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Revista Psicologia Política

versão On-line ISSN 2175-1390

Rev. psicol. polít. vol.21 no.50 São Paulo jan./abr. 2021

 

ARTIGOS

 

Populismo: debates entre psicologia política latino-americana e psicanálise

 

Populismo: debates entre psicología política latinoamericana y psicoanálisis

 

Populism: debates between latin american political psychology and psychoanalysis

 

 

Domênico Uhng Hur

Docente do Programa de Pós-Graduação e de graduação em Psicologia da UFG. Bolsista de Produtividade em Pesquisa (PQ-2) do CNPq / dutchwild@yahoo.com.br

 

 


RESUMO

Este artigo busca apresentar as principais referências teóricas de populismo para as pesquisas da Psicologia Política latino-americana, para debatê-las com conceitos da psicanálise de grupos e discutir seu funcionamento. Realizamos uma revisão bibliográfica e uma discussão teórica acerca do fenômeno do populismo. As principais referências teóricas na produção da área são os trabalhos do pensador argentino Ernesto Laclau e do psicólogo político chileno Alexandre Dorna. Apresentamos algumas de suas ideias e conceitos da psicanálise de Didier Anzieu e Wilfred Bion, que consideramos contribuir para a elucidação deste fenômeno. Na conclusão, sintetizamos as principais características do populismo: é uma lógica e não uma ideologia; constitui um grupo antagônico a um externo; produz uma configuração imaginária comum; os afetos cumprem função fundamental; pode atuar por um ideal de transcendência e ser um modo de gestão das populações nas sociedades neoliberais.

Palavras-chave: Populismo; Governo; Grupos; Psicanálise; Psicologia Política.


ABSTRACT

This article aims to present the main theoretical frameworks of populism for research in Latin American Political Psychology, to debate them with concepts of group psychoanalysis and discuss its operation. A bibliographic review and a theoretical discussion were conducted about the phenomenon of populism. The main theoretical references in the field are works of the Argentinian thinker Ernesto Laclau and the Chilean political psychologist Alexandre Dorna. We presented some of their ideas and concepts from Didier Anzieu's and Wilfred Bion's psychoanalysis, which we consider important in order to understand this phenomenon. In conclusion, we synthetized the main characteristics of populism: it is a logic and not an ideology; it constitutes a group opposed to an outside; it produces a common imaginary configuration; the affections play a fundamental role; it may act for an ideal of transcendence and is a mode of managing the populations in neoliberal societies.

Keywords: Populism; Government; Groups; Psychoanalysis; Political Psychology.


RESUMEN

Este artículo tiene como objetivo presentar los principales marcos teóricos de populismo para las investigaciones en Psicología Política latinoamericana, para articularlas con el psicoanálisis de grupo y discutir su funcionamiento. Realizamos una revisión bibliográfica y discusión teórica sobre el fenómeno del populismo. Los principales referentes teóricos en la producción del área son los trabajos del pensador argentino Ernesto Laclau y del psicólogo político chileno Alexandre Dorna. Presentamos algunas de sus ideas y conceptos del psicoanálisis de Didier Anzieu y Wilfred Bion, que consideramos contribuir para la elucidación de este fenómeno. En la conclusión, sintetizamos las principales características del populismo: es una lógica y no una ideología; constituye un grupo antagónico a un externo; produce una configuración imaginaria común; los afectos cumplen un rol fundamental; puede actuar por un ideal de transcendencia y ser un modo de gestión de las poblaciones en las sociedades neoliberales.

Palabras clave: Populismo; Gobierno; Grupos; Psicoanálisis; Psicología Política.


 

 

Introdução

O crescimento e a vitória eleitoral de políticos e partidos de extrema-direita em vários países do Ocidente lançam luz sobre um fenômeno que vem crescendo desde os anos 1990: a intensificação da polarização política (Kriesi, 2014; Sabucedo, 1996). Entretanto, a polarização política não aparece isoladamente. Atrelado a ela há uma modalidade política que é denominada de populismo.

No Brasil, o termo populista geralmente era utilizado para governantes que tinham uma política e um discurso direcionados ao povo, para a população, tal como os presidentes Getúlio Vargas, João Goulart, Lula e políticos trabalhistas como Leonel Brizola. Nessa concepção havia uma espécie de condensação entre 'populismo' e 'popular'. No entanto, na atualidade, nos principais estudos sobre o populismo, há um outro tratamento dado ao termo, como veremos a seguir. Populismo é uma proposição que remete a uma cisão do mundo em dois polos e seu consequente conflito. O primeiro, do povo, que se organiza contra um status quo, contra um segundo grupo, representado pela elite política que governa o Estado e a sociedade. Então, há uma divisão entre dois segmentos: de um povo contra as elites. A definição de Mudde (2004) é emblemática desse aspecto de cisão e confronto: "Eu defino populismo como uma ideologia que toma a sociedade dividida em dois grupos homogêneos e antagonistas, 'o povo puro' contra a 'elite corrupta', a qual sustenta que a política deve ser a expressão da volonté générale (vontade geral) das pessoas1 " (Mudde, 2004, p. 543). Essa definição é bastante ampla e expressa uma dicotomização entre um polo positivo, o povo, contra o polo negativo, a elite 'corrupta', clamando pelo governo do primeiro. Vale ressaltar também que parte da literatura acadêmica afirma que o populismo é um fenômeno com um discurso vago, impreciso (Laclau, 2005), ou mesmo que pode estar ligado a uma deformação da política.

Grande parte dos estudos sobre o populismo estão na área da Ciência Política. No entanto, como afirma Dorna (2012), a base do populismo é mais psicológica que sociológica. Entretanto, não se constata um grande volume de pesquisas sobre populismo na Psicologia, nem na Psicologia Política. Neste sentido, o objetivo deste artigo é apresentar as principais referências teóricas de populismo para as pesquisas em Psicologia Política latino-americana, para debatê-las com conceitos da psicanálise de grupos e discutir seu funcionamento. Deste modo buscamos refletir sobre os principais traços do populismo que fazem com que as pessoas sejam influenciadas por seu discurso e entrem em adesão ao seu movimento.

