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Revista Psicologia Política

versão On-line ISSN 2175-1390

Rev. psicol. polít. vol.22 no.53 São Paulo jan./abr. 2022

 

ARTIGO ORIGINAL

 

Você é de direita? Efeitos preditivos do autoritarismo e do preconceito na autocategorização na direita

 

Are you a rightist? Predictive effects of authoritarianism and prejudice on right-wing self-categorization

 

¿Eres un derechista? Efectos predictivos del autoritarismo y prejuicio sobre la autocategorización de derecha

 

 

Felipe VilanovaI; Damião Soares Almeida SegundoII; Juliana Ledur StuckyIII; Michael Quadros DuarteIV; Angelo Brandelli CostaV

IMestrando em Psicologia Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre/RS, Brasil. felipevilanova2@gmail.com
IIDoutorando em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre/RS, Brasil. damiao_soares@hotmail.com
IIIDoutoranda em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre/RS, Brasil. juledurstucky@gmail.com
IVMestrando em Psicologia Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre/RS, Brasil. mquadrosduarte@gmail.com
VProfessor do Programa de Pós-Graduação em Psicologia e do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre/RS, Brasil. angelobrandellicosta@gmail.com

 

 


RESUMO

Cada vez mais pessoas têm se autocategorizado como parte da direita política no Brasil. Todavia, o aumento no número de membros da direita não foi acompanhado de um aumento de conhecimento acerca do que prediz a autocategorização na direita. Portanto, o objetivo do presente estudo foi investigar os efeitos preditores de duas variáveis historicamente relacionadas à direita: O Autoritarismo de Direita (composto por Autoritarismo, Tradicionalismo, Submissão à Autoridade e Contestação à Autoridade) e o Preconceito Contra Diversidade Sexual e de Gênero (PDSG). Participaram do estudo 518 indivíduos com idades entre 18 e 79 anos (M=39,31; DP=17,93), 59,80% do gênero masculino. Foram conduzidas regressões logísticas binárias considerando a autocategorização na direita como variável dependente e os componentes do Autoritarismo de Direita e o PDSG como variáveis independentes. Concluiu-se que os componentes 'Tradicionalismo' e 'Autoritarismo' do Autoritarismo de Direita predizem significativamente a autocategorização investigada. Implicações do resultado são discutidas no artigo.

Palavras-chave: Direita; Autoritarismo; Preconceito; Autocategorização; Preditor.


ABSTRACT

There is an increasing number of people who categorize themselves as part of the political right in Brazil. However, the knowledge about what predicts self-categorization on the right is still incipient. Therefore, the aim of the present study was to investigate the predictive effects of two variables historically related to the political right: Right-Wing Authoritarianism (comprised of Authoritarianism, Traditionalism, Submission to Authority, and Challenge to Authority) and Prejudice Against Sexual and Gender Diversity (PDSG). The study included 518 individuals aged between 18 and 79 years (M = 39.31; SD = 17.93), 59.80% male. Binary logistic regressions were conducted considering self-categorization on the right as a dependent variable and the components of Right-Wing Authoritarianism and PDSG as independent variables. Results suggested that 'Traditionalism' and 'Authoritarianism' components of Right-wing Authoritarianism significantly predict self-categorization on the right. Further implications are discussed in the article.

Keywords: Right; Authoritarianism; Prejudice; Self-categorization; Predictor.


RESUMEN

Muchas personas se han clasificado como parte de la derecha política en Brasil. Sin embargo, el aumento en el número de derechistas no estuvo acompañado por un aumento en el conocimiento sobre lo que predice la autocategorización de la derecha. Por lo tanto, el objetivo del presente estudio fue investigar los efectos predictivos de dos variables históricamente relacionadas con la derecha: el autoritarismo de derecha (compuesto por autoritarismo, tradicionalismo, sumisión a la autoridad y desafío a la autoridad) y el prejuicio contra la diversidad sexual y de género (PDSG). El estudio incluyó a 518 individuos con edades entre 18 y 79 años (M = 39,31; DP = 17,93), 59,80% del sexo masculino. Se realizaron regresiones logísticas binarias considerando la autocategorización de derecha como variable dependiente y los componentes de autoritarismo de derecha y PDSG como variables independientes. Se concluyó que los componentes "tradicionalismo" y "autoritarismo" predicen significativamente la autocategorización investigada. Las implicaciones del resultado se discuten en el artículo.

