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Revista Psicologia Política

On-line version ISSN 2175-1390

Rev. psicol. polít. vol.20 no.49 São Paulo Sept./Dec. 2020

 

DOSSIÊ - ESTUDOS SOBRE CONTEXTOS DE DESIGUALDADE SOCIAL E A PSICOLOGIA SÓCIO HISTÓRICA

 

A psicologia nos contextos de desigualdade: ações em debate na assistência estudantil

 

Psychology in contexts of inequality: actions under debate of student assistance

 

Psicología en contextos de desigualdad: acciones en debate acerca de la asistencia estudiantil

 

 

Adélia Augusta Souto de OliveiraI; Lucélia Maria Lima da Silva GomesII

IProfª Associada IV, docente pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia na Universidade Federal de Alagoas. Realiza estágio pós doutoral na Universidade do Minho (2018-2019). Diretora do Instituto de Psicologia (2013-2018), Vice-Coordenadora do GT da ANPEPP:A Psicologia Sócio-histórica no contexto de desigualdade social brasileiro (2012-2018). Realizou estágio de pós doutorado em Psicologia Social na Universidad de Barcelona (2011). Líder do Grupo de Pesquisa CNPq:Epistemologia e a Ciência Psicológica. Desenvolve estudos teóricos sobre a produção sócio-histórica de conceitos e métodos psicológicos. Tem interesse nas seguintes temáticas: infância, juventude, vulnerabilidade e processos de resistência. Desenvolve estratégias de uso de imagens como método de investigação/intervenção / psicológica.adeliasouto@ip.ufal.br
IIPsicóloga, Mestre em Psicologia pela Universidade Federal de Alagoas, Especialista em Psicologia Hospitalar e em Intervenções junto à família. Psicóloga na assistência estudantil da Universidade Federal de Alagoas. Membro do Núcleo de Psicologia Escolar e Educacional de Alagoas / lucelia.silva@proest.ufal.br

 

 


RESUMO

A Política de Assistência Estudantil visa diminuir a desigualdade social entre universitários. Nesse contexto, a Psicologia deve atuar no apoio e promoção em saúde mental do discente. Apresenta- se, assim, uma revisão sistemática qualitativa, do tipo Metassíntese, com base na Psicologia Sócio-Histórica de Vigotski. O estudo realizou-se no período de maio a agosto de 2018, na base de dados Google acadêmico, por meio dos descritores “atuação”, “psicologia” e “assistência estudantil”. Os resultados indicam o surgimento de publicações a partir de 2015, com ênfase na reflexão crítica para um avanço das práticas centradas em ações da Psicologia Escolar e Educacional. São categorias temáticas presentes nos artigos: autonomia universitária no contexto do Pnaes, atuação em foco: atividades desenvolvidas e uma identidade em construção. Considera-se relevante estudo de sínteses interpretativas na realização de crítica interna à ciência - abordagem teórica, metodológica e atuação - para sua permanente inovação.

Palavras-chave: Desigualdade; Ensino Superior; Assistência Estudantil; Vigotski; Psicologia.


ABSTRACT

The Student Assistance Policy aims to reduce social inequality among university students. In this context, Psychology must act in the support and promotion in mental health of the student. Thus, a qualitative systematic review of the Metassynthesis type, based on the Socio-Historical Psychology of Vygotsky, is presented. The study was conducted from May to August 2018, in the Google academic database, through the descriptors “actuation”, “psychology” and “student assistance”. The results indicate the appearance of publications from 2015, with emphasis on the critical reflection for an advance of practices centered on actions of School and Educational Psychology. Thematic categories present in the articles are: university autonomy in the context of the PNAES, activity in focus: activities developed, and an identity under construction. It is considered relevant study of interpretative syntheses in the accomplishment of internal criticism to science - theoretical, methodological and actuation approach - for its permanent innovation.

Keywords: Inequality; Higher education; Student Assistance; Vigotski; Psychology.


RESUMEN

La política de la Asistencia estudiantil tiene como objetivo disminuir la desigualdad social entre universitarios. En ese contexto, la psicología debe actuar en el apoyo y promoción de la salud mental del discente. Se presenta, así, una revisión sistemática cualitativa, del tipo metasíntesis, basada en la Psicología Sociohistórica de Vygotsky. El estudio fue realizado en el periodo de mayo a agosto de 2018, en la base de datos de Google Académico, a través de los descriptores “actuación”, “psicología” y “asistencia estudiantil”. Los resultados indican el surgimiento de publicaciones a partir de 2015, con especial relieve en la reflexión crítica para un avance de las prácticas centradas en acciones de la Psicología Escolar y Educativa. En dichas publicaciones podemos observar tres categorías temáticas presentes: la autonomía universitaria en el contexto PNAES, el ejercicio profesional en cuestión: actividades desarrolladas, y una identidad en construcción. Se considera relevante el estudio de síntesis interpretativas en la realización de una crítica interna a la ciencia -abordaje teórico-metodológico y actuación- para su permanente innovación.

Palabras clave: Desigualdad; Educación Superior; Asistencia Estudiantil; Vygotsky; Psicología.


