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Revista Psicologia Política

versão On-line ISSN 2175-1390

Rev. psicol. polít. vol.22 no.54 São Paulo maio/ago. 2022

 

ARTIGO ORIGINAL

 

Sustentabilidade afetiva na universidade: por uma política de resistência

 

Affective sustainability at the university: for a policy of resistance

 

Sostenibilidad afectiva en la universidad: para una policia de resistencia

 

 

Guilherme Elias da SilvaI; Leonardo Lemos de SouzaII; Sonia Regina Vargas MansanoIII

IUniversidade Estadual de Maringá. gesilva@uem.br
IIUniversidade Estadual Paulista/Campus Assis. leonardo.lemos@unesp.br
IIIUniversidade Estadual de Londrina. smansano@sercomtel.com.br

 

 


RESUMO

Vivemos em um tempo histórico marcado pela exigência crescente de produção de conhecimento científico. Os protagonistas desse empreendimento são os Programas de Pós-graduação que se dedicam à produção científica e à formação de pesquisadores-professores comprometidos com a transformação social e com a democratização do conhecimento. O presente estudo busca problematizar as condições objetivas e subjetivas dessa produção, enfatizando a necessidade de favorecer uma sustentabilidade afetiva no contexto acadêmico. Para tanto, a pesquisa foi dividida em três momentos. Primeiro, é exposto um breve histórico da Psicologia como ciência. Em seguida, abordamos a possibilidade de construir uma sustentabilidade afetiva nas universidades. Por fim, apresentamos a desobediência como estratégia de resistência ao produtivismo vazio das ciências. Como conclusão, o estudo mostra que as pesquisas, para além de seus resultados objetivos, envolve também a experimentação de múltiplos afetos que são a condição de possibilidade para alavancar transformações sociais e políticas em nosso país.

Palavras-chave: Pesquisa; Universidade; Sustentabilidade afetiva; Resistência; Política.


ABSTRACT

We live in a historical period marked by the growing demand for the production of scientific knowledge. The protagonists of this enterprise are the Graduate Programs that are dedicated to scientific production and the training of researchers-professors committed to social transformation and the democratization of knowledge. The present study aims to problematize the objective and subjective conditions of this production, emphasizing the need to favor an affective sustainability in the academic context. Therefore, the research was divided into three moments. First, a brief history of Psychology as science is exposed. Next, we address the possibility of building affective sustainability in universities. Finally, we present disobedience as a strategy of resistance to the empty productivism of science. In conclusion, the study shows that research, in addition to its objective results, also involves the experimentation of multiple affects that are the condition of possibility to leverage social and political transformations in our country.

Keywords: Search; University; Affective sustainability; Resistance; Policy.


RESUMEN

Vivimos en un tiempo histórico marcado por la creciente demanda de producción de conocimiento científico. Los protagonistas de esta empresa son los Programas de Posgrado dedicados a la producción científica y la formación de investigadores-profesores comprome tidos con la transformación social y la democratización del conocimiento. El presente estudio busca problematizar las condiciones objetivas y subjetivas de esta producción, destacando la necesidad de favorecer la sostenibilidad afectiva en el contexto académico. Por lo tanto, la investigación se dividió en tres momentos. Primero, una breve historia de la psicología a medida que se expone la ciencia. A continuación, abordamos la posibilidad de construir sostenibilidad afectiva en las universidades. Por último, presentamos la desobediencia como una estrategia de resistencia al productivismo vacío de las ciencias. En conclusión, el estudio muestra que la investigación, además de sus resultados objetivos, también implica la experimentación de múltiples afectos que son la condición de posibilidad de aprovechar las transformaciones sociales y políticas en nuestro país.

Palabras clave: Investigación; Universidad; Sostenibilidad afectiva; Resistencia; Política.


 

 

Introdução

É notável que nas últimas décadas o Brasil buscou aumentar seus índices de produção científica, colocando os resultados de suas pesquisas no cenário internacional. Para tanto, as universidades, especialmente as públicas, por meio de seus Programas de Pós-graduação (PPGs), trabalham cotidianamente em três frentes distintas: aumentar o número de publicações resultantes de trabalhos científicos (teses e dissertações); investir na publicação em periódicos qualificados e de reconhecimento internacional; e aumentar o índice de citações dos trabalhos realizados em nosso país (Silva, 2009). O Brasil hoje ocupa a 13ª posição em termos de produção acadêmica no mundo e o aumento no número de publicações (que praticamente triplicou entre os anos de 2003 e 2018) deve-se ao crescimento dos PPGs nas universidades, como indica o relatório divulgado pela CAPES no começo de 2018 (CAPES, 2018).

