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Revista Psicologia Política

On-line version ISSN 2175-1390

Rev. psicol. polít. vol.22 no.53 São Paulo Jan./Apr. 2022

 

ENTREVISTA

 

Representação política de LGBT no Brasil: Entrevista com o deputado distrital Fábio Felix

 

LGBT political representation in Brazil: Interview with district representative Fábio Felix

 

Representación política de LGBT en Brasil: Entrevista con el diputado de distrito Fábio Felix

 

 

Cleyton Feitosa

Doutorando em Ciência Política pela Universidade de Brasília - UnB, Brasília/ DF, Brasil. Mestre em Direitos Humanos pela Universidade Federal de Pernambuco - PPGDH/UFPE. Licenciado em Pedagogia pela Universidade Federal de Pernambuco/Centro Acadêmico do Agreste - UFPE/CAA. Autor do livro Políticas Públicas LGBT e Construção Democrática no Brasil (Appris, 2017). É membro do Grupo de Pesquisa Resocie - Repensando as Relações entre Sociedade e Estado (CNPq). cleyton_feitosa@hotmail.com

 

 

 

Figura conhecida na esquerda de Brasília, Fábio Felix possui larga experiência política e profissional, apesar da pouca idade. Com uma rica trajetória individual e coletiva, marcada pela participação na igreja evangélica, no Movimento LGBT, Estudantil, da Criança e do Adolescente e da Assistência Social, o ativista acumulou sua militância nos movimentos sociais com aquela própria dos partidos políticos (Goldstone, 2003).

Fundador e quadro orgânico do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), conquistou a presidência do partido no Distrito Federal e uma das disputadas 24 cadeiras da Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF), casa parlamentar que é um híbrido de Câmara Municipal e Assembleia Estadual que representa legalmente as pessoas que residem no ente federativo mais atípico do Brasil.

Com 10.955 votos, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), os eleitores e eleitoras elegeram o primeiro Deputado Distrital LGBT da história política do DF1, algo ainda raro na democracia brasileira. Nessa entrevista2, ocorrida em maio de 2019 em seu gabinete, o famoso Gabinete 24 da CLDF, Fábio aborda a sua trajetória nos movimentos sociais, no partido político e, agora, no Estado, lançando luz sobre as dinâmicas e os desafios da participação e da representação política da população LGBT no Brasil (Feitosa, 2017).

Cleyton: Poderia falar um pouco sobre a sua infância, contexto familiar, escolarização?

Fábio: Eu nasci no Distrito Federal (DF), vivi a vida inteira aqui e tive uma infância muito tranquila, muito normal. Vivi um pouco o divórcio dos meus pais que foi um processo muito traumático, foi em 1990 e no ano a gente tinha muito poucos divórcios acontecendo. Aquilo foi um processo um pouco difícil. Mas, logo em seguida, na adolescência, eu tive alguns problemas no meu processo de escolarização. Pinguei em muitas escolas diferentes, eu era muito afeminado e era muito identificado como LGBT em todas, como gay, como bicha, em todos os espaços escolares. Isso era um xingamento muito presente na minha trajetória. Isso fez com que eu mudasse muito de colégio, que eu fugisse desse tipo de apontamento, que eu me sentisse sempre violado. Eu acho que isso foi um combustível até para a minha militância hoje, mas eu vivi um processo muito forte de marginalização dentro das escolas que eu estudei. Isso foi muito duro pra mim, acho que pra construção da minha subjetividade, pra cuidados que eu tomo hoje, às vezes até na auto-moderação que eu tenho sobre meu corpo, sobre a forma como eu me comunico etc., tem a ver com esse moldamento, digamos assim, que meu processo de escolarização me deu. Um moldamento muito duro, muito forçado, com base em muita violência, especialmente violência psicológica, xingamentos etc.

Cleyton: Como foi a tua entrada na política? Entendida aqui como um campo amplo.

Fábio: Eu sempre tive muito interesse na política. Claro que não visualizo isso como algo natural, mas tenho lembranças de muito novo, assim, entre 7 e 8 anos, ter muito interesse na política, nas notícias políticas, nas TVs que veiculavam política. Ao invés de gostar do desenho, você gosta da veiculação da política. Minha leitura sempre foi muito mais voltada para a política quando eu aprendi a ler, sempre gostei de entender as correlações de forças. Então, quase que naturalmente me despertava algum interesse.

Depois eu lembro que, mais ou menos, ali aos 16 anos, na igreja... Com 14 a 16 anos, eu era da Igreja Batista. A Igreja Batista é uma igreja muito politizada, os espaços definidores na igreja são muito democráticos, então tem a assembleia que aprova a prestação de contas da igreja, tem a assembleia que elege o presidente e a diretoria da igreja, o coral elege o presidente e o vice-presidente do coral que cuidam da parte administrativa. Então tem esse perfil, a igreja tem um pouco desse perfil. E eu acho que aquele foi um processo meio politizador pra mim, mas um pouco sem rumo. E a igreja se polarizava muito nas eleições entre direita e esquerda e eu sempre estava do lado da esquerda e a gente agitava muito a igreja nesse processo. Mas se polarizava muito a igreja. E eu lembro, especialmente, em 94 e 98 com a eleição do Cristovam Buarque, o primeiro governador do PT, e a disputa de 98 entre o Cristovam Buarque e o [Joaquim] Roriz3 no DF, isso florescia muito na igreja. Essa discussão de quem devia ser o governador, como a igreja votava, sabe? Isso foi muito interessante. E tinha portas abertas para o PT porque o Cristovam visitou essa igreja, falou no púlpito, tinha um espaço para a esquerda que hoje talvez não tenha mais.