Palabras clave: Derecha; Autoritarismo; Prejuicio; Autocategorización; Vaticinador


 

 

INTRODUÇÃO

Historicamente, as definições teóricas de direita e esquerda contam da época da Revolução Francesa. Na Assembleia Nacional do final do século XVIII, aqueles que defendiam mudanças e o fim das desigualdades sociais sentavam-se à esquerda do presidente da Assembleia, e aqueles que defendiam a manutenção do status quo (monarquia), sentavam-se à direita (Haidt, 2012). Diferentemente de outros países, como os Estados Unidos, onde a robustez da produção científica e a própria história sociopolítica acabaram por construir conceitos de direita e esquerda estruturados, alinhados com seus dois principais partidos (Republicano e Democrata), na realidade brasileira eles vêm sendo construídos de outra forma.

No Brasil, o uso das expressões "direita" e "esquerda" é bastante comum, seja pela ciência, pelos meios de comunicação, ou mesmo pelos políticos. Pesquisas realizadas no Brasil em 1989 e 1990 já demonstravam que boa parte do eleitorado brasileiro se colocava em algum ponto do espectro esquerda-direita, ainda que 60% dele não soubesse dizer o que esquerda e direita significavam (Singer, 2002). Tal confusão é reproduzida ao se avaliar os partidos políticos brasileiros, uma vez que se chega a conclusões diferentes acerca de em qual parte do espectro político eles estão ao se analisar os conteúdos programáticos dos partidos (Tarouco & Madeira, 2013), seus manifestos partidários (Tarouco, Vieira, & Madeira, 2015) e as opiniões dos estudiosos (Tarouco & Madeira, 2015).

No âmbito dos partidos políticos, desde 2010 cada vez mais deputados têm se autocategorizado como parte da direita política (Quadros & Madeira, 2018), tendo atingido o seu ápice em 2018 com a ascensão do Partido Social Liberal (PSL). Fundado em 1994, mas com pouca expressão nos seus primeiros vinte anos de existência, em 2018 o PSL se tornou o segundo maior partido do Brasil em número de parlamentares eleitos na Câmara dos Deputados. Autodeclarando-se liberal na economia e conservador nos costumes, muitos de seus membros defendem ideias classicamente associadas à direita política, como a ordem, a hierarquia e a tradição (Ranquetat, 2017). Similarmente, muito de seus eleitores tendem a seguir o perfil "antipartidário" (contra partidos políticos) composto por pessoas predominantemente de cor branca, maior escolaridade, maior renda familiar mensal, e que se autocategorizam como de centro-direita ou direita (Paiva, Krause, & Lameirão, 2016).

Durante o dia da votação do impeachment da ex-Presidente da República Dilma Rousseff na Câmara dos Deputados, o então deputado federal pelo Rio de Janeiro, Jair Messias Bolsonaro, enalteceu Carlos Alberto Brilhante Ustra, coronel do Exército Brasileiro condenado por tortura. Dois anos depois, Bolsonaro foi eleito Presidente do Brasil. Demonstrou-se assim haver amplo espaço para apoio a manifestações de cunho autoritário e de uma sociedade construída dentro de uma identidade moral e religiosa, erigida sobre valores tradicionais. O apoio à ordem, à hierarquia e à tradição transforma-se assim em apologia à intolerância e ao recrudescimento de medidas punitivas. A eleição de Jair Bolsonaro pode ser caracterizada como a clara emergência do autoritarismo de direita no Brasil, fenômeno que até então era manifestado de maneira mais sutil (Almeida, 2015).