Como procedimento de investigação, primeiro, realizamos uma revisão bibliográfica (Creswell, 2010) e em seguida, uma discussão teórica acerca do fenômeno do populismo. A pesquisa bibliográfica se efetivou em livros e bases de dados virtuais, como o Scielo, Pepsic, Redalyc e Google acadêmico. Também pesquisamos todos os artigos das Revistas de Psicologia Política (PP) do Brasil, Argentina, Espanha e França, bem como livros sobre o tema. Revisamos as revistas de PP da França e Espanha, por contarem com artigos de muitos autores latino-americanos. Pareamos as palavras-chave 'populismo' e 'populista' com 'psicologia política'. A revisão foi realizada no mês de janeiro de 2019.

Encontramos poucos trabalhos da Psicologia Política Latino-americana (PPL) que tratam do populismo em si (Benbenaste, Etchezahar, & Petit, 2009; Dorna, 1997, 1999, 2001, 2003, 2011, 2012; Rodríguez Kauth, 2015; Quiroga, 2016), num número bem menor do que o previamente hipotetizado. Assim contamos com todos para nosso corpus de análise. Consideramos assim que a tradição investigativa da PPL centra-se mais nos estudos sobre o autoritarismo, do que nos populismos.

Constatamos que as principais referências teóricas na produção da área são os trabalhos do psicólogo político franco-chileno Alexandre Dorna e do pensador argentino Ernesto Laclau. Ressalta-se que no caso de Dorna, sua teoria não aparece como referência a outros autores, senão a apresentação de sua própria proposta escrita por si mesmo. E a obra de Laclau aparece como importante fundamento para a leitura do fenômeno, sem receber crítica ou refutação por seus comentadores, seja por Quiroga (2016), ou por psicanalistas lacanianos, ao debaterem os populismos (cf. coletânea de Hoffmann & Birman, 2018). Ressalta-se também que há trabalhos que se apoiam em outras perspectivas teóricas, de enfoques críticos (cf. Benbenaste, Etchezahar & Petit, 2009; Rodríguez Kauth, 2015).

Deste modo, nas duas primeiras partes deste artigo discorremos sobre os principais enfoques encontrados sobre o populismo: em Laclau e Dorna. Na terceira parte adicionamos conceitos da psicanálise de grupos de Didier Anzieu e Wilfred Bion, que consideramos contribuir para a elucidação do fenômeno do populismo. Em seguida debatemos os diferentes enunciados teóricos para tecer algumas considerações acerca deste fenômeno. Nosso trabalho de articulação teórica foi inspirado pelo que o filósofo Gilles Deleuze (1992) chama de método antropofágico, ou método do roubo. Semelhante ao método do canibal, são 'devorados' excertos teóricos de distintos autores e após metabolização do diferente material, pode decorrer uma nova proposição, um acontecimento, um simulacro (Deleuze, 2003), em que o autor da ideia original já não se reconhece no produzido. Deleuze também descreve esse processo tal como uma 'sodomia filosófica' (Dosse, 2010), em que se faz um filho por trás de determinado autor, gerando como produto um monstro, não no sentido negativo, mas no sentido de produção de uma anomalia conceitual que pode colocar em desequilíbrio os sistemas de saberes constituídos. Por isso que para Deleuze e Guattari (1992) a filosofia é a arte de criar conceitos que se configuram como novas modalidades de expressão do mundo e da existência. Portanto, nosso método de trabalho parte de uma bricolagem teórica (Deleuze & Guattari, 1976) que aproveita determinadas passagens de cada autor para a ampliação de nossa concepção sobre o fenômeno do populismo.

 

Laclau, da heterogeneidade à equivalência

A obra de Laclau tem grande influência em importantes segmentos da Psicologia Política na América Latina, não apenas no Brasil, como também na Argentina. Tal intensidade não apareceu tanto nos artigos, se comparamos com sua citação em conferências e cursos de Psicologia Política. Em seu livro, 'A razão populista', Laclau (2005) realiza extensa revisão bibliográfica acerca do fenômeno populista, brindando uma rica análise a partir do pós-estruturalismo.

Como considera o populismo um fenômeno de massa, também faz uma revisão sobre os estudos clássicos das multidões em G. Le Bon, H. Taine, G. Tarde e S. Freud. Destes estudos ressalta a afirmação de Tarde, sobre a transição da figura do povo para o de público, e a conhecida proposição de Freud (1921/1976) sobre a conexão da massa com seu líder, na qual se forma uma ligação entre uma formação psíquica com o objeto externo, no caso do ideal de eu com o líder.

Para Laclau o populismo se caracteriza por ser mais um ato performativo, que ideológico. Por isso não se refere a uma medida de conteúdo, um conjunto de ideias, ou posicionamento ideológico-político. Então, o populismo é mais um modo de atuar, um funcionamento, um estilo. Por isso não pode ser reduzido à ideologia da extrema-direita, ou mesmo da extrema-esquerda; direita ou esquerda não definem o populismo. Este fenômeno se apresenta mais como uma "lógica política" (Laclau, 2005, p. 150), uma "lógica social, cujos efeitos atravessam uma variedade de fenômenos. O populismo é, simplesmente, um modo de construir o político" (Laclau, 2005, p. 11), que não se refere a "uma constelação fixa, senão a uma série de recursos discursivos que podem ser utilizados de modos muito diferentes" (Laclau, 2005, p. 220).

Dessa forma, o populismo é uma lógica social plástica que está articulada à construção de um povo. É formado por atos performativos que possibilitam a junção de demandas individuais em demandas coletivas, em conjugar as heterogeneidades em uma cadeia equivalencial formada por distintos atores e demandas sociais. Por isso não é uma ideologia, mas uma forma de atuar, comportar-se. Nesse sentido, é uma das possíveis explicações sobre o porquê de um ativista radical de esquerda se converter ao radicalismo de direita (Klandermans & Mayer, 2006), ou por que parte de eleitores de Lula votaram em Bolsonaro nas eleições de 2018, ou mesmo no caso da França, em que até chega a existir algo denominado como 'esquerda lepenista'.

