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Revista Psicologia Política

versión On-line ISSN 2175-1390

Rev. psicol. polít. vol.22 no.53 São Paulo ene./abr. 2022

 

ARTIGO ORIGINAL

 

Arte contemporânea na cidade: Tensionamentos e estranhamentos na obra "trouxas ensanguentadas" de Artur Barrio

 

Contemporary art in the city: Tensions and strangements in the work "bloody bundles" by Artur Barrio

 

Arte contemporáneo en la ciudad: Tensiones y extraños en la obra "paquetes sangrientos" de Artur Barrio

 

 

Lucas de Oliveira AlvesI; Gerusa Morgana BlossII; Andrea Vieira ZanellaIII; Ana Lúcia Mandelli MarsillacIV

IDoutorando em Psicologia Social e Cultura na UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina). lukass.oliveira@hotmail.com
IIDoutoranda em Psicologia Social e Cultura na pela Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis/SC, Brasil. gebloss@gmail.com
IIIDocente Permanente do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis/SC, Brasil. Bolsista em produtividade do CNPq. a.zanella@ufsc.br
IVProfessora Adjunta do Departamento de Psicologia e do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis/SC, Brasil. Bolsista produtividade do CNPq. 2206ana@gmail.com

 

 

 


RESUMO

Esse artigo visa analisar alguns efeitos da obra "Trouxas Ensanguentadas" realizada pelo artista Artur Barrio. Partindo de articulações e conceitos de teóricos que estabelecem uma interlocução entre arte, política e subjetividade, como Didi-Huberman, Walter Benjamin e Jacques Rancière, nos propomos a refletir sobre a arte contemporânea em alguns aspectos históricos e políticos. Na sequência, nos detemos aos tensionamentos e estranhamentos que a obra de Barrio, produzida de maneira disruptiva e pouco convencional no contexto da cidade, provoca nas subjetividades e nos corpos - corpos dos sujeitos e corpos políticos.

Palavras-chave: Arte; Cidade; Contemporâneo; Estranho; Político.


ABSTRACT

This article aims to analyze some effects of the work "Bloody Bundles", by the artist Artur Barrio. Starting from articulations and concepts of theorists who establish a dialogue between art, politics and subjectivity, such as Didi-Huberman, Walter Benjamin and Jacques Rancière, we propose to reflect on contemporary art in some historical and political aspects. Next, we focus on the tensions and estrangements that Barrio's work, produced in a disruptive and unconventional way in the context of the city, provokes in the subjectivities and bodies - subject's bodies and political bodies.

Keywords: Art; City; Contemporary; Strange; Political.


RESUMEN

Este artículo tiene como objetivo analizar algunos efectos de la obra "Paquetes Sangrientos" realizada por el artista Artur Barrio. Partiendo de articulaciones y conceptos de teóricos que establecen un diálogo entre arte, política y subjetividad, como Didi-Huberman, Walter Benjamin y Jacques Rancière, proponemos reflexionar sobre el arte contemporáneo en algunos aspectos históricos y políticos. A continuación, nos enfocamos en las tensiones y extrañamientos que la obra de Barrio, producida de manera disruptiva y no convencional en el contexto de la ciudad, provoca en las subjetividades y cuerpos - cuerpos de sujetos y cuerpos políticos.

Palabras clave: Arte; Ciudad; Contemporáneo; Extraño; Político.


 

 

INTRODUÇÃO

Esse artigo desenvolve, a partir de um olhar interdisciplinar entre teorias filosóficas da arte, política e psicanálise, considerações acerca da relação entre arte, contemporâneo e cidade, refletindo sobre os efeitos da obra de arte no espaço público e naqueles que por ele transitam. Temos como ponto de partida a obra do artista luso-brasileiro Artur Barrio: "Trouxas Ensanguentadas (T.E.)1" (1970). Essa obra nos permite formular questionamentos que incorporam os objetivos desta pesquisa, a saber: problematizar características históricas e políticas da arte contemporânea, na qual estão situadas a obra T.E.; trazer elementos conceituais para refletirmos sobre os tensionamentos e estranhamentos que a obra-situação provoca no espectador e na pólis.

Para estabelecermos nossa discussão, buscamos contribuições de Giorgio Agamben, Walter Benjamin, Georges Didi-Huberman, Jacques Rancière e outros pesquisadores que têm se aproximado das temáticas de nossa pesquisa. Visamos, dessa forma, pensar o potencial artístico-político da obra, seus efeitos sobre os espaços, tempos e formas.

No momento inicial deste artigo, refletimos sobre o contexto histórico-conceitual de produção em artes visuais, detendo-nos a apresentar e discutir aspectos históricos, políticos e filosóficos da arte contemporânea. Partindo da concepção do contemporâneo, tal como é desenvolvida por Agamben (2009), colocamos em evidência as mudanças ocorridas no campo das artes, com enfoque no desdobramento da arte moderna para a arte contemporânea, destacando suas formas de inserção nos espaços e suas mudanças nas relações entre artista, obra e espectador. Na sequência, apresentamos aspectos da trajetória de Artur Barrio, enfatizando a obra T.E., a partir da qual iremos trabalhar. Dessa forma, colocamos em discussão os possíveis efeitos de estranhamento e tensionamento a que essa obra nos convoca.