Ocorre, todavia, que a essas três frentes de atuação ainda não estão garantidas no cotidiano dos pesquisadores brasileiros. Com isso, os PPGS enfrentam o desafio de estimular seus docentes e discentes a implicar-se com a produção e disseminação de pesquisas de qualidade que possam ser apropriadas e utilizadas tanto pela academia quando pela comunidade. Cabe-lhes também o desafio de fazer com que os resultados das pesquisas possam ser acessados em nível nacional e internacional pela comunidade científica, mas também estejam à disposição da comunidade que delas participou como colaboradora, com linguagem apropriada e material contextualizado à sua realidade social. A formação de professores e pesquisadores não é uma tarefa simples nem rápida. Ela requer investimentos de diferentes tipos, que passam pela esfera econômica, subjetiva, afetiva e, especialmente, desejante. Esse campo multifacetado de formação é composto por diferentes agentes sociais que vão desde os pesquisadores, passando pelos orientadores e envolvendo também os participantes, grandes aliados do processo de produção de conhecimento.

Diante desse cenário múltiplo e complexo das pesquisas, o presente artigo teve por objetivo problematizar as condições objetivas e subjetivas dessa produção, atentando para a necessidade de favorecer uma sustentabilidade afetiva no contexto acadêmico. Por sustentabilidade afetiva compreendemos a abertura para experimentação dos múltiplos afetos que se fazem presentes nas experiências (Mansano, 2016), sendo aqui analisada especificamente a experiência de pesquisar. Assim, o estudo questiona: quais as potências e limites experimentados pelos pesquisadores na atividade cotidiana das pesquisas? Qual a abertura e disponibilidade para experimentar os afetos díspares que emergem no contato com o campo investigado? Como tais afetos são acolhidos e elaborados? Quais desdobramentos eles trazem para os resultados das pesquisas? Para responder tais questões, o estudo foi dividido em três momentos. Primeiro, é exposto um breve histórico da Psicologia como ciência. Em seguida, abordamos a possibilidade de construir uma sustentabilidade afetiva nas universidades. Por fim, apresentamos a desobediência como estratégia de resistência ao produtivismo vazio das ciências.

Ao final do percurso, será possível constatar que o exercício sistemático de pesquisas vai muito além dos índices que mensuram as publicações e dos procedimentos burocráticos a serem seguidos. Ele envolve também a experiência viva de corpos sensíveis que são afetados de múltiplas maneiras no curso das investigações e dos encontros na universidade.

 

A produção científica da Pós-graduação stricto sensu em Psicologia no Brasil: um pouco da nossa história

Neste tópico, apresentamos a dinâmica histórica das principais condições e elementos envolvidos no processo de instalação, desenvolvimento e consolidação da pesquisa e pós-graduação stricto sensu da Psicologia brasileira. A produção deste material histórico-reflexivo busca articular-se aos principais acontecimentos sociais, políticos e econômicos de nosso país. A partir da virada para o século XX, acompanhamos a institucionalização da pesquisa psicológica desenvolvida em alguns laboratórios e Escolas Normais - especialmente, nos estados da Bahia e Rio de Janeiro. Este processo estava diretamente relacionado à ideia de que se construiria uma nova nação, pela construção de um homem novo (Antunes, 2004). Ambos seriam frutos da racionalidade e do tecnicismo. No referido período, o país dava os primeiros passos em direção à urbanização e industrialização que se intensificaram a partir dos anos 1920. Nesse ínterim, à educação era atribuído um lugar central no processo de construção do Brasil como 'potência'. A pesquisa em Psicologia, então, buscava contribuir para aplicação prática dos conhecimentos produzidos, no caso, a psicotécnica. Neste contexto, o movimento higienista teceu uma série de regulações urbano-social e ganhou amplitude junto ao paradigma biomédico, a psicometria, a qual era extremamente conveniente ao ordenamento e à normalização (Antunes, 2004; Costa & Yamamoto, 2016).

Durante a intitulada 'Era Vargas' (1930-1945), conselhos técnicos e institutos de pesquisa desenvolveram-se vertiginosamente em território nacional e a pesquisa e desenvolvimento científico em Psicologia estavam bastante atreladas ao mundo do trabalho voltadas, em especial, a produção de saberes ligados à seleção e qualificação do trabalhador. Entre os institutos de pesquisa de maior destaque estavam o Instituto de Organização Racional do Trabalho - IDORT e o Instituto de Seleção e Orientação Profissional - ISOP (Beskow & Mota, 2009).

Já no final da década de 1940 e início da década de 1950, fundam-se distintas sociedades de Psicologia, voltadas para o progresso da ciência. Estas oportunizaram a publicação dos primeiros periódicos de Psicologia e tentavam romper com o viés tecnicista e profissional, de modo a sistematizar o conhecimento em Psicologia que havia na época (Antunes, 2004). Neste momento histórico, podemos encontrar ações do Governo Federal voltadas para fomentar o desenvolvimento científico nacional. O ano de 1951 destaca-se por marcar a institucionalização do Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq) e a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) que imediatamente promoveram uma campanha de qualificação em pesquisa dos docentes brasileiros. De 1953 a 1959, mais de 1200 pesquisadores foram enviados ao exterior e, ao retornarem, implantam os primeiros cursos de mestrado e doutorado do país (Costa & Yamamoto, 2016; Martins, 2003).

