicologia Social (Álvaro & Garrido, 2003). Nesse intercâmbio de ideias, constatamos que nos situávamos numa mesma perspectiva teórica, no que se refere à Psicologia Social.

De fato, no GT Psicologia Social na ANPEPP de 2006 participariam os três professores estrangeiros acima mencionados e muitos de meus ex-alunos de graduação e mestrado que tinham feito seus doutorados na Inglaterra, em Portugal e na Espanha e eram professores em várias universidades do Nordeste e do Centro-Oeste. Todas estas circunstâncias permitiram que houvesse um linguajar científico, comum a todos, apesar de existirem diferenças teóricas. Parece-me importante assinalar que as atividades deste GT de Psicologia Social da ANPEPP tiveram alguns desenvolvimentos. Primeiramente surgiu a ideia de realizar um manual em Psicologia Social, onde estivessem representadas as diversas perspectivas que compõem a Psicologia Social. Este manual foi um êxito e se está preparando já a terceira edição (Camino, Torres, Lima, & Pereira, 2013). Em segundo lugar se desenvolveram, no interior do GT Psicologia Social, várias pesquisas sobre temas diversos, como por exemplo, Identidade Nacional, Racismo, Perfil dos psicólogos sociais da América Latina, entre outros. Finalmente, nesse grupo foi se desenvolvendo a ideia de criar uma associação de Psicologia Social onde se pudesse manter esse tipo de debates sobre Psicologia Social. A esse grupo de professores vieram se unir colegas que trabalhavam em temas próprios da Psicologia Social europeia como: Representações Sociais, Identidade Social e Relações Intergrupais, Psicologia Societal, Análise do Discurso etc. Em 2010, organizou-se na UFPB o I Simpósio Internacional de Psicologia Social como parte das atividades relacionadas à cerimônia na qual recebi o título de professor emérito e que marcou minha aposentadoria compulsória. No final desse evento, um grupo de professores avaliou que o encontro constituiu uma oportunidade muito rica de intercâmbio, o que facilitou a interlocução entre psicólogos sociais das mais diversas vertentes. Dois anos depois, organizou-se o II Simpósio, que ocorreu em Brasília e foi aí que se decidiu formar uma associação que reunisse psicólogos sociais interessados em debater esse campo de saber, respeitando às mais diferentes abordagens. Dois anos depois, em 2014, realizou-se o III Simpósio, em Aracaju, onde foi formalmente fundada a Associação para o Desenvolvimento da Psicologia Social (ADEPS). Este ano, será realizado o VI Simpósio em Vitória (ES).

No que concerne a ADEPS, embora não tenha feito parte do grupo de colegas que participou da elaboração do estatuto e assumiu as tarefas administrativas de sua fundação, fui sim um entusiasta da ideia da criação de essa associação, pois nos últimos anos tinha percebido e sentido a necessidade de estabelecer debates científicos com colegas que tivessem um quadro de referência teórico e metodológico mais ou menos parecido com o meu.

Caro Frederico, me antecipo a uma possível pergunta sua, nos termos de: Como foi a relação com a ABRAPSO no momento da constituição da ADEPS? A verdade é que não ouvi comentários nem direta, nem indiretamente. Não sei, portanto, se houve ou não algum comentário por parte da ABRAPSO. Mas o que gostaria de deixar bem claro a meus colegas abrapsianos é que a grande maioria dos colegas da ADEPS têm o mesmo objetivo que levou à construção da ABRAPSO, construir uma psicologia visando à justiça social e a extinção das desigualdades em nossa sociedade. Os colegas da ABRAPSO podem estar seguros que em essas lutas que estão por vir no conturbado quadro político atual, terão a seu lado os companheiros da ADEPS.

 

4ª Parte: Pesquisa em Psicologia Política hoje

4.1. Pergunta: Você pesquisou os movimentos sociais nos anos 1980. Qual o papel dos movimentos sociais nas transformações sociais hoje? Quando falamos de movimentos sociais do que estamos falando exatamente? Você ainda considera o conceito de movimentos sociais útil? Ele dá conta das inovações no campo das ações coletivas e protestos políticos após junho de 2013 no Brasil e fenômenos análogos que emergiram em diversos países na atualidade (por exemplo, primavera árabe)?