Para discutir esses efeitos, articulamos conceitos como o de imagem dialética, o olhar, o estranho e a política. Buscamos apresentar a inter-relação entre esses conceitos, partindo da imagem dialética, proposta por Walter Benjamin (1925/2009) e analisada, sobretudo, por Jeanne Marie Gagnebin (2012) e Georges Didi-Huberman (1998). Deste conceito, somado às contribuições da psicanálise, o olhar destaca-se nas reflexões de Didi-Huberman (1998), operando com a conceituação de estranho proposta por Freud (1919/2014). Imagem, olhar e estranho permitem-nos analisar e relacionar perspectivas sobre a dimensão política da arte em Jacques Rancière (2005, 2010a, 2010b) e outros autores contemporâneos.

Destacamos que a obra em análise foi produzida no período da mais recente ditadura militar brasileira, vigente no período de 1964 a 1985. As produções de Artur Barrio apresentam uma forte característica de denúncia às questões que se referiam a esse tempo e ao regime político em vigor.

As intervenções de Artur Barrio nos espaços urbanos possuem um caráter invariavelmente político e eminentemente poético, entendendo poesia como forma de romper com o anestesiamento criativo e o medo ao qual a sociedade regida pela ditadura militar estava submetida (Rebouças, 2011). Suas obras, assim como de outros artistas brasileiros no contexto da ditadura, revelam a possibilidade humana da busca por diferentes formas de existência, para além daquelas impostas hegemonicamente.

Tendo essas dimensões em vista, referimo-nos à produção desta escrita-pesquisa como implicada socialmente, evidenciando seu compromisso ético com o artista e com a arte produzida naquele período. Trata-se de ressignificar práticas, trazê-las à tona, articulá-las, lançar lampejos de sonhos e de possibilidades de criação, modos de viver, experienciar tempos e espaços.

 

ARTE E CONTEMPORÂNEO: TENSIONANDO ESPAÇOS E SENTIDOS

"A história é o objeto de uma construção cujo lugar não é o tempo homogêneo e vazio, mas um tempo saturado de agoras." (Benjamin, 1987, p. 229)

A leitura das obras de Artur Barrio nos convida a situarmos o contexto de suas produções. Assim, apresentar o momento em que a obra foi realizada, especialmente considerando as mudanças ocorridas em termos da história da arte, permite que façamos considerações mais específicas para nos aproximarmos desse artista. Artur Barrio dialoga com a arte contemporânea, originada a partir da mudança de alguns paradigmas da arte moderna, suscitando novas formas de relação entre o artista e o público na imbricada relação de arte e vida (Cauquelin, 2005).

De modo a refletirmos sobre a arte contemporânea, partimos das provocações/discussões do filósofo Giorgio Agamben (2009). Na perspectiva do autor, abordar a noção do contemporâneo implica mais do que dissertar sobre um período situado em uma historiografia oficial. Essa noção sinaliza um exercício de visão e perspectiva sobre um tempo, na medida em que contemporâneo é aquele que não coincide perfeitamente com seu tempo, pois dele se distancia para observar seus pontos obscuros - o que aqueles tão adaptados às luzes do presente não conseguem observar. Ser contemporâneo é, por conseguinte, enxergar no presente não aquilo que está composto por camadas imóveis do passado, mas o embrião de novas possibilidades, um devir histórico que opera sobre passado, presente e futuro.

A concepção de imagem dialética proposta por Walter Benjamin (2009) articula-se às concepções de contemporâneo desenvolvidas por Agamben:

Não é que o passado lança sua luz sobre o presente ou que o presente lança sua luz sobre o passado; mas a imagem é aquilo em que o ocorrido encontra o agora num lampejo, formando uma constelação. Em outras palavras: a imagem é a dialética na imobilidade. Pois, enquanto a relação do presente com o passado é puramente temporal, a do ocorrido com o agora é dialética - não de natureza temporal, mas imagética. Somente as imagens dialéticas são autenticamente históricas, isto é, imagens não-arcaicas. A imagem lida, quer dizer, a imagem no agora da cognoscibilidade, carrega no mais alto grau a marca do momento crítico, perigoso, subjacente a toda leitura. (p. 505)