Nos idos de 1960, reforçaram-se os estímulos do Estado em investimentos para o desenvolvimento da ciência e tecnologia de modo a combater o subdesenvolvimento do país. Em contrapartida, fruto principalmente do paradigma militar, conservador e centralizador que se descortinou no país advindo da estrutura ditatorial, houve uma diminuição e desqualificação da produção científica crítica, em especial daquela advinda das Ciências Humanas, Sociais e Políticas. Esta desqualificação revelava-se em perseguições a intelectuais e pesquisadores taxados pejorativamente como revoltosos e revolucionários (Costa & Yamamoto, 2016).

Em 1966, foi fundado o primeiro Mestrado em Psicologia na Pontifícia Universidade Católica do Estado do Rio de Janeiro (PUC-Rio). A instituição inaugurou uma nova forma de institucionalizar a pesquisa de modo a transcender a estrutura laboratorial e técnica que compunha os órgãos profissionalizantes, que se tornaram lócus dos primeiros Programas de Pós-graduação no Brasil. Esta nova configuração visava responder aos objetivos diretos de

formação de docentes para o crescente ensino superior brasileiro, garantindo a qualidade deste nível de ensino; a formação de pesquisadores visando ao desenvolvimento da pesquisa científica; e a qualificação de profissionais para atender às necessidades do país nos mais diversos setores. (Costa & Yamamoto, 2016, p. 140)

Seguindo o rumo histórico, constata-se que, a partir do início dos anos 1970, ocorreu uma abundância de recursos para projetos científicos e tecnológicos, bem como o estímulo à expansão dos PPGs stricto sensu em diversas áreas de nosso país. Inaugurava-se, neste sentido, um novo momento dentro do período autocrático nacional, voltado para a construção de um "Brasil-potência", por meio da modernização do país. Tal momento, chamado de modernização conservadora por José Germano (1994) baseava-se na teoria do capital humano, segundo a qual educação e ciência seriam responsáveis pelo progresso tecnológico e produtivo, devendo a formação dos recursos humanos responder às necessidades do mercado e de segurança nacional. Nota-se que nesse momento o fomento ao desenvolvimento da ciência psicológica passava por um elogio às concepções teóricas e metodológicas que proporcionassem o enquadramento ao projeto desenvolvimentista. Podemos dizer de modo crítico que isso favoreceu a produção, pela Psicologia, do ajustamento e da normalização que culminava com a formação do cidadão mínimo, ou seja, aquele que pensa e reage minimamente e produz maximamente. Um sujeito ordeiro e oficioso, entretanto apolítico (Frigotto, 2001).

Entre 1970 e 1990, catalisou-se o desenvolvimento de Sociedades e Associações de Psicologia, havendo um aumento vertiginoso no número de PPGs no país. Aqui vale assinalar a criação da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Psicologia (ANPEPP), em 1982, que tinha função integradora (a partir de suas reuniões e simpósios) e estimuladora (devido à busca pelo aperfeiçoamento dos programas). Em tais reuniões eram feitas orientações no sentido de adequar as linhas de pesquisa às áreas de concentração ofertadas pelos cursos, atendendo aos critérios de avaliação propostos pela CAPES (Costa & Yamamoto, 2016).

Já a passagem dos anos 1980 para o início da década de 1990, foi conturbada para o setor de ciência e tecnologia no Brasil: por um lado, assistiu-se a maior abertura política no setor e um representativo exemplo disso foi a instalação do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), em 1985. Este foi concebido de modo a manter-se alinhado às diretrizes políticas defendidas pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). A SBPC buscava, de acordo com Videira (2010), não somente a autonomia científica nacional, considerando a realidade brasileira, mas principalmente a promoção do bem-estar social por meio da contribuição da pesquisa científica.

Uma das primeiras iniciativas do MTC foi a organização da "I Conferência Nacional de Ciência e Tecnologia", realizada em 1987, cuja crítica mais aguda presente nos debates centrava-se nos altos investimentos feitos pelo Estado no setor de ciência e tecnologia aplicado ao setor produtivo, enquanto o "debate inócuo sobre determinados assuntos de Ciência e Tecnologia não passava pelo tratamento das questões sociais, nem mesmo contribuiu, mais sensivelmente, à sua compreensão" (Costa & Yamamoto, 2016, p. 12). Aqui, podemos recorrer às análises de Martín-Baró (1996, p. 07), que se refere à atuação em pesquisa e prática da Psicologia propondo "como horizonte do seu que fazer a conscientização, isto é, ele deve ajudar as pessoas a superarem sua identidade alienada, pessoal e social, ao transformar as condições opressivas do seu contexto".