E: Começarei respondendo a tua pergunta: quando falamos de movimentos sociais do que estamos falando, exatamente? Penso sim que atualmente existe no que denominamos de Movimentos Sociais várias confusões. Uma delas bastante frequente é confundir os movimentos sociais com os movimentos populares. Assim foi nos anos 1980 no que se denominou de Novos Movimentos, por exemplo. Mas nem todos os movimentos defendem causas populares. De fato, naquele mesmo período os latifundiários e o agronegócio criavam a União Democrática Ruralista (UDR), um forte movimento social que objetivava impedir a implantação de qualquer projeto de Reforma Agrária, bandeira do Movimento dos sem Terra (MST). Existe também uma confusão entre Movimentos Sociais (que por enquanto definiremos como organizações relativamente estáveis em torno de uma ou várias reivindicações) e ações coletivas (como manifestações de rua, quebra-quebra, bloqueios de estrada, greves etc.). Pensa-se geralmente que as ações coletivas são organizadas pelos movimentos sociais. Provavelmente antes esta relação era mais geral, mas, certamente, há um bom tempo que essa não é necessariamente a regra.

Frederico, certamente o conceito de movimentos sociais tem mudado bastante. Assim, das primeiras concepções da Psicologia das Massas (finais do século XIX), onde os movimentos seriam produtos do contágio e da sugestionabilidade, os quais suspenderiam os controles sociais das massas levando-as a agirem de modo violento, passando pelas visões funcionalistas dos anos 1940 - 1960, chegamos hoje a uma certa visão dos movimentos sociais enquadrada nos conceitos de identidade social e de relações intergrupais, onde grupos minoritários, movidos pelo sentimento de injustiça, iniciam ações coletivas contra grupos maioritários e/ou Estado. A presunção básica dessa concepção é de que os movimentos são unidades (coletivos identitários) unidirecionais (relativa unidade de objetivos) produtoras de mudanças sociais. Esta concepção fundamental tem guiado a maioria das pesquisas em ciências sociais durante as últimas décadas. Mas penso que os dois primeiros pressupostos dessa concepção clássica não se encaixam nos fenômenos de rua que estamos presenciando atualmente.

A primeira vez que eu vi este tipo de movimento foi no 15 de maio de 2011 em Madrid, quando uma passeata ao meio dia na Gran Via, organizada pelos sindicatos espanhóis contra os ajustes laboristas feitos para conter a crise financeira de 2008, terminou nesta noite com uma tentativa, dissolvida pela polícia, de acampar na Puerta del Sol (ocupação que teria sucesso a partir do dia 17). De fato, pude observar nesse dia19 uma mudança tanto das pessoas como das palavras de ordem. Se no início a passeata coordenada pelos sindicalistas tinha como inimigos os banqueiros, culpados pela crise imobiliária de 2008, posteriormente, no final da tarde, com a adesão de jovens e desempregados serão os partidos e as instituições políticas os inimigos a vencer.

No que concerne ao Brasil, todos nós sabemos as transformações sofridas pelas manifestações iniciadas em junho de 2013. Da luta pela catraca livre ao impeachment de Dilma. Mas esta diversidade de interesses parece bastante generalizada no mundo inteiro. Por exemplo, o movimento dos gilets jaunes (coletes amarelos) reuniu de maneira espontânea (sem serem convocados por uma organização prévia) nas ruas de Paris, em novembro de 2018, em torno de 300 mil pessoas para protestar contra o aumento da gasolina. Por trás destas manifestações tinha pelo menos duas motivações diferentes. Os cidadãos comuns que protestavam simplesmente pelo aumento da gasolina e dos equipamentos de segurança obrigatórios (os coletes amarelos) e os ambientalistas que protestavam pela justificativa dada (transição para uma alternativa menos poluente), pois não incluía políticas públicas que incentivassem a mudança.