A teórica Jeanne Marie Gagnebin (2012) refletindo sobre esse conceito benjaminiano, comenta que a imagem é dialética por ser capaz de provocar uma nova imagem do passado e do presente, refundando e reconstituindo; ela é dialética também por ser, concomitantemente, o retrato de um instante fugidio e a paralisação desse instante na imagem. Ela permite questionar a história em vigor, seus recortes e imagens estanques, ensejando a tessitura de novas memórias e a abertura de um tempo outro. Para Gagnebin (2012) a imagem dialética interpela as lembranças, pois consegue despertar e misturar diferentes tempos, onde o passado interroga o agora e permite abrir fendas, furar o circuito das repetições. Imagem que tem a força de produzir desvios e diferenças. Como destaca Walter Benjamin em suas teses sobre a história:

O passado traz consigo um índice misterioso que o impele à redenção. Pois não somos tocados por um sopro de ar que foi tocado antes? Não existem, nas vozes que escutamos, ecos de vozes que emudeceram? Não têm as mulheres que cortejamos irmãs que elas não chegaram a conhecer? Se assim, existe um encontro secreto, marcado entre as gerações precedentes e a nossa. (Benjamin, 1987, p. 223)

No vértice da compreensão de Agamben e nos valendo da leitura de Gagnebin sobre o conceito de imagem dialética em Walter Benjamin, podemos apontar que ser contemporâneo, e de modo análogo, ser um artista contemporâneo, é propiciar um modo singular de enxergar um tempo. É poder distanciar-se das cronologias e imagens impostas pelas narrativas oficiais da história, é escovar a história à contrapelo (Benjamin, 1987) e romper com as normas que saturam o mundo de significados à priori. A posição do contemporâneo permite a emersão de imagens que embaralham as distribuições espaciais e temporais clássicas, tensionando novos sentidos sobre o mundo: o espaço, o tempo, a obra e o artista.

No âmago dessa reflexão Didi-Huberman (2006), corroborando com as análises freudo-lacanianas, defende que a obra de arte é obra do inconsciente, demonstrando uma complexa rede de deslocamentos e condensações. É, portanto, densa, não se deixando capturar totalmente pela linguagem. Didi-Huberman (1998) busca, em suas análises, ir além da tautologia das imagens (em que as imagens valeriam por elas mesmas), procurando elementos que possam ser engendrados em possibilidades de significação para além do que se mostra.

A leitura que Didi-Huberman (1998) realiza da imagem dialética associa-a a noção de uma imagem crítica, capaz de questionar a si, seu entorno e seu tempo. Perscrutando teses de Walter Benjamin, o autor sustenta que a imagem é originalmente dialética, no sentido de que ela sempre porta um devir. É imagem essencialmente desdobrada, abre-se no contato com o olhar do outro, originando uma constelação de imagens. A imagem dialética é original não por anunciar a gênese das coisas, pois para Benjamin a origem não se coaduna ao nascimento, mas por se associar ao movimento, ritmo de ascensão e declínio, marcas da transitoriedade.

Sobre o aspecto do olhar na relação com a obra, destacamos as discussões de Didi-Huberman a partir do conceito de estranho, lançado por Sigmund Freud. No texto "O estranho" (1919/2014), Freud parte da etimologia da palavra, que remete em princípio ao que causa terror e medo, para desenvolver com mais precisão o seu conceito. Estranho, em alemão, é unheimliche, que designa ao mesmo tempo algo que é conhecido, familiar e, aquilo que é estranho, infamiliar. Assim, o que causa estranheza é algo intimamente familiar, efeito do paradoxo da in-familiaridade: "Unheimliche seria tudo o que deveria ter permanecido secreto e oculto e, no entanto, veio à luz" (Freud, 1919/2014, p. 41). 

Para Freud (1919/2014), unheimliche contém algo de ambivalente no sentir, pertence ao domínio da estética e não se restringe às teorias sobre o belo. O autor escreve, ainda, que "a ficção cria possibilidades de sentimento do estranho, que haviam sido abandonadas no vivenciar" (Freud, 1919/2014, p. 75).

Dialogando com essas definições, Didi-Huberman (1998) discorre sobre o estranhamento que ocorre ao nos debruçarmos sobre uma obra de arte. Esse estranhamento é dialético, pois aquele que olha a obra é interrogado-olhado por ela, evidenciando a singularidade do olhar e os não-sentidos que as obras colocam em questão. Vejamos como essas questões se desdobram no campo das artes.

O teórico da arte Alberto Tassinari (2001) compreende a arte contemporânea surgida nos anos 50, 60 como um desdobramento da arte moderna. Em ambas, sustenta-se uma posição crítica no tocante à concepção racional de sujeito, às guerras e às políticas vigentes. A pesquisadora e psicanalista Tania Rivera (2005) afirma, ainda, que a arte moderna é tributária da revolução cezanniana, posto que as pinturas de Paul Cézanne rompem com toda uma tradição artística vigente desde o Renascimento. Suas obras, desobedecendo às leis da perspectiva, desconstruíram a distribuição espacial na pintura, desestabilizando o olhar do espectador e do próprio espaço da obra.

