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Revista Psicologia Política

versão On-line ISSN 2175-1390

Rev. psicol. polít. vol.21 no.50 São Paulo jan./abr. 2021

 

ARTIGOS

 

Construindo "teias": fragilidades e potencialidades para o enfrentamento da violência contra a mulher

 

Building "cobwebs": fragilities and potentialities in order to face violence against women

 

Construyendo "telarañas": fragilidades y potencialidades para el enfrentamiento de la violencia contra la mujer

 

 

Letícia Bortolotto FloresI; Samara Silva dos SantosII; Ilana Lemos de PaivaIII

IPsicóloga e mestra em Psicologia pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Integrante do grupo de pesquisa Avaliação e Intervenções no Desenvolvimento Humano e do Grupo de Estudo, Pesquisa e Extensão sobre Violência e Contextos Sociais (GePeViCS) na Linha "Violência e Contextos Sociais" / lebflores07@gmail.com
IIDoutora em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Docente do Departamento e do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) / silvadossantos.samara@gmail.com
IIIProfessora Associada do Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Coordenadora do Observatório da População Infanto juvenil em Contextos de Violência (OBIJUV/UFRN). Pesquisadora associada ao Grupo de Pesquisa Marxismo e Educação / ilanapaiva@hotmail.com

 

 


RESUMO

A violência contra as mulheres possui caráter multidimensional e multideterminado. Portanto, a atenção voltada para estas situações deve abranger uma rede articulada e representativa de suas necessidades. Este artigo é um recorte de uma pesquisa qualitativa exploratória que teve como objetivo mapear a Rede de Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres de um município gaúcho. Utilizou- -se da amostragem por Bola de Neve para coleta de informações e construção do fluxograma de indicações. A principal problemática apresentada é que, contrapondo o que é previsto pelas políticas vigentes, o trabalho em redes vem se construindo informalmente. Existem dois principais núcleos, o da Saúde e o Jurídico. Os setores da Assistência e Segurança Pública permanecem em segundo plano de funcionamento e reconhecimento. Além disso, a não existência de serviços, como o Centro de Referência, é um resultado preocupante, que direciona ao pouco engajamento do Estado com as estratégias de enfrentamento da violência.

Palavras-chave: Colaboração Intersetorial; Gênero; Programas Governamentais; Política Pública; Violência de Gênero.


ABSTRACT

Violence against women has a multidimensional and multidetermined character. Therefore, the attention focused on these situations must cover an articulated network that represents its needs. This article is a summary of a qualitative exploratory research that aimed to map the Rede de Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres (Combat Network of Violence Against Women) in a Brazilian southern municipal ity. The snowball sampling was used to collect information and construct a flow chart of indications. The main problem presented is that, in contrast to what is foreseen by the current public policies, networking has been constructed informally from participant's contacts. There are two main sectors, Health and Juridical front. The sectors of Public Assistance and Public Security remain in the background of operation and recognition. In addition, the lack of services, such as the Reference Center, is one of the most concerning results, which directs the lack of engagement of the State with coping strategies.

Keywords: Intersectoral Collaboration, Gender; Government Programs; Public Policies; Gender Violence.


RESUMEN

La violencia contra la mujer tiene un carácter multidimensional y multideterminador. Por lo tanto, la atención enfocada en estas situaciones debe cubrir una red articulada que represente sus necesidades. Este artículo es un recorte de una investigación cualitativa exploratoria que tuvo como objetivo mapear la Red de Enfrentamiento a la Violencia Contra las Mujeres de un municipio gaucho. Se utilizó del muestreo por Bola de Nieve para recopilar información y construir un diagrama de indicaciones. La principal problemática presentada es que, contrariamente a lo previsto por las políticas vigentes, el trabajo en redes se viene construyendo informalmente. Hay dos núcleos principales, el de la Salud y el Jurídico. Los sectores de Asistencia y Seguridad Pública permanecen en segundo plano de funcionamiento y reconocimiento. Además, la inexistencia de servicios, como el Centro de Referencia, es uno resultado preocupante, que apunta al poco compromiso del Estado con las estrategias de enfrentamiento a la violencia.

Palabras-clave: Colaboración Intersectorial; Género; Programas de Gobierno; Política Pública; Violencia de Género.