E com 16 anos eu descobri a militância saindo do armário, porque aí me aproximei de um grupo LGBT. No processo de saída do armário, comecei a me aproximar da Parada LGBT, fui na Parada LGBT de 2002 aqui no Distrito Federal, que foi uma das primeiras. Não sei se foi a primeira, mas foi uma das primeiras Paradas. Acho que de 2002 pra frente eu estou presente em praticamente todas. Esse processo de envolvimento com esse grupo LGBT me trouxe muita politização e isso se consolidou quando entrei na Universidade com 18 anos. Eu entrei na Universidade de Brasília (UnB) pra cursar Serviço Social e aí aquilo ali foi um boom na minha vida. Participei do Centro Acadêmico, fui coordenador geral do Diretório Central de Estudantes (DCE), duas gestões no Centro Acadêmico, fui representante do Centro-Oeste da Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS). Transitei em grupos de extensão no Polo de Prevenção em DST e HIV/AIDS, a gente fundou o primeiro grupo LGBT da UnB, que foi o CLAUS, na história não tinha tido ainda um grupo. Tinha o Colcha de Retalhos da UFG, a USP tinha um e a gente fundou um da UnB, foi uma época de boom. Era muito tímido o Movimento LGBT universitário e tratar disso na universidade era muito difícil, teve o primeiro ENUDS4. E foi isso, esse processo de politização. Então foi mais ou menos entre 16 e 18 anos a minha entrada para a política mais como ativista e entendendo como é estar, realmente, ocupando um espaço de militância, de ativador social, de ator da política.

Cleyton: E como foi a entrada no Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) e depois assumir a presidência dele no DF?

Fábio: Quando Lula assume a Presidência da República em 2003, a esquerda passou a década de 80, 90 e até o início dos anos 2000 na oposição. Governou algumas cidades e alguns estados, mas tinha uma política muito forte de oposição. Em 2003 tem duas crises, uma programática e outra de referência: qual é o papel dessa nova esquerda que agora ocupa o poder central, faz acordos? Alguns defendem esse projeto e outros não defendem. E aí nem entrando no mérito em si do projeto, mas isso gera uma crise. Essa primeira crise em 2003 cria uma ruptura muito forte em torno de uma pauta que é a Reforma da Previdência. E a Heloísa Helena acaba sendo a porta-voz dessa dissidência dentro do Partido dos Trabalhadores (PT) e ela acaba expulsa. Ela, o Babá, a Luciana Genro e o João Fontes, eram três Deputados Federais e uma Senadora, porque eles votaram contra a Reforma da Previdência. E outros tantos parlamentares, se não me engano uns 10 ou 15 do PT, foram suspensos da bancada porque se abstiveram ou não compareceram na votação da reforma. O PT teve uma linha muito dura com os parlamentares sobre essa posição divergente nessa época. Foi quase que uma grande entrega do PT, naquele momento, pro establishment, sabe? "Vocês vão ter que punir a galera, porque a gente conseguiu votos da direita pra vocês. É uma pauta difícil, mas você vão ter que fazer essa entrega". Então teve esse processo... Com a expulsão, esses parlamentares expulsos começaram, com outros que saíram na expulsão, não parlamentares... Mas é, parlamentares também, vereadores, deputados estaduais e militantes, ativistas, sindicalistas, começaram um movimento por um novo partido de esquerda no Brasil que foi o PSOL.

Em 2004 esse movimento ganha muito fôlego e eu começo a me envolver com esse movimento, antes da fundação, e em 2005 eu participo da fundação do PSOL aqui no Distrito Federal. Eu já estava na universidade e eu conheço o PSOL por muita gente da universidade: "Estamos formando um novo partido e tal", e eu entro logo na fundação. Em 2005 eu sou filiado ao PSOL. E aí em 2006 eu viro Secretário de Juventude. Secretário de Juventude, estou na universidade, ajudando a articular juventude e era uma juventude muito pequena. O PT tinha uma hegemonia muito grande nos movimentos, de referência, mas que conseguia dialogar, né, e o PSOL começando a se construir ali. Então fui Secretário de Juventude e dali em diante eu participei de várias composições do diretório do PSOL no DF em diferentes posições contribuindo, especialmente, articulando a juventude. E em 2014 ou 2015 eu virei Secretário-Geral do PSOL que é o segundo posto mais importante do partido. E na última eleição a gente fez uma campanha muito forte de renovação interna, que esse segmento que ajudou a fundar o PSOL, mais jovem e tal, que estivesse na presidência e que a gente tivesse também uma presidência de representatividade. Eu virei em 2017 presidente do PSOL no DF. Final de 2017, mais ou menos em novembro de 2017, pra coordenar a entrada do PSOL nas eleições de 2018. E estou na presidência desde então, em outubro desse ano [2019] faz dois anos que estou na presidência do PSOL. Estou há um ano e meio, mais ou menos, 1 ano e 7 meses, 8 meses, na presidência do PSOL, por aí.

Cleyton: Como surgiu a ideia da candidatura à Câmara Legislativa do DF?