O agravamento dos problemas socioeconômicos nesse período, entretanto, atingiu a todos os setores da política brasileira e o que se viu foi a desarticulação e desmobilização da política científica, sobreposição de funções entre CNPq e CAPES, carência de investimentos e precarização da já incipiente infraestrutura montada até o momento (Lima, 2009). Durante o governo Collor (1990-1992), a ciência e tecnologia no país atravessou sua pior crise: em 1990, a CAPES foi fechada, o MCT foi redimensionado em Secretaria da Ciência e Tecnologia e o CNPq sofreu sérios desmontes no orçamento, na infraestrutura e nos recursos humanos. O presidente seguinte, Itamar Franco (1992 - 1995), restabeleceu tais instituições. Contudo, os desmontes supracitados ainda se faziam drasticamente presentes. Desde a criação do primeiro curso de mestrado até os dias atuais, o período entre 1990 e 1992 teve a menor taxa de expansão dos cursos de mestrado e doutorado de Psicologia. Sendo assim, as gestões Collor-Itamar, ainda que curtas, deram mostras do que a política econômica neoliberal seria capaz (Ferreira & Moreira, 2002).

Como apresentam Costa e Yamamoto (2016), a agenda neoliberal teve continuidade nos governos de Fernando Henrique Cardoso (1995-2003), a qual se alicerçava em privatização do ensino superior, critérios de eficiência levados ao campo da produção científica e estabelecimento da produção quantitativa como critério de avaliação dos programas. Em 1998 foi desenvolvido o sistema Qualis, de modo a estruturar uma base de dados contendo a classificação dos periódicos científicos nos quais discentes e docentes vinculados aos mestrados e doutorados publicam. De acordo com Costa e Yamamoto (2016), é inegável a contribuição positiva que a avaliação da CAPES promoveu, tanto aos programas quanto à produção científica e aos seus veículos de disseminação. Todavia,

por adotar concepções universalistas de ciência, a criação do Qualis fez com que as diversas áreas se adaptassem ao ritmo e padrão de produção de conhecimento característicos das chamada hard sciences. Como efeito, a utilização da quantidade de publicações científicas em periódicos bem avaliados pelo Qualis como o principal indicador de qualidade, desde então, tem levado a uma verdadeira "escalada produtivista." (Castro, 2010; Cury, 2010; Horta & Moraes, 2005; Schmidt, 2011), criando um construto definidor de regras bem delineadas que regem o campo da política científica até os dias de hoje. (Costa & Yamamoto, 2016, p. 146)

Os governos de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2011) e de Dilma Rousseff (2011- 2016) ainda deram relativa continuidade ao desenvolvimento da ciência e tecnologia atrelado à ordem neoliberal herdada dos últimos atos do governo anterior e fomentaram o discurso do empreendedorismo e da inovação. Discursos estes que direcionavam os interesses da produção científica, especialmente daquela que almejava os mais abundantes fomentos público-privados. Não obstante, quanto aos aspectos de ruptura, devemos exaltar nesses dois últimos presidentes a valorização das políticas sociais como instrumento essencial para o desenvolvimento social do país. Neste sentido: "a política científica, como política implementada pelo Estado, também passou a ser encarada como estratégia direta de promoção de melhoria das condições de vida da população, e não apenas limitada a aparelhar as instituições de ensino superior" (Costa & Yamamoto, 2016, p. 147). A principal diferença desta proposta para iniciativas de mera atualização profissional reside no investimento em produção de conhecimento voltado à solução de problemas concretos da sociedade brasileira, estabelecendo fortes laços entre o campo da pesquisa científica e sua aplicação prática. Assim,

A tentativa de uma nova cultura para a Pós-graduação, diretamente articulada às necessidades de desenvolvimento social do país, envolve, também, novas perspectivas para sua avaliação. A prova disso foi a adoção do quesito Inserção Social a partir do triênio 2004-2006 na avaliação da CAPES. (Costa & Yamamoto, 2016, p. 148)

Por fim, cabe assinalar a desqualificação e violência sistemáticas que a educação de modo geral, e a ciência de modo particular, vêm sofrendo por parte dos governos que assumiram a função estatal desde 2016. Trata-se de uma série ininterrupta de declarações e atitudes pejorativas, preconceituosas e depreciativas, dentre as quais a lamentável declaração de um agente do Estado sobre supostas "balbúrdias" nas universidades, que teve como efeito gerar revolta e frustração entre pesquisadores e professores de nosso país. Um primeiro passo a ser dado para combater esse tipo de ataque gratuito e desnecessário poderia vir pelo reconhecimento de que:

estamos doentes em vez de culpados, e entendendo como nosso ambiente nos deixa doentes. A partir dessa perspectiva, poderíamos considerar a maneira pela qual nossas universidades, tão orgulhosas de sua autonomia, têm aceitado em nome do mercado o imperativo da competição e da avaliação benchmarking. (Stengers, 2019, p. 22)