 

 

Introdução

A violência contra as mulheres é um fenômeno amplo, que apresenta diversas formas de expressão, sendo exemplos comuns a agressão física, verbal, sexual e simbólica. Embora se configure em um grave problema social e de saúde pública, ainda é compreendida como irrelevante para uma parcela significativa da população, mostrando a importância da responsabilização do Estado com estratégias de informação, orientação e acolhimento de vítimas (Godinho, 2000; Guzmán, 2000). Há uma emergência para que ações de enfrentamento sejam efetivadas. Com a colocação de 5º país mais violento para as mulheres (Waiselfisz, 2015), o Brasil, em 2017, registrou 4.473 homicídios dolosos de mulheres (um aumento de 6,5% em relação a 2016). Além disso, o número de estupros no país cresceu 8,4% de 2016 a 2017, passando de 54.968 para 60.018 casos registrados. Isso significa que uma média de seis mulheres brasileiras foram estupradas a cada dia (Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2018). No Estado do Rio Grande do Sul, a Secretaria de Segurança Pública (SSP) divulgou o crescimento de 40,9% do número de mortes de mulheres por questões de gênero, alcançando o maior número já registrado no estado desde 2012 (Secretaria de Segurança Pública, 2019).

As raízes históricas da cultura patriarcal são reconhecidas como principais responsáveis pelos índices de violência de gênero na nossa sociedade. Os primeiros passos do Governo Federal relativos à questão da violência contra as mulheres datam do período de redemocratização. Foi por meio das lutas coletivas das mulheres que o problema da violência contra a mulher passou a ser alvo de atenção social e política. Desde 2003, com a criação da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República (SPM-PR) - marca do primeiro Governo Lula, com status de Ministério -, uma série de ferramentas e propostas em gênero, principalmente no que tange o enfrentamento à violência contra as mulheres, começaram a ser implementadas, com o objetivo de um trabalho articulado de ações da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, bem como de ações não governamentais (Secretaria de Políticas para as Mulheres, 2011, 2013). A intersetorialidade e a atenção em redes são as marcas fundamentais das estratégias propostas pelos programas de atenção, visando ao desenvolvimento de uma lógica de gestão que tem por base a articulação/soma/síntese de setores (em especial, da Assistência Social, da Justiça, da Segurança Pública e da Saúde), e a superação da cultura de fragmentação ao tratar da violência (Pereira, 2008; Secretaria de Políticas para as Mulheres, 2011).

A Rede de enfrentamento à Violência contra as Mulheres (Secretaria de Políticas para as Mulheres, 2011a) é o documento oficial para fundamentar a atuação articulada entre instituições e serviços governamentais, não-governamentais e a comunidade, tendo em vista o desenvolvimento de estratégias efetivas de prevenção e de políticas que garantam o empoderamento e a construção da autonomia das mulheres, os seus direitos humanos, a responsabilização dos agressores e a assistência qualificada. Ainda, sua atuação pode ser dividida em duas frentes, a de Enfrentamento, que conta com a fiscalização e formulação das ações e estratégias, e a de Atendimento, que se direciona para a aplicação.

O Governo do estado do Rio Grande do Sul, na gestão do governador Tarso Genro, em 2011, ao criar a Secretaria Estadual de Políticas para as Mulheres (SPM-RS), começa a articular estratégias intersetoriais para o tratamento das políticas para as mulheres gaúchas. Uma marca fundamental dessa articulação é formação da Rede Lilás: Rede de Enfrentamento e Atendimento Especializada a Mulheres em Situação de Violência, criada em 2013 (Conteratto & Martins, 2016; Decreto n. 50.914/2013). A Rede Lilás toma como base o documento nacional (Secretaria de Políticas para as Mulheres, 2011), sendo composta de estratégias de fortalecimento dos espaços municipais e estaduais específicos de aplicação de Políticas Públicas para as mulheres e dispondo de ferramentas para o combate da violência.

Todavia, as Políticas de Enfrentamento sofrem diretamente com o reflexo do contexto político econômico brasileiro. Diante da crise orçamentária administrativa, em nível nacional, é sancionada a reforma ministerial em outubro de 2015, na qual houve a redução da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República (SPM-PR). A SPM-PR perde seu status de ministério, passando a fazer parte do Ministério das Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos. Em maio de 2016, no governo interino de Michel Temer, a SPM-PR passou a compor o Ministério da Justiça e Cidadania (Conteratto, Martins, & Leal, 2017). Já no Rio Grande do Sul, a extinção da SPM-RS foi uma das primeiras medidas tomadas pelo governador eleito em 2014, José Ivo Sartori, por meio da Lei n. 14.672 de 1º de janeiro de 2015. Atualmente, as Políticas para as Mulheres (assim como as de outras áreas sociais) estão a cargo da Secretaria de Desenvolvimento Social, Trabalho, Justiça e Direitos Humanos (SDSTJDH). O Departamento de Políticas para as Mulheres (DPM-RS) está entre os nove departamentos da SDSTJDH, sendo encarregado de manejar programas e ações da Rede Lilás com um nível limitado de investimento (Conteratto & Martins, 2016).