Por isso que Laclau não se junta ao coro dos que criticam que o populismo se trata de um discurso vago e indeterminado. De forma contrária, para ele esse caráter vago é um dos principais elementos que caracteriza o populismo, pois os significantes vazios são os elementos que permitem que a heterogeneidade de indivíduos se identifique com o discurso populista. Portanto, é a própria indefinição do discurso que contempla os diferentes enunciados e demandas dos distintos coletivos, tal como se fossem buracos e lacunas que viessem a ser preenchidos pelo desejo e expectativas dos diversos agrupamentos. Assim, estabelece uma relação entre o aumento da universalidade discursiva com a diminuição da particularidade na construção da identidade coletiva. Abaixo citamos três fragmentos em que afirma essa questão:

Isto é, a função de representar a 'universalidade' relativa da cadeia vai prevalecer sobre a de expressar a reivindicação particular que constitui o material que sustenta essa função. Em outras palavras: a identidade popular se torna cada vez mais plena desde um ponto de vista extensivo, já que representa uma cadeia sempre maior de demandas, mas se torna intensivamente mais pobre, porque deve se despojar de conteúdos particulares a fim de abarcar demandas sociais que são totalmente heterogêneas entre si. Ou seja: uma identidade popular funciona como um significante tendencialmente vazio. (Laclau, 2005, p. 125)

Já sabemos que quanto mais extenso é o laço equivalencial, mais vazio será o significante que unifica a cadeia (isto é, o particularismo específico do símbolo, ou a identidade popular, vai estar mais subordinado à função "universal" da significação da cadeia como totalidade. (Laclau, 2005, p. 129)

A partir disto podemos deduzir que a linguagem de um discurso populista - seja de esquerda ou de direita - sempre será impreciso e flutuante: não por alguma falha cognitiva, senão porque tenta operar performativamente dentro de uma realidade social que é em grande medida heterogênea e flutuante. (Laclau, 2005, p. 151)

Nesse sentido, os significantes vazios e flutuantes não são uma deficiência do discurso populista. Ser vago e lacunar não se refere a uma debilidade, mas sim à assunção da função de contemplar o máximo da heterogeneidade social, de criar uma mesma curva integral para os elementos singulares, sempre em câmbio e variação. Entende-se assim que um discurso que contempla uma grande diversidade de atores sociais pode assumir uma maior eficácia política do que discursos muito particulares e específicos.

Além de ser um discurso recheado de significantes vazios e flutuantes, o populismo se caracteriza pela construção de um segmento, de uma fronteira, que separa o povo dos estratos de poder, constituindo, de tal modo, essa relação antagônica, do povo contra a elite: "Já temos duas claras pré-condições do populismo: (a) a formação de uma fronteira interna antagônica separando o 'povo' do poder; (b) uma articulação equivalencial de demandas que torna possível o surgimento do 'povo'" (Laclau, 2005, p. 99). Dessa forma a divisão em dois grupos é fundamental para o funcionamento do discurso populista, de um Nós, que sofre uma injustiça social, contra Eles (Quiroga, 2016). Tanto que nos Estados Unidos, a dicotomização populista primeiramente foi gerada numa mobilização contra os comunistas: "O primeiro momento no qual surge um discurso conservador com conotações populistas é nas cruzadas anticomunistas da década de 1950, cujo epicentro foi o macarthismo, mas que havia sido precedido por uma série de processos moleculares que tiveram lugar em uma variedade de frentes" (Laclau, 2005, p. 170).

Deste modo, a produção de um adversário, de um inimigo, qualquer que seja, é algo comum a todo discurso e movimento populistas, pois:

sabemos que o populismo requer a divisão dicotômica da sociedade em dois campos - um que se apresenta a si mesmo como parte que reclama ser o todo - que esta dicotomia implica a divisão antagônica do campo social, e que o campo popular pressupõe, como condição de sua constituição, a construção de uma identidade global a partir da equivalência de uma pluralidade de demandas sociais. (Laclau, 2005, p. 110)

A divisão entre dois grupos está relacionada à crítica ao atual estado de coisas, no qual o populismo defende a subversão do atual estado de coisas existente e pretende instaurar uma nova ordem, numa reconstrução do social. Por isso que Laclau entende que é necessário um certo grau de crise para que o populismo germine, por mais que não tenha desenvolvido muito esse aspecto, tal como Dorna (2001) realizou. Atribuiu maior importância à questão de uma ruptura com o status quo.

Temos aqui as duas dimensões que mencionamos antes: por um lado, a tentativa de ruptura com o status quo, com a ordem institucional precedente; do outro, o esforço em constituir uma ordem ali onde havia anomia e desunião. Assim, a cadeia equivalencial joga necessariamente um duplo papel: torna possível o surgimento do particularismo das demandas, mas ao mesmo tempo, as subordina a si mesma como uma superfície de inscrição necessária. (Laclau, 2005, p. 156)

Além desses dois movimentos, Laclau afirma que é necessário o ato de nomear o que está sendo encarnado para a constituição de um povo. Nomear não é uma mera descrição, ou ideologia, é um ato de fala performativo, construtivo e realizativo (Austin, 1988). Assim é gerada a produção performativa de um povo. "O nome é a base da unidade do objeto" (Laclau, 2005, p. 226). Há uma produção simbólica imprescindível ao discurso populista na produção deste 'novo' coletivo. O discurso populista cria um 'nome', significantes que articularão a heterogeneidade dos elementos que comporão o povo.

Em síntese, para Laclau a constituição do populismo deriva do seguinte processo:

(a) O surgimento do povo requer a passagem - via equivalências - de demandas isoladas, heterogêneas, a uma demanda 'global' que implica a formação de fronteiras políticas e a construção discursiva do poder como força antagônica; (b) no entanto, como esta passagem não segue uma mera análise das demandas heterogêneas como tais - não há uma transição lógica, dialética, ou semiótica de um nível a outro - deve intervir algo qualitativamente novo. É por isso que o fato de 'nomear' a 'nominação', pode ter o efeito retroativo que descrevemos. (Laclau, 2005, p. 142)

Dessa forma o populismo emerge dessa relação entre relações equivalenciais mediadas por significantes vazios, a produção de fronteiras internas e a nomeação dessa heterogeneidade constitutiva com um nome que a integra.

Laclau, a partir da psicanálise lacaniana, adiciona mais um ponto, compreendendo que no populismo há a colagem entre objeto a e hegemonia populista. Para ele "não há populismo possível sem o investimento efetivo em um objeto parcial" (2005, p. 149), a tal ponto em que "a lógica do objeto a e a lógica hegemônica não são apenas similares: são simplesmente idênticas" (2005, pp. 148-149). Assim esse objeto parcial se acopla ao significante vazio, fortalecendo a adesão e ligação imaginária ao populismo. Portanto, Laclau compreende que o populismo passa a ser uma das lógicas de funcionamento da política atual, não discutindo se é uma degradação ou não, conforme alguns autores defendem: o populismo torna-se um fator constituinte da própria política.