A estudiosa Anne Cauquelin (2005) refere que a arte contemporânea tem se apresentado como uma mescla de diferentes experiências no campo das artes. Em momentos anteriores da arte, como na arte moderna, havia uma distinção mais clara entre o artista, os críticos de arte e o espectador. Já na arte contemporânea, o que parece mover a busca dos artistas, nessas novas expressividades, está relacionado à interação com o público, que passa a ser ativo no processo de construção e da possibilidade de existência da obra. Em um mundo marcado pela informação, que muitas vezes está relacionada ao poder, a arte contemporânea visa a lógica das redes e da circulação (Cauquelin, 2005). Obra e vida confundem-se e abrem-se a novas possibilidades.

Discutindo aspectos da arte moderna e contemporânea, a teórica Cristina Freire (2006) discorre: "Ao extrapolar a visão retiniana, a experiência da arte é múltipla, envolve todos os sentidos. Disso decorre que o espectador faz parte do processo criativo. Em outras palavras, como já havia argumentado o artista Marcel Duchamp, é o espectador quem faz a obra." (p. 29).

É pertinente ressaltar que Duchamp tornou-se mundialmente conhecido pela introdução de objetos produzidos industrialmente como bicicletas, urinóis e pás de neve, chamados readymades, no espaço das galerias. Seu gesto foi singular e potencializou importantes questionamentos e transformações no campo das artes.

Num readymade, há um privilégio da exposição em relação à obra. Não há mesmo obra, mas apenas exposição. Olha-se para o objeto e nada acontece, a não ser o fato de que, quanto mais se olha, mais ele se expõe sem uma contrapartida estética. Daí que os readymades tenham desencadeado tantas inquietações e considerações sobre o sentido da arte moderna. (Tassinari, 2001, p. 83)

A série de readymades de Duchamp possui o germe dos gestos subversivos que caracterizam a arte contemporânea, tais como a amálgama de técnicas e estilos inéditos e a produção de obras no espaço público, extrapolando o circuito de museus e galerias. A operação artística tensiona as divisões entre arte e não-arte possibilitando a emergência de questões, como endossa Cauquelin (2005), sobre outros limites artísticos: os limites entre espaço público e privado, entre artista e espectador.

Freire (2006) nos fala que na arte contemporânea: "O artista torna-se um manipulador de signos, mais do que um produtor de objetos de arte, e o espectador, um ativo leitor de mensagens mais do que um contemplador estético ou um consumidor do espetáculo." (p. 38). O teórico Jacques Rancière (2010b), nesse sentido, argumenta que a arte contemporânea tem como característica a ultrapassagem de fronteiras e o embaralhamento dos papéis, permitindo uma permeabilidade entre os territórios do público e do privado, entre a obra e o espectador, entre técnicas, estilos e saberes. As habilidades artísticas distanciam-se de seu campo, nivelando lugares e poderes.

Na arte contemporânea, o mundo da obra, distante das molduras que a aprisionam e direcionam a visão do espectador, inscreve-se em um mundo em comum. A arte contemporânea, ao contrário da arte moderna, não modifica apenas as concepções de espaço na sua constituição interna, mas modifica o espaço do seu entorno, alterando a estrutura e a percepção dos museus e espaços públicos (Marsillac, 2018). "Uma obra contemporânea não transforma o mundo em arte, mas ao contrário, solicita o espaço do mundo em comum para nele se instaurar como arte." (Tassinari, 2001, p. 76).

Ainda de acordo com Tassinari (2001, p. 91):

Não é de frente para o mundo e o replicando que uma obra contemporânea se relaciona com o mundo da vida em comum, mas de permeio. O que há de novo na arte contemporânea é que a moldura espacial da obra não a separa mais do mundo cotidiano. Um espaço em obra possui uma espacialidade imanente ao mundo em comum. Não o transcende, apenas traça pontes para uma experiência estética que vai do mundo ao próprio mundo.

Este dinamismo concedido à obra, por meio de suas novas inserções no mundo, é denominado por Tassinari (2001) como "espaço em obra". Essa denominação denota o caráter de inacabamento da produção, intimando o espectador a assumir uma posição ativa no universo da arte. O artista contemporâneo coloca a obra na posição de um devir, faz crítica ao objeto fetiche. Deste modo, a obra assume uma função germinal, capaz de ressignificar passado, presente e futuro na lógica da circularidade e das redes.

Ao considerarmos esse contexto na produção das obras de Artur Barrio, aproximamo-nos ainda mais do que esse artista nos convida na produção de sentidos outros e de abertura para o que há na experiência do encontro com elas. Isto posto, apresentamos a trajetória do artista e a situação política na qual se insere sua produção.