Esse cenário é agravado com o avanço das Políticas Neoliberais - que vêm se intensificando desde a década de 1990 -, direcionando a flexibilização e recuo do papel do Estado como regulador, além da redução dos gastos públicos (Cisne & Gurgel, 2008; Moreno, 2017; Pereira, Tassigny, & Bizzaria, 2017). Segundo Montaño (1999), a implementação do projeto neoliberal provoca uma distorção no significado político do Estado e das demais organizações jurídicas e políticas que lhe dão sustentação, além de fomentar valores que colaboram com a noção de relativismo (individualismo, liberdade de expressão, produção em série, entre outros). No campo das Políticas Públicas, essas características resultam na focalização, no pragmatismo, no pensar separado, características que vão de encontro aos ideais da intersetorialidade e transversalidade. Em suma, tais políticas potencializam uma desmontagem do serviço público, no qual as políticas de enfrentamento estão inseridas, compreendendo processos de desinvestimento e quebra da máquina Estatal.

Nesse sentido, diante da atual crise administrativa e seus reflexos nas áreas sociais e econômicas, este trabalho objetivou a construção e problematização de um mapeamento dos principais serviços e estratégias pertencentes à rede de Enfrentamento a Violência contra a mulher, em um município do centro gaúcho, identificando condições de funcionamento e ações de articulação socioassistenciais e/ou intersetoriais atualmente desenvolvidas.

 

Método

O estudo caracteriza-se como qualitativo de natureza exploratória, partindo da compreensão de que os fenômenos sociais investigados, no caso do presente artigo a rede de enfrentamento à violência contra a mulher, apresentam uma realidade objetiva, tangível e material, construída por meio de um processo histórico e social (Araújo, Oliveira, & Rossato, 2017). Portanto, ao ser constituído por diferentes atores, ao ser múltiplo, complexo e dialógico, cabe enfatizar que o processo de investigação, que envolveu a produção e análise das informações, procurou lançar uma compreensão e interpretação frente as possibilidades e desafios que perpassam a rede de enfrentamento à violência contra a mulher, a partir da Epistemologia Qualitativa (González Rey, 2005). A pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética e Pesquisa e recebeu parecer favorável à execução (CAAE: 79995117.3.0000.5346). A coleta de dados foi realizada a partir da estratégia de amostragem Bola de Neve (Vinuto, 2014), possibilitando o fluxo de contato com as participantes por uma rede de indicações. Cada pessoa entrevistada foi responsável pela indicação de outros participantes, provenientes de sua própria rede de contato, para dar continuidade à amostra. A escolha por esta estratégia de amostragem se deu devido à ausência de um mapeamento oficial dos serviços envolvidos com a problemática da violência contra a mulher, sendo necessária a construção de um mapeamento por referências.

Como o município conta com uma base de Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (DEAM), este serviço foi escolhido como semente (informante-chave) do estudo por configurar uma das portas de entrada da rede. O primeiro contato com a semente foi realizado pessoalmente, sendo os demais participantes contatados via aplicativo de mensagens, ligação telefônica e/ou E-mail. Fizeram parte do estudo participantes com diferentes ligações e relações de trabalho com a problemática investigada, variando de agentes diretamente ligados aos serviços especializados de atendimento, agentes de serviços de atenção primária, pessoas atuantes em universidades ou simpatizantes/militantes da causa. Após assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foram realizadas individualmente entrevistas semiestruturadas, com 12 questões, as quais remetiam a sua trajetória profissional e atuação direta na Rede de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher na cidade. As entrevistas foram gravadas e, posteriormente transcritas para a análise das informações. Ao total, participaram da pesquisa 11 profissionais, sendo nove mulheres e dois homens, motivo pelo qual será utilizada, preferencialmente, a flexão e adaptação dos termos no feminino.

A apresentação e discussão dos dados foi construída de forma a abordar, nas falas das participantes, fatores que indicam as conexões, fluxos e parcerias que caracterizam o funcionamento da Rede de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher no município destacado, trazendo elementos referentes à temática das Políticas Públicas de gênero e sua contextualização no âmbito municipal. Buscou-se identificar quais eram as atoras1 relevantes no processo, discutindo as principais funções e ligações entre elas, mapeando ações e/ou serviços nos quais pertencem.

Para categorização, recorreu-se a análise de inspiração bardaniana (Bardin, 2009), passando pelas etapas de pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados. Para isso, utilizou-se de categorias elaboradas a priori, trazidas pelos principais documentos publicados pelos órgãos diretamente envolvidos, principalmente da Secretaria de Políticas Para as Mulheres (SPM-PR) e Secretaria de Políticas Para as Mulheres do Rio Grande do Sul (SPM-RS). Assim, analisou-se as possibilidades e os desafios da atual configuração da Rede de Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres frente as Políticas Públicas e ao cenário político destacado.