Esse breve percurso histórico mostra que a pesquisa em Psicologia e, mais especificamente, a Pós-graduação em Psicologia, segue a política científica nacional que, por sua vez, está subordinada ao contexto político-econômico macroestrutural. Portanto, enquanto não houver transformação radical em tais diretrizes, o setor vai continuar deparando-se com políticas voltadas a um suposto crescimento, mas sem planejamento, ligado ao "produtivismo" da pesquisa científica e à adoção acrítica de padrões internacionais. Isto ocorre pela intensificação do modelo neoliberal, ocorrida a partir dos anos 1990, na qual "o sistema de educação superior, incluindo suas atividades de produção científica e formação de pesquisadores, passa a ser considerado também um produto de comércio internacional" (Costa & Yamamoto, 2016, p. 149). Deste modo, o desenvolvimento científico assume protagonismo como elemento fundamental para a competitividade entre Estados-Nação e, para tal, a estandardização de parâmetros é adotada como modelo, sem levar em conta, sobretudo, as especificidades de cada área e de cada contexto (Lo Bianco, Almeida, Koller, & Paiva, 2010).

Nesse sentido, uma análise crítica acerca da responsabilidade social da ciência faz-se urgente. Mas, cabe também pensar nos modos de vida construídos nos centros universitários e que, ao priorizarem a produção, deixam de lado aspectos que são relevantes para a produção dos saberes: as relações sociais, os vínculos afetivos e a produção de sentidos.

 

Por uma política dos afetos nas pesquisas

Diante do percurso histórico sobre a produção acadêmica em Psicologia no Brasil, consideramos que as pesquisas realizadas na área de Ciências Humanas vão muito além de sua forma objetiva e burocrática, envolvendo também a experimentação de múltiplas políticas, encontros e afetos. Estes últimos, por guardarem uma dimensão transitória, inesperada e incontrolável, trazem desdobramentos que se expressam durante todo o trajeto da investigação acadêmica, o que coloca seus agentes (pesquisadores, orientadores e participantes) em contato direto com variações na potência de pesquisar. É o que assinala Orlandi:

O pesquisar visado, aquele que aqui nos preocupa, procura ser duplamente aberto: aberto e propenso ao jogo das efetuações de acontecimentos, sem rigidez agressiva no pré-estabelecimento de limites; e também aberto e propenso a um trânsito de ideias e táticas que inspirem, no ânimo dos pesquisadores, o máximo possível de fluidez por multiplicidades substantivas e disposições favoráveis a praticar uma arte de arrojada e prudente contemplação contraente de sencientes, isto é, daquilo que a sensibilidade não cultiva ordinariamente no uso empírico dos seus sentidos, mas que ela pode receber nos encontros afetivos, nos encontros que a intensificam. (Orlandi, 2019, p. 225)

É nesse sentido que a noção de sustentabilidade afetiva comparece neste estudo. Ela pode ser compreendida, neste contexto, como a abertura para entrar em contato intensivo com as variações geradas pelos encontros do pesquisador com seu problema de pesquisa, seus interlocutores conceituais de referência e seus colaboradores-participantes. Mas também uma abertura para o encontro com os acasos, limites, superações, rupturas e mudanças de trajetórias, cada um deles tão importante na produção viva de conhecimentos. Esses encontros díspares, uma vez acolhidos e sustentados em sua multiplicidade afetiva, abrem espaços para que o sujeito pesquisador acione as potências de afetar e de ser afetado pelo outro, garantido assim, como assinalou Orlandi (2019, p. 255), "o máximo possível de fluidez" na coprodução de saberes.

Em tempos de crise, no qual a educação torna-se um alvo de sistemáticos ataques por parte de governos e iniciativa privada (materializados em cortes de pessoal, verbas e fomentos), os agentes sociais que realizam pesquisas científicas são amplamente atingidos. Ao mesmo tempo, a necessidade de enfrentar um conjunto vasto de cobranças burocráticas no percurso das pesquisas multiplica-se e toma uma boa parte do tempo e da energia desses trabalhadores. Tais cobranças englobam desde as exigências advindas dos comitês de ética, passando também por avaliação de pares, tramitações de projetos para fomentos, verbas cada vez mais reduzidas, metas de produção e publicação, enfim, uma lista que não cessa de crescer. Quando os índices de produtividade do mercado passam a ser utilizados como parâmetro também na academia (Silva, 2009) e se tornam praticamente naturalizados, cabe pensar em duas dimensões que atravessam os Programas de Pós-graduação: uma macro e outra microssocial.

