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Revista Psicologia Política

On-line version ISSN 2175-1390

Rev. psicol. polít. vol.20 no.49 São Paulo Sept./Dec. 2020

 

DOSSIÊ - ESTUDOS SOBRE CONTEXTOS DE DESIGUALDADE SOCIAL E A PSICOLOGIA SÓCIO HISTÓRICA
INTRODUÇÃO

 

Estudos sobre contextos de desigualdade social e a psicologia sócio histórica

 

Studies on contexts of social inequality and socio-historical psychology

 

Estudios sobre contextos de desigualdad social y psicología sociohistórica

 

 

Antonio Euzébios Filho

 

 

O Grupo de Trabalho (GT) da ANPEPP "Psicologia Sócio-Histórica e o contexto de brasileiro de desigualdade social", desde sua origem, aprofunda e discute a desigualdade social sob uma perspectiva crítica e um olhar psicossocial. As investigações consideram esta temática não apenas como uma opção epistemológica de pesquisa, mas como uma orientação ético-política que reconhece a superação do modo de sociabilidade capitalista como uma necessidade ontológica de humanização na sociedade contemporânea.

Guiado por estes princípios, em parceria com a Revista Psicologia Política, o GT propôs a realização de um Dossiê com o seguinte tema: "Estudos sobre contextos de desigualdade social e a psicologia sócio histórica".

A chamada para artigos foi divulgada e aberta para todas as contribuições que chegaram pelo sistema da revista. Assim, após um rigoroso processo de avaliação por pares, às cegas, este Dossiê apresenta 13 artigos que, apesar da diversidade, apresentam um objetivo em comum: promover reflexões e críticas que discutam a Psicologia como ciência e profissão nos contextos de desigualdades sociais, considerando os diversos tipos de espaços e territórios de marginalização, opressão e exploração.

Este Dossiê foi construído por textos teóricos ou relatos de pesquisa, sempre com a finalidade de pensar uma Psicologia cuja gênese seja a práxis refletida - caracterizada pela articulação entre teórica e prática, visando a transformação e a emancipação social.

As contribuições de autores de diferentes regiões do Brasil, proporcionam aos leitores importantes reflexões sobre a realidade brasileira a partir de uma perspectiva psicossocial.

O artigo que abre o Dossiê tem o seguinte título "Comunidades tradicionais e conflitos socioambientais: e a psicologia com isso? ". Nele, as autoras Eugênia Bridget Gadelha Figueiredo e Bader Burihan Sawaia apresentam uma relevante discussão sobre o papel da Psicologia nos conflitos socioambientais, focalizando a análise nos sofrimentos ético-políticos vividos por comunidades tradicionais, tomando como pano de fundo a dialética exclusão/inclusão.

No segundo artigo desta série, o texto denominado "De desamparado a Empoderado: O Assistencialismo produtivo na Era do Empreendedorismo", de autoria de Antonio Euzébios Filho, discute a partir do materialismo histórico e dialético as mutações das políticas sociais em tempos de neoliberalismo, culminando em uma reflexão sobre o sentido atual do assistencialismo na era do empreendedorismo.

Em seguida, os autores Alessandra de Almeida Rodrigues de Souza, Carlos Eduardo Máximo e Eliane Regina Pereira nos brindam com o manuscrito "Sofrimento Ético-Político e Agentes Comunitárias de Saúde: Relações e Cuidados". Trata-se de um recorte de pesquisa que buscou desvelar olhares de Agentes Comunitários de Saúde sobre o sofrimento ético-político daqueles que chegam até o sistema público de saúde. Com apoio de autores como Martím-Baró e Agnes Heller, os autores tratam da importância de se promover espaços de educação permanente que se proponham a refletir a realidade concreta e a forma como ela impacta as subjetividades.

O quarto texto é de autoria de Laís Helena Dutra, Mariana Cabral Schveitzer e Carlos Roberto de Castro Silva, intitulado "Violência de gênero em estudos qualitativos: uma revisão narrativa". Aqui, os autores apresentam um olhar sobre violência de gênero a partir de uma revisão sistemática da bibliografia especializada, focalizando o que estudos qualitativos têm a dizer sobre esta relevante temática.

Em seguida, temos o manuscrito "A Psicologia nos contextos de desigualdade: ações em debate na assistência estudantil" de autoria de Adélia Augusta Souto de Oliveira e Lucélia Maria Lima da Silva Gomes. Foi apresentado no texto uma revisão sistemática qualitativa, com base na Psicologia Sócio-Histórica de Vigotski, sobre as ações da Psicologia, especialmente Psicologia Escolar e Educacional, diante dos desafios trazidos pela temática da assistência estudantil e todas as suas repercussões no campo social, econômico e subjetivo.

A sexta contribuição para este Dossiê é dos autores Ana Flávia de Sales Costa, Odair José Câmara Edmundo e Maria Ignez Costa Moreira, e tem como título: "Afeto e comum: enfrentamento do racismo por crianças e jovens quilombolas no contexto escolar". Nesta reflexão, foram apresentados os conceitos de afeto e comum como dois elementos fundamentais para se pensar a potência política de crianças e jovens de uma comunidade quilombola. É retratado, neste estudo de doutoramento, como esta população entende o papel da escola e da sociedade no enfrentamento e no aprofundamento de sofrimentos ético-políticos, oriundos especialmente do racismo.