 

Resultados e discussão

Do mapeamento: a construção de uma representação da rede de enfrentamento à violência contra a mulher

O primeiro levantamento de dados relativos à Rede de Enfrentamento e de Atendimento no município foi realizado em 2017, através da página da SPM na internet (http://www.spm.gov.br). Na época, foi possível visualizar a existência de dois serviços ativos: a Casa de Passagem Mulheres Vítimas de Violência, que consta como Serviço de Abrigamento, e a Delegacia de Polícia Especializada de Atendimento à Mulher (DEAM), ambos pertencentes a rede de Serviços Especializados. Atualmente, decorrente das reduções da SPM-PR e SPM-RS, a página não se encontra mais disponível, impossibilitando o acesso a estes dados.

Frente a esta situação, utilizou-se, como alternativa, a pesquisa realizada por Martins e Conteratto (2016) que apresenta um mapeamento dos Equipamentos de Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres no Rio Grande do Sul. Nos resultados, foi possível visualizar no município o funcionamento de uma Sala Lilás e da DEAM e, diferente do levantamento feito anteriormente, no site da SPM, não houve a confirmação da existência da Casa Abrigo.

A elaboração deste levantamento prévio possibilitou um panorama dos serviços e ações, direcionando a melhor escolha de ferramenta para a coleta. O sistema de indicações se mostrou essencial para a captação da real articulação desempenhada entre os serviços, visto a indisponibilidade de um mapeamento "oficial". As participantes da pesquisa e suas estratégias de trabalho foram mapeadas e demarcadas em um fluxograma.

Seguindo a divisão da Rede de Enfrentamento, disposta em duas diferentes frentes de ação: Enfrentamento e Atendimento (Secretaria de Políticas para as Mulheres, 2011a), utilizou-se desta categorização para a elaboração do fluxograma, conforme verificado na Figura 1.

Segundo o documento oficial (Secretaria de Políticas para as Mulheres, 2011a), a Rede de Enfrentamento mostra-se composta por quatro principais setores/áreas (saúde, justiça, segurança pública e assistência social). Desta forma, a Rede de Atendimento, fazendo parte da Rede de Enfrentamento, divide-se duas categorias de serviços: os especializados e os não especializados.

Diante do fluxograma, é possível verificar que o município conta com o funcionamento de serviços, tanto da rede de Enfrentamento, como de Atendimento, além de um número significativo de serviços especializados. Os principais dispositivos apontados na Rede de Enfrentamento foram: Conselho Municipal dos Direitos da Mulher; Círculos Restaurativos e Grupos Reflexivos para homens autores de violência (serviços/programas voltados para a responsabilização dos agressores). Além disso, também foi possível identificar ações não governamentais ligadas a movimentos de mulheres e ações universitárias, como projetos de extensão e pesquisa.

Conforme o modelo previsto (Secretaria de Políticas para as Mulheres, 2011a), a Rede de Atendimento pode desenvolver atuação em quatro diferentes áreas/setores - Saúde, Justiça, Segurança Pública e Assistência Social. Foram identificados no fluxograma os seguintes serviços especializados: Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (DEAM); Patrulha Maria da Penha (PMP); Casa Abrigo/ Casa de Acolhimento Provisório; Juizado da Paz Doméstica (Juizados Especiais de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher) e Equipe de Matriciamento da Violência Sexual (Serviços de Saúde voltados para o atendimento aos casos de violência sexual e doméstica). Já como serviços não especializados, mantendo papel de porta de entrada e acompanhamento, foram identificados: Superintendência de Vigilância em Saúde - Controle de Notificação (Controle Social - notificação das violências); Centros de Referência de Assistência Social (CRAS), Centros de Referência Especializados de Assistência Social (CREAS), Estratégia de Saúde da Família (ESF) e Unidades Básicas de Saúde (UBS).

Constatou-se que os principais polos de trabalho se encontram nos serviços da DEAM, no Juizado da Paz Doméstica, Equipe de Matriciamento e Universidade (com atividades de pesquisa e extensão). Esses serviços se mostram como conectores entre as demais estratégias mapeadas, possuindo maior número de ligações à diferentes pontos do mapa. Dessa forma, aponta-se para a significativa articulação dos polos da Saúde e Justiça, sendo responsáveis pela maior parte da criação de estratégias de enfrentamento e cuidado (por exemplo: grupos reflexivos com agressores, círculos de paz doméstica, articulação hospitalar para acolhimento de vítimas de violência sexual). Os polos da Segurança Pública e Assistência Social permanecem em segundo plano, sendo apenas citados pelas participantes e não indicados para composição do fluxograma. Além disso, foi verificada a existência da Casa Abrigo, ainda que seu atual funcionamento não seja de conhecimento comum de todas as entrevistadas.

Das relações da rede: tecendo teias

Diante da análise do fluxograma, atenta-se para a centralidade das ações em dois principais núcleos: o da Saúde e o Jurídico. É a partir desses dois núcleos que a maior parte das estratégias são efetivadas, havendo entre as atoras, participantes da pesquisa, uma maior formação de vínculos, troca de informações e fluxo de trabalho efetivo.