Fábio: A ideia desse projeto que está consolidado e garantiu a vitória agora em 2018 surge em 2013. Em junho de 2013 teve aquele boom, o PSOL teve um papel importante na rua. Por mais que parte dos setores que foram para a rua em 2013 tivessem se convertido, parte, a uma agenda conservadora, uma parte tinha uma denúncia disruptiva ali, tinha algo sendo sinalizado na rua que a gente vê hoje catalisado. Até hoje com muita força, para um lado e para o outro. Tinha uma ruptura com o modus operandi da política tradicional, tinha uma ruptura com as formas de fazer política que estava dado ali já em 2013, a política perdeu um canal e uma conexão com as pessoas muito forte. E em 2013 a gente decidiu ter uma candidatura em 2014 pra Deputado Distrital. A gente tinha várias possibilidades no coletivo que eu fazia parte, que era um coletivo, digamos interno, mas com muita gente que nem era filiado ao PSOL, próxima. Era um coletivo de pessoas da cidade, uma militância, era um coletivo mesmo que tinha um nome, identidade e grande parte era filiado ao PSOL. Era o BED, Brasil em Desenvolvimento. Que depois virou ELA que era Esquerda Libertária Anticapitalista. Era um coletivo regional, digamos assim. Uma espécie de tendência só que, digamos, um pouco mais ampla, porque tinha gente filiada e gente não filiada que estava apenas nos movimentos.

E a gente tinha uma ideia de ter uma candidatura em 2014. E aí ficou se discutindo nomes. Tinham outras possibilidades de nomes que inclusive eram prioritárias. Eu não era nem um nome na mesa. Só que acabou que esses outros nomes não se viabilizaram por questões pessoais ou de discussão política e meu nome surgiu como um plano "C" pra ser candidato em 2014. E aí eu era o plano C da candidatura. Eu estava, inclusive, muito comprometido na campanha dos outros nomes, assim, mas acabei virando... Era um plano C e acabou sendo o plano que vingou. E aí eu virei candidato em 2014 desse coletivo, a gente teve uma campanha com 6.257 votos. Que surpreendeu! Foi a segunda campanha mais votada do PSOL e surpreendeu muito a gente: em votação, em possibilidades e etc. E aí a gente começou a construir! Quando saímos de lá, vimos que havia viabilidade de construção de novas representatividades na Câmara Legislativa e que a gente tinha percorrido uma parte do caminho. E que a gente precisava se organizar pra isso. Não fazendo uma militância focada na perspectiva eleitoral, mas fazendo uma militância que a gente sempre fez, focada na construção de um ativismo de resistência, mas também se organizando para uma intervenção possível nas eleições de 2018. E isso a gente fez. Continuou percorrendo, militando, construindo, mediando a vida pessoal, a vida política, a vida partidária, a vida militante com a possível candidatura e em 2018 a gente lançou a candidatura de novo. E deu certo! Dessa vez deu certo.

Cleyton: Já entrando nessa candidatura de 2018, quais foram as estratégias que vocês adotaram na campanha? O partido ajudou com recursos significativos?

Fábio: Na verdade, do ponto de vista dos recursos humanos e militantes do partido você trabalha muito numa lógica de convencimento, mas como as pessoas são militantes, né, não são funcionárias, digamos assim, elas vão se aglutinando em torno das candidaturas que elas acreditam. Então muitas se aglutinaram com a gente. Acho que funciona assim no PT também, em outros partidos da esquerda, PDT, enfim, eu imagino que seja isso. E alguns partidos têm um perfil muito de contratação, não os partidos mais militantes, né, e o PSOL está nesse bolo que você vai se aglutinando por convencimento. Então a gente conseguiu aglutinar uma parte do partido em torno da campanha por duas razões. Uma porque é uma campanha com o DNA muito forte do PSOL, porque é a campanha de um militante e de um coletivo que tinha uma história de construção do PSOL e, especialmente eu, como a figura que ia ser candidato, era fundador do PSOL. Então era uma campanha que representava o PSOL.

E dois: era uma campanha com viabilidade porque já tinha mostrado na urna que tinha voto. Então esses dois elementos ajudaram muito a gente construir a estratégia de comunicação e a estratégia da campanha. E foram muito sólidos. A gente se baseou na construção coletiva e de uma comunicação e mobilização ativista, com esse signo de uma campanha muito PSOL. Muito a cara do PSOL, desse novo PSOL renovado, de esquerda, de uma geração que construiu o PSOL na rua, na luta, na militância, nos movimentos e com viabilidade eleitoral. O que era uma novidade para o PSOL no DF, porque até então o partido não tinha tido representante na Câmara Legislativa e não tinha tido viabilidade eleitoral, gerado nas pessoas uma sensação de viabilidade eleitoral. E a gente saiu com uma campanha, digamos assim, que não era nosso slogan, óbvio, mas que nossa palavra de ordem era: "Agora é nossa vez. Agora a gente vai chegar lá. É momento de ocupar a política". Isso somado à importância de defender a representatividade, o fato de a gente precisar, nesse momento difícil, ter LGBT eleitos para ocupar os espaços de poder, ocupar a política, ocupar as Câmaras, ocupar a política institucional.

Cleyton: Vocês foram mais para as ruas ou investiram mais nas redes sociais?

Fábio: A gente achava que as redes sociais iam ser decisivas. Todos os marqueteiros, todo mundo falava na televisão, nos podcasts e tal. Então a gente sabia que as redes iam ter um papel importante, só que a gente queria fazer uma coalização das redes com as ruas e a gente fez uma grande campanha de rua. Com muita militância na rua, com muitas atividades de campanha concentradas, com uma campanha altamente orientada no sentido de quais lugares a gente deveria ir e não deveria ir, porque a gente deveria ir... Então fizemos muitas discussões em reuniões coletivas para definir um mapa, uma agenda de prioridades para a campanha eleitoral. O que é muito difícil numa campanha com poucos fundos, numa campanha com dificuldades se você não tem grandes recursos. Com pouco tempo. 53 dias, na verdade. Aí nós tivemos um apoio do PSOL, um apoio financeiro do partido. Porque como eu já era um candidato que já tinha tido voto... Entrou dois candidatos com voto, eu e o Toninho, mas recebemos recursos eu, Toninho, Max, Seba, Ilka, Juliana, algumas candidaturas receberam recursos para [deputado] distrital e para [deputado] federal, a maioria de mulheres. Sempre o PSOL adotou ajudar campanhas de mulheres, negros e negras, LGBT e indígenas, como prioridade. Colocar no mapa das prioridades da construção e da viabilidade financeira das campanhas. E também a gente lançou na pré-campanha, conforme autorizado por resolução do TSE e na legislação prevista, a gente lançou um crowdfunding, que era uma vaquinha virtual para arrecadar recursos e que foi muito importante. A gente chegou a arrecadar quase 40 mil reais e esse recurso foi muito importante pra gente poder fazer a campanha.