 

Dorna, a crise e o homem providencial

O psicólogo político chileno radicado na França, Alexandre Dorna, possui larga obra destinada a investigar o fenômeno do populismo, principalmente no contexto francês. Diferentemente de Laclau, não hipertrofia a função da estrutura e do discurso, mas sim dos afetos em jogo em situações de crise.

O populismo tem como território fértil uma situação de crise (Dorna, 1999, 2001), um mal-estar da sociedade democrática, que produz uma espécie de erosão social e, pode-se dizer, em até uma crise da democracia. Há assim um sentimento coletivo de decepção, frustração, insegurança, de invasão (dos imigrantes), que culmina num mal-estar generalizado. Dessa forma, "as experiências traumáticas nos ciclos da vida testemunham a necessidade de sentimentos de totalidade" (Dorna, 2012, p. 18). Gera-se, então, uma necessidade de um sentimento de continência, de um discurso total, que contenha o mal-estar experienciado. Esse sentimento de totalidade pode ser proporcionado por enunciados totalitários, como a religião, o nacionalismo, e obviamente, o discurso populista. Inclusive a identidade social pode funcionar como uma espécie de regulação social e psíquica diante da crise vivida, como uma defesa frente a incerteza e a ambiguidade. Logo, o populismo e demagogia se reagrupam em períodos de crise (Dorna, 2012).

Nesse sentido, nos momentos de crise, há uma necessidade de ordem e mudança, numa dinâmica de tentativa de superação da situação que gerou o mal-estar. Considera-se que os sistemas políticos tradicionais, como os partidos e sindicatos, já não conseguem dar uma resposta à crise. Dorna defende que o discurso populista expressa a insatisfação social vivida, pois se conforma como uma crítica e denúncia ao sistema, ao establishment, às elites. Manifesta um discurso de necessidade de mudança e a constituição de uma nova ordem que supere a crise instituída. Mobiliza a vontade de ruptura, com um discurso messiânico de produção de uma nova ordem.

Dessa forma, o populismo sustenta uma oposição contra o status quo e uma atitude anti-elitista (Dorna, 1999). "A principal característica do populismo não é a efervescência social, mas seu potencial de contestação" (Dorna, 2012, p. 64). Incita um processo de massa de contestação, que é canalizado em um líder carismático que afronta as elites políticas. Produz uma dicotomização, na qual se constrói um culpado, um bode-expiatório, um inimigo, responsável pela situação de crise vivida. Então sempre há no discurso essa dimensão do Nós versus Eles. Há um apelo de um líder a um povo, que é contrário aos políticos e intelectuais do establishment e que opera na dinamização da produção de uma nova ordem, mas no âmbito imaginário. Este líder mobiliza esse sentimento de necessidade de mudança de uma situação encarada como ruim para uma nova a se construir.

Diferentemente da análise pós-estruturalista de Laclau, Dorna intensifica o papel da dimensão afetiva do populismo. Há um forte teor emotivo, no qual "O populismo seria, acima de tudo, um sentimento, uma atitude moral, uma rejeição da alienação do mundo industrializado e a fragmentação da vida e do pensamento humano realizada pela sociedade moderna e pela dominação do mercado" (Dorna, 2012, p. 33). Esse sentimento exacerbado cria uma espécie de elã coletivo, que unifica o grupo social. Se na crise há uma erosão social, o discurso populista proporciona a ligação social perdida, constituindo um laço grupal e um envelope identitário, um esprit de corps.

Na análise de Dorna (2001), o líder populista ocupa um lugar fundamental para o movimento, pois o encarna. O populismo é calcado na figura do homem forte, providencial e carismático. É ele que deve expressar a "energia contagiante, a dimensão antidepressiva e o entusiasmo carismático" (Dorna, 2012, p. 64), que falta aos governantes do status quo. Ele deve ter um carisma contagiante que o leve ao lugar de um 'mito' que resolverá os problemas, praticamente numa espécie de messianismo. O apelo dos líderes populistas ao povo incita uma vontade de ruptura e mudança.

Nessa perspectiva, o líder ocupa um papel de catalisador emocional (Dorna, 1997). "A imagem do líder carismático precede seus atos ... o carisma se autoalimenta de sua energia e da lenda de ações anteriores bem-sucedidas, tanto quanto da convicção das outras por vir" (Dorna, 2012, p. 76). Este homem carismático deve ter diversas características, tais como as seguintes: charme, sedução, energia contagiosa, perseverança, obstinação, inteligência nas situações, calma, capacidade de impor, postura de poder, uma certa megalomania. Dorna também realiza uma tipologia dos tipos de carisma, subdividindo-os em seis tipos: messiânico, cesarista, autoritário, popular, republicano e negativo (2012, p. 85). 
Dorna afirma que o líder se utiliza de um mecanismo de nostalgia como forma de persuasão da população. Ele discorre sobre um momento passado fictício, idealizado, buscando o retorno da unidade nacional perdida. Assim, "evoca os grandes mitos fundadores e a perspectiva de um porvir à altura das esperanças da nação" (Dorna, 2012, p. 64). Portanto, a nostalgia e seu ideal de um tempo passado não vivido, que seria melhor que o presente, é algo muito utilizado pelo discurso populista para manejar a população na adesão de sua crença.

A estrutura discursiva do populismo corresponde a uma produção totalizante, com uma linguagem simples, claridade das ideias expostas, direta, compreensível a todos. Remete à ação e não à reflexão ou abstração, 'explicando' o atual estado de coisas. No âmbito afetivo é um discurso com forte carga emotiva, dotado de simplicidade emocional e que "exprime os valores tradicionais e as aspirações de mudança que povoam o imaginário das massas" (Dorna, 2012, p. 78). O líder geralmente fala em 3ª pessoa, com uma performance teatralizada, ressaltando seu pertencimento e identificação ao povo. Reafirma as promessas de um porvir, com uma bipolarização do discurso atitudinal (por ou contra, nós contra eles), em que sempre há a crítica às elites e um apelo à coesão nacional. Utiliza significantes comuns, como: nação, povo, nós, nosso país, trabalho, esforço nacional, família, segurança. "O discurso populista resulta de uma sutil alquimia entre a palavra que deve (re)fundar a política e aquela que deve gerar a política" (Dorna, 2012, p. 99).