A diversidade de motivações aparece também numa reportagem recente da Folha de São Paulo (20/02/2020) sobre uma manifestação em Richmond (Virginia) onde milhares de pessoas armadas protestavam contra leis que restringem o uso de armas. O curioso é que os jornalistas observaram que ao lado da bandeira amarela do movimento de extrema direita Tea Party, havia também pessoas com cartazes de "o direito às armas é um direito dos transexuais", e outras que carregavam placas dizendo "quero que casais gays protejam suas plantações de maconha com armas".

Como falei no último encontro da ABPP, precisa-se utilizar as diversas abordagens existentes em áreas diferentes (sociologia, antropologia, ciências políticas, psicologia etc.) para poder entender a complexidade destes movimentos. Sobretudo, precisamos questionar as concepções tradicionais que temos sobre os movimentos sociais. Acho que não dá mais para ter uma visão unidirecional dos movimentos sociais. Como comentei anteriormente, são os próprios fatos que nos levam a questionar nossas ideias iniciais. Como explicar estas caraterísticas atuais? Recorre-se a comunicação nas redes sociais. É verdade que a comunicação digital, por um lado, concentra rapidamente pessoas através de informações e, por outro lado, com sua linguagem concisa e emotiva, radicaliza as posições. Mas para isto acontecer devemos supor que no mundo atual, com um número enorme de formas de relações de produção, as estruturas sociais têm mudado, diversificando-se enormemente, e os interesses econômicos são muito variados. Mas nada impede pensar que essas diversas formas de frustração (produzida em setores sociais diferentes) podem se coordenar numa mesma forma de protesto. A meu ver, ao lado de processos identitários, o contágio emocional desempenha um papel importante nos atuais movimentos. Mas não se trata de emoções individuais que se congregariam através de processos de socialização, como é proposto no livro clássico "A Personalidade Autoritária" (Adorno, Frenkel-Brunswick, Levinson, & Sanford, 1950), fundamentada na concepção freudiana de grupo (Freud, 1921/1996). Penso mais na perspectiva de Tarde (1890). Seria a própria manifestação, que atualmente se inicia na convocação digital, que criaria sua própria energia ou dinâmica social.

4.2. Pergunta: Que contribuições a psicologia política poderia dar ao pensamento democrático no contexto de emergência de populismos de direita no Brasil e em outros países, fundamentados em valores conservadores no campo da moral, autoritários no campo político, neoliberais no campo econômico? Como você enunciaria uma agenda de pesquisa para a psicologia política hoje? Quais os temas principais, conceitos, questões que não podem ser ignoradas?

E: Frederico, penso que se classicamente a política tratava do poder, das relações do poder e dos conflitos que envolviam o poder, hoje no mundo ocidental contemporâneo tentamos pensar as relações do poder no quadro da democracia. Portanto me parece fundamental colocar a democracia no centro da análise política. Concordo com você que a democracia pode ser analisada a vários níveis: política; valores e economia. No que se refere ao nível da política, penso que o populismo, enquanto uma categoria política e independentemente de ser de direita ou de esquerda, é uma ameaça à democracia. Falo de categoria política, pois o populismo é usado na arena política como um adjetivo (des)qualificativo. Não se deve confundir um líder popular com a forma populista de construir a relação entre líder e população. É evidente que o populismo de direita salta mais à vista na medida em que líderes evidentemente não populares como Jânio Quadros, Collor e Bolsonaro, aproveitando conjunturas de crise criaram uma relação populista com a população. Acho que aqui se abre um bom campo de pesquisa: o que leva a setores da população a aderir ao populismo de direita?