Cleyton: Só pra fechar essa parte das estratégias, que lugares vocês mapearam e acharam que eram interessantes para a campanha?

Fábio: A gente quis dialogar muito com a juventude, né? Então a universidades, as faculdades, as escolas foram espaços muito importantes de diálogo para nós e os espaços onde se reúnem as pessoas para confraternizar, digamos assim. Bares, boates, baladas, a gente priorizou muito. E a gente cumpriu aquilo que era nossa meta, porque as pessoas vão se impressionando no meio da campanha e vão mudando os rumos. A gente fez uma campanha com começo, meio e fim. A gente começou num lugar e lá no início a gente dizia: "A gente vai terminar nesse lugar". Um exemplo: "Vamos começar panfletando no CEUB5 de Taguatinga e vamos terminar no IESB6 da Ceilândia", fazendo uma rota, passando em vários lugares ao mesmo tempo, durante todos os dias, a gente cumpriu a nossa meta. E a gente acha que ter cumprido e se organizado, nesse cumprimento, foi muito importante. Se planejar foi muito importante. E de forma ativista, envolvendo as pessoas voluntárias, pensando estratégias todos os dias para esses voluntários ajudarem, colaborarem, para que os voluntários pudessem realmente se engajar na campanha.

Cleyton: E agora eleito, como é que tem sido o mandato parlamentar?

Fábio: O trabalho parlamentar tem sido um desafio enorme como ser humano porque quando você está comprometido com uma agenda programática, quando você defende um projeto de sociedade, defende valores, o nível de comprometimento é enorme. Então você abre mão muito mão da sua vida pessoal para se dedicar ao serviço público. É a verdadeira noção de servidor público, a do deputado. Essa devia ser a noção de todos, mas infelizmente não é. Mas, de fato, você se envolve, se engaja em todos os problemas da cidade e da sociedade, né? Então são muitas questões e tem sido muito desafiador.

Organizando a fala em duas dimensões, primeiro: a inserção institucional é uma novidade tanto pra mim, quanto pra instituição. A instituição [CLDF] não está acostumada a ter um parlamentar do PSOL, a instituição não está acostumada a ter um parlamentar LGBT assumido, a instituição está num momento ultra conservador nacional, o parlamento tem isso. Então é um entrosamento novo, eu e a instituição. E eu não estou acostumado a estar numa instituição como essa, que é uma instituição conservadora, uma instituição limitada em vários aspectos, mas é uma instituição também democrática porque tem diferentes posições políticas eleitas nas urnas que estão representadas aqui e que merecem o meu respeito, porque foram eleitas assim como eu. Então é um entrosamento. Vou usar essa palavra "entrosamento". Essa mediação dessas relações é uma novidade. Então estou aprendendo esse processo ainda e a instituição, as pessoas, a Câmara também estão aprendendo esse processo comigo. É novidade, porque é diferente do ativismo e do movimento. No movimento você discordou, pode ser na vírgula ou na grande narrativa, você tem condição de se posicionar sempre, marcar posição. Quando você tem o compromisso institucional de fazer entregas concretas para pessoas ou você tem o compromisso institucional que o seu trabalho legislativo tem que dar conta dos grandes problemas da cidade, você tem que fazer uma seleção política daquilo que são suas pautas, quais são as suas prioridades. Não adianta eu querer jogar em todas as frentes e queimar todas as pontes.

Um exemplo político desse entrosamento, dessa mediação, desse processo, é a defesa da UnB. Uma coisa é eu fazer a luta política contra a privatização. Eu vou ter alguns aliados e vou ter algumas pessoas contrárias, normal, no mundo, na vida e aqui no parlamento também. A UnB, por exemplo, é uma pauta que nós conseguimos construir uma nota e de um total de 24 parlamentares, 19 deputados e deputadas distritais assinaram a nota em defesa da UnB e contra os cortes. Dos 8 deputados federais do DF nós conseguimos colher 6 assinaturas e dos 3 senadores, conseguimos colher 2 assinaturas. Então essa carta da UnB representou pra nós a capacidade que a gente tem que ter... Num momento muito duro da discussão e da disputa a gente vai pra cima, mas existem momentos que é possível construir unidades mais amplas, como nesse caso. Então essa mediação é fundamental, inclusive pra pauta LGBT. Quais são as agendas LGBT que você consegue construir uma aliança mais ampla de apoio no poder legislativo? Isso é uma novidade. Essa costura, esse entendimento, esse diálogo, a construção de uma agenda de proposituras que vão ser alvo, objeto de discussão na casa e que você pode avançar em algumas áreas: é novidade. E isso depende de muita reflexão cotidiana.