Na esfera macrossocial, os protagonistas das pesquisas no Brasil convivem com a exigência de colocar a produção de conhecimento do país em destaque nos cenários nacional e mundial. Isso implica integrar pesquisadores de diferentes instituições, contextos sociais e países, tecendo conjuntamente uma rede interinstitucional de produção multifacetada a partir da qual seja possível compartilhar conhecimentos e aproximar pessoas. Esse desafio macropolítico requer o estabelecimento de convênios e acordos nem sempre fáceis de serem viabilizados em função de sua dimensão burocrática e econômica. Não há dúvidas de que a diversificação de realidades sociais e o envolvimento entre profissionais advindos de diferentes instituições cooperam para multifacetar o conhecimento e expandir seus horizontes. Entretanto, o tempo e energia gastos com a efetuação burocrática dessas redes corre o risco de gerar sofrimentos e frustrações de diferentes tipos.

O adoecimento psíquico na academia torna-se, a cada dia, uma realidade social comum que não encontra muito espaço para ser acolhido, analisado criticamente e enfrentado de maneira contundente (Facci, Urt, & Barros, 2018). Ao contrário, o que se vê nos processos de internacionalização é um individualismo gritante, em que cada um precisa dar conta de "fazer sua parte" para não "prejudicar os demais". A rede torna-se, assim, uma obrigação pesada, rígida e sem fluidez, o que leva a uma incoerência conceitual: é exigida, a qualquer custo, uma espécie de "cooperação individualista", que já estava disseminada na esfera privada e passa a habitar também a pública com suas exigências de produtividade.

O primeiro a adoecer é o corpo do pesquisador que, despotencializado, torna-se incapaz de sentir e experimentar os afetos emergentes na relação com os demais pesquisadores, com os orientandos, com os colaboradores, bem como com as intensidades advindas dos problemas de pesquisa desenvolvidos. O corpo, esgotado pelas cobranças, torna-se incapaz de atentar aos encontros e tende a responder somente pela via dos resultados. Via bastante perigosa sob o ponto de vista dos afetos, pois tende a colocar o pesquisador em um estado passivo de espera. Para Gilles Deleuze (2017, p. 245), "enquanto permanecermos em afecções passivas, nossa potência de agir é 'impedida'". Quais os efeitos desse impedimento, desse bloqueio afetivo? Nada mais do que corpos esgotados e pouco dispostos ao encontro com a multiplicidade e com a diferença, tendendo ao padecimento (Deleuze, 2017). Conectados em redes duras e vazias de afeto, orgulhosamente exibidas nos índices e tabelas presentes nos relatórios de avaliação, não há tempo nem espaço para acolher e experimentar os afetos emergentes, tornando as pesquisas afetivamente insustentáveis.

Quais os espaços para reescrever essa vinculação? É precisamente isso que abordaremos na sequência: a esfera microssocial. Ela alude às intensidades, afetos e encontros (Rolnik, 2016). Aqui, trazemos para análise outro tipo de conexão com a produção de conhecimento que está voltada para a experimentação efetiva dos saberes, com as dúvidas, conflitos, bifurcações, surpresas, frustrações e conquistas nela presentes. A esfera microssocial evidencia outras dimensões da pesquisa como a sensibilidade dos seus agentes para compreender os acontecimentos, as possibilidades de gerar transformações sociais, a formação cidadã de novos pesquisadores e a apropriação do conhecimento pela comunidade. Ela implica, portanto, outra relação com o tempo, com a produção e com os encontros. Entramos aqui no campo dos afetos, no qual não são os resultados quantitativos que dominam a cena. O esforço volta-se para fazer da pesquisa um exercício vivo de contato com as teorias, metodologias, conceitos, participantes e problemas investigados tendo como condição de possibilidade a sensibilidade dos envolvidos para abordar, enfrentar e elaborar os problemas em pauta (Orlandi, 2019).

Para isso, cabe acionar e sustentar um corpo afetável, capaz de acolher os incômodos e intensidades trazidos pelo problema que está sendo analisado e se abrir para as dificuldades que ele coloca em cena, fazendo do incômodo e do não saber os combustíveis para avançar na produção de conhecimento. Quando essa possibilidade é tomada em consideração, já estamos no caminho de produção de uma sustentabilidade afetiva (Mansano, 2016) nas pesquisas. Nesse caso, a sustentabilidade pode ser compreendida como a abertura para acolher os afetos e transitar em meio à diversidade de encontros que atravessam as pesquisas e que mantêm uma conexão com as dimensões intensivas e mutantes da produção de saberes. Criar uma sustentabilidade afetiva na academia consiste, desse modo, em ir além da esfera macrossocial burocrática e abrir canais de expressão para afetos micropolíticos que são atualizados e inventados no percurso das pesquisas.