Em relação ao chamado núcleo Jurídico, foi possível identificar um fluxo de encaminhamentos e trocas de informações entre os serviços da DEAM e Juizado da Paz Doméstica, juntamente com os serviços ofertados por ele (Grupo Reflexivo e Círculo Restaurativo). Serviços como a Casa Abrigo e o Conselho da Mulher também podem ser compreendidos como vinculados, majoritariamente, a esse núcleo.

Buscando melhor interpretar o funcionamento deste núcleo, averígua-se que o município conta com a existência de uma Delegacia Especializada desde o ano de 2001, tendo a mesma delegada interina desde sua inauguração. A parceria entre Juizado da Paz Doméstica e DEAM nasce a partir da inauguração do Juizado, em janeiro de 2016, o que contribui de forma mais efetiva com a resolubilidade de parte dos inquéritos em andamento sobre violência contra mulheres (Curcino, 2016). Os serviços da DEAM no município são restritos ao atendimento de casos de violência doméstica, tendo funcionamento apenas em horário comercial: "No início, é… nós tínhamos, fazíamos todos os tipos de ocorrência que envolvesse as mulheres como vítimas, menos crimes contra o patrimônio, de furto, roubo não entra ... desde o ano passado, nós estamos, então, só fazendo violência doméstica." (Entrevista 1).

A Patrulha Maria da Penha (PMP), estratégia fundamental para o atendimento de casos que possuem dificuldade de acesso à DEAM, foi apontada como serviço auxiliar no fluxograma. Embora seu funcionamento tenha sido citado por mais de uma entrevistada, não foi indicada pelas participantes como elemento para continuação da coleta, permanecendo, por fim, fora do fluxo de indicações. Segundo dados noticiados no site do Governo do Estado do Rio Grande do Sul (Viegas, 2015), a PMP foi implantada no município ainda no ano de 2015, atuando de forma ativa na prevenção da violência e fiscalização das medidas.

a gente [em relação a polícia e brigada militar] faz a fiscalização das medidas protetivas nos bairros né ... ah, nós fazemos muito também trabalho de prevenção, nos bairros com palestras, a gente faz isso também leva a delegacia móvel né, que é um ônibus na verdade, não… é um ônibus que teria condição de registrar ocorrência né, mas ninguém vai registrar ocorrência num ônibus, mas é mais pras pessoas, pra a gente ficar mais perto da comunidade, pra elas interagir, pra elas perguntarem, daí a gente leva o pessoal da universidade também, das faculdades a gente convida eles vão, eu acho que isso ajuda muito né na prevenção. (Entrevista 1)

Depois da DEAM, a Casa Abrigo é o segundo serviço mais antigo direcionado ao amparo de mulheres em situação de violência no município. A representante da Casa Abrigo relatou que o serviço de abrigamento teve seu início em meados do ano de 2005, oferecendo o abrigo às mulheres vítimas de violência como serviço auxiliar (não é a principal atividade motriz na casa).

Eu comecei a trabalhar como representante em 2005, onde começou a surgir na, nos conselhos, que deveria ser aberta a quarta casa [no estado] pra mulheres vítimas de violência, onde a, na ocasião, o município veio até nós pra gente fazer esse trabalho. ... nós, antes de existir a maria da penha, nós já abrigávamos as mulheres. Eu lembro também que na, não existia a casa formada, e a gente sempre recebia a mulher no lar, do acolhimento institucional ... a gente não tinha psicólogo, não tinha nada, e nós já atendia esse tipo de violência, por não existir um lugar. (Entrevista 2)

Segundo o fluxograma, a principal vinculação do serviço de abrigamento é a DEAM. O Juizado é referido em alguns momentos por realizar o direcionamento dos inquéritos relacionados às mulheres abrigadas na casa. Entretanto, chama-se atenção para o fato que a Casa Abrigo ainda funciona próximo dos moldes de serviço auxiliar, recebendo pouco investimento para financiamento de custos, tornando difícil a independência da Casa e ampliação dos serviços. O que ajuda para que o funcionamento se mantenha, é a sua direção ser dividida com outro serviço municipal, possibilitando o manejo dos gastos públicos para ambos serviços.