E a outra dimensão é a das disputas versus a dinâmica pessoal, porque isso aqui é uma repartição pública. Aqui, no caso, é uma repartição muito pequena porque você lida com uma estrutura grande, mas são 24 parlamentares, apenas. Não são 513 como na Câmara Federal. São 24 e é uma comunidade que você encontra todos os dias. E que o ideal é que as pessoas se cumprimentem, o mínimo, o ideal. E nem sempre você consegue criar esse clima. Mas é um ambiente onde você precisa fazer uma... É quase uma questão de saúde mental. Manter uma média muito razoável de relações cotidianas e tentar separar um pouco essas relações cotidianas da dimensão das grandes brigas políticas. Então isso também é um aprendizado que tá inserido nesse processo de entrosamento e mediação que eu falei.

Cleyton: No caso, seria você abstrair mesmo para entender que são disputas mais de ideias?

Fábio: Exatamente, que são disputas de ideias e tentar manter pontes e separar um pouco a vida pessoal, mesmo que a gente saiba que o pessoal é político também. E ainda tem a dimensão LGBT que é uma novidade para a instituição, mas eu acho que a representatividade ela faz tanta diferença que só o fato da gente ter um LGBT assumido, orgulhoso da sua orientação sexual aqui, faz com que a gente esteja agora no mês de maio e nenhum parlamentar tenho subido à tribuna pra falar da questão LGBT de forma predatória, ruim. Ninguém teve coragem ainda. Eu não estou dizendo que eles não são corajosos, estou dizendo, que nossa representatividade ocupa um espaço que gera nas pessoas um certo constrangimento ou, pelo menos, uma reflexão a mais, nos mais sensatos, para que não façam um debate leviano sobre esse tema. Quer dizer, tem um bode na sala. Então eu acho que isso é uma coisa importante. Estamos há 5 meses ainda, é uma percepção nova, ela pode mudar, mas hoje, no caso da Câmara Legislativa, as pessoas não tiveram coragem de falar desse tema ainda.

E aí você tem que ir equalizando todas essas dimensões para lidar com estar no poder legislativo. Especialmente abrir as portas do mandato do gabinete para que todas as demandas externas, especialmente dos movimentos sociais, as vozes, que são nossas vozes, elas possam conseguir ecoar na dimensão legislativa, aqui. E organizar a forma como isso vai ecoar, né? Não adianta ecoar de qualquer forma, tem que ecoar em iniciativas legislativas, tem que ecoar em audiências públicas, tem que ecoar em comissão geral, tem que ecoar de formas políticas que deem respostas institucionais, do ponto de vista do mandato. E óbvio que no caminho inverso o mandato tem que ser um incentivador da mobilização, da movimentação social autônoma, da geração de pautas e diálogos.

E além disso, nessa conformação complexa de estar no mandato, a gente mantém diálogos no campo da esquerda, também é muito interessante, porque são diálogos concretos, não é no abstrato. Então: "Nós mantemos relação com esse e com aquele partido, nós vamos fazer..." não! A gente tem uma série de parlamentares que têm ideias e valores parecidos e eles conversam e conseguem chegar a entendimentos e atuações comuns. Isso é interessante.

Cleyton: E quais são as principais frentes de atuação do mandato em termos de temas, pautas e agendas políticas?

Fábio: A gente tem muitas frentes de atuação porque a esquerda é um pouco sub-representada, digamos assim. Então a gente fala desde a questão LGBT que é uma questão muito importante pra nós, como direitos humanos de forma geral, como a questão da saúde mental, da saúde pública, a política de assistência social, o combate ao Estado mínimo, essa perspectiva ultra liberal das privatizações, o fomento da cultura que também é muito importante pro mandato, o direito à cidade, à mobilidade urbana, a demanda do passe livre, os direitos dos idosos, pessoas com deficiências. Então a gente entra num leque muito amplo. É um mandato generalista, eu falo que é um mandato de um LGBT que debate todos os temas. É um mandato generalista, não é um mandato de LGBT que fala só de LGBT e a gente combate muito essa ideia. Porque o tempo inteiro tentaram fazer isso com o mandato do Jean [Wyllys] nessa campanha muito difamatória contra ele, mas também numa campanha difamatória contra o projeto político do seu mandato, que andaram juntas. E essa campanha tenta dizer que o LGBT quando entra lá só sabe falar de uma nota só e nós não, a gente consegue falar de muitos assuntos! Então a gente teve uma posição muito importante na discussão do ajuste fiscal, do plano de ajuste fiscal aqui na Casa. A gente teve vários momentos da história que a gente teve posição muito importante, então isso tem diferença.

Cleyton: Você já foi ou se sentiu discriminado por ser gay no movimento social, no partido político, ou mesmo no parlamento?

Fábio: Sim, sim e sim. Sim para as três. Fui discriminado no movimento social, mesmo entre companheiros e companheiras de movimento. Fui discriminado e me senti discriminado no partido, no concreto, desde a desqualificação da nossa campanha por ser uma campanha LGBT, em alguns momentos, e nisso a gente teve uma posição muito firme pra poder virar o jogo. Até a tentativa de desqualificar os nossos discursos por serem pós-modernos e, segundo os críticos, não terem centralidade na classe. Pós-materialistas. Isso [não acontece] como debate teórico sério não, eles falam isso como forma de desqualificar mesmo. E também sofri discriminação e me senti discriminado em alguns momentos no parlamento. É bom dizer que entre os parlamentares há um esforço muito grande de tentar me respeitar. Agora, eu não trato isso do ponto de vista pessoal e individual.