Na sequência, é apresentada uma importante reflexão com o tema "Lei e sociedade: tensões e contradições sobre o lugar da criança" de autoria de Jordana de Carvalho Pinheiro e Sônia Margarida Gomes Sousa. Neste texto, as autoras denunciam a flagrante distância entre a elaboração e realização de efetivas políticas públicas e da garantia plena dos direitos de crianças e adolescentes. A partir desta constatação, buscou-se compreender a partir da Psicologia Sócio-Histórica de Vigotski, o fenômeno psicossocial das relações entre a sociedade, a justiça e as crianças.

O artigo de Juliano Beck Scott, Andréia Garcia dos Santos, Burnier Sales de Sousa, Avrairan Fabrícia Alves Caetano Solon e Isabel Fernandes de Oliveira tem como tema as "Articulações da Psicologia no território: intersetorialidade na proteção social básica." O objetivo deste texto foi analisar a prática de psicólogos na Proteção Social Básica, especificamente, a articulação intersetorial estabelecida pelos profissionais nos Centros de Referência de Atenção Psicossocial (CRAS). Com isto, os autores mostram a necessidade de refletir de maneira mais aprofundada o papel dos psicólogos nas políticas sociais, destacando como estratégico o enfrentamento coletivo voltado para garantia dos direitos.

O nono artigo deste dossiê tem como autores Katia Maheire, Marcela de Andrade Gomes, Marcelo Felipe Bruniere, Ana Paula Silva Hining e Tatiana Minchoni com o título: "Tensões no Campo do Político e da Prática Profissional da Assistência Social". A partir de uma reflexão sobre o conceito de política de Jacques Ranciére e outros referenciais teóricos, os autores discutem desafios e possibilidades que se apresentam no cotidiano de trabalhadores de Centros de Referências da Assistência Social (CRAS). Trata-se de uma pesquisa empírica e teoricamente comprometida em entender os atravessamentos políticos que se colocam no trabalho de profissionais da Assistência Social, em uma realidade marcada pela desigualdade social.

Temos na sequência o manuscrito "Bioética enquanto emoção e consciência em atos e o contexto de exclusão/inclusão do humano" de autoria de Fátima Fernandes Catão e Rui Nunes. O artigo tem como objetivo refletir a Bioética a partir de categorias como a emoção e a consciência, com base na Psicologia Sócio-Histórica. Após análise de entrevistas com usuários da rede pública de Saúde e Educação, conclui-se que os participantes estão comprometidos em viver de modo humanizado e indicam a necessidade de ações sensíveis e conscientes nos serviços e na própria comunidade onde estão inseridos.

Em seguida, apresentamos o texto de Edna Maria Severino Peters Kahhale, Clea Maria Alonso da Costa e Jeferson Renato Montreozol, denominado "A clínica psicológica: da tradição alienante à potência sócio-histórica do sujeito". Este texto apresenta um instigante debate sobre um novo olhar para a clínica. Pautado pelo referencial da Psicologia Sócio-Histórica, os autores vislumbram a possibilidade de ruptura com o modelo individualizante da clínica psicológica tradicional a partir de um olhar para questões relacionadas com a problemática da alienação, comprometido com a superação deste fenômeno.

O dossiê conta, ainda, com o manuscrito intitulado "Povos Originários em Contextos de Desigualdade Social: Afetividade e Bem Viver como Modos de (Re) existência ético-política" com autoria de Maria Zelfa De Souza Feitosa e Zulmira Aurea Cruz Bomfim. Neste texto, as autoras apresentam um estudo etnográfico desenvolvido em uma comunidade indígena no interior do Ceará e refletem sobre os modos de vida e de (re) existência dos povos originários. Segundo as autoras, os resultados da pesquisa indicam que os modos de (re) existir indígena baseiam-se na noção de bem viver e está alicerçada em vínculos marcados pela afetividade, o que garante uma vida em equilíbrio com a natureza e alternativa ao modo de vida ocidental.

Por fim, temos o artigo "Governança participativa e a expansão do conceito de saúde na Experiência do Community Lab na Itália" elaborado pelos seguintes autores: Frederico Viana Machado, Alcindo Antônio Ferla, Gabriel Calazans Baptista, Maria Augusta Nicoli, Vincenza Pellegrino. Neste texto, que selou uma parceria entre pesquisadores brasileiros e italianos, os autores investigaram duas experiências do Community Lab, que como informam no manuscrito, trata-se de "um projeto de welfare participativo desenvolvido na região da Emilia Romana na Itália, que envolve movimentos sociais e comunitários e parte da estrutura do governo regional e dos governos comunais/municipalidades". As experiências foram analisadas com base no método qualitativo e etnográfico. O foco do estudo foi refletir sobre os processos de participação social inscritos no projeto citado. Conclui-se que a participação social é fundamental para qualificar as políticas públicas na área da Saúde pública e mesmo para alcançar uma noção ampliada de Saúde. Para aprofundar as experiências de participação social - como mostram os casos estudados - é necessário que haja intencionalidade política e estrutura pública.

Com esta coletânea de textos, esperamos contribuir para reflexão de questões importantes que caracterizam a realidade brasileira, com um olhar contextualizado do fazer científico e profissional da Psicologia.

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