 

 

Assim se iniciaram nossas inquietações

A Psicologia tem atuado no contexto da política de permanência, importante instrumento para enfrentamento das desigualdades sociais e regionais na educação superior. No entanto, a inserção nesse contexto apresenta desafios teórico-práticos, para uma atuação crítica e condizente com as demandas da realidade constituída sócio historicamente (Vigotski, 2001).

Sabe-se que hoje universidades e institutos federais se tornaram instituições mais inclusivas e populares, em decorrência das políticas de democratização do acesso (FONAPRACE, 2019), realidade nem sempre presente no país. Para Gadotti (1981, citado por Vasconcelos, 2010, p. 608), "as classes populares, no Brasil, sempre estiveram à margem do poder", de maneira que a educação superior foi considerada, por muitos anos, elitista e antipopular. Pereira, May e Gutierrez (2014) apontam que essas características se relacionam com o processo de criação das universidades brasileiras, que esteve concentrado nas mãos de uma minoria elitizada e com interesses voltados para ela. É nesse sentido que a adoção de políticas públicas para a educação superior "torna-se ainda mais necessária, visto que, historicamente, a mobilidade social ascendente nas sociedades capitalistas é dependente dos níveis educacionais aos quais os indivíduos têm acesso" (Pereira & Silva, 2010, p. 13).

Nos últimos anos, a implementação de políticas de democratização do acesso visou suplantar a característica elitista de ingresso ao ensino superior, com o intuito de garantir a educação como mecanismo de redução de desigualdade social no país, com prioridade para o estudante proveniente de escola pública, com baixa condição socioeconômica, que estava à margem desse nível de ensino.

Dentre as ações, destacaram-se as seguintes políticas e programas: o Fundo de Financiamento Estudantil (FIES), o Programa Universidade para Todos (PROUNI), o Programa Universidade de Apoio a Planos de Restruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI), o Sistema de Seleção Unificada (SISU) e a Lei de Cotas. Permitiu-se, assim, a democratização do acesso ao ensino superior, principalmente entre 2003 e 2014. Desta feita, houve aumento do número de estudantes na graduação, bem como uma pluralidade de realidades, como pessoas negras, indígenas, quilombolas, pessoas com deficiência, e a população economicamente desfavorecida. A realidade na universidade mudou e, com ela, apresentam-se novas demandas de enfrentamento às desigualdades e diversidades.

Para fins de fomentar um quadro de democratização do ensino superior, Pereira e cols. (2014) afirmam que, para além do acesso, eram necessários investimentos na permanência dos estudantes. Com esse foco, ações foram implementadas, com vistas à redução dos efeitos das desigualdades nesse nível de ensino, principalmente das dificuldades concretas de prosseguirem na vida acadêmica com sucesso (Alves, 2002).

No ensino federal, ganhou destaque o Plano Nacional de Assistência Estudantil (PNAES), programa instituído pela Portaria n. 39, de 2007, publicada pelo Ministério da Educação (MEC), sendo apenas sancionado como Decreto-lei n. 7.234, em julho de 2010, transformando-se, assim, no Programa Nacional de Assistência estudantil (PNAES), importante instrumento para enfrentamento da desigualdade histórica sofrida pelos grupos excluídos do ensino superior (Pan & Zonta, 2017).

O Pnaes é uma política social que visa a um padrão de equidade entre os estudantes no ensino superior (Gonçalves, 2011) e, como tal, aponta dez áreas estratégicas que poderão ser desenvolvidas pelas instituições: moradia estudantil; transporte; alimentação; atenção à saúde; inclusão digital; cultura; esporte; creche; apoio pedagógico; acesso, participação e aprendizagem de estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades e superdotação.

Dentre as diversas estratégias efetivadas nesse contexto, intervenções no campo da saúde mental têm sido consideradas fundamentais. Decorre, assim, uma exigência dos profissionais de Psicologia para a compreensão da realidade psicossocial e político-pedagógico das Instituições Federais de Ensino Superior (IFES). Direcionam-se, portanto, ações fundamentais para a construção de modelos de atuação profissionais diversificados (Pan & Zonta, 2017), com foco na permanência do estudante.

Nos últimos anos, observou-se o aumento da contratação de psicólogos, ingressos por concurso público, no ensino superior. De acordo com Marinho-Araújo (2016), o aumento da demanda pelo profissional de Psicologia pode ter ocorrido em razão da inserção de políticas públicas (REUNI, a Lei de Cotas e o PNAES) que objetivavam a ampliação e a democratização do acesso à universidade pública.

Nessa direção, concretiza-se a presença de profissionais de Psicologia com atuação nas políticas de democratização no ensino superior, especificamente a Política de Assistência Estudantil. Nas IFES, a assistência estudantil é conduzida, majoritariamente, por pró-reitorias (Cepêda, 2018), que devem se responsabilizar pela criação de programas ou estratégias na instituição, no intuito de propiciar suporte "às necessidades identificadas por seu corpo discente" (Decreto n. 7.234/2010). Apresenta diversidade de técnicos-administrativos de nível superior e de nível médio que, ao atuar numa perspectiva multiprofissional, visam atender as áreas, conforme o Decreto n. 7.234.