O Autoritarismo de Direita

Um dos construtos psicológicos consistentemente relacionados à direita política desde a metade do século XX é o autoritarismo de direita. Baseado no livro The Authoritarian Personality (A personalidade autoritária de Adorno, Frenkel-Brunswik, Levinson, & Sanford, 1950), Bob Altemeyer (1981) propôs o construto chamado Right-Wing Authoritarianism (Autoritarismo de direita) que já foi amplamente pesquisado desde então. Ele é uma atitude social que está relacionada a atitudes favoráveis à tortura (Benjamin, 2016), ao patriotismo e a atitudes negativas em relação a imigrantes (Bizumic & Duckitt, 2018). Como subentendido no nome, o autoritarismo de direita tende a estar mais associado àqueles indivíduos que se autocategorizam como parte da direita política (Passini, 2015).

Em países como Estados Unidos, Nova Zelândia e Israel, o autoritarismo de direita tem 3 componentes (Duckitt, Bizumic, Krauss, & Heled, 2010): (a) O autoritarismo, definido como o apoio a medidas punitivas severas como pena de morte; (b) A submissão à autoridade, definida como a tendência a se submeter acriticamente a autoridades; e (c) O tradicionalismo, definido como a tendência a apoiar padrões e valores morais tradicionais. Entretanto, por ser uma atitude social e consequentemente variar conforme o contexto investigado, os componentes variam a depender do país (e.g. Etchezahar, 2012; Gray & Durrheim, 2006). No Brasil, ele é composto por autoritarismo, submissão à autoridade, tradicionalismo e contestação à autoridade, este último sendo a tendência a desafiar, protestar e criticar autoridades (Vilanova, Milfont, Cantal, Koller, & Costa, 2019).

O autoritarismo de direita prediz preconceito com relação a diversos grupos, mas um dos grupos que têm consistentemente sido alvo dele é a população LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transexuais/Travestis). Ele está associado não só ao preconceito contra diversidade sexual (Crawford, Brandt, Inbar, & Mallinas, 2016), como também à oposição de direitos civis de transexuais (Tee & Hegarty, 2006). Como o autoritarismo e a intolerância tem ganho cada vez mais espaço em setores da direita brasileira, cabe analisar a relação da direita com o preconceito contra diversidade sexual e de gênero.

 

A DIREITA E O PRECONCEITO CONTRA DIVERSIDADE SEXUAL E DE GÊNERO

Estudos clássicos (e.g., Herek, 1988; Herek & Glunt, 1993) já indicavam a autoidentificação política como um dos principais fatores ligados ao apoio ou à oposição a pautas igualitárias de diversidade sexual e de gênero. A relação se manteve, uma vez que estudos atuais seguem indicando a relação entre o alinhamento à direita e a estigmatização de lésbicas, gays e transexuais (Prusaczyk & Hodson, 2019; Van der Toorn, Jost, Packer, Noorbaloochi, & Van Bavel, 2017). Nesse sentido, já foi demonstrado que o alinhamento com as crenças econômicas vinculadas à ideologia política de direita são uma das variáveis mais correlacionados ao preconceito contra diversidade sexual (Barnett, Oz, & Mardsen, 2018). Também já foi demonstrado que o tradicionalismo (componente do autoritarismo de direita) prediz preconceito contra diversidade sexual e de gênero com mais precisão do que a religiosidade (Vilanova, Koller, & Costa, 2019).

Até mesmo na hora de selecionar possíveis candidatos para trabalhar em uma empresa a autocategorização política pode influenciar a escolha: aqueles que se autocategorizam como de direita, quando solicitados a escolherem candidatos com base em currículos, tendem a escolher os candidatos que não expressam em seus currículos que são homossexuais (Hoyt & Parry, 2018). Portanto, demonstra-se que a autocategorização de direita e os componentes do autoritarismo de direita são preditores significativos do preconceito contra diversidade sexual e de gênero.