Nós fizemos o que pudemos ..., se nós não tivéssemos dividindo [com a outra instituição], não dava o valor, 16 mil tu não pode pagar psicóloga, assistente social, dá comida, porque a gente dá tudo aqui, guria, é roupa, comida, a gente dá, os filhos vão pro colégio, tudo subsidiado pela instituição. ... É muita violência, então. As coisas são muito difíceis pra gente, porque a gente não tem o apoio, das políticas. (Entrevista 2)

As Gestões Municipais, Estaduais e Federais são responsáveis pelo manejo do investimento público em políticas, e o valor direcionado para os determinados setores de uma política são alocados de acordo com interesses políticos e pelas prioridades governamentais. Mesmo tratando as políticas de enfrentamento à violência contra a mulher como políticas de Estado, a agenda pública de investimentos em determinadas políticas sofre com os direcionamentos e perspectivas que ancoram a gestão Estatal, que se encontra atuante em determinado momento. Essa contradição entre as práticas cidadãs, a legitimação de direitos e a economia dominante do capitalismo advém do próprio processo contraditório das relações entre Estado/sociedade/economia (Faleiros & Rapozo, 2011). A Casa Abrigo e a Delegacia Especializada são financiados pelo Governo Municipal, servindo apenas a mulheres habitantes do município. Ademais, outro fator que chama atenção a respeito da casa, é o desconhecimento de seu atual funcionamento por grande parte das demais atoras entrevistadas, o que sinaliza a quebra na comunicação entre os serviços.

Questões relativas ao financiamento governamental e contradições com interesses públicos são presentes também em outros pontos do mapeamento. O Conselho Municipal dos Direitos da Mulher, que foi criado no ano de 2011, tem declaradas (conforme Art. 3º) as funções de: desenvolvimento de estratégias de combate às discriminações contra a mulher e ampliação de direitos; colaboração com demais órgãos e entidades no que se refere aos assuntos relativos à mulher; encaminhamento e incorporação das preocupações e sugestões manifestadas pela sociedade, opinando sobre denúncias que lhe sejam encaminhadas; criação de instrumentos concretos que assegurem a participação da mulher em todos os níveis e setores da atividade municipal; e promoção de articulações, intercâmbios e convênios com instituições públicas e privadas com a finalidade de implementar as políticas, medidas e ações do Conselho (Lei n. 5548/2011; Lei n. 5481/2011). O que se visualiza, contudo, é que o Conselho possui um histórico de atividades assistencialistas, sendo composto por instituições designadas pessoalmente pelo interesse do Prefeito Municipal. Segundo Cisne e Gurgel (2008), o investimento em ações filantrópicas parte da desregulamentação do Estado e a sua desresponsabilização para com as Políticas Públicas de caráter universal. Esse cenário, que está diretamente conectado com o avanço do neoliberalismo, faz com que o Estado crie novos mecanismos de exploração, além de uma nova ideologia reprodutora de valores que não ajam de modo conflitante com o status quo, investindo apenas em ações pontuais, que respondam a necessidades imediatas (Cisne & Gurgel, 2008).

Com a posse da nova gestão na presidência do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher no município onde a pesquisa foi realizada, houve a tentativa de mudança em alguns enfoques. Entretanto, é visível a permanência de alguns impasses:

[existe] uma falta de participação, por que é uma instituição muito enraizada com relação à instituições entende? Não é um fato de [nome utilizado para exemplo] querer defender os direitos da mulher que ela vai tá lá, não, ela tem que ser de uma das instituições que estão lá elencadas, só que isso ai acaba frustrando muitas vezes o bom andamento do conselho porque aquelas instituições não estão a fim de participar, e ai a gente acaba tirando lugar e a participação de pessoas que de fato poderiam auxiliar efetivamente, execução de políticas públicas e ideias que pudessem trazer algum benefício pras mulheres. (Entrevista 10)

Nesse sentido, cabe apontar que a inclusão de temas como gênero e enfrentamento às violências nas Políticas Públicas está condicionada pelo contexto político global e pelas concepções e valores vigentes (individualismo, liberdade de expressão, produção em série, entre outros) (Guzmán, 2000; Moreno, 2017). Mesmo tendo as políticas de Estado uma característica de manutenção e garantia do bem-estar social, quem organiza as políticas de Estado, em determinado momento, é um governo determinado, podendo, assim, serem incluídos na aplicação das Políticas Públicas, pontos de vista políticos, sociais e de classe (Godinho, 2000). O funcionamento dos serviços perpassa estes interesses: "[para elaborar diretrizes] tu precisa não só desse respaldo das pessoas, mas do ente público, porque o conselho é um órgão da prefeitura né e se a gente não consegue uma agenda com o nosso prefeito, aí definitivamente a gente percebe que tá atada, que tá de mãos atadas assim." (Entrevista 11).