Em 2016, pesquisa revelou um total de 201 psicólogos vinculados à assistência estudantil (Cepêda, 2018). Sabe-se que se trata de uma prática com demandas atuais, reflexo da realidade do país e, portanto, requer do psicólogo uma reflexão acerca do seu fazer profissional, coerente com o contexto de trabalho e com os aspectos éticos da profissão (Santos, Souto, Silveira, Perrone, & Dias, 2015).

No entanto, a atuação do profissional de Psicologia, no contexto do Pnaes, apresenta desafios teórico-práticos. Além disso, nos documentos existentes que fundamentam a assistência estudantil no Brasil, como o Pnaes, não se indicam os nortes para a atuação dos profissionais de Psicologia. Frente ao exposto, este artigo visa apresentar a atuação da Psicologia na assistência estudantil das Ifes, a partir de revisão sistemática de literatura.

 

Caminhos trilhados

Trata-se de uma revisão sistemática qualitativa, do tipo Metassíntese, procedimento metodológico que realiza análise interpretativa dos resultados de estudos realizados, em uma ou mais área do conhecimento, com o mesmo objeto de investigação, com etapas sequenciais, (Oliveira et al., 2017). Optou-se pela busca de artigos científicos, publicados em periódicos, na base de dados Google acadêmico (GA).

A etapa de exploração do material se deu no período de maio a agosto de 2018, com a utilização dos descritores "atuação", "Psicologia" e "assistência estudantil", com filtragem "todos os anos" e "todas as áreas"1. Como resultado, obteve-se um total de 1.940 documentos diversificados como livros eletrônicos, entrevistas, dissertações, trabalhos de conclusão de curso. Esse montante se deve à característica da base de dados GA, uma vez que sua abrangência é composta de toda informação publicada na internet ou World Wide Web, desde material acadêmico, além de apresentações, apostilas e demais documentos disponíveis na rede on-line (Noruzi, 2005).

A delimitação realizada, a partir dos critérios estabelecidos, a saber: ser artigo publicado em periódico nacional; apresentar os descritores "assistência estudantil", "Psicologia" e "atuação" em qualquer parte do documento (no título, no resumo, nas palavras-chave, ou no corpo do texto), permitiu selecionar um total de 19 artigos. Desses, em fase posterior de refinamento, por meio de leitura integral, excluiu-se nove deles, pois, embora abordassem a atuação do psicólogo no ensino superior, não se tratava da Psicologia no contexto da assistência estudantil e de desigualdade social (Bleicher & Oliveira, 2016; Domingues et al., 2008; Malajovich, Vilanova, Frederico, Cavalcanti, & Velasco, 2017; Melo & Araújo, 2018; Moura & Facci, 2016; Ribeiro & Guzzo, 2017; Sampaio, 2010; Santos et al., 2015; Silva & Bardagi, 2016 ). Importante destacar, ainda que brevemente, a ênfase de cada um desses artigos.

Nessa direção, Sampaio (2010, p. 95) realiza análise de três artigos "que tratam da pesquisa e da intervenção do profissional psicólogo no âmbito da educação superior" e propõe um panorama geral dessa atuação, sem especificar a assistência estudantil e/ou contexto de desigualdade social. Bleicher e Oliveira (2016) objetivaram avaliar as políticas públicas de saúde estudantil das instituições federais de ensino técnico e superior. O artigo de Moura e Facci (2016, p. 512) aponta nas conclusões a necessidade da realização de estudos do psicólogo na assistência estudantil, uma vez "que não foi abordada neste estudo a atuação por meio da assistência estudantil, algo que foi mencionado nas entrevistas". Melo e Araújo (2018) descrevem a atuação do Núcleo de Acessibilidade na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).

Os estudos de Domingues e cols. (2008) e Malajovich e cols. (2017) abordaram sobre serviços de Apoio ao Estudante, desenvolvidos na universidade. O primeiro descreve o Núcleo de Apoio ao Estudante, programa de inclusão na universidade, "justamente pelo motivo da maioria deles estarem experimentando novas experiências, se deparando com situações antes desconhecidas" (Domingues et al., 2008, p. 74); e o segundo artigo relata o Serviço de Atenção em Saúde Mental do Estudante. O termo "assistência estudantil" surge como fundamento para as diversidades de demandas por parte dos estudantes presentes no contexto universitário. Embora as intervenções se direcionassem para a permanência do estudante, os programas apresentados nos artigos não eram vinculados à assistência estudantil, nem às desigualdades sociais.

No artigo de Ribeiro e Guzzo (2017), a pesquisa era realizada em instituição de ensino superior privada. Em Santos e cols. (2015), o descritor "assistência estudantil" estava relacionado a prestar suporte/assistência ao estudante universitário.

Portanto, o corpus da pesquisa foi estabelecido com 10 artigos. Esses foram lidos, na íntegra, e compõem as fases descritivas e interpretativas do estudo, apresentadas a seguir.

 

O que os achados nos revelam

A investigação qualitativa está presente em todos os artigos, com predomínio da técnica de relato de experiência, representando 60% da amostra (Ferro & Antunes, 2015; Pan, Zonta, & Tovar, 2015; Cristino, Fiorio, Oliveira, Felipe & Dos Santos, 2016; Pinheiro, 2016; Branco & Pan, 2016; Ramos, Jardim, Gomes & Lucas, 2018). Os estudos partiram de todas as Regiões do Brasil, com três deles, provenientes da Região Sudeste; duas investigações nas Regiões Centro-oeste, Sul e Nordeste; uma pesquisa na Região Norte.