Passividade e atividade na pesquisa aparecem, então, como duas possibilidades de afecção. Deleuze (2017, p. 245) esclarece: "a potência de padecer e a potência de agir são duas potências que variam correlativamente; a potência de agir está morta ou viva (Espinosa diz: impedida ou ajudada) conforme os obstáculos ou as ocasiões que ela encontra por parte das afecções passivas". No cotidiano da atividade acadêmica, cabe analisar quais os encontros que compõem (potencializam) e os que decompõem (padecem) o corpo do pesquisador no exercício do seu trabalho. Sem esse entendimento básico, corre-se o risco de aderir cegamente a uma produtividade vazia que, de fato, apenas destrói seus agentes e diminui a potência política e expansiva do saber.

É nesse sentido que nos encontramos diante do desafio implicar pesquisadores e participantes no exercício vivo de resistência para produção de conhecimento (Stengers, 2019). Isso ocorre a cada vez que pesquisadores ousam habitar a fronteira do que não sabem, experimentando intensiva e afetivamente as possibilidades de construir conhecimentos. Nesse contexto, a mera obediência aos critérios de produção de nosso país, apesar de ser em larga medida necessária, não é suficiente. Seu contrário, bem mais ousado, ganha relevância em nossa argumentação: a desobediência no campo das pesquisas.

 

A desobediência como resistência na pesquisa

Nos últimos anos, desde o advento do golpe de 2016, temos visto um crescente ataque às universidades, aos órgãos de financiamento a pesquisa e a formação de pesquisadores em nosso país (Silva et al., 2018). Os discursos de ódio e de desqualificação do trabalho de pesquisadores e de professores nas universidades e escolas têm sido frequentes, promovendo a fragilização das instituições acadêmicas. Estas têm papel extremamente relevante na transformação da saúde, educação e economia do país, por meio da produção de informações, dados, tecnologias e práticas em diversos setores.

A onda conservadora sobre as perspectivas do saber e do fazer ciência tem produzido leituras de mundo e da vida que desconsideram o conjunto de saberes críticos produzidos sobre a realidade. Assim, as formas de conhecer entram em um processo de produção discursiva em que a norma é a regulação, a universalidade, o controle, a racionalidade, a ordem e a higienização do fazer pesquisa (Amorim, 2004). Desse modo, o que se pesquisa, as maneiras como se pesquisa e as estratégias de socialização do que é produzido entram em um campo de discursividade que deve gerar o mesmo, um suposto conhecimento "neutro" que, desde um único lugar ou perspectiva sobre a realidade, atesta o que é verdade.

O que vemos, então, é uma vigilância do conhecimento e um cerceamento da liberdade de expressão, ao mesmo tempo em que ocorre a valorização de discursividades que se articula com o modelo neoliberal. Neste modelo, o que se valoriza é a produtividade quantitativa, a internacionalização via imperialismo, a colonização do espaço, da língua e da submissão da ética pela técnica.

O tempo histórico difícil que vivemos, entretanto, abre-se para uma perspectiva alternativa de combate e de resistência. Assim, apostamos aqui que a subversão desse sistema neoliberal imposto pode se dar em esferas microssociais da academia, como nas maneiras de elaborar, divulgar e produzir a pesquisa, implicando-a com as questões dos subalternos e desviantes. Desse modo, falamos de pesquisas que, ao resistir, afirmam problemas e perspectivas polifônicos, apócrifos, proscritos e colocados à margem. Nesse caso, o papel social e crítico de pesquisadores-profissionais que estão trabalhando no cotidiano com demandas diversas exige posicionamento político. Mas como? Para saber o que é um autor buscamos em Michel Foucault (2001) uma possibilidade. Ao criticar a ideia tradicional de autoria, como propriedade e domínio de um indivíduo, Foucault considera o quanto ela pode ser perigosa e que muitos foram mortos por serem autores. Ademais, ele ainda destaca que um autor torna possível outros autores, compondo-se e se misturando. Por isso, a função do autor é instaurar discursividades que permitam que outros pensem algo diferente dele e não o mesmo.

É com Mikhail Bakhtin (1997) que fica mais explícita essa questão, pois com ele precisamos perguntar também: a quem a palavra (discursividade) se dirige? Quem são os interlocutores? De certo modo, isso quer dizer que há certo modo de resistência a um modelo de autoria que se fecha em si mesmo. Trata-se de se abrir ao outro, ao estranho, em que o pesquisador se desloca do seu lugar instituído num processo de receber e acolher o outro e, assim, produzir uma escuta alteritária (Amorim, 2004).

Ao mesmo tempo, esse caráter da discursividade não pode ser confundido com uma colonização do saber, de um território, de uma linguagem (Amorim, 2004). Trata-se, outrossim, de descolonizar e de se descolonizar, abrindo espaços para temas, agentes sociais e acontecimentos situados na conjuntura social brasileira e que de fato lhe concernem. Foucault diz ainda que se o autor produz certa discursividade, produz também outras possibilidades de vinculação: ao mesmo tempo que ele tem um protagonismo, ele gera protagonismos. Assim, as dimensões ética e estética de sua produção revelam a necessidade de reconhecer os agenciamentos da escrita e da produção de conhecimento como um lugar político, coletivo e visível. Isso gera a importância de dizer (para quem e desde que lugar) como o conhecimento opera, auxilia na significação das realidades e abre para interlocução entre elas mesmas.