Embora tanto a autocategorização de direita, como os componentes do autoritarismo de direita e o preconceito contra diversidade sexual e de gênero estejam relacionados, em geral investiga-se o preconceito como variável dependente e a autocategorização e o autoritarismo como variáveis independentes. Todavia, no Brasil essas variáveis ainda não foram investigadas considerando a autocategorização de direita como variável dependente e as outras duas variáveis como independentes. Ou seja, mesmo a direita tendendo a apresentar maiores níveis de autoritarismo e de preconceito, não se sabe quais dessas atitudes melhor predizem a própria autocategorização de direita. Portanto, o objetivo do presente estudo foi investigar se os componentes do autoritarismo de direita ou se o preconceito contra diversidade sexual e de gênero melhor predizem a autocategorização como parte da direita política. Assim, busca-se compreender melhor o que prediz a autocategorização de direita no Brasil e consequentemente explicar suas características distintivas das outras partes do espectro político.

 

MÉTODO

PARTICIPANTES

Participaram do estudo 518 indivíduos com idades entre 18 e 79 anos (M=39,31; DP=17,93), 59,80% do gênero masculino. A caracterização sociodemográfica da amostra em termos de etnia, escolaridade e classe socioeconômica já foi descrita em outro estudo (Vilanova, DeSousa, Koller, & Costa, 2018) mas vale ressaltar que em termos de etnia 449 participantes (86,7%) se declararam como brancos, em termos de escolaridade, 10 participantes (1,8%) declararam ter ensino fundamental completo ou incompleto, 79 participantes (15,2%) declararam ter ensino médio completo ou incompleto, 306 participantes (59,0%) declararam ter ensino superior completo ou incompleto e 124 participantes (23,9%) declararam ter pós-graduação completa ou incompleta. Em termos de classe socioeconômica, 38 participantes (7,3%) se declararam de classe A, 101 participantes (19,5%) se declararam de classe B, 202 participantes (39,0%) se declararam de classe C, 120 participantes (23,2%) se declararam de classe D e 43 participantes (8,3%) se declararam de classe E. Por fim, em termos de autocategorização política, 166 indivíduos (32,0%) se autocategorizaram como de esquerda, 89 (17,20%) como de centro-esquerda, 43 (8,30%) como de centro, 61 (11,80%) como de centro-direita, 90 (17,40%) como de direita e 69 (13,30%) como "nenhuma".

PROCEDIMENTOS

A coleta de dados foi realizada por meio de formulário online, sendo a amostra recrutada por conveniência. Os participantes foram convidados a responder através de um link de divulgação postado em rede social entre outubro e novembro de 2016. Antes de responder às perguntas do questionário, os indivíduos expressaram sua concordância por meio de Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, tendo seu anonimato garantido. Somente os pesquisadores tiveram acesso aos dados, conforme considerações éticas da Resolução n. 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde para pesquisas com seres humanos.

INSTRUMENTOS

Primeiramente os participantes responderam à pergunta "Em qual parte do espectro político você se situaria?", em que eles podiam selecionar as opções "Esquerda", "Centro-Esquerda", "Centro", "Centro-Direita", "Direita" e "Nenhuma". Em seguida, os participantes respondiam à Escala de Autoritarismo de Direita (EAD; Vilanova et al., 2018) e à Escala Revisada de Preconceito contra Diversidade Sexual e de Gênero (Costa, Machado, Bandeira, & Nardi, 2016).

 

ESCALA DE AUTORITARISMO DE DIREITA

A EAD adaptada para o contexto brasileiro (Vilanova et al., 2018) é composta por 34 itens divididos em quatro fatores, correspondendo aos quatro componentes do autoritarismo de direita no contexto brasileiro: Submissão à Autoridade (SA), que mede a tendência de submissão acrítica a autoridades (e.g. "O que nosso país mais precisa é disciplina, com todos seguindo nossos líderes"); Contestação à Autoridade (CA), que mede a tendência a desafiar, protestar e contestar autoridades (e.g. "É ótimo que atualmente muitos jovens estejam preparados para desafiar a autoridade"); Tradicionalismo (TR), que mede a tendência a apoiar padrões e valores morais tradicionais ("As leis de Deus sobre aborto, pornografia e casamento devem ser seguidas à risca antes que seja tarde demais") e Autoritarismo (AT), que mede a tendência a apoiar medidas punitivas severas, como pena de morte (e.g. "Nós deveríamos esmagar todos os elementos negativos que estão causando problemas na nossa sociedade").