Identificamos que, na maioria das publicações, a universidade aparece como local do estudo (Branco & Pan; 2016; Pan, Zonta, & Tovar, 2015; Pinheiro, 2016; Ramos et al., 2018; Oliveira & Silva, 2018; Souza & Cury, 2015 ). Em quatro dos estudos, os institutos federais aparecem como campo de estudo e intervenção (Araújo & Andrade, 2017; Cristino et al., 2016; Feitosa & Marinho-Araújo, 2018; Ferro & Antunes, 2015). Recomenda-se cautela na interpretação das afirmações anteriores. Não significa que a atuação da Psicologia na assistência estudantil das universidades está mais sistematizada que os institutos federais. Podemos inferir que a universidade é ainda o contexto que mais desenvolve pesquisa no País.

Do ponto de vista histórico, importante ressaltar que o ano de 2015 indica o surgimento das publicações, o que pode estar relacionado à implementação das políticas de expansão e democratização nas IFES, como o REUNI e PNAES em 2007. A partir dessas políticas, houve a convocação de novos profissionais, por concurso público, para atender às demandas quantitativas e qualitativas dos novos ingressantes nas IFES.

A nosso ver, outro marco histórico relevante, de acordo com o Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão (Ministério da Economia, 2018) está demarcado em 2014, ano que aparece nas pesquisas com o maior número de servidores ingressos, por concurso público, no Poder Executivo, totalizando 33.477. O aumento na contratação de servidores técnico-administrativos, incluindo profissionais de Psicologia, pode estar relacionado também à publicação do Quadro de Referência do Servidor Técnico-Administrativo (QRSTA) a partir do ano de 2010. Permite, assim, às universidades, a reposição automática das vagas originárias de aposentadorias, óbitos, exonerações, dentre outros, e a contratação, via concursos públicos (Ministério da Educação, 2012).

A análise dos artigos permitiu identificar a presença de três categorias temáticas: a autonomia universitária no contexto do PNAES; atuação em foco: atividades desenvolvidas; e, uma identidade em construção.

 

A autonomia universitária no contexto do PNAES

Tanto as universidades quanto os institutos federais possuem o PNAES como norteador das suas ações. De acordo com o Decreto n. 7.234, em seu Art. 4º, "as ações de assistência estudantil serão executadas por instituições federais de ensino superior, abrangendo os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, considerando suas especificidades, as áreas estratégicas de ensino, pesquisa e extensão e aquelas que atendam às necessidades identificadas por seu corpo discente" (Decreto n. 7.234, 2010). Nesse artigo, ao apontar que se devem considerar as "especificidades, às áreas estratégicas de ensino, pesquisa e extensão e aquelas que atendam às necessidades identificadas por seu corpo discente", sugere a autonomia das Ifes na execução da política. Logo, consideram-se as especificidades das demandas do contexto educacional, bem como o orçamento disponibilizado, que compete "à instituição federal de ensino superior definir os critérios e a metodologia de seleção dos alunos de graduação a serem beneficiados" (Decreto 7.234).

A autonomia para a execução do Pnaes pode ser percebida nas ações desenvolvidas pela Psicologia (Araújo & Andrade, 2017; Ferro & Antunes, 2015; Cristino et al., 2016). Cristino e cols. (2016) e Araújo e Andrade (2017) realizaram pesquisa no IFCE, respectivamente no campus de Limoeiro do Norte e no campus Fortaleza, que possuem como respaldo o Regulamento da assistência estudantil, documento fundamentado no Pnaes. Mesmo realizados no mesmo Instituto Federal, os estudos apresentaram diferenças quanto às propostas executadas e o desenvolvimento do trabalho realizado entre os profissionais.

O estudo de Cristino e cols. (2016) apontou um programa (Programa IFCE+) que foi desenvolvido pela equipe multiprofissional, por meio de atividades nas áreas de formação, cidadania, conhecimento e cultura, fundamentadas numa perspectiva biopsicossocial de sujeito. Já no estudo de Araújo e Andrade (2017), as ações desenvolvidas pela Psicologia no campus Fortaleza foram aquelas apontadas no Regulamento da assistência estudantil e tinham como objetivo apoiar a promoção do processo educativo dos estudantes, a partir das ações de acolhimento, acompanhamento, avaliação psicológica, orientações à comunidade escolar, mapeamento da rede de apoio, participação e assessoramento em projetos de caráter coletivo em interlocução com outros atores institucionais, apontadas no regulamento. No entanto, na prática, as atividades se distanciavam do que era apontado no regulamento, além de não haver integração no trabalho em equipe, afirmam os autores.