Feitas as considerações sobre o papel do outro na produção de autorias e das autorias na produção de outros possíveis, vemos como a produção de discursividades pode gerar resistências ou se empenhar em fazê-las, pela via da desobediência. Começamos a escrita por eleger para quem queremos escrever. Cabe considerar este "a quem o conhecimento se dirige", para pensar no que se quer disparar (fúria, reflexão, inventividade, conversações). Alteridade e diferença implicam dialogar no texto construindo possibilidades de outras conexões intertextuais, extratextuais.

O que se produz nessa política de resistência é certo protagonismo que coloca em evidência a periculosidade na escrita. Frédéric Gros, em sua obra denominada Desobedecer (2018), começa o texto com a afirmação de que temos aceitado o inaceitável. Por que as pessoas não se revoltam? Para ele, obedecemos por conformismo. Se ao pesquisar aceitamos e nos conformamos com os avaliadores e pareceres, com os impedimentos, com o não ousar, simplesmente obedecemos. Resta analisar como, induzidos pelo discurso hegemônico e majoritário sobre a ciência e sobre a vida, escrever e produzir conhecimento acerca de algo pela escrita, passa a ser aquilo sobre o que sempre foi dito, porque já foi dito. Diz Gros (p. 58): "Servir é mais que obedecer, é fornecer garantias, antecipar os desejos, obedecer o melhor possível, fazer de sua obediência a expressão de uma gratidão, justificar as ordens que nos dão". E, nesse sentido, continuamos a produzir adaptando o conhecimento às exigências numéricas cada vez mais elevadas, reproduzindo o que Gros denomina por "superobediência" (p. 59).

Por outro lado, desobedecer é difícil e arriscado no cenário brasileiro. Tecer essa possibilidade passa por uma ação coletiva em que o "nós" aparece como protagonista. Para Gros (p. 143), "fazemos sociedade desobedecendo coletivamente, levando um projeto alternativo de viver-junto, fazendo vibrar uma promessa social: a urdidura de pluralidades, e não a construção de uma unidade de todos ao preço da renúncia de cada um". Onde estariam as chances de fomentar esse "nós"? Como colocá-lo em ação diante de um contexto dominado pela desqualificação sistemática da educação e da produção de saberes?

É nessa direção que o obedecer desresponsabiliza o sujeito, segundo Gros (2018). É o que ele exemplifica no caso de Otto Adolf Eichamnn, criminoso nazista, um dos principais idealizadores do holocausto. Quando capturado pelo estado de Israel e julgado por seus crimes, ele repetidamente afirmava que não devia prestar contas a ninguém, pois não se considerava o autor de nada, apenas executava ordens.  Ao tomar essa atitude, ele acabava por encarnar uma irresponsabilidade política, à medida que se desresponsabilizava pela obediência assumida. A história mostrou sua opção política por ser negligente com seus pares e consigo mesmo.

 

Considerações finais

Se neste estudo apontamos para a construção de uma sustentabilidade afetiva no cotidiano da universidade é porque acreditamos na relevância de uma política da escrita e da pesquisa como potência para afirmar uma vida múltipla, crítica e transgressora (em relação aos modelos canônicos, sem desconsiderá-los no processo de diferir). Vislumbramos assumir a polifonia na pesquisa e na sua potência para se conectar as artes, ciências, tecnologia, economia e política na intenção de produzir enunciados variantes e variáveis sobre a vida cotidiana e sobre os cenários mais amplos, subvertendo as formas lineares e puras (idealizadas e irreais) da obra de um autor isolado em seu mundo de relatórios e índices de produção.

Sustentar essa condição afetiva múltipla já é resistência. Já é desobedecer no sentido que Gros (2018) dá ao termo, pois convoca quem pesquisa a se responsabilizar pelo que diz, sabendo que isso produzirá efeitos no campo social. No contexto atual, fazer pesquisa e produzir conhecimento é desobedecer a um modelo político, econômico e social que tende historicamente a oprimir os saberes e os agentes de sua produção. Evocamos a possibilidade de, ao resistir, sustentar um cuidado afetivo e ético consigo, com o outro, com a vida. Falamos, assim, de um conhecimento que não cerceia nem tenta eliminar as formas diversas de expressão.

Desobedecer é viver em democracia, porque, para Gros (2018), a democracia crítica exige liberdade, solidariedade e igualdade. Sustentar afetivamente uma política da desobediência na universidade consiste em defender que não sejamos traidores de nós mesmo nem do desejo complexo e mutante por transformações. Para isso, cabe defender uma universidade capaz de confrontar suas certezas, confortos e hábitos do pensamento.

 

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Submissão: 14/04/2020
Aceite: 07/09/2020

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