O modelo de quatro fatores apresentou bons índices de ajuste aos dados no contexto brasileiro (RMSEA=0,069 I.C. 90% [0,065; 0,072]; CFI=0.958; TLI=0.954) e todos os fatores apresentaram bons índices de consistência interna: SA (α=0.90; CI 95% [0.88; 0.91]), CA (α=0.86; I.C. 95% [0.84; 0.88]), TR (α=0.87; I.C. 95% [0.86; 0.89]), AT (α=0.94; I.C. 95% [0.93; 0.94]). As respostas aos itens da EAD podiam ser dadas em uma escala Likert que variava de 1 (Discordo Totalmente) a 5 (Concordo Totalmente).

 

ESCALA REVISADA DE PRECONCEITO CONTRA DIVERSIDADE SEXUAL E DE GÊNERO

A Escala Revisada de Preconceito Contra Diversidade Sexual e de Gênero (PDSG-R) foi utilizada para avaliar atitudes negativas em relação a homossexuais e transexuais (Costa et al., 2016). Ela é uma medida de autorrelato que pode ser utilizada unidimensionalmente, uma vez que este modelo apresentou bons índices de ajuste aos dados da amostra de desenvolvimento (X²/gl=43,02, p < 0,001, CFI=0,96, TLI=0,96, RMSEA=0,07). Ela é composta por 18 itens que variam em uma escala de 1 (Discordo Totalmente) a 5 (Concordo Totalmente) e que apresentaram bom índice de consistência interna na amostra de desenvolvimento (α de Cronbach=0,94).

 

ANÁLISE DE DADOS

A fim de verificar se os fatores da Escala de Autoritarismo de Direita ou se o Preconceito Contra Diversidade Sexual e de Gênero melhor predizem a autocategorização como parte da direita política, a variável autocategorização política foi dicotomizada. Os participantes que se autocategorizaram como de direita foram assinalados com o valor "1" e todos os outros foram assinalados com o valor "0". A categorização política "centro-direita" não foi aglutinada à "direita" porque já foram demonstradas diferenças estatisticamente significativas nas pontuações dos fatores da EAD entre os grupos de "direita" e "centro-direita" (Vilanova et al., 2018), impossibilitando sua aglutinação em uma mesma categoria. Assim, o grupo de direita assinalado com o valor "1" foi composto por 90 participantes, dos quais 77 (85,6%) se identificavam com o gênero masculino, 78 (86,7%) se identificavam como brancos, 72 (80,0%) tinham alguma religião ou crença espiritual, e 8 (8,9%) se declararam como parte da classe socioeconômica A, 16 (17,8%) como parte da classe socioeconômica B, 36 (40,0%) como parte da classe socioeconômica C, 23 (25,6%) como parte da classe socioeconômica D, e 7 (7,8%) como parte da classe socioeconômica E.

Em seguida, foram conduzidas seis regressões logísticas binárias com método "Enter", tendo como variável dependente a nova autocategorização política dicotomizada. Na primeira regressão, a variável preditora foi a média aritmética da pontuação no fator 'Autoritarismo' da EAD. Na segunda, a variável preditora foi a média aritmética do fator 'Contestação à Autoridade'. Na terceira, a variável preditora foi a média aritmética do fator 'Tradicionalismo'. Na quarta, a variável preditora foi a média aritmética do fator 'Submissão à Autoridade'. Na quinta, a variável preditora foi a média aritmética da Escala Revisada de Preconceito Contra Diversidade Sexual e de Gênero. Por fim, na sexta regressão todas as variáveis preditoras foram inseridas conjuntamente (AT, CA, TR, SA e PDSG-R).

A partir da estratégia analítica adotada, nas cinco primeiras regressões se investiga o poder preditivo isolado de cada fator da EAD e da PDSG-R, enquanto na sexta regressão se investiga o poder preditivo de cada variável levando em conta o poder das outras. A vantagem da sexta regressão é que ela fornece os coeficientes parciais da regressão, que controlam estatisticamente a sobreposição de capacidade preditiva das variáveis. Assim, aquelas variáveis que significativamente predisserem a autocategorização política na sexta regressão serão as que mantêm seu poder preditivo apesar da sobreposição de capacidade preditiva entre elas.