Nessa direção, foi apresentado por Ferro e Antunes (2015) que relataram o desenvolvimento da atividade de plantão psicológico em apenas dois campi da rede do Instituto Federal de Goiás (IFG), o campus Formosa e campus Inhumas, de um total de 15 campi do IFG. Os autores chamaram a atenção para o fato de que, mesmo se tratando da mesma atividade realizada, apresentam desdobramentos distintos com relação a cada local, pois a ação "assume multiplicidades de significações e distintos desdobramentos em função dos diferentes atores que nela atuam" (Ferro & Antunes, 2015, p. 75). Tal afirmação pode ser visualizada no seguinte trecho:

No campus Inhumas, a caracterização da atuação psicológica pautada em encaminhamentos se fez arraigada e pouco mutável para os discentes do Ensino Médio Técnico Integrado e Ensino Médio Integrado Integral; em contrapartida, no campus Formosa, fez-se maleável e passível de transformação. Infere-se que as características dos campi (...) são atribuídas a alguns fatores, tais como: tempo de existência das instituições (...), a caracterização da equipe pedagógica (...), bem como a existência e histórico da práxis psicológica na assistência estudantil dos campi: em Formosa, o profissional psicólogo sempre fez parte da composição da equipe, atuando numa perspectiva multidisciplinar com foco na prevenção e promoção do bem-estar no âmbito educacional. Em contrapartida, no campus Inhumas, a equipe, que conta com a presença do profissional psicólogo, foi formada recentemente, e este também atua na Assistência estudantil, que até então contava unicamente com uma assistente social. (Ferro & Antunes, 2015, p. 79)

Ao mesmo tempo em que aponta a autonomia, o PNAES aborda a necessidade do desenvolvimento de ações estratégicas na área de Atenção à Saúde do estudante no enfrentamento de desigualdades sociais. No decreto, não são especificadas as atividades que devem ser desenvolvidas em saúde e os profissionais que devem compor a equipe. Ficam a cargo dos gestores da instituição os direcionamentos referentes às ações da assistência estudantil. Desta feita, mesmo com o respaldo do Decreto n. 7.234, as ações em Psicologia podem assumir diversas particularidades na assistência estudantil das IFES, o que pode estar relacionado às demandas estudantis e institucionais, ao orçamento disponibilizado e à compreensão das demandas e dos contextos de desigualdades por parte dos gestores e profissionais que compõe a assistência estudantil.

Partindo dessa premissa, a maioria dos estudos apresentou como público-alvo todos os estudantes de graduação presencial da instituição (Araújo & Andrade, 2017; Branco & Pan, 2016; Cristino et al., 2016; Ferro & Antunes, 2015; Pinheiro, 2016). Em um estudo, as ações foram ampliadas para a comunidade universitária, incluindo servidores (Souza & Cury, 2015). Os resultados mencionados vão de encontro ao PNAES, uma vez que este prioriza as ações para o enfrentamento das desigualdades sociais aos "estudantes oriundos da rede pública de educação básica ou com renda familiar per capita de até um salário mínimo e meio, sem prejuízo de demais requisitos fixados pelas instituições federais de ensino superior" (Decreto 7.234, 2010). Em apenas dois artigos, observou-se recortes com relação ao perfil estudantil (Pan, Zonta, & Tovar, 2015; Pinheiro, 2016).

Mas, que ações são essas que a Psicologia desenvolve no contexto da política de permanência nas instituições federais? Que intervenções têm sido realizadas pela Psicologia, em sua relação com a política de permanência, ante as demandas educacionais? Quem são os principais responsáveis pela coordenação das atividades?

 

Atuação em foco: atividades desenvolvidas

As atividades apontadas nos artigos, sejam individuais ou em formato de grupo, foram desenvolvidas pela assistência estudantil, por meio dos profissionais nela lotados (Araújo & Andrade, 2017; Cristino et al., 2016; Feitosa & Marinho-Araújo, 2018; Ferro & Antunes, 2015; Oliveira & Silva, 2018; Pinheiro, 2016; ; Souza & Cury, 2015), ou pelas parcerias com outros setores da instituição (Branco & Pan, 2016; Pan, Zonta, & Tovar, 2015; Pinheiro, 2016). Importante salientar que as parcerias foram identificadas nos estudos que possuem como lócus a universidade.

Essas parcerias se apresentaram em formato de projetos de extensão (Branco & Pan, 2016; Pan, Zonta, & Tovar, 2015), ou de serviços disponíveis em outros setores (Pinheiro, 2016). Nos projetos de extensão, as atividades eram realizadas por estudantes de graduação em Psicologia e se destinavam ao corpo discente da instituição. Nessa direção, Souza e Silva (2015) afirmaram que o avanço em Psicologia escolar e educacional havia ocorrido, mas grande parte das intervenções era oriunda de atividades realizadas em estágio e projetos de extensão universitária. Infere-se que tal dinâmica pode estar relacionada ao número elevado da demanda de saúde mental apresentado nas universidades e ao baixo número de profissionais disponíveis. Ao mesmo tempo, é importante salientar que a proposta do Pnaes se refere à articulação das atividades da assistência estudantil com pesquisa, ensino e extensão (Decreto n. 7.234, 2010).

No estudo de Pinheiro (2016), as atividades desenvolvidas pelo Programa Estudante Saudável, programa da assistência estudantil, eram realizadas na Clínica de Psicologia da universidade e no Serviço de Atendimento Psicossocial aos Discentes (SAPS) que atendia os estudantes no Instituto de Ciências da Saúde da universidade. Ambas as atividades tinham como objetivo realização de atendimento individual ao discente.