Eu trato o fenômeno da LGBTfobia como um fenômeno estrutural. Então o LGBTfóbico pode ser um parente meu, um amigo meu, amiga minha, pode ser alguém que eu trabalho, pode ser um parlamentar que está aqui. É um fenômeno, está inserido nas piadas, está incrementado e encarnado nas formas de socialização. Às vezes as brincadeiras, por mais inocentes e não intencionais que elas sejam, estão encarnadas e carregadas de LGBTfobia estrutural, então é isso que a gente precisa tentar desconstruir todos os dias. Não é o que o parlamentar tenha tido a intenção de me ofender, fazendo certo tipo de comentário ou brincadeira, ou qualquer servidor da Casa, mas aquela fala dele está carregada... Isso pode ser um familiar meu falando, isso pode ser um amigo nosso, um LGBT pode, porque a gente também é parte dessa estrutura social, socializado nessa estrutura social, então a minha crítica não é às pessoas, tanto no movimento quanto no partido, quanto no parlamento. Óbvio que a dimensão de cobrança é maior no movimento e no partido, porque você está entre pessoas que defendem valores e programas iguais aos seus. O processo pedagógico tem que ser mais rápido, talvez, abrupto. Você tem muito mais margem para dizer: "Olha meu irmão, minha irmã, vamos lá, vamos melhorar isso aqui" e construir caminhos pra isso. E eu não trabalho na lógica do escracho, não é minha lógica de militância, sempre no diálogo, é meu perfil e cada pessoa tem um perfil, mas também não condeno ninguém por nenhuma metodologia, mas é minha vida, minha história, sabe?

E no parlamento a complexidade é maior, mas também, talvez, muito mais do que nessas outras instituições, no movimento e no partido, a gente consiga perceber no cotidiano dos comentários essa socialização estruturada na LGBTfobia. E isso se reflete em comentários, se reflete em práticas, se reflete no silenciamento que essa agenda política tem, isso se reflete na forma como as pessoas tratam certos assuntos, a forma como as pessoas desqualificam discursos, etc. e etc. Eu não quero individualizar, apontar o dedo pra ninguém, mas isso está na esquerda e está na direita. Já ouvi de deputados da direita ou da esquerda comentários, brincadeiras, que não eram pra me ofender, mas que reiteram essas estruturas LGBTfóbicas históricas. Então, é isso, está dado. Acho que tem um esforço maior da esquerda em melhorar, os parlamentares da esquerda se esforçam mais, são mais cuidadosos, eu sinto isso. Não puxando sardinha pro meu lado, mas eu sinto isso na prática. Mas eu sinto de alguns parlamentares da direita um esforço redobrado quando se trata de mim também, que não são todos, não são os fundamentalistas, mas eles tentam pensar mais, refletir mais antes de algumas ações que seriam muito naturais nessa socialização LGBTfóbica.

Cleyton: Você poderia relatar a história do Gabinete 24? Porque eu acho que é uma expressão nítida da LGBTfobia institucionalizada.

Fábio: O Gabinete 24 ele não foi escolhido, necessariamente, né? Foi o momento de sorteio dos gabinetes da Casa. Aí um parlamentar fez uma brincadeira e falou assim: "Quem vai ficar com o Gabinete 24?" e todos os parlamentares riram. Eu falei: "Eu posso ficar, não tenho problema nenhum em ficar com o Gabinete 24". E aí eles ficaram muito sem graça, alguém brincou: "Alguém tem problema do Deputado Fábio ficar com o Gabinete 24?", aí: "Não, não, não". E aí ficou comigo o Gabinete 24. Depois eles perceberam que era um gabinete bom, virado para o Eixo Monumental7 e tentaram até voltar ele para o sorteio, mas aí o deputado que coordenou o processo falou: "Não, já foi escolhido!". Então, o Gabinete 24 pra nós é um orgulho enorme e acho que é muito simbólico a gente ocupar esse Gabinete 24 hoje e a gente ter conseguido fazer dessa história um significado importante da resistência anti-preconceito, discriminação e também que é um gabinete de portas abertas. Talvez ninguém saiba os números dos gabinetes dos deputados e deputadas daqui, mas o Gabinete 24 as pessoas, em geral, conhecem e sabem de quem é. Então pra nós foi um momento importante, inclusive simbólico para logo na largada já ocupar um espaço e dizer: "Olha, meus irmãos, cuidado! Mais cuidado, vamos ter mais cautela, vamos ter mais reflexão pra lidar com LGBT", então acho que foi importante.

Cleyton: Sim, é uma história interessante essa. Sempre vale ser contada.

Fábio: A gente nunca contou ela com dureza, a gente nunca pesou a vibe aqui dentro, digamos assim, né. Mas a gente sabe que mesmo na leveza que a história pode ter, porque a gente conta rindo, a gente brinca, ela tem uma mensagem muito forte.

Cleyton: Não sei se você sabe, mas o Senado também não tinha o Gabinete 248.

Fábio: Agora eles retomaram, né?

Cleyton: Eles retomaram. Isso também foi uma provocação do movimento social9.

Fábio: E foi uma provocação aqui. A história do Gabinete 24 virou uma história distrital, saiu na capa do [jornal] Correio Brasilienze10, depois virou uma matéria no Fantástico11, que foi a primeira matéria no início do ano que denunciou a falta do Gabinete 24 no Senado. Ela que deu visibilidade a ausência...

Cleyton: E talvez não tenham Gabinetes de número 24 em outras Casas Parlamentares e a gente não saiba.

Fábio: Exatamente! Essa matéria, na verdade, foi provocada pela nossa história, pela narrativa daqui. Foi postada por uma jornalista importante da cidade, um outro jornalista da CBN compartilhou e ela teve visualizações imensas no país inteiro.

Cleyton: Você participou recentemente do 4º Encontro de Lideranças Políticas LGBTI das Américas12, na Colômbia. Poderia fazer um relato do evento e como ele contribuiu pro seu mandato?