 

TENSIONAMENTOS E ESTRANHAMENTOS NAS OBRAS DE ARTUR BARRIO

Discorrer sobre os efeitos da arte de Artur Barrio nos convoca a expedições pelos movediços territórios da arte e da política ou, de modo imbricado, de uma arte política. Sobre a dimensão política da arte, Rancière (2010a, 2010b) comenta que a arte é política não por conter mensagens críticas ou por representar problemas sociais, mas pela forma como altera os sentidos do tempo-espaço, fomentando experiências próprias, capazes de modificar ritmos e significações sobre objetos sensíveis. Desse modo, o autor (2010a, p. 46) refere que: "Se a arte é política, ela o é enquanto os espaços e os tempos que ela recorta e as formas de ocupação desses tempos e espaços que ela determina interferem com o recorte dos espaços e dos tempos, dos sujeitos e dos objetos, do privado e do público, das competências e das incompetências, que define uma comunidade política."

O contexto da produção inicial de Barrio é do autoritarismo e da violência do Estado. No cenário brasileiro do final dos anos 60, ocorre o recrudescimento da ditadura civil-militar com o AI - 5, ato institucional que determinou o fechamento do Congresso Nacional e ampliou o poder de repressão do Estado. Paralelamente, em vários países, incluindo o Brasil, emergem artistas proeminentes, críticos das políticas vigentes, dos valores da sociedade e do próprio campo das artes.

Nesse período turbulento destacam-se artistas como Hélio Oiticica, Cildo Meireles, Paulo Brusky, Ligia Clark e Artur Barrio. Barrio nasceu na cidade de Porto, Portugal, em 1945. Mudou-se para o Rio de Janeiro em 1955 e começou a estudar na Escola Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro em 1967. Em 1969, paralelo ao boicote dos artistas à Bienal de São Paulo, Barrio expõe sua primeira obra situação no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. (Canongia, 2002a).

As situações de Barrio descentram a relevância da obra, tão impregnada no material, para o situacional. Nas situações, o artista faz uso de materiais e espaços não convencionais (Tietz, 2018). As situações forjadas pelo artista terão como cerne o processo e a multiplicidade de sentidos advindos, marcando o aspecto circular da obra. Como expõe o crítico Adolfo Montejo Navas (2002, p. 215): "a atividade de Barrio é in loco, obra em trânsito ("as instalações ficam, as situações são "efêmeras", segundo o artista), nômade, assumindo uma condição estrangeira, até como forma de desterritorialização estilística."

Analisamos a situação criada pelo artista em Belo Horizonte, realizada durante a Mostra "Do Corpo à Terra", que inaugurava o Palácio das Artes, em Belo Horizonte, durante as comemorações da semana da Inconfidência Mineira, em 1970. Evento organizado pelo artista e crítico Frederico Morais, com patrocínio do Estado de Minas Gerais. Morais mantinha uma série de intervenções chamadas Arte Guerrilha, da qual o evento Do Corpo à Terra participava (Marsillac, 2018).

Barrio criou 14 trouxas ensanguentadas, denominadas T/T,1. Nelas, colocou ossos, sangue, carne putrefata, barro, espuma de borracha, cordas, faca, deixando-as no "riacho/esgoto" Ribeirão Arrudas, que corria abertamente próximo ao local da Mostra. Os registros do artista envolvem fotos, filme e anotações, e nelas condensa: "SUORCHEIROSENSAÇÃO". As trouxas convocaram olhares e foram apreendidas pela polícia (Canongia, 2002a, Marsillac, 2018).

Cabe destacar que, nessa mesma Mostra, o artista Cildo Meireles opera seu ato mais radical em protesto ao regime ditatorial, com a obra: "Tiradentes: Totem-Monumento ao Preso Político". Em meio ao vernissage ao lado do Palácio das Artes, fixa uma estaca sobre um pano, amarra galinhas vivas, coloca gasolina e atea fogo. Estas obras buscavam causar impacto no corpo, criticar a violência a que estavam submetidos, denunciar as mortes, que vinham ocorrendo e sendo invisibilizadas.

 


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Em T.E., Artur Barrio deixa um vestígio, resto que remete à banalização da morte, ato de colocar no espaço público um corpo coisa, sem direito a ser velado, anônimo e descartável. Observou as reações dos transeuntes que paravam para olhar e se colocar em relação com a obra. A experiência causou comoção na população, que ligava para a polícia em uma atitude de denúncia, como se se tratasse de corpos de pessoas envoltos nos lençóis (Cayses, 2014).

As referidas obras de Artur Barrio, no cenário da arte contemporânea, revelam como característica a articulação arte e vida em suas expressividades. O autor nos contempla com situações que remetem aos enigmas do cenário nos quais as obras se constituem. Leva aos limites as experiências do corpo, assim como nos convida a tecermos, com nossos corpos, novas experiências e a questionarmos o que está instituído.

Ao entrarmos em contato com as obras de Barrio, o pulsional do nosso corpo se manifesta como que pedindo por uma narrativa da nossa experiência, direcionando-nos à escrita deste artigo, modificando também nossa percepção das obras, do artista, das contingências2 da época e de seu diálogo com o contexto atual.