Dessa forma o populismo resulta de uma prática e não de um plano programático; não há um programa ou projeto prévios, mas que apenas toma forma nas palavras, sendo caloroso e abertamente oportunista (Dorna, 2012). "A habilidade desta fórmula retórica está em sua capacidade emocional de introduzir a dúvida no coração dos eleitores sem fazer alusão à argumentação conceitual, nem uma proposição sobre um programa. Apenas à afetividade e ao vivido" (Dorna, 2011, p. 111).

Dorna (2001) compreende que houve um incremento do populismo nas últimas décadas devido ao hábil uso da televisão e da mídia. E a isso adicionamos o desenvolvimento das tecnologias de informação e comunicação, principalmente as mídias digitais. "A hipercirculação de informação pelos meios de comunicação provavelmente é a causa principal do surgimento de novas formas de populismo. As pequenas frases e palavras de ordem resumem a eficácia das fórmulas neofascistas" (Dorna, 2012, p. 67).

Tal como para Laclau, Dorna não vê o populismo como uma ideologia, pois considera que possui "uma ideologia indefinida, vaga e em permanente construção" (2001, p. 25). Neste sentido a questão entre direita e esquerda será considerada como uma forma de arcaísmo, com pouca importância. O populismo não apenas ultrapassa as ideologias, como se apresenta como um movimento policlassista (Dorna, 2001). Em realidade, se há uma ideologia no movimento populista, esta "não é o movimento em si, nem a forma do discurso, é sobretudo a articulação dos resíduos históricos e a inteligência emocional de um povo" (Dorna, 2012, p. 109). O populismo é tomado pela sua lógica de funcionamento, tal como "um mecanismo sócio-político de integração nacional" (Dorna 2012, p. 158). Enfim, o magnetismo do populismo deve ser tomado como o resultado da combinação de diversos fatores: "a profundidade da crise, a deterioração anímica e a decepção das massas, a presença de uma liderança carismática, a força do seu discurso e a impotência das elites no poder" (Dorna, 2011, p. 112).

Tal como para Laclau, Dorna considera que o populismo não deve ser visto como uma degradação da democracia, mas sim como uma forma de garantir a participação do povo na democracia em tempos de racionalidade instrumental e governamental na política, para que esta não se transforme em pura gestão.

 

As formações imaginárias coletivas

É digno de atenção que psicólogos, filósofos, sociólogos e cientistas políticos que utilizam a psicanálise como ferramenta teórica para refletir sobre o comportamento coletivo, geralmente se centram numa perspectiva de um agenciamento dual, ao invés de uma disposição mais coletivista, em rede. Lasswell (1963), Adorno (2007), Laclau (2005) e muitos dos que assumem Freud e Lacan como referência, ao analisarem o comportamento coletivo, focam a questão da relação do ideal de eu com o objeto externo (líder) (Freud, 1976), com a questão do objeto a, ou o discurso do mestre (Hoffmann & Birman, 2018). Essas análises costumam desconhecer a produção de psicanalistas que buscaram refletir como se constituem os laços interindividuais e as formações e processos compartilhados em agrupamentos. Consideramos que, de certa forma, estes autores, ao utilizarem a psicanálise, realizam uma análise dual aplicada às formações e processos sociais, tal como se fosse apenas uma relação entre dois polos (o participante e o líder, ou o participante e o discurso) e não múltiplos polos (os distintos segmentos de participantes entre si etc.). Em alguns casos se transpõem descobertas do setting clínico para o setting social, como se não fossem dois agenciamentos, dois contextos, muito distintos, regidos por configurações de forças e materialidades díspares. Isto é, se ficam no agenciamento dual, e não na dinâmica entre múltiplos indivíduos, em rede, podem operar com um certo risco de redução do social.

Nesse sentido, defendemos que se deve trabalhar as formações e processos intermediários (Kaës, 2005) que são compartilhados por uma coletividade e que produzem efeitos diversos de quando o indivíduo está, por exemplo, espacialmente isolado. Nessa perspectiva, Guattari (1972) em seus trabalhos seminais já afirmava que o fantasma não é individual, mas sim fantasma de grupo. Ou seja, a fantasia inconsciente não se refere apenas a uma problemática de um indivíduo 'isolado', mas é produção decorrente de um agenciamento entre indivíduos. Dessa forma, consideramos que os coletivos reunidos constituem uma produção simbólica e imaginária coletiva muito mais complexa e multifacetada do que a análise fundada em apenas o imaginário de um indivíduo. Assim, os coletivos sociais atuam conforme o primado de construções imaginárias, as quais podem assumir uma significativa diferenciação frente aos fatos objetivos e concretos, ou seja, da realidade externa.

Contudo, Guattari pouco teorizou sobre as diferentes configurações das formações imaginárias resultantes das fantasias coletivas. Sua análise centra-se na atribuição de um duplo posicionamento que o coletivo pode assumir, entre grupo-sujeito e grupo-sujeitado. Estipula dois posicionamentos em que em um polo, o grupo é mais autônomo e sujeito a processos de singularização, e no outro, sofre processos de heteronomia e captura (Deleuze & Guattari, 1976; Guattari, 1972). Deste modo, Guattari restringe-se mais aos processos de progressão e de regressão, sem hipotetizar de forma mais detida sobre suas formações imaginárias decorrentes.

Para preencher tal lacuna, referimo-nos à literatura da psicanálise de grupos que teoriza sobre a constituição de formações imaginárias grupais no espaço coletivo, e que não se reduz ao agenciamento dual. Esta teorização pode contribuir para a elucidação do fenômeno do populismo. Para nossa reflexão, trabalhamos sobre dois conceitos originais que abordam o funcionamento das formações imaginárias grupais e que influenciaram uma série de estudos da psicanálise, seja na clínica, ou nas reflexões sobre a sociedade, mas que consideramos ainda serem subaproveitados: a ilusão grupal de Didier Anzieu (1993) e os pressupostos básicos de grupo de Wilfred Bion (1975).

Anzieu afirma que o grupo funciona tal como se fosse um envelope, estabelecido por um sistema de regras e atrelado a uma mesma trama simbólica. Devido a essa envoltura, há um lado interno, que corresponde a um estado psíquico transindividual que forma um si-mesmo, composto de um imaginário singular, e há um lado externo, que é a realidade exterior, física e social. Produz-se assim uma divisão, que gera um grupo interno e outro externo, que culmina numa clivagem da transferência. A transferência positiva é dirigida ao pequeno grupo, e a negativa ao grande grupo, num funcionamento que pode ser associado ao teorizado anos depois por Tajfel (1985).