 

RESULTADOS

Na primeira regressão, o fator 'Autoritarismo' predisse significativamente a autocategorização como de "direita" (β=1,86; Wald=77,06; p<0,001). O mesmo aconteceu na segunda regressão, em que o fator 'Contestação à Autoridade' predisse significativamente a autocategorização como de "direita" (β=-0,93; Wald=55,92; p<0,001). Na terceira regressão, o fator 'Tradicionalismo' predisse significativamente a autocategorização (β=1,52; Wald=95,73; p<0,001), assim como na quarta regressão, em que o fator 'Submissão à Autoridade' foi um preditor significativo (β=0,96; Wald=59,38; p<0,001). Também na quinta regressão o preditor foi estatisticamente significativo, uma vez que a média na PDSG-R significativamente predisse a autocategorização (β=1,27; Wald=94,56; p<0,001). Portanto, todas as variáveis investigadas separadamente predisseram significativamente a autocategorização de "direita".

Na sexta regressão, o modelo composto conjuntamente pelas médias dos fatores da EAD (AT, CA, TR e SA) e da PDSG-R explicou aproximadamente 51% da variância de se autocategorizar como de direita (Nagelkerke R²=0,51). Este modelo predisse com maior precisão (AIC=297,76; BIC=323,214; X²(508)=187,99) a autocategorização como parte da direita do que o modelo nulo (AIC=475,75; BIC=480,00), sendo a diferença entre os modelos estatisticamente significativa (p<0,001). O modelo foi capaz de predizer corretamente a classificação de 86,8% dos casos, evidenciando sua alta precisão. A Tabela 1 apresenta os coeficientes de predição padronizados e não padronizados das variáveis investigadas.

Como pode ser observado na Tabela 1, as únicas variáveis que significativamente predisseram autocategorização como "direita" na sexta regressão foram as médias dos fatores Autoritarismo (β=1,27; Wald=22,16; p<0,001) e Tradicionalismo (β=0,88; Wald=16,39; p<0,001). O aumento de 1 ponto na média do fator Autoritarismo correspondeu a uma tendência de aumento de 2,90 vezes na chance de se autocategorizar como de direita (Odds Ratio=2,90). Já para a média do fator Tradicionalismo, o aumento de 1 ponto correspondeu a uma tendência de aumento de 2,70 vezes na chance de se autocategorizar como de direita (Odds Ratio=2,70). A média dos fatores Submissão à Autoridade (β=-0,24; Wald=1,57; p=0,21), Contestação à Autoridade (β=-0,17; Wald=1,02; p=0,31), e da Escala Revisada de Preconceito Contra Diversidade Sexual e de Gênero (β=0,31; Wald=2,35; p=0,13) não predisseram significativamente a autocategorização de direita, sendo aspectos com menor capacidade preditiva em comparação ao Tradicionalismo e ao Autoritarismo.

 

DISCUSSÃO

Separadamente, os fatores 'Autoritarismo', 'Contestação à Autoridade', 'Tradicionalismo' e 'Submissão à Autoridade', além do Preconceito Contra Diversidade Sexual e de Gênero, predisseram significativamente a autocategorização como parte da direita política. Todavia, quando analisados em conjunto, apenas os fatores 'Autoritarismo' e 'Tradicionalismo' se mantiveram como preditores significativos. Portanto, o apoio a medidas punitivas severas como pena de morte (Autoritarismo) e a padrões e valores morais tradicionais (Tradicionalismo) predizem a autocategorização de direita melhor do que a tendência de se submeter acriticamente a autoridades (Submissão à Autoridade), a desafiar autoridades (Contestação à Autoridade) e do que o preconceito contra diversidade sexual e de gênero.