Fábio: Foi incrível participar do evento. Foi um evento muito amplo, de vários atores na sociedade, de campos ideológicos de esquerda, centro-esquerda e centro, das Américas, mas de outros lugares do mundo também, inclusive da África. O evento era muito focado em lideranças LGBT com cargo e mandato. Então tinha uma plateia grande de pessoas da Colômbia e de outros países da América Latina, de organizações importantes. Representações dos principais movimentos, só que as mesas e tal, tudo, eram compostas por parlamentares. Então prefeitas LGBT, senadora trans, deputados e deputadas LGBT do país e dos países. [O Senador Fabiano] Contarato13 foi! Foi muito interessante a participação dele, eu avaliei como muito positiva a forma como ele se colocou, a forma leve como ele defendeu direitos humanos e a dignidade LGBT, a forma como ele... Achei interessante, achei que foi positivo pra gente abrir um diálogo com ele também, sabe? E eu achei que foi muito legal porque deu um gás também de você ver que, apesar de um crescimento dessas ideias de extrema direita na América e na América Latina, também tem um crescimento de representatividade. Você tem parlamentares LGBT em muito países da América, tinha representações de 30 países ali, com parlamentares, deputados, vereadores, deputados federais. Na dinâmica de cada democracia e de cada modelo de representação. Mas foi muito legal pra dar um gás, pra gente ouvir projetos de lei, ouvir as histórias, as ideias, a situação dos países, como é que os parlamentares têm feito as coalizões, as conversas e os diálogos, então foi bem positivo.

Eu voltei com gás renovado e acho que é uma saída política importante pra nós começarmos a nos organizar nacional e internacionalmente, com fóruns capazes de reunir a nossa pluralidade de movimentos e ideias, pra que a gente possa tirar uma agenda comum mínima. Como todos os movimentos fazem, eu acho que isso é muito deficitário no Movimento LGBT, um espaço coletivo que una as grandes narrativas do Movimento LGBT e tente tirar uma agenda comum. Isso debilita muito a nossa capacidade de mobilização cotidiana, né? A gente teve um grande ganho na semana passada que foi a criminalização da LGBTfobia se consolidando como voto no Plenário do Supremo [Tribunal Federal], mas a gente não tinha uma mobilização muito forte em torno daquilo na rua. E isso é ruim e isso tem a ver com vários fatores, com a burocratização, institucionalização do movimento, entre outras coisas tantas, mas tem a ver com nossa incapacidade de montar uma agenda comum ampla, que reúna... Por exemplo, nós temos 18 Paradas no DF! Como é que a gente senta 18 Paradas para tirar uma agenda comum, anual? Nós temos quantas ONGs, movimentos e grupos que se reivindicam LGBT e ativistas? Como é que a gente monta um espaço comum para tirar uma agenda política de reforço?

Cleyton: E todos esses movimentos têm concepções diferenciadas de mundo.

Fábio: Concepções diferenciadas, mas a gente está tentando construir um caminho para o mandato ajudar nessa interlocução. Nós queremos trabalhar pra isso, mas acho que nacionalmente temos esse problema. Queremos trabalhar para construir um espaço, vamos ter o Seminário LGBT agora em junho, do Congresso Nacional e o primeiro da Câmara Legislativa do Distrito Federal. Você, inclusive, é nosso convidadíssimo para vir! E a gente quer tentar construir esse canal. Esse canal político de síntese nacional: qual é a agenda LGBT? Lá a gente conseguiu tirar uma agenda internacional muito consensual, foi muito legal, só que essa agenda não reverbera no momento em que você ainda não tem uma coalizão dos movimentos nos próprios países.

Cleyton: Essa agenda central tirada lá foi qual basicamente?

Fábio: A empregabilidade trans e o combate à violência de gênero, à violência contra populações de transexuais e travestis foi muito forte, e uma resposta política e teórica ao debate da ideologia de gênero. Foram as duas coisas que eu acho que foram centrais.

Cleyton: Que também são problemas continentais, né?

Fábio: É isso, continental. Então a gente tirou como agenda uma carta das transexuais e travestis, muito forte, como uma agenda de luta pela empregabilidade e combate à morte e violência contra a população de transexuais e travestis. E dois, a questão de uma resposta teórica e política do Movimento LGBT às discussões relacionadas à ideologia de gênero. Então foram os dois eixos que a gente precisa nacionalizar no Brasil isso, acho que é importante a gente se afinar e se alinhar a esse projeto internacional.

Cleyton: Já caminhando pro final dessa entrevista, quais são seus planos a curto e médio prazo?

Fábio: Olha, primeiro eu estou muito focado nesse primeiro ano de fazer nosso mandato funcionar, se consolidar e afinar nosso trabalho, a nossa metodologia de trabalho. Estamos aprendendo e afinando essa metodologia de trabalho, essa é uma coisa. No segundo ano, acho que a gente precisa pensar como partido e como mandato, como é que nós contribuímos para essa formação de novas lideranças na construção política do Distrito Federal. Lideranças jovens, pessoas que podem estar também nos espaços representativos e etc. Então além do trabalho que a gente já faz no primeiro e no segundo ano, que é de fortalecer os movimentos sociais, como é que a gente ajuda a construir também e fortalecer essas novas lideranças, né? Acho que vai ser um desafio nosso.

E nesse processo inteiro também eu acho que a gente tem que trabalhar para a construção da unidade da esquerda, para a gente chegar em outras disputas grandes políticas e ter mais unidade possível. Eu não quero dar nenhum spoiler disso e dizer: "Olha, nós vamos conseguir ter uma grande chapa da esquerda em 2022", não, mas a gente trabalhar no concreto pra tentar construir o máximo de unidade possível. Eu quero trabalhar, quero que o mandato seja um instrumento de unidade. E a gente tem trabalhado com unidade aqui com outros partidos e isso tem sido legal. É isso, organizar a trajetória. Organizar a nossa trajetória, estamos ainda decantando o que está acontecendo. E isso significa muito resistir à extrema direita e esse ascenso conservador que ainda existe, está massacrando e tem muito enraizamento na sociedade.