Apoiado em Pontalis (1972), Anzieu compreende que mais que uma formação ou estrutura concreta, "um grupo é um objeto de investimento pulsional" (1993, p. XX). Assim, o grupo é um local de investimento desejante e de "uma colocação em comum das imagens anteriores e das angústias dos participantes" (Anzieu, 1993, p. 21). Portanto, o coletivo é um lugar de fomentação de imagens, as quais desencadeiam emoções de diversos tipos aos seus integrantes.

Dessa forma, Anzieu afirma que no grupo ocorrem processos similares aos processos oníricos de um sonho, isto é, a partir da atuação de uma fantasia inconsciente. "A situação de grupo é assim vivida como fonte de angústia com a mesma intensidade como que é vivida como realização imaginária de um desejo" (Anzieu, 1993, p. 49). Logo, o grupo, tal como o sonho e um sintoma, associa um desejo e uma defesa. Ocorrem processos como deslocamentos, condensações e figurações simbólicas do desejo. Por isso que a realidade do grupo interno pode ser bastante distinta da realidade externa social e o grupo atuar como um sonho. Anzieu também estipula dois mecanismos gerais relacionados ao narcisismo no grupo: um investimento narcísico de alguns setores de seu funcionamento e a defesa contra a ferida narcísica.

Deste modo, é produzida uma configuração imaginária comum ao grupo, que se conforma como aquilo que Anzieu (1993) denomina de 'organizador grupal'. Os organizadores podem ser entendidos como tipos psicológicos e sociais que organizam não apenas as representações do grupo, bem como todo o funcionamento grupal. Estes organizadores imaginários podem assumir grande influência, modulando o acontecer social e coletivo. Decorre-se disso, evidentemente, uma relação imaginária do coletivo em relação à realidade, na qual o grupo se constitui como o lugar da utopia e da ucronia, do não lugar e do não tempo.

Nessa perspectiva, o funcionamento do coletivo populista também pode ser visto a partir deste processo de ilusão grupal. A configuração imaginária produzida tem como decorrência o efeito de mecanismo defensivo frente às inseguranças vividas em detrimento da crise social experienciada. E tal produção imaginária também será o receptáculo dos investimentos desejantes direcionados à mudança e superação do mal-estar. Nesse sentido, a ilusão grupal tem uma dupla função: defensiva e prospectiva. Logo, o coletivo populista pode estar partilhando de uma ilusão grupal de mudança, numa fantasia coletiva de transformação frente a situação negativa vivida no presente. O desejo é pela mudança por si só, qualquer que seja. Deste modo os distintos indivíduos se unem pela realização do sonho almejado, tal como um grupo em fusão. Vale ressaltar essa dupla função da ilusão grupal, que de um lado, estrutura-se em processos de contenção que servem a mecanismos defensivos, e de outro, na canalização do desejo e das aspirações. Os processos de antagonismo entre endogrupo, positivado, e grupo externo, negativado, respondem à clivagem da transferência, em que o interno é visto positivamente, e ao exterior é depositada a carga negativa.

Esta ilusão coletiva mobiliza o desejo pela transformação, mas não necessariamente leva o grupo a ações concretas que efetivamente produzam a mudança e o novo. "A ilusão grupal permite a constituição do ser do grupo como objeto transicional" (Anzieu, 1993, p. 6), mas não obrigatoriamente cumpre essa função intermediária. Tal produção depende de quanto o grupo consegue des-ilusionar-se para a produção de mudanças concretas. Consideramos assim que o mecanismo de ilusão grupal é um fenômeno importante para a compreensão da adesão coletiva ao populismo e suas variações, mesmo quando seus enunciados estão significativamente distantes da realidade concreta.

Outra teorização da psicanálise acerca das formações e processos coletivos que pode contribuir aos estudos sobre o populismo é o fenômeno dos pressupostos básicos de grupos, propostos por Wilfred Bion. O psicanalista indiano estabelece dois enunciados principais aos estudos de grupos. O primeiro é que operam dois níveis no espaço coletivo, que se referem aos processos racionais e conscientes e aos processos inconscientes, e o segundo, de que há configurações imaginárias grupais que denomina de pressupostos básicos de grupos. Estas formações se diferenciam do agenciamento de grupo de trabalho, que é o coletivo inserido na tarefa e no contato ativo com a realidade.

Devido à crise vivida e tensão interindividual, o coletivo pode sofrer uma vulnerabilização, na qual pode 'regredir' e atualizar fases primitivas da vida mental. Esta regressão leva o indivíduo e o coletivo a processos de perda da diferenciação individual, despersonalização e um funcionamento dicotômico, separado em bom e mau. Dessa forma, o coletivo pode adotar algumas configurações imaginárias como forma de lidar com o mal-estar e a insegurança, ou seja, os pressupostos básicos de grupo.

Os pressupostos básicos de Bion consistem em uma reação imaginária defensiva diante às ansiedades de um momento vivido pelo grupo. Tais ansiedades geralmente incitam emoções intensas, como a angústia, o medo, o amor e o ódio. Assim, o grupo 'elabora' imaginariamente um modelo mágico-onipotente para lidar com tais afetos. Estas configurações imaginárias tornam-se os "esquemas subjacentes que organizam (no sentido em que se fala de organizadores em embriologia) o comportamento de um grupo e, por exemplo, orientam a escolha sobre tal ou qual tipo de líder" (Pontalis, 1972, p. 217).

Bion propõe três tipos de pressupostos básicos que podem se assemelhar a distintos traços do comportamento do coletivo populista: dependência, acasalamento e ataque e fuga.

O pressuposto básico de dependência é aquele em que o grupo está submetido a um integrante, no caso o líder, ou a uma ideia para poder funcionar. O coletivo se estrutura por uma relação de força vertical, na qual fica subjugado aos imperativos desse líder. No grupo terapêutico, esta dependência se dá sobre o terapeuta. E na falta de um líder concreto, o coletivo pode se apegar a um objeto, histórico, ideologia, ata, como se fosse uma bíblia irrefutável.

O pressuposto básico de acasalamento é o de grupo emparelhado, de pareamento. Neste caso, o coletivo não se estrutura em torno de um líder, mas de uma esperança de algo que está por vir, um messianismo, que pode se encarnar em uma pessoa ou uma ideia, que supostamente salvará o grupo. Há o imperativo de uma união, fusão grupal, como forma de produção, ou espera, desse elemento novo. Constitui-se um clima de otimismo e esperança ilusória dentro do coletivo, sendo que essa esperança jamais será realizada. Assim, configura-se um imobilismo no grupo à espera desse fator que supostamente acudirá o coletivo e o colocará para funcionar.