Embora já se tenha apontado ampla defesa da pena de morte e de padrões morais tradicionais no Brasil como um todo (Almeida, 2015), os resultados do presente estudo sugerem que a sua defesa enfática está mais atrelada à autodenominada direita brasileira. Ressalta-se também que a defesa de valores morais tradicionais e de medidas duras contra a criminalidade estavam entre as principais pautas do candidato autoidentificado com a direita que venceu as eleições presidenciais de 2018, figurando então como características marcantes da identidade direitista. Deve-se atentar a tais características porque quando elas são tão presentes entre membros de um grupo, pode funcionar como indicativo de que a defesa da pena de morte e de padrões e valores morais tradicionais são normas do grupo (Cialdini, Reno, & Kallgren, 1990). Assim, pode-se recorrer enfaticamente ao autoritarismo ou ao tradicionalismo como forma de ingresso ou manutenção no grupo de pessoas que se autocategorizam como direita (Turner, Hogg, Oakes, Reicher, & Wetherell, 1987). Como o número de pessoas que se autocategorizam dessa forma tem crescido, pode também crescer o apoio a tais medidas.

Em relação ao Preconceito Contra a Diversidade Sexual e de Gênero, à Submissão à Autoridade e à Contestação à Autoridade, é possível que estejam tão disseminados em indivíduos de todas as diferentes categorias políticas que, por isso, eles não sejam preditores significativos da autocategorização de direita. Em relação ao preconceito, cerca de 81% dos brasileiros já relataram ser totalmente contra a homossexualidade masculina (Almeida, 2015), sendo o preconceito prevalente entre pessoas de diferentes cursos superiores, filiações religiosas e níveis de religiosidade (Costa, Peroni, Camargo, Pasley, & Nardi, 2015). O mesmo pode ocorrer em relação à submissão a autoridades, que desde a época da colonização tem sido apontada como uma característica da cultura brasileira (Holanda, 1936/2017). Portanto, em virtude da possibilidade de serem características comuns a diferentes partes do espectro político, submissão e preconceito podem não ter poder preditivo significativo em relação à autocategorização de direita.

Deve-se notar que dentre os participantes que se autocategorizaram como de direita no presente estudo, a maioria era composta por homens autodeclarados brancos com alguma religião ou crença espiritual e de variadas classes socioeconômicas. Portanto, por um lado é possível que a autocategorização na direita possa estar associada a diferentes classes socioeconômicas, não sendo algo circunscrito a alguma classe específica. Por outro lado, a autodeclaração étnica como branca e a crença espiritual ou religiosa parecem ser características distintivas desse grupo. Como a religião tende a estar associada à defesa de padrões e valores morais tradicionais (Tradicionalismo), há um alinhamento entre a importância preditiva do tradicionalismo na autocategorização na direita e a porcentagem de participantes autocategorizados na direita com alguma religião ou crença espiritual. Estudos futuros podem empregar análises multivariadas para investigar qual a importância relativa que cada uma dessas variáveis sociodemográficas tem na autocategorização na direita.

O presente estudo apresenta duas principais limitações que devem ser destacadas. Primeiro, a coleta de dados foi realizada em 2016, portanto é possível que a direita representada na amostra tenha algumas características diferentes da direita após a eleição de Jair Bolsonaro. Segundo, a amostra não é representativa da população brasileira, então é necessário cautela ao tentar generalizar os resultados para outras amostras. Apesar das limitações, esse é um dos poucos estudos empíricos no campo da psicologia que busca entender os fatores associados à autodenominada direita brasileira.

Incentiva-se que pesquisadores sigam com estudos que auxiliem na compreensão e estruturação das diferenças e semelhanças entre pessoas autocategorizadas de direita e de esquerda no Brasil. Entre as sugestões está a investigação das diferenças dentro do espectro da direita, como por exemplo entre os que se categorizam como liberais e os que se categorizam como conservadores. A multiplicidade metodológica e teórica em pesquisas poderá desenvolver constructos capazes de elucidar conceitos caros à psicologia política e ao fortalecimento da democracia brasileira.

 

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Recebido em: 24/11/2019
Aprovado em: 31/05/2020
Aprovação, ética e consentimento O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Sul sob o registro CAAE número 57635315.6.0000.5334

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