No que se refere aos valores devemos diferenciar os problemas que colocam o conservadorismo moral dos problemas colocados pela meritocracia liberal. Por um lado, o conservadorismo moral realiza hoje fortes ataques à concepção do estado laico, uma das pedras fundamentais da democracia. O fundamentalismo seja qual for (cristão, judaico ou islâmico) precisa ser pesquisado. Não basta se opor a políticas como a "Escola sem Partido", mas precisamos entender a veemência com que estas ideias são defendidas. Por outro lado, penso que a democracia exige um equilíbrio entre a meritocracia e a igualdade. A pura meritocracia, que leva a diferenças sociais injustas, constitui certamente uma ameaça à democracia. Por outro lado, a igualdade forçada tem se mostrado historicamente incapaz de sustentar uma democracia. Pensamos que é no equilíbrio entre as ambições pessoais e a justiça social que se sustentaria a democracia. Nossos estudos sobre valores (Pereira, Camino, Da Costa, Lima, Lhullier, & Sandoval, 2001; Pereira, Lima, & Camino, 2001) mostram que o que se denomina de sistema de valores pós-modernos é constituído pela integração de valores pessoais como ambição profissional, individualismo e trabalho com valores sociais como justiça social, liberdade e igualdade. Os valores pós modernos se relacionariam com maior participação política e maior apreço pela democracia. Mas porque de fato não funciona?

O que quebra este equilíbrio é precisamente o neoliberalismo, que se situa aparentemente no nível econômico, pretendendo ser uma premissa científica, mas que de fato é uma crença puramente ideológica que surgiu com a origem do capitalismo e que justificou o capitalismo selvagem do século XIX, capitalismo que levou a industrialização e a riqueza de vários países ocidentais nas costas do operariado e dos países colonizados. Crença que levou também à grande crise econômica do início de século XX e às guerras mundiais. De fato, serão políticas como o New Deal nos EUA e a social democracia na Europa que produzirão no mundo ocidental nos anos 1960 e 1970 uma certa bonança econômica que terá fim, lamentavelmente, a partir de Madame Thatcher, Primeira-Ministra da Inglaterra de 1979 a 1990 (Jenkins, 1991). Crença horripilante que como a Hidra de Lerna, mesmo que se lhe corte a cabeça usando a simples observação histórica (fracassos da Thatcher na Inglaterra; do neoliberalismo na economia chilena; das políticas neoliberais de Collor e do FHC etc. etc.) ou com a ajuda de estatísticas científicas (Piketty, 2014) ela volta sempre a crescer. É um fato que o neoliberalismo favorece a certos setores econômicos (principalmente o setor financeiro), mas de onde lhe vem a força para convencer democraticamente toda uma classe média que de fato tem sofrido com esta política econômica e ultimamente vem se desencantando da democracia como mostrado pelo cientista político francês Dominique Reynié (Neves, 2019)? Certamente temos aqui outro vasto campo de pesquisa.

4.3. Pergunta: Como você avaliaria hoje suas contribuições para o campo da Psicologia Política brasileira?

E: Caro Frederico, devo te confessar que se trata de uma pergunta complicada por dois motivos. Primeiro o que significa avaliar a contribuição de um pesquisador? Acho que se deve diferenciar entre a real contribuição de um pesquisador na construção do conhecimento científico na sua área e o (re)conhecimento ou a fama de um pesquisador no meio acadêmico - científico. Pense-se, por exemplo, no caso das professoras Terezinha Nunes e Ana Lúcia Schliemann da UFPE. O livro delas de 1988, "Na vida dez, na escola zero" 20, foi certamente um grande marco no desenvolvimento da Psicologia Escolar e da Psicologia do conhecimento no Brasil. Mas duvido que fora de Pernambuco essas duas professoras sejam conhecidas. Por outro lado, existem vários psicólogos bastante conhecidos no Brasil cuja contribuição à ciência seria no mínimo discutível. O segundo problema para responder a tua pergunta é que neste caso seria o próprio pesquisador (ou seja, eu!) quem deve avaliar seu trabalho. Trata-se de algo muito subjetivo. Eu deixo para os outros fazerem isso. O que eu posso falar é das satisfações e insatisfações que eu tenho tido durante a minha trajetória profissional.