A imagem crua de corpos ensacados interroga nosso presente e reforça a relevância de resgatarmos o passado, para invenção de um novo amanhã. As obras de Barrio são obras dialéticas e anacrônicas, pois condensam diferentes tempos e exigem um rompimento com a lógica dual. Elas são passado e também presente a interrogarem nossas posições de espectadores/co-autores da realidade, das contingências. A obra remete a uma ficção que nos olha.

Em seu livro A Partilha do Sensível, Rancière escreve:

O homem é um animal político porque é um animal literário, que se deixa desviar de sua destinação "natural" pelo poder das palavras. Essa literalidade é ao mesmo tempo a condição e o efeito da circulação dos enunciados literários "propriamente ditos". Mas os enunciados não se apropriam dos corpos e os desviam de sua destinação na medida em que não são corpos no sentido de organismos, mas quase-corpos, blocos de palavras circulando sem pai legítimo que os acompanhe até um destinatário autorizado. Por isso não produzem corpos coletivos. Antes, porém, introduzem nos corpos coletivos imaginários linhas de fratura, de desincorporação." (Rancière, 2005, p. 60)

Dessa forma, podemos perceber que o ser humano, enquanto animal literário, vale-se da circulação das palavras no sentido de uma desincorporação. Essas questões nos remetem às obras relacionadas com o contexto histórico-político onde circulam os enunciados. Outrossim, ressaltamos, em concordância com Didi-Huberman (2006), no esteio de Walter Benjamin, que é necessário considerar o anacronismo das obras, estar atento às suas possibilidades de interpelar outros tempos, bem como sua dinâmica de permanência para além do contexto de produção. Sua contemporaneidade, portanto.

A situação das T.E. ocorreu no período em que a ditadura perseguia e matava adversários políticos. Qualquer debate público sobre a violência do Estado era vedado pelo mesmo, mas os efeitos, tanto da violência quanto da censura, não cessavam de se inscrever no cotidiano da população. Suspeitava-se e comentava-se sobre as perseguições, as torturas, os desaparecimentos, denunciados em movimentos de resistência política, artística e intelectual. Nesse contexto, as 14 trouxas posicionadas nas margens do ribeirão em Belo Horizonte - remetendo à imagem de corpos brutalmente assassinados - abarcavam uma potência, uma força imagética capaz de aumentar o volume das vozes censuradas, promovendo afecções e reflexões. Com sua brutalidade material e estética, a obra possibilitava a transformação de críticas veladas, e sussurros, em gritos ecoantes de espanto, revolta e denúncia.

No contato com essa obra, somos remetidos, de maneira análoga aos seus espectadores em 1970, ao corpo como um resto, como relacionado à morte. No viés dessa percepção, a partir das contribuições de Didi-Huberman (2006), podemos sustentar que toda obra de arte pode ser pensada como corpo: relacionado ao outro, com entradas e saídas, com seu volume, com a forma que revela, e ao mesmo tempo, esconde, em um movimento de produção de sentidos e suas possibilidades de se oferecer ao vazio (Marsillac, 2018).

Refletir sobre a obra T.E., como um corpo é especialmente emblemático, visto que ela é, em si, uma montagem com restos que remete diretamente ao corpo. A materialidade das trouxas, com o sangue, com o formato de corpos despedaçados, nos confronta com a morte, com a finitude do corpo e, ao encontro do tempo em que foi exposta, período de desaparecimentos e execuções sumárias, desvela-se para o público como corpos abandonados e sem nomes. Nesse ponto de crueldade, também a palavra parece falhar e há um certo vazio constitutivo que remete à finitude e ao vazio de sentido da existência e da violência.

Por outro lado, pensar que toda obra de arte pode ser entendida como corpo promove um viés de leitura com um apelo ao que faz laço através da corporeidade, e permite um movimento que nos leva a encadear experiências, corpos, dos outros e nossos, promovendo uma abertura à diversidade de sentidos possíveis. Os artistas nos apresentam sua singularidade no enlace com o entorno e com a sociedade. Ao nos relacionarmos com as obras, somos remetidos ao que em nós convoca o olhar para a obra. Passamos a ser espectadores-autores de leitura e da construção de novos sentidos. Se a obra é como um corpo, nós nos relacionamos com esse corpo não apenas a partir de um pensamento sobre a obra, mas daquilo que nos convoca como seres desejantes marcados pela pulsão e pela linguagem.

Do vazio que emerge e pode nos emudecer por instantes, nos confrontando com o traumático de um período, ao movimento da linguagem e da abertura de possibilidades do novo. Eis o movimento a que nos convida Artur Barrio com a obra T.E.