O pressuposto básico de ataque e fuga se ativa quando o grupo se une para lutar contra algo ou fugir dele, com a finalidade de conseguir diminuir a carga de ansiedade. Obedece a um mecanismo esquizo-paranóide de atacar o mal, que é atribuído ao externo, ou a um elemento do grupo, e tenta-se conservar o endogrupo. Na inviabilidade de se atacar esse mal, a alternativa é a fuga. Assim, afetos de ira e agressividade são dirigidos a esse inimigo, ao bode-expiatório.

Vale ressaltar que o líder do grupo do pressuposto básico é aquele que aceita com mais facilidade as identificações projetivas do grupo, aquele que é mais permeável. Inclusive aquele que venha a substituir o líder é considerado como o mais regredido, num funcionamento conforme ao pressuposto básico, sendo o membro mais fraco. Essa perspectiva do líder como o membro mais vulnerável é contrária às concepções de Le Bon (2005) e de Freud (1976), que afirmam que o líder é o dominador e assume o papel do sugestionador, hipnotizador. Outro ponto de interesse é que as qualidades das emoções divergem em cada pressuposto básico, como se alguns afetos fossem peculiares e se aliassem a cada configuração grupal. Dessa forma, o pressuposto surge como defesa às ansiedades primitivas decorrentes das tensões do sujeito dentro do grupo e do contexto social vivido.

Consideramos que o funcionamento dessas três configurações imaginárias se aproxima de forma íntima com o fenômeno do populismo. Por isso que o discurso populista nestes casos assume um caráter impreciso e pouco pragmático, pois os grupos de pressupostos básicos não perseguem uma verdade, ou uma produção concreta, mas enunciados que proporcionem uma defesa diante ao mal-estar e uma justificativa para o que se vive. Nesse sentido, o coletivo populista organizado pelos pressupostos básicos pode seguir a lógica da união e da fusão do endogrupo estipulada pelo grupo de acasalamento. Pode estar atrelado de forma rígida aos imperativos do líder no grupo de dependência. E pode nutrir duras relações de antagonismo e rivalidade ao exogrupo, seja atacando-o, ou fugindo dele, no grupo de ataque-e-fuga. Portanto, o discurso populista pode se acoplar aos pressupostos básicos de grupos, sendo uma produção imaginária que tem mais como finalidade a regulação das ansiedades e sua contenção momentânea. Há uma estruturação, na qual se depende rigidamente das consignas de um líder (dependência), une-se em prol da esperança da mudança (acasalamento) e hostiliza e ataca o grupo externo, considerado como inimigo (ataque-e-fuga).

 

Articulação das principais características do populismo e sua dupla face

Para finalizar, debatemos alguns pontos entre os diferentes marcos teóricos citados neste trabalho para sintetizar uma concepção sobre o funcionamento do populismo, apesar de suas diferenças epistemológicas e ontológicas. Nessa articulação selecionamos alguns elementos que se aproximam, como também alguns que divergem. Discutimos uma possível dupla face do populismo, na qual, primeiro, apresentamos algumas possíveis convergências e, em seguida, uma divergência que pode resultar em uma ampliação da leitura do fenômeno.

Para ambos autores o populismo não se refere a uma ideologia específica, mas sim a uma lógica, um estilo, um modo de operar, que pode adquirir distintos enunciados ideológicos, da extrema-direita à extrema-esquerda. Nesse modo de funcionamento, o momento fundador do populismo é a necessidade de produção de um grupo, um interno, um novo segmento. Essa construção de fronteiras e de uma população singular, o 'povo', é trabalhada principalmente por Laclau, na teorização da produção de uma cadeia equivalencial que integre a heterogeneidade, a partir de significantes vazios e flutuantes. Este fenômeno de produção de um coletivo comum também é tratado por Dorna. Ressalta-se, em convergência a esse enunciado, a teorização de Anzieu sobre a importância da constituição de um envelope psíquico grupal para os processos de regulação e continência coletiva.

Com a constituição das fronteiras grupais, também há a produção de uma lógica imaginária comum. Laclau propõe que os enunciados discursivos do populismo assumem um caráter flutuante, numa retórica que busca a ruptura e a mudança do status quo. Para Dorna essa mudança está diretamente relacionada à superação da situação de crise. Já para Anzieu, essa lógica imaginária pode ser vista como a expressão dos desejos compartilhados do coletivo, que idealiza a mudança e a transformação de acordo com a ilusão grupal partilhada, que pode ser de qualquer conteúdo. Essas formações imaginárias também funcionam como um mecanismo defensivo diante o mal-estar e tensão provenientes da crise e da própria situação de estar em grupo, tal como Bion teoriza.

Um dos principais ensinamentos de Dorna sobre o populismo é o lugar determinante que os afetos ocupam em sua estratégia governamental. Os afetos não apenas formam uma ligação entre o coletivo, mas também são seu combustível para a adesão, implicação e ação em movimentos populistas, o qual constitui um esprit de corps ao coletivo social. Entretanto, afetos de bem-estar e plenitude não são os mais incitados, senão os afetos destrutivos direcionados ao grupo opositor, às elites, como o ódio, o temor e o medo. Dessa forma a contribuição de Bion sobre os pressupostos básicos de grupo são importantes, pois com a identificação do pressuposto grupal vivido, pode-se diagnosticar qual é o afeto prevalente, e vice-versa. Por exemplo, o pressuposto de acasalamento está associado ao afeto de esperança, o de dependência ao de desamparo, e o de ataque-e-fuga à ira e ódio ao outro. Considera-se assim que a análise dos afetos é importante ferramenta para compreender a governamentalidade do populismo, a qual pode ser uma das principais contribuições da psicologia política ao estudo deste fenômeno.