É possível perceber a importância da implicação da comunidade local na questão da violência. Uma das características do município onde a pesquisa foi realizada diz respeito ao fato de ser uma cidade universitária, cujas ações das universidades é também levar a público a discussão sobre a temática da violência contra a mulher, assim como oferecer serviços direcionados ao enfrentamento da violência. As participantes citam alguns projetos, como é o caso do projeto Diotima, realizado a partir da organização da Comissão de Direitos Humanos (CDH) e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). O projeto parte da disponibilização de espaços para que advogados e estudantes voluntários do curso de direito prestem assessoramento jurídico às mulheres vítimas de violência doméstica. Além disso, há o Grupo Marias Bonitas, um projeto de Extensão (identificado na Figura 1), que propõe ações de empoderamento com mulheres em uma Unidade Básica de Saúde (UBS) de um bairro periférico na cidade. As ações universitárias compõem o grupo de estratégias mapeadas, no fluxograma, no núcleo da Saúde.

O Serviço de Referência para Atendimento de Vítimas de Violência Sexual (Equipe de Matriciamento), também se encontra vinculado às ações universitárias. O serviço funciona no Hospital Universitário de Santa Maria (HUSM) desde dezembro de 2015, sendo referência regional para o acolhimento de pessoas em situação de violência sexual. O atendimento porta-aberta acontece 24h e conta com uma equipe multiprofissional (médico infectologista, ginecologista, enfermeira, psicóloga e assistente social). O atendimento ofertado pela Equipe, pode ser exemplificado no trecho a seguir: "Nós estamos trabalhando com a violência sexual, porque a gente precisa pegar uma coisinha, não tem como tu pegar tudo, é muito grande, é muito dramático, muito problemático essa área né" (Entrevista 7).

Mesmo direcionando os seus atendimentos apenas para casos de violência sexual, a equipe acaba sendo uma importante porta de entrada para os casos de violência contra a mulher na cidade, se tornando referência para os demais serviços, que direcionam suas demandas para serem lá atendidos:

Quando eu acompanhava sistematicamente assim, eu via assim uma lacuna, os CREAS não tinham assim profissionais não fazia com… e nem entendia o que que era pra fazer [com as situações de violência contra a mulher]. Tinham profissionais lá que nem sabiam, cada um tinha um entendimento do que era o papel do CREAS, então é bem difícil tu ter uma rede que nem sabe o que tem que fazer, nem sabe o que que dá conta. E acabava que tinha um serviço que tava, ele tava com uma qualificação boa e mas acabava que ficava uma demanda muito grande porque era o único serviço que tinha [se referindo à Equipe de Matriciamento], que era o HUSM, ... e que acabava recebendo todas as demandas. (Entrevista 9)

Conforme citado pela participante, os serviços como os Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) e Centro de Referência da Assistência Social (CRAS) entram como serviços não especializados no enfrentamento à violência contra a mulher (Secretaria de Políticas para as Mulheres, 2011a). Serviços de atendimento geral como CRAS, CREAS, Unidades Básicas de Saúde (UBS) e Estratégias de Saúde da Família (ESF), devem constituir como as principais portas de entrada para a mulher na Rede de Atendimento em saúde e assistência social. Cabe a seus profissionais realizar o encaminhamento dos casos aos serviços especializados, fazendo acompanhamento e monitoramento desses encaminhamentos.

É constatado que a ação destes centros, vem, há anos, sofrendo com uma série de denúncias realizadas ao poder público. As denúncias destacam irregularidades em relação ao funcionamento da política municipal de Assistência Social, como as terceirizações dos trabalhadores nos serviços de proteção social básica (CRAS) e de proteção social especializada de média complexidade (CREAS), a falta de trabalhadores concursados e a não efetivação de concursos público para o Sistema Único de Assistência Social (SUAS), além da precariedade e o baixo quantitativo de equipamentos da Assistência Social (Conselho Regional de Psicologia do Rio Grande do Sul, 2015). Apesar dos direcionamentos feitos ao longo dos anos, decorrentes destas declarações, o reflexo da conjuntura que levou à denúncia representa uma potencial acentuação na precarização da atenção em rede, tornando difícil o desenvolvimento das estratégias de acolhimento, prevenção e acompanhamento de mulheres em situação de violência.

Outro destaque recorrente nas falas das participantes é a não existência de um Centro de Referência e Atendimento à Mulher em Situação de Violência (CRAM). Os trechos a seguir expressam esta ideia.

[O município] precisa de um centro de referência de enfrentamento à violência contra a mulher! Seria um serviço especializado que ele também seria responsável por essa articulação da rede né, então teria atendimento psicossocial, atendimento ahm… jurídico né, defensoria pública tudo no mesmo lugar. Existe já um projeto pronto, só que o município tem que dar contrapartida entendeu, tem que ter um olhar. (Entrevista 8)

O Centro de Referência resolveria isso né, mas pra ter um Centro de Referência, o município tem que investir, tem que ter profissionais pra isso, né. O Centro de Referência é, um, um, o nome tá dizendo, um Centro que tu vai, e ali, quem está ali, vai te dar os direcionamentos. - Olha tu sofreu estupro, então tu não pode tomar banho, tu tem que ir procurar a Delegacia, anh, anh, aí tu vai po Hospital Universitário, tu tem que, tu precisa, precisa, anh, tomar o… Enfim, direcionar pra onde ela tem que ir. (Entrevista 4)