A maior satisfação, e talvez a única, é de ser considerado pelos meus ex-alunos como um bom educador. Para mim, educar não é ensinar (acho que fui um professor só razoável), mas abrir horizontes; despertar motivações e fixar alguns princípios básicos. Foi o que me ensinaram meus dois grandes mestres, o professor Caffarena de Madrid e o professor Montpellier de Lovaina. E eu acho que tentei sempre fazer isso. Penso que tive algum resultado. Recentemente, numa charla (café) com jovens pesquisadores no último encontro da Sociedade Brasileira de Psicologia (SBP), em João Pessoa, vários de meus ex-alunos presentes na charla comentaram que o que mais lhes tinha marcado era minha insistência de ir primeiro ao tema, estudá-lo no campo se possível, antes de fazer recurso às teorias. Fiquei bastante feliz em saber que lhes tinha transmitido um estilo, uma maneira de fazer pesquisa. Penso que esse estilo certamente não é o único, nem é necessariamente o melhor, mas é sim um estilo que tem dado alguns resultados, embora seja discutível e deve estar sempre sendo revisado e adaptado.

As insatisfações, essas sim têm sido várias: algumas comigo mesmo e outras com o meio onde me desenvolvi profissionalmente. Analisando minha trajetória como pesquisador no Brasil, desde 1980 até estes dias, se, por um lado, me sinto satisfeito de ter tido um certo faro em relação aos temas que surgiam a partir da conjuntura sociopolítica, por outro lado, sinto que me tem faltado constância e tenacidade para ter levado certos temas mais à frente. Vejo, por exemplo, que os meus estudos sobre comportamento eleitoral e principalmente sobre o racismo foram precursores e deram resultados bastante interessantes, mas também abriram interrogações importantes que eu lamentavelmente não continuei a pesquisar. Me pergunto por que aconteceu isto. Em parte, penso que foi por minha tendência de procurar abordar os temas que a conjuntura do momento colocava. Penso que nestes temas conjunturais minha curiosidade me guiava inicialmente, mas depois aos poucos ia se apagando, até que surgia um novo tema. Mas esta descontinuidade nos projetos também tem a ver com a forma em que os grupos de pesquisa se constituíam. Assim, nos anos 1990, havia alunos que entravam no grupo desde o 1º ou 2º ano de graduação graças às bolsas de Iniciação Científica e posteriormente faziam pós-graduação no mesmo grupo. Este tipo de aluno participava facilmente da construção de projetos coletivos que tinham uma certa continuidade. Mas, após o ano 2000, quando não tinha alunos IC e trabalhava só no doutorado recém criado, eram alunos de pós-graduação que traziam já suas próprias ideias e que ficavam pouco tempo no grupo de pesquisa. Nessa situação era mais difícil elaborar projetos que tivessem continuidade.

Hoje também é motivo de insatisfação pessoal o fato de não ter encontrado uma abordagem metodológica adequada ao estudo dos fenômenos sociais. Quem acompanha minha produção poderá observar que fui mudando bastante na abordagem metodológica. Assim fui do método experimental, usado no início da minha formação (anos 1960 e 1970), a análise do discurso, usada nos meus últimos estudos, passando pelo uso de questionários fechados e/ou entrevistas mais ou menos abertas. Mas sempre me encontrei com a dificuldade de articular as crenças e valores sociais, que precedem ao individual, com os processos de socialização que constroem o individual na apropriação e/ou na mudança desses valores e crenças durante os conflitos sociais. É como querer abarcar ao mesmo tempo fenômenos de natureza diferentes. Acho que esse é o grande desafio da articulação psicossociológica. Na verdade, eu só fiquei dando voltas ao problema. Acho que o ideal teria sido construiruma equipe verdadeiramente interdisciplinar. Não penso nessa interdisciplinaridade que adota esquemas de outras disciplinas negando a sua. Não é isso. Para mim a interdisciplinaridade consiste em dialogar desde tua própria área, no meu caso a Psicologia Social, com as outras áreas. Isto exige conhecer profundamente tua própria área e ter conhecimentos sólidos sobre as outras áreas: sociologia, antropologia, ciências políticas, história, economia etc. A ideia dos encontros de Florianópolis, dos quais já falei, era precisamente essa. Lamentavelmente não teve continuidade. A interdisciplinaridade é bastante difícil no espírito fechado e burocrático de nossas instituições universitárias. A meu ver a Psicologia Social deveria fazer parte das ciências sociais e não da psicologia, dessa maneira ficaria facilitado o trabalho interdisciplinar. Assim também se fugiria mais facilmente ao problema da psicologização, problema que acredito já ter mencionado e que considero bastante sério no desenvolvimento da Psicologia Social do Brasil.