Outro fator fundamental no populismo é a produção do antagonismo. Não há apenas a constituição das próprias fronteiras, mas Laclau e Dorna frisam a importância da construção do grupo adversário, seja a elite, ou outro coletivo específico. Decorre uma divisão entre endogrupo e exogrupo e o que Anzieu denomina de clivagem da transferência. Logo, a estratégia populista canaliza os bons afetos no endogrupo e o ressentimento, o ódio e a agressividade no objeto do antagonismo, no outro grupo, considerado como inimigo. Dessa forma, os processos de produção de dicotomização e antagonismo, descritos por Laclau, Dorna e Anzieu, são ainda mais fundamentais, porque o outro torna-se o depositário de todo o mal-estar sentido, proveniente da situação de crise. Este outro pode ser qualquer um, sejam as elites políticas que dominam o Estado, os comunistas, as minorias sociais etc. Assim, essa culpabilização do outro e sua consequente produção como bode-expiatório (Pichon-Rivière, 1980) e funcionamento pelo pressuposto de grupo de ataque-e-fuga (Bion, 1975) cria uma narrativa, uma 'ficção', que atende ao desamparo sentido e à regulação das ansiedades vividas. Portanto, neste discurso, o problema da crise não se origina devido a uma constelação de fatores complexos e heterogêneos, mas por justificativas rasas e simples (muitas vezes falsas), como por exemplo a vinda de imigrantes que 'roubam' o emprego da população autóctone, da população LGBT que quer 'acabar' com a heterossexualidade e a família tradicional, a crise econômica ser obra dos partidos socialistas etc. Então, a produção de um antagonista, um inimigo, o bode-expiatório, tem uma função catártica ao coletivo populista. Há uma vibração contagiante, um investimento energético, uma expiação do mal, contra este outro produzido. E essa catarse coletiva fortalece os laços deste grupo entre si.

Consideramos que a principal divergência entre as teorias na análise do fenômeno é quando o populismo se estrutura como uma ilusão grupal (Anzieu, 1993) sem sua função transicional, isto é, quando se conforma como uma formação imaginária pouco ancorada no real. Nesse caso, configura-se como uma modalidade discursiva, um imaginário coletivo, que mobiliza os coletivos sociais aos ideais de uma retórica que pouco se concretiza na realização de um novo projeto político para a sociedade. Deste modo, não traz mudanças e construções em direção à autonomia. Pode perseguir uma utopia imaginária, sem um projeto claro a se construir. Há assim uma fixação pela busca de uma transcendência que não se sabe o que é, mas que se supõe ser melhor do que se vive atualmente, por mais que não haja uma análise acurada do que é que se vive no presente e nem do que se quer para o futuro. Portanto, compreendemos que o populismo pode encarnar a lógica da transcendência buscando o não ser, correndo o risco de estagnar-se na idealização de uma mudança, até então desconhecida.

Nesse caso, propomos que essa modalidade de populismo atualiza uma forma arquetípica de funcionamento grupal: o ideal da transcendência. O ato de juntar-se num grupo faz com que indivíduos vulnerabilizados sintam ainda mais ansiedade, temor e receio, buscando mecanismos defensivos para lidar com o mal-estar (Bion, 1975). A transcendência sempre está presente nas consciências reativas e expressa em si uma força reativa (Deleuze, 1976). Assim, esta lógica é ativada como forma de superar o desconforto sentido e pode se atualizar em qualquer regime de enunciados que leve à almejada mudança da situação atual: superar a crise, transformar a sociedade e as relações humanas, ou mesmo no âmbito especificamente individual, como: ficar rico, ascender socialmente, mudar de país etc. A lógica da transcendência se torna uma linha de fuga ao mal-estar. É um mecanismo que se refere à ilusão e idealização grupal e opera de modo mais intenso em momentos de insegurança e desamparo social. Idealiza-se mudar, mas não se muda. Sustenta uma retórica de transformação fictícia, pois mantém o mesmo diagrama de forças instituído.

Isso pode ser visto em alguns governos populistas que apenas imprimem a mesma lógica de uma gestão neoliberal, independendo se sua retórica governamental é de esquerda ou de extrema-direita, anticapitalista ou reformista. Nesse caso, o populismo é um movimento discursivo que visa modular o comportamento político-eleitoral e a opinião pública para manter a governamentalidade neoliberal nos grandes coletivos, na medida em que a social-democracia não estava obtendo mais eficácia para mantê-la. Torna-se uma forma de retórica e captura imaginária subjetiva, uma nova roupagem de funcionamento coletivo, que consegue manter a ligação social para a reprodução das relações instituídas, ou seja, a manutenção da lógica e do Estado neoliberal.

Dessa forma, é tanto uma decorrência, como uma resposta, para a crise econômica. Lazzarato (2014) afirma que o capitalismo não havia produzido nenhuma forma subjetiva que contivesse o mal-estar da crise da subjetividade capitalista. Então, a ascensão vertiginosa do populismo pode ser vista como uma resposta a essa crise subjetiva. Erige-se uma subjetividade dicotomizada, polarizada, conservadora, em crise, mas como forma de persuasão para a manutenção do diagrama de forças vigentes. Com a crise da subjetividade capitalista, constitui-se a subjetividade populista, como a nova produção que visa manter esta governamentalidade e os corpos em funcionamento. Não é à toa que o nazifascismo germinou após o crack de 1929 e sofisticou o ordoliberalismo europeu (Dorna, 1997; Lazzarato, 2015). Não é coincidência que o grande tsunami populista começou a varrer o mundo após a crise de 2007-2008, com potencial de produção de um novo neoliberalismo, ainda mais individualista, competitivo, excludente e destrutivo.

Nessa perspectiva, essa modalidade de populismo pode ser vista como uma captura da potência do que Hardt e Negri (2006) chamam de multidão. É a formatação da multidão sob uma única etiqueta, numa nova hegemonia, com um claro antagonismo. Uma integração por significantes vazios e flutuantes e por um sofisticado manejo afetivo. Propomos assim que esta forma de populismo é o modo de governamentalidade das grandes populações no campo aberto nas sociedades neoliberais (Hur, 2018).

Conclui-se assim que o populismo possui uma dupla face. Por um lado, tal como Laclau e Dorna afirmam, é um elemento constituinte da política, ou da democracia. Do outro, quando se conforma como uma narrativa que funciona a partir de uma ilusão grupal pouco ancorada no real, o populismo se torna um modo de gestão da vida que tem como finalidade a manutenção das relações de forças existentes e instituídas. Vira mais um elemento complementar do capitalismo, um mecanismo governamental que se mostra bastante eficaz na governamentalidade das distintas populações. Por sua crescente importância na atualidade é um dos temas fundamentais de investigação para a Psicologia Política.

 

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Recebido em: 12/02/2019
Aprovado em: 10/09/2019

 

 

1 Todas as traduções de citações em língua estrangeira, inglês, espanhol e francês, foram realizadas por nós.

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