Canongia (2002b) comenta que as trouxas ensanguentadas, em 1970, foram interpretadas como uma crítica à ditadura militar, mas seu potencial político vai além, questionando e mobilizando outros espaços e tempos. Tendo as noções de imagem dialética (Benjamin), contemporâneo (Agamben) e o anacronismo da obra (Didi-Huberman) em vista, podemos refletir sobre o modo como as imagens das T.E. interpelam o presente. Um presente fundado pela inexorabilidade do passado que nos enreda nas narrativas cotidianas do autoritarismo, da violência e da desigualdade. As trouxas ensanguentadas, em 1970, e em 2020, tempo do qual falamos, mantêm sua originalidade, pois apontam para um passado e um presente inextrincáveis. Desvelam componentes que percorrem nossa história de sangue, descaso e opressão, bem demarcados em eventos como o genocídio dos povos indígenas, a escravidão e extermínio da população negra, as perseguições da ditadura e a violência promovida nas favelas. A obra nos convida, enquanto espectadores e potenciais autores, a refletir, questionar, a procurar fendas nas repetições do tempo; a encontrar na escuridão, distante do excesso de luzes que nos cegam para a realidade marginal, feixes de luz que apontem para outra direção e possibilitem a criação de novas realidades.

O olhar e o gesto de Artur Barrio, materializados em sua obra-situação, são contemporâneos por darem a ver o anacronismo da obra e de seu tempo. A originalidade de T.E. não se localiza em seu ineditismo ou na possibilidade de narrar a história, mas na promoção de fissuras nas narrativas oficiais, expressão visual dos fragmentos e ruínas, ascensão e queda de corpos políticos e humanos velados e revelados. Restos que persistem, promovendo teses e antíteses de imagens que não se formalizam em sínteses. Didi-Huberman (1998, p. 171) comenta que a origem da imagem dialética: "surge diante de nós como um sintoma. Ou seja, uma espécie de formação crítica que, por um lado, perturba o curso normal do rio ...", mas também faz emergir corpos que permaneciam esquecidos, tornando-os visíveis de modo repentino e momentâneo. Do mesmo modo, o(s) corpo(s) da obra de Barrio emergem no espaço público, fugazmente, sinalizando um sintoma, mostrando corpos que resistem a despeito de todas as tentativas de apagamento, bem evidentes, por exemplo, em discursos políticos que procuram negar a ditadura.

A obra, enquanto dispositivo de criação de imagens dialéticas, associadas a uma memória que não retém, mas perde e recria a partir das marcas de sua perda (Didi-Huberman, 1998), nos permite criar memórias sociais, constituídas por imagens e vozes plurais em tempos heterogêneos. Tais memórias não se ancoram em supostas verdades - a verdade sobre o período da ditadura - pois, assim como os negacionistas, aqueles que procuram dar um contorno de verdade aos fatos, restringindo-os a um recorte específico da história linear, atuam no apagamento de suas reverberações no agora. A originalidade de T.E. está em mostrar que na transitoriedade, na efemeridade da obra-corpo, inscrevem-se marcas de diferentes tempos e olhares, marcas da repetição e possibilidades outras de fazeres artísticos, políticos e existenciais.

Canongia (2002b, p. 196) comenta, também, sobre a obra: "Impressionava os espectadores e fruidores "normais", abolindo de vez a ideia da contemplação, jogando a arte às ruas, aos esgotos e ao lixo, ponto terminal de seu destino". Na abolição da concepção de um espectador meramente contemplativo, evidente na situação de Barrio, ressoa a posição do espectador emancipado defendida por Rancière (2010b). O espectador emancipado é aquele que age ao observar, na medida em que seu olhar interpretativo, dirigido à obra, é também criador, pois transforma e reconfigura a realidade, tanto da obra, quanto do espaço em que ela se insere. A distância entre artista e público se desvanece e não há mais oposição entre criador e espectador. Há, no artista, um espectador - o que se torna explícito quando Barrio observa e registra, sem intervir, os desdobramentos da situação deflagrada pela inserção das trouxas - e há no espectador, um criador, quando provoca o silenciamento imperante na época denunciando a presença de corpos mutilados, violentados, esquartejados.

Da perspectiva de Rancière (2010b) acerca da não oposição entre olhar e agir, nos dirigimos à obra T.E. e, em um diálogo com Didi-Huberman (1998), consideramos que o que vemos e o que nos olha está numa mesma dialética. Agamben (2009), em suas reflexões, também está propondo uma maneira de olhar, uma forma de compreender que ser contemporâneo implica em reposicionar olhares e sentidos.

Rancière (2005) refere que as artes permitem à emancipação ou a dominação o que tem em comum com elas: "posições e movimentos dos corpos, funções da palavra, repartições do visível e do invisível" (p. 26). Barrio, ao apresentar a obra T.E., nos convida a pensar nesse ponto: as trouxas, remetendo aos corpos e a uma ocupação do espaço mostram um regime de visibilidade e invisibilidade de que se valia a ditadura militar em seu modus operandi. Trazer à tona essa expressividade nos leva ao movimento da escrita e da circulação dos enunciados, a uma aposta na função da palavra como possibilidade de reinvenção das narrativas. É da interface entre visibilidades e invisibilidades que se articula a estética e a política, e faz com que a obra e a palavra se enlacem ao contexto. A obra tensiona a partilha homologada do sensível, causa estranhamento e convoca a um dizer, a um compartilhar no âmbito coletivo.