Ressalta-se que um dos estudos aponta a universidade como lócus, bem como o psicólogo em atuação multiprofissional na assistência estudantil (Oliveira & Silva, 2018). Em dois dos estudos é destacada a presença de vários profissionais que fazem parte da assistência estudantil, no entanto não deixa claro se existe um trabalho realizado em equipe (Pinheiro, 2016; Souza & Cury, 2015).

Nos estudos em que o Instituto Federal aparece como lócus, foi possível identificar a presença de vários profissionais que compõem a assistência estudantil, sendo apontado o desenvolvimento das ações da Psicologia em equipe. Portanto, as atividades desenvolvidas envolvem a relação com outros profissionais. O programa apresentado por Cristino e cols. (2016, p. 15) defendia uma visão de sujeito biopsicossocial e tinha como objetivo "contribuir para a formação cidadã e foi uma ferramenta que pretende possibilitar a superação de obstáculos de ordem social, econômica, biológica e psicológica que influenciam a permanência dos alunos na instituição".

No estudo de Ferro e Antunes (2015), além da atividade de plantão psicológico apresentada, atividades de grupo com temáticas específicas foram desenvolvidas pela equipe, como o cinema comentado, visitas domiciliares, oficinas e palestras. Observa-se que as práticas desenvolvidas se mostraram direcionadas, tanto para o atendimento individual, quanto para o atendimento em grupo, com foco no discente.

Nos estudos com a perspectiva de atendimento individual, apareceram atividades como o plantão psicológico (Ferro & Antunes, 2015; Pan, Zonta, & Tovar, 2015), o acolhimento (Araújo & Andrade, 2017), o atendimento individual e a psicoterapia (Pinheiro, 2016; Ramos et al., 2016; Souza & Cury, 2015) e a triagem psicológica (Ramos et al., 2016). Além desses, o estudo desenvolvido por Oliveira e Silva (2018), com profissionais de Psicologia atuantes na assistência estudantil das universidades mineiras, identificou como ações: a orientação psicológica, psicopedagógica e profissional, o acompanhamento psicopedagógico e intervenção em Psicologia Escolar e Educacional. Indicam, ainda, o apoio na concessão de benefícios sociais à comunidade acadêmica e a defesa à continuidade, por parte dos psicólogos, de ações que ainda traduzem uma prática de "caráter psicoterapêutica e individualizante" (Feitosa & Araújo, 2018, p. 189), bem como as visitas domiciliares (Araújo & Andrade, 2017; Ferro & Antunes, 2015).

Os achados, acima referidos, assemelham-se aos resultados encontrados na I e na II Pesquisa Nacional do Perfil das Instituições Federais do Ensino Superior para a Assistência Estudantil - um mapeamento de capacidades e instrumentos, em que o acompanhamento psicológico foi apontado como uma das "demandas mais específicas do público universitário" (Cepêda, 2017, p. 113; 2018, p. 132). Nas pesquisas mencionadas, os dados numéricos, referentes ao quantitativo de atendimentos realizados e a quantidade de psicólogos, são apresentados no tópico atinente à "Cobertura de Programas e Atenção à Saúde" e sugerem foco na perspectiva individual de atendimento em Psicologia.

Na perspectiva de atendimento grupal, os artigos apontaram diversas atividades, tais como: os grupos temáticos e terapêuticos, oficinas temáticas e terapêuticas, palestras, rodas de conversa, assessoria e/ou participação nos projetos coletivos (Branco & Pan, 2016; Cristino et al., 2016; Oliveira & Silva, 2018; Souza & Cury, 201).

Cristino e cols. (2016, p. 12) relataram um programa de assistência estudantil, denominado IFCE+, que tinha como finalidade "contribuir para uma educação emancipadora que busca a formação de sujeitos políticos, críticos e participativos e fomentar o desenvolvimento biopsicossocial dos discentes", por meio do desenvolvimento de ações socioeducativas nas áreas de formação, cidadania, conhecimento e cultura. As atividades desenvolvidas foram grupos e oficinas e contavam, além da presença do psicólogo, com outros integrantes da equipe multiprofissional.

As oficinas apareceram também como umas das ações desenvolvidas, em um dos projetos de extensão do Departamento de Psicologia, da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), realizado em parceria com a assistência estudantil. As atividades abordaram temáticas tais como, desenvolvimento de habilidades sociais, orientação aos estudos, controle de ansiedade e estresse (Ramos et al., 2018). Cury e Souza (2015) apontaram o grupo terapêutico e Branco e Pan (2016), as rodas de conversa. Essas se constituem como espaços "nos quais os estudantes podem compartilhar, entre os pares, o que pensam e sentem sobre suas experiências acadêmicas, de forma a propiciar maior compreensão a respeito das demandas apontadas pelos participantes, no tocante às suas relações com a universidade" (Branco & Pan, 2016, p. 160).

Ainda no que concernem às atividades na perspectiva grupal, o estudo Oliveira e Silva (2018) identificou atividades grupais e/ou coletivas, tais como grupos temáticos e terapêuticos, psicoterapias grupais, palestras, seminários e minicursos, oficinas temáticas e terapêuticas.

