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Revista Psicologia Política

On-line version ISSN 2175-1390

Rev. psicol. polít. vol.22 no.55 São Paulo Dec. 2022

 

ARTIGO ORIGINAL

 

Programa Bolsa Família e a dinâmica de famílias quilombolas

 

Programa Bolsa Família and the dynamics of quilombola families

 

El programa Bolsa Família y la dinámica de familias quilombas

 

 

Magda DimensteinI; Victor Hugo BelarminoII; João Paulo MacedoIII; Jáder Ferreira LeiteIV; Candida DantasV

IProfessora Titular do Programa de Pós-Graduação em Psicologia - UFRN. E-mail: mgdimenstein@gmail.com
IIMestre em Psicologia Social - UFRN. E-mail: victorbelarmino@outlook.com
IIIDoutor em Psicologia Social - UFRN. E-mail: jpmacedo@ufpi.edu.br
IVDoutor em Psicologia Social - UFRN. E-mail: jaderfleite@gmail.com
VDoutora em Psicologia Social - UFRN. E-mail: candida.dantas@gmail.com

 

 


RESUMO

Objetiva-se discutir os efeitos do Programa Bolsa Família na dinâmica familiar e na gestão do cotidiano de mulheres beneficiárias e moradoras de duas comunidades quilombolas rurais do nordeste brasileiro. Entrevistou-se 72 mulheres por questionário sociodemográfico e entrevistas semiestruturadas. Há centralidade das mulheres como elemento organizador do cotidiano e responsável pelo estabelecimento de vínculos intergeracionais, como também elo agregador das comunidades na medida em que fazem a ponte entre o mundo doméstico e o comunitário. Observa-se a reprodução dos lugares tradicionais de gênero relacionados ao cuidado e à manutenção de desigualdades quanto à divisão de tarefas e tomada de decisão no interior das famílias, com sobrecarga para as mulheres. Nota-se interferências do BF nas dinâmicas familiares em três dimensões: relações conjugais, maternidade e cuidado dos filhos e relações comunitárias. Efeitos de autonomia e aumento no poder decisório podem ser sentidos, os quais rebatem em práticas de resistência e subversão no cotidiano.

Palavras-chaves: Mulheres; Quilombola; Dinâmica familiar; Gênero; Rural.


ABSTRACT

The aim is to discuss the effects of the Programa Bolsa Família on the family dynamics and on the daily management of beneficiary women living two rural quilombola communities in the northeastern Brazil. 72 women were interviewed using a sociodemographic questionnaire and semi-structured interviews. There is a centrality of women as an organizg element of daily life and responsible for establishing intergenerational bonds, as well as a link that bring communities together insofar as they bridge the gap between the domestic world and the community. The reproduction of traditional gender roles related to care and the maintenance of inequalities regarding the division of tasks and decision-making within families is observed, with an overload for women. PBF interferes in family dynamics in three dimensions: marital relationships, motherhood and child care, and community relationships. Effects of autonomy and increase in decision-making power can be felt, which reflect in practices of resistance and subversion in everyday life.

Keywords: Women; Quilombola; Family dynamics; Gender; Rural.


RESUMEN

El objetivo es discutir los efectos del Programa Bolsa Família en la dinámica familiar y en la gestión diaria de las mujeres beneficiarias que viven en dos comunidades rurales quilombolas en el noreste de Brasil. Se entrevistó a 72 mujeres mediante cuestionario sociodemográfico y entrevistas semiestructuradas. Hay una centralidad de las mujeres como elemento organizador la vida cotidiana y responsable de establecer lazos intergeneracionales, así como un vínculo de agregación de las comunidades, en la medida en que cierran la brecha entre el mundo doméstico y el comunitario. Se observa la reproducción de roles de género tradicionales relacionados con el cuidado y el mantenimiento de las desigualdades en cuanto a la división de tareas y toma de decisiones al interior de las familias, con sobrecarga para las mujeres. PBF interfiere la dinámica familiar en tres dimensiones: relaciones yugales, maternidad y cuidado de los hijos, y relaciones comunitarias. Se pueden sentir efectos de autonomía y aumento del poder de decisión, que se reflejan en las prácticas de resistencia y subversión en la vida cotidiana.

Palabras-clave: Mujeres; Quilombola; Dinámica de la familia; Género; Rural.


 

 

INTRODUÇÃO

O presente trabalho objetiva dar visibilidade à realidade de mulheres beneficiárias do Programa Bolsa Família (PBF), moradoras de comunidades quilombolas rurais, localizadas no nordeste brasileiro, em relação aos possíveis impactos do benefício na gestão do cotidiano e na dinâmica das famílias. Contudo, visa analisar em que medida interfere nos lugares tradicionais de gênero no âmbito das famílias quilombolas, ou seja, abre brechas naquilo que está instituído, desloca sentidos e possibilita a emergência de novas modalidades de subjetivação.

Trata-se, desse modo, de aproximar-se de uma trama que articula elementos de naturezas distintas como as questões de gênero, de raça/etnia, as modalidades de dinâmicas familiares, sem esquecer das especificidades das realidades rurais em cenários de pobreza e de iniquidade social. Evidencia-se diferentes dimensões de análise em relação ao nosso problema de pesquisa, as quais, de forma alguma, serão exaustivamente dissecadas nesse artigo, embora seja imprescindível apresentar as principais ideias que norteiam nossa discussão.

Nessa direção, partimos do pressuposto de que esses elementos estão permanentemente entrelaçados e são inseparáveis, conformando um modo de experienciar o cotidiano que é fruto de determinadas conjunções de forças e das relações que se estabelecem entre tais elementos. Não se trata de correlações ou de causalidade entre essas dimensões, nem de linearidades, mas de pensar conjuntamente nas relações sociais e históricas e nas desigualdades que constituíram e constituem a vida das mulheres, em especial, das mulheres negras. Assim, compreendemos que as experiências cotidianas e as dinâmicas das famílias das mulheres quilombolas são agenciadas por uma heterogeneidade de vetores que entrelaçam o nível macropolítico - referente ao plano das formas, das ideias instituídas, ordenadas e dos códigos preestabelecidos - e o nível micropolítico, entendido como o plano das subjetividades, em seu caráter eminentemente processual e coletivo (Guattari & Rolnik, 2013).

Concebemos igualmente que na composição entre esses planos alguns traços atravessam o tempo e a história, e apesar das metamorfoses observadas, podem ser considerados pilares estruturantes dos modos como as experiências das mulheres quilombolas vão sendo forjadas. Um desses pilares refere-se à articulação entre gênero, raça e classe e as amplas desigualdades que atingem as mulheres negras, tal como têm demonstrado as autoras feministas negras (Carneiro, 2003; Davis, 2016; Moutinho, 2014). Ao politizar as desigualdades de gênero e intragênero, a partir do reconhecimento da diversidade e desigualdades existentes entre as próprias mulheres, essas autoras revelam a dupla subvalorização que atinge das mulheres negras. Isso significa que para elas as desigualdades produzidas pelo racismo e pela discriminação racial são potencializadas e que há uma