Barrio nos convida, a partir da obra T.E. a um olhar atento sobre a situação política na qual o Brasil estava imerso. Ao chamar nosso olhar, convida a uma tomada de posição: convoca nossos corpos, nosso agir, a uma postura crítica e implicada com o contexto social. Ressaltamos que a obra analisada é condição e efeito da circulação de enunciados. O que se produz nela e a partir dela inscreve-se nos corpos, politiza-os, na medida que os convoca à ação. Também esta escrita almeja dar visibilidade e movimento aos sentidos: a vida que pulsa, mesmo aos nos depararmos com a imobilidade das trouxas, a palavra que clama pela vida, mesmo no silêncio.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

À guisa da conclusão, podemos apontar que Artur Barrio se apresenta como artista enigmático e provocativo. Sua obra, em forma de situação, inserida no corpo da cidade, questiona as possibilidades da existência e do estatuto da obra de arte, nos direcionando a uma reflexão sobre a imbricada experiência da arte e da vida.

Nesse movimento, pensar o que é o contemporâneo nos coloca em uma perspectiva de análise desafiadora. Os tempos e espaços entrelaçados nos convocaram à produção desta escrita em um momento de abertura para o diálogo e para as repercussões que podem advir dos encontros e das derivas.

A obra T.E. nos permite pensar na dimensão/efeito do estranhamento: o estranho familiar, que emerge a partir do encontro. O estranhamento advindo do contato do espectador com a obra/situação invoca os não-ditos da ditadura de ontem e as violências de hoje, perscruta as entrelinhas de um sistema que desarticula o ser humano da possibilidade de vida e criação, desloca sentidos, denuncia o ponto cego sob os quais os ideais de ordem e progresso nutrem sua disciplina: o silenciamento, o esquecimento, a morte.

As trouxas ensanguentadas, perenizadas em registros fotográficos, nos provocam pela inserção radical na cidade e pelas possibilidades de tensionamentos. Suas imagens dialéticas nos dão suporte, mas seu potencial, talvez, prescinda das imagens. Acreditamos que a força da obra está, sobretudo, na transgressão dos espaços, tempos e sentidos, nos ecos das narrativas, ficções e reflexões que a permeiam e procuram lhe dar um corpo - um corpo que é efêmero.

Como situação, as trouxas configuram-se como algo que não é passível de ser emoldurado e enquadrado em museus. A efemeridade, ironicamente, convida os espectadores a tirarem fotos. Chama atenção o fato de terem sido realizadas réplicas das trouxas, sendo as mesmas, expostas em museus e galerias, abertas à contemplação e à comercialização. Que tempo é esse que clama por uma captura? Seria algo do excesso, do impossível de representar? A obra nos confronta com a finitude, promove o encontro do espectador com o estranho familiar da condição humana frente aos impasses do seu contexto.

As produções do contemporâneo, cujos limites entre dentro e fora, começo e fim, se dobram como em uma fita de Moebius, suspendendo um olhar ordenado e territorial, provocam questionamentos sobre nossas coordenadas estéticas, éticas e existenciais, alargam e diluem os contornos do corpo (humano e da obra) e do mundo - mundo que lhe abre passagens e lhe permite fixações temporárias. Mundo e obra se confundem, se indistinguem, permeabilizando sentidos e estranhamentos em vias de mão dupla.

No processo de escrita que deu corpo e voz a este artigo, acentuamos um comprometimento ético-político, na medida em que trazemos à tona discussões acerca do período da ditadura militar e, para além desse recorte temporal, buscamos provocar reflexões sobre as formas de opressão que reverberam numa história, a nossa história, saturada de agoras. A reflexão que procuramos desenvolver neste artigo, em consonância com os movimentos artísticos de resistência, no qual situamos as obras de Barrio, busca ecoar possibilidades de criação e expressão em contextos de cerceamento das liberdades, de enquadramento dos espaços e tempos que incidem sobre corpos e subjetividades.

Eis a riqueza e a abertura de sentidos que buscamos situar. Isso posto, a leitura e as observações que realizamos, embora promovam sentidos que desenvolvemos nessa discussão, não são fechadas. Convidamos também o leitor a problematizar a partir do seu encontro com a obra o estranhamento que advém de uma leitura singular.

 

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Recebido em: 19/09/2019
Aprovado em: 06/05/2020
Financiamento: Os seguintes autores tinham financiamento individual na época da produção do artigo: Gerusa Bloss - Capes Ana Marsillac - Bolsista Produtividade CNPQ Andréa Zanella - Bolsista Produtividade CNPQ

 

 

1 No decorrer do artigo, a obra "Trouxas Ensanguentadas" será citada como T.E.
2 As contingências envolvem a complexidade temporal dos elementos de cada época, em suas dimensões políticas, econômicas, sociais, culturais e históricas.

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