Embora se perceba em alguns estudos (Branco & Pan, 2016; Cristino et al., 2016; Feitosa & Marinho-Araújo, 2018), o desenvolvimento de formas de atuação emergentes, por apresentar "uma concepção muito mais ampla e abrangente do trabalho do Psicólogo na escola que inclui sua dimensão psicossocial" (Martinez, 2009, p. 172), a maioria das perspectivas encontradas nos artigos refere-se ao que Martinez (2009) denominou de formas de atuação "tradicionais", práticas "que já têm uma história relativamente consolidada no país" (Martinez, 2009, p. 170). As formas de atuação "tradicionais"

estão principalmente associadas à dimensão psicoeducativa do contexto escolar, dimensão essa que tem sido o principal objeto do trabalho na escola e na qual se centra a atenção de todos os seus atores, entre eles, os psicólogos. Elas estão definidas, em grande parte, pelos problemas concretos que, em relação ao desenvolvimento e à aprendizagem dos alunos, tem que ser enfrentados e resolvidos no cotidiano, e para os quais o trabalho do psicólogo se configura como uma resposta. (Martinez, 2009, pp. 170-171)

No estudo desenvolvido por Oliveira e Silva (2018), que analisou as práticas desenvolvidas por psicólogos na assistência estudantil, foi apontada a existência, tanto de formas de atuação "tradicionais", como de práticas "emergentes". Incluem nessas últimas, as ações de interface da Psicologia com a saúde e com a educação.

 

Uma identidade em construção

Pode-se afirmar que as perspectivas dos estudos foram modificando-se no decorrer dos anos, desde uma perspectiva que circunscrevia a ação no indivíduo, para uma proposta onde se mesclam atividades individuais e grupais, com uma concepção ampliada dos fenômenos psicológicos. Recentemente, a direção dos estudos se encaminha para a busca da compreensão das atividades, dos profissionais de Psicologia, presentes na assistência estudantil.

Os estudos publicados em 2015 parecem indicar a primeira das perspectivas, aqui apresentadas - ação no indivíduo -, ao trazerem os plantões e serviço de atendimento ao estudante. Os estudos no ano de 2016 parecem apresentar perspectivas mescladas, tanto grupais quanto individuais; oficinas e grupos temáticos (Cristino et al., 2016); e rodas de conversa (Branco & Pan, 2016), e na perspectiva individual, serviços específicos, em parceria com outros setores, os quais visam ao atendimento ao discente (Pinheiro, 2016).

Por último, ressaltamos que, em 2017, o eixo recai sobre o trabalho da equipe nos institutos federais. Em 2018, destacam-se os projetos para atendimento à comunidade acadêmica, perspectivas individuais e grupais (Ramos et al., 2018), bem como levantamento mais específico sobre o trabalho do psicólogo, na assistência estudantil de uma universidade (Oliveira & Silva, 2018) e de um Instituto Federal (Feitosa & Marinho-Araújo, 2018).

Sabe-se que a presença da Psicologia na assistência estudantil é uma prática com demandas atuais de enfrentamento às desigualdades, reflexo da realidade do país, e, portanto, requer do psicólogo uma reflexão acerca do seu fazer profissional, coerente com o contexto de trabalho e com os aspectos éticos da profissão. É oportuno o que Mazer e Melo-Silva (2010) abordam sobre a identidade profissional em Psicologia. Para esses autores:

a identidade profissional em Psicologia (...) pode ser definida como uma construção social, formada a partir do conjunto das experiências do percurso profissional, (...) algo que vai sendo construído com o tempo e com as atividades de trabalho, e que conduz à incorporação de um papel. (Mazer & Melo-Silva, 2010, p. 288)

No entanto, mesmo já tendo um percurso no ensino superior, especificamente em setores destinados ao atendimento do estudante, como Serviços de Orientação ao Universitário (SOU) e Serviço de Assistência ao Universitário (SAU), como destacado por Marinho-Araújo (2009), a atuação do psicólogo escolar no ensino superior "é um campo pouco explorado e está longe de apresentar consenso sobre o papel desse profissional" (Moura & Facci, 2016, p. 505). Em consonância, Silva (2018, p. 95) afirma que, ao se pensar nos contextos de educação superior, "as referências ainda estão em processo de consolidação, tendo por característica a ampliação do raio de elementos a estabilizar um campo de discussão".

Portanto, os artigos analisados sugerem a busca de ampliação do papel do psicólogo, no contexto da assistência estudantil, o que pode ser observado, através da implantação das várias atividades no contexto educacional superior, acompanhados de posicionamentos críticos com relação à prática desenvolvida.

Nessa direção, frente aos resultados encontrados nos artigos, é possível afirmar que há predominância de atividades de caráter individual, desenvolvidas pela assistência estudantil, no tocante às ações da Psicologia. Ao mesmo tempo, observa-se a problematização e questionamento das práticas desenvolvidas. Pan, Zonta e Tovar (2015) revelaram a necessidade de problematização do modelo de clínica individual − que não leva em consideração as implicações da instituição nas queixas do aluno −, bem como do lugar de atuação do psicólogo, no contexto universitário de inúmeras desigualdades sociais. Branco e Pan (2016) tecem críticas ao modelo clínico e às ações individualizadas de atenção ao estudante, no contexto universitário e apontam que a Psicologia Educacional "pode desenvolver metodologias que possibilitem a circulação da palavra, modifiquem as relações e possibilitem a formação de espaços coletivos que contribuam para o engajamento dos estudantes e a transformação dos espaços institucionais" (p. 165).