Cleyton: Pra acabar mesmo, queria perguntar se tem alguma coisa que você gostaria de falar que não foi colocado nessa conversa.

Fábio: Uma coisa que não foi falada foi a questão da segurança. O Jean saiu do país, por ameaças em vários lugares do Brasil, muitas mensagens hostis, muita violência, xingamentos, violência simbólica, estando num espaço de poder. Até porque ele foi vítima de uma campanha de difamação. Marielle [Franco] foi executada, Lula está preso, tem violências... Claro que cada uma dessas violências têm uma dimensão e uma história própria, elas não significam a mesma coisa, né? Mas elas fazem parte desse momento político que a gente está vivendo no Brasil, elas constroem essa narrativa, esse entendimento.

Dizer que a gente não tem medo é mentira. Medo é uma dimensão humana. E assim que eu fui eleito, eu senti esse peso. Esse peso do medo, da violência, estar mais exposto à violência. Então pensar a segurança da população LGBT nesse momento difícil é fundamental. As pessoas às vezes esquecem, ao dar porrada, ao bater, esquecem que a gente é ser humano e que acham que podem hostilizar da pior forma, acham que podem... Esquecem sua dimensão humana, né? Então o medo é uma coisa que me acompanhou, mas esse medo ele foi fundamental para organizar a nossa capacidade de responder aos problemas atuais e a construir essa combatividade e resistência. Então o medo foi um potencializador, o medo não abateu a gente, então acho que isso é uma coisa importante de dizer.

E a nossa preocupação com a segurança foi uma preocupação importante e é uma recomendação nossa para todo mundo que é LGBT, que está numa situação de vulnerabilidade na sociedade, especialmente a população LGBT que entra na política, que quer entrar na política, montar uma rede de segurança. Uma rede política, uma rede solidária de segurança, porque nesse momento difícil, de muitas ideias autoritárias e violentas, a gente precisa se preservar também. É preciso estar vivo para fazer política, é preciso estar inteiro para fazer política e a violência desmonta a gente, a violência diminui a gente, ela abate. Então, para resistir a gente precisa construir essa rede solidária. Pensar na segurança também é importante.

Cleyton: Muito obrigado por essa entrevista!

Fábio: Obrigado também!

 

REFERÊNCIAS

Feitosa, Cleyton (2017). Barreiras à ambição e à representação política da população LGBT no Brasil. Revista Ártemis, 24(1),120-131.         [ Links ]

Goldstone, Jack (2003) Introduction: bridging institutionalized and noninstitutionalized politics. In States, parties and social movements (pp. 1-24). Cambridge University Press.         [ Links ]

 

 

Recebido em: 08/12/2019
Aprovado em: 09/12/2019

 

 

1 Naturalmente, por "primeiro Deputado Distrital LGBT" não me refiro tão somente à orientação sexual ou à identidade de gênero dos parlamentares, mas, sobretudo, às categorias políticas criadas pela militância que auxiliam na construção de um senso de identificação e pertencimento a uma comunidade que partilham problemas e anseios, fazendo disso uma luta coletiva. Certamente, já devem ter passado pela CLDF representantes homossexuais ou bissexuais (não tenho registros de pessoas trans), mas que não necessariamente se comprometiam com a agenda política do Movimento LGBT ou se autoafirmavam ativista LGBT, como é o caso do nosso entrevistado.
2 Dados da Entrevista - Cleyton Feitosa entrevista Fábio Felix, Deputado Distrital da Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF). Duração: 46 minutos e 36 segundos. Data: 29 de maio de 2019. Local: Gabinete 24 da CLDF. Endereço: Praça Municipal - Quadra 2 - Lote 5 - Centro Cívico Administrativo - Eixo Monumental - Brasília/DF.
3 Joaquim Roriz foi ex-governador do Distrito Federal e um político bastante popular nessa região. Para obter mais informações sobre a sua trajetória: https://bit.ly/2X69K1m
4 Sigla para Encontro Nacional Universitário de Diversidade Sexual.
5 O Centro Universitário de Brasília é uma instituição de ensino superior privada, com sede em Brasília, no Distrito Federal e com campi em Brasília e Taguatinga.
6 O Instituto de Educação Superior de Brasília ou Centro Universitário IESB é uma instituição de ensino superior privada, com sede em Brasília, no Distrito Federal e com campi em Brasília e Ceilândia.
7 O Eixo Monumental é uma das principais vias de Brasília, onde ficam localizados Ministérios, sedes dos três poderes da União e do próprio Distrito Federal e inúmeros monumentos da capital do Brasil.
8 Notícia em: https://bit.ly/2WJgHBr
9 Para acompanhar a reação do Movimento LGBT à ausência do Gabinete 24 no Senado Federal, ler: https://bit.ly/2Zt0qlN
10 A matéria do Correio Braziliense, um dos principais jornais do DF, pode ser lida em: https://bit.ly/2Cca5mN
11 A reportagem do Fantástico, programa dominical da Rede Globo, pode ser assistida em: https://bit.ly/2RhHUKb
12 Informações sobre o Encontro podem ser obtidas em seu site oficial: https://bit.ly/2KYZ92o
13 Fabiano Contarato (REDE-ES) é considerado o primeiro Senador Federal assumidamente gay da história da instituição. Para conhecer um pouco do seu perfil, ler a entrevista: https://bit.ly/2XSLRYp

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