Conforme ressaltado, a falta de um Centro de Referência é um agravante para a segregação da atenção voltada à violência contra a mulher no município. Os CRAMs têm como objetivo oferecer orientação sobre os diferentes serviços disponíveis para a prevenção, apoio e assistência em cada caso particular, garantindo atendimento, acompanhamento jurídico e fortalecimento da mulher em suas individualidades (Secretaria de Políticas para as Mulheres, 2011a). Embora a implantação e implementação de um CRAM não possa, por si só, garantir a efetividade da comunicação entre diferentes dispositivos/serviços/programas da Rede de Enfrentamento, na visão das participantes, tal medida pode contribuir para melhorar e qualificar a articulação entre os setores, conforme é previsto pelas políticas referentes à intersetorialidade. Nesse sentido, a necessidade de formação do CRAM é uma medida emergencial e a principal denúncia para efetivação das medidas de prevenção, proteção e enfrentamento.

Deste modo, frente a dificuldade de criação da articulação devida, o fluxo de atendimento e a comunicação entre os serviços são mínimos e limitados. A informalidade que denota o trabalho das atoras em suas estratégias e/ou serviços é marcada pelas quebras e impasses do contexto político, que não garante as mínimas condições dadas como diretrizes para enfrentamento do problema, conforme descrito pela participante: "Nós não temos muita rede, nós temos é teias né. São pessoas que se comprometem individualmente fazem o trabalho, então poucas pessoas" (Entrevista 1).

A analogia da Rede de Enfrentamento no município como uma teia apresenta uma interessante interpretação para a problemática. Assim como a aranha que, no objetivo pontual de capturar insetos, trabalha solitária na construção de uma teia, para quem trabalha na construção da rede, há dedicação e esforço para que ela seja suficientemente forte para sustentar a resolubilidade de um problema pontual. Entretanto, no contexto de desinvestimento e desarticulação dos serviços públicos, assim como as teias, a rede se mostra frágil e limitada, podendo ser facilmente desarticulada, tendo suas amarras desfeitas.

 

Considerações finais

Frente ao principal objetivo deste artigo que foi mapear as ações e identificar as condições de funcionamento da rede em destaque, é importante enaltecer a dificuldade prévia de se acessar um mapeamento formal no município, que previamente pudesse direcionar os serviços institucionalizados atuantes na temática. Admite-se que o processo de mapeamento a partir da estratégia de indicações pode conter algumas limitações, visto que indicações dependem do ciclo de contato dos indivíduos que, porventura, acabam sendo contatados e mapeados. Entretanto, a própria noção da não oficialidade de serviços essenciais para constituição de uma rede de enfrentamento coloca a estratégia como uma das poucas formas viáveis de se ter acesso aos sujeitos e espaços em questão.

Dentre os principais resultados discutidos, o distanciamento existente na articulação dos serviços e estratégias mapeados pelas entrevistas é preocupante. Embora a intersetorialidade se faça presente no discurso oficial das políticas de enfrentamento à violência, é reconhecido que não existe um atendimento em rede no município. Na síntese das falas das participantes percebe-se que a rede é disposta por "teias": a referência de trabalho é dada a partir da atuação conectada entre os próprios serviços da saúde, serviços jurídicos e algumas ações pontuais intersetoriais.

A precarização do serviço público, marcada pela redução do Estado em favor do mercado, pelo fechamento de serviços e pelo desenvolvimento de ações filantrópicas e assistencialistas, não propicia condições para uma articulação consistente entre serviços. A elaboração de estratégias pontuais para a resolubilidade das problemáticas torna mais difícil a efetivação de um vínculo entre setores, que acabam isolados em funções específicas, determinando a fragmentação da rede.

Visto que o município não conta com os serviços de um Centro de Referência e Atendimento à Mulher em Situação de Violência (CRAM), as conexões e parcerias entre serviços e estratégias são formados a partir do esforço pessoal de indivíduos envolvidos e preocupados com a questão. A responsabilização individual, por vezes, fomenta o sentimento de impotência e insuficiência dos envolvidos frente ao ideal de resolução da violência. Nesse sentido, recai à responsabilização Estatal frente ao desinvestimento em políticas efetivas, melhor capacitação e fomentação para a formação de vínculos, e, principalmente, estruturação de serviços e estratégias.

 

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Recebido em: 20/08/2019
Aprovado em: 11/05/2020

 

 

1 O termo atoras foi escolhido tendo em vista a característica de "mulheres atuantes", uma vez que a mera utilização da palavra "atrizes" não seria suficiente para suprir o significado e variações de relações/cargos/ligações desenvolvidas entre as participantes.

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