Na mesma perspectiva, Feitosa e Marinho-Araújo (2018) defendem um modelo de Psicologia pautado na Psicologia Escolar crítica. Essas autoras identificaram que os profissionais entrevistados, demonstraram preocupação com a prática clínica e individualizante de sua atuação, porém,

muitos ainda apresentam dificuldades em propor ações práticas fundamentadas nos processos de desenvolvimento humano para toda a comunidade acadêmica, bem como em ressignificar a escuta psicológica ou implementar propostas de trabalho que ampliem o espectro da sua intervenção no contexto do ensino profissionalizante. (Feitosa & Marinho-Araújo, 2018, p. 189)

Por outro lado, Araújo e Andrade (2017) identificaram distanciamento das práticas desenvolvidas pelos profissionais de Psicologia no cotidiano. Havia um hiato entre a teoria e a prática, assim como do que era especificado no Regulamento de Assistência Estudantil. Ou seja, as atividades desenvolvidas nem sempre se relacionavam com a proposta da Política de Assistência Estudantil implantada na instituição, que possuía como fundamento o Pnaes.

Em síntese, o panorama das investigações encontrado nos artigos retrata que a Psicologia desenvolvida na assistência estudantil se caracteriza por formas de atuação "tradicionais" (Martinez, 2009) voltadas, em sua maioria, para o corpo discente das Ifes, não apresentando recorte de prioridade, como apontado pelo Pnaes. Destaca-se que, mesmo com o Decreto n. 7.234 como norteador das atividades, as instituições apresentaram atividades diferentes em seus contextos, inclusive àquelas realizadas na mesma Ifes, em campi diferentes. Vale salientar que o Pnaes não aponta parâmetros para a atuação dos profissionais que compõem a assistência estudantil. No entanto, ressalta que as ações desenvolvidas devem considerar as especificidades institucionais, as áreas estratégicas de ensino, pesquisa e extensão, como também as necessidades identificadas por seu corpo discente (Decreto n. 7.234, 2010).

Desse modo, ao tomar como ponto de partida, a abertura de possibilidades proposta pelo Decreto n. 7.234 (ao mesmo tempo tomando-o como fundamento) e das reflexões aqui apresentadas, a partir dos artigos, considera-se relevante estudos de investigação e de intervenção da Psicologia Escolar e Educacional com ênfase na superação da desigualdade no contexto universitário, de maneira que o psicólogo escolar e educacional possa "responder às urgências sociais provenientes da falta de oportunidades, das injustiças, discriminação, desqualificação, abandono, descaso, desinformação que se refletem, fortemente, nos sistemas de ensino" (Marinho-Araújo, 2015, p. 154).

 

Assim, finalizamos...

Considera-se que a Psicologia tem sido chamada a atuar na assistência estudantil das Ifes e estudos qualitativos, do tipo Metassíntese, são potentes na realização de crítica interna à ciência, na identificação e análise da atuação em Psicologia, desenvolvida pelos setores responsáveis pela Política de Assistência Estudantil das Ifes. Assim, destacam-se que as publicações surgiram a partir de 2015 e podem estar relacionadas à implementação de políticas públicas de democratização do ensino superior, com vistas ao enfrentamento das desigualdades sociais, anterior ao período mencionado, bem como a contratação de profissionais, principalmente, em 2014. Identificou-se que, ao longo dos anos, houve modificação referente às práticas realizadas: práticas de caráter individuais; inserção de práticas grupais; práticas grupais e individuais e, mais recentemente, pesquisas junto aos psicólogos que atuam na assistência estudantil.

De modo geral, os estudos apontam à existência de uma diversidade nas práticas realizadas, com predomínio de formas de atuação "tradicionais", voltadas para uma perspectiva mais individualizante, centradas no atendimento ao discente. No entanto, observa-se a busca de uma identidade para a Psicologia nesse contexto, com avanços na prática da Psicologia Escolar e Educacional, e posicionamentos críticos em relação às práticas realizadas.

Por fim, conclui-se que o estudo realizado evidencia uma parte do panorama da Psicologia no contexto da assistência estudantil no Brasil, assim como os estudos são recortes de atividades realizadas nesse contexto. Portanto, são esperados estudos que pretendam ampliar o espectro da Psicologia nesse contexto, suas características teóricas e metodológicas. Tais estudos poderiam contribuir para a formação da identidade profissional do psicólogo, no contexto da Política de Assistência Estudantil, o fortalecimento e ampliação das políticas públicas que visam diminuir a desigualdade social através da educação.

 

'Notas de fim'

1 Outras bases de dados como a SciELO e a Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) foram consultadas. No entanto, não apresentavam o descritor "assistência estudantil", reforçando a escolha pela base de dados GA.

 

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Recebido em: 27/06/2019
Aprovado em: 30/08/2019

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