Certamente me preocupo e muito com o avanço da burocratização na vida acadêmica. Não me refiro à burocratização administrativa com formulários que nunca acabam e que mudam constantemente, embora a deteste, mas às sequelas que as tentativas de uniformização burocrática deixam no trabalho científico. Assim o objetivo fundamental da publicação científica seria trazer ao debate da comunidade científica dados, teorias e/ou reflexões novas. Se estabeleceria assim a intersubjetividade, processo que Popper (1972b) coloca como essencial na construção da ciência. Mas hoje, lamentavelmente, o objetivo principal para publicar parece ser manter uma avaliação elevada dos programas de pós-graduação e enriquecer os Lattes dos alunos a fim de que possam obter sucesso nos futuros concursos. Quando se fala de burocratização acadêmica frequentemente se culpa ao MEC, a CAPES, ao CNPQ, as reitorias etc. Mas somos nós mesmos nos colegiados, nas comissões da CAPES e do CNPQ que estamos construindo essa enorme burocracia. Penso que em geral se acredita que especificando minuciosamente e, se possível, quantificando os critérios de avaliação esta será mais impessoal e por tanto mais justa. Desta maneira se termina sendo justo só com um certo estilo de produção científica, que não é certamente o único nem o mais interessante. É irônico pensar que os criadores de teorias como a Psicologia do Senso Comum, a Teoria da Atribuição e o Interacionismo Simbólico que revolucionaram a Psicologia Social, Fritz Heider (1958) e George Mead (1934), provavelmente não seriam credenciados hoje em nenhum programa de pós-graduação e certamente não receberiam bolsa de produtividade do CNPQ, devido a sua pequena produção científica. Faz pensar!

 

Referências

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Recebido em: 01/09/2019
Aprovado em: 20/03/2020

 

 

1 Após a morte de Franco em 1975 e a legalização do PC espanhol, voltei em 1978 a Espanha e procurei em Torres da Alameda ao pároco Inocêncio Dias com quem trabalhei de 1965 - 1966. Curiosamente ninguém se lembrava dele. As sequelas da guerra civil e da ditadura franquista deixaram marcas profundas na Espanha.
2 Vale a pena esclarecer que Paris fica a 2h30 de Lovaina de trem e os encontros eram quinzenais e se realizavam geralmente os sábados.
3 Berkowitz do ponto de vista teórico era um behaviorista. Mas sua visão social era muito aberta. Criticava fortemente todo o sistema de rádio, TV e cinema dos Estados Unidos, o que lhe obrigava a fazer pesquisas fora, e principalmente fazia oposição a indústria armamentista. Foi ele que cunhou a frase: "Não é o dedo que puxa o gatilho, mas o gatilho que puxa o dedo".
4 De 1968 até 1970 trabalhei, como auxiliar de ensino no Centro Psico - Médico Social e de 1972 a 1974 fui assistente do Laboratório de Psicologia Social, ambos da Universidade de Lovaina.
5 Obras de Mario Vargas Llosa (Conversación en la Catedral; La tía Julia y el Escribidor) y de Alfredo Bryce Echenique (La vida exagerada de Martin Romaña), escritores peruanos de minha geração, tratam muito bem dessa crise geracional que se deu no final dos anos 50. Alfredo foi companheiro do colégio e juntos viajamos a Europa no barco Marco Polo.
6 Desse período ficaram gravadas na minha memória as imagens de Maria Margarida Alves, nossa 1ª diretora do CENTRU, cruelmente assassinada pelo latifúndio em 1983, e de nossa querida Maria da Penha do Nascimento, sucessora de Margarida Alves, líder sindical no meio rural e participante ativa do movimento feminista, morta em 1991, num trágico acidente de estrada quando viajava a serviço do movimento.
7 Professores Genaro Neto; Vanderlei Amado; Dirceu Malheiros etc.
8 "Yankee go Home", frase dirigida pelas multidões na rua ao Vice-presidente Nixon em 1970 durante sua viagem à Argentina, Bolívia e Peru, traduziu o forte antiamericanismo existente na América Latina nessa época.
9 De fato tanto na Paraíba quanto no Brasil existiram durante a ditadura movimentos de resistência mais ou menos clandestinos, alguns ligados à Igreja católica (MER; Pastoral Operária; Pastoral Rural...), outros constituídos por organizações marxistas (na Paraíba atuavam o Movimento de Emancipação do Proletariado (MEP), o Partido da causa Operária (PCO) e um grupo da IIIª Internacional).
10 A categoria social, forma variável frequentemente utilizada nas pesquisas (gênero, idade, classe social, religião etc.), não contempla os diversos graus e as diferentes formas em que um indivíduo participa de sua categoria social. Por exemplo, ser membro do MST encerra formas de participação totalmente diferentes como as de liderança, militante, simples participante de assentamentos etc. (Amado, Freitas, Ieno, & Camino, 2005). Ser mulher também.
11 Bolsas do Balcão eram as bolsas de Aperfeiçoamento (APB) e de Iniciação Científica (IC) outorgadas diretamente ao pesquisador.
12 Muitas pessoas participaram nesse período do GPCP. Sendo impossível citar todas, gostaria lembrar a Ana Raquel Rosas Torres, primeira bolsista APB, e aos bolsistas: Marcus Eugenio Lima; Cícero Pereira; Eliana Ismael; Pedro de Oliveira Filho; Elza Techio; Carla Brandão; Dalila de França; Jean Carlo Carvalho; Alberto Arruda; Eleneide da Silva; Sanzia de Souza...
13 Eram seminários com um grupo muito reduzido de alunos na residência do professor Ladrière, um apartamento muito simples no centro de Lovaina, na Place Fosch. Nesse edifício moravam vários estudantes latino-americanos. Era uma grande figura: muito inteligente e muito simples.
14 Tenho tido o privilégio de participar junto com Maritza, encantadora figura, de vários encontros da Psicologia da Libertação e acredito que nossas concepções sobre pesquisa são bastante parecidas. Como são parecidos nossos gostos gastronômicos. Lembro-me que em um desses encontros que se realizava no convento religioso de Itaicí (SP), muito austero em alimentação e horários, fugimos num táxi para ir a almoçar num restaurante italiano de Campinas SP a uns 30 kms. de distância.
15 Participaram os colegas Vanderlei Amado, Neide Miele, Antônio Romero e Roberto Veras.
16 Fizeram parte desse grupo as professoras Maria Alice da Silva Leme e Elizabeth Bonfim e os professores Salvador Sandoval, Almir del Prette e Pedrinho Guareschi. A professora Silvia Lane participou só como ouvinte em nosso grupo. De fato, ela foi conferencista no Simpósio sobre Psicologia Social onde ocorreu o debate, que ficou famoso, entre ela e o professor Aroldo Rodrigues, o outro conferencista.
17 Marcus Eugênio Lima, Dalila França; Cícero Pereira e Annelyse Soares.
18 Onde teria o privilégio de ser professor visitante de 2003 a 2006.
19 Naquele período me encontrava em Madrid trabalhando num projeto de pesquisa com o professor José Luís Álvaro Estramiana da Universidade Complutense.
20 As pesquisas dessas professoras mereceram, na época, um documentário da BBC da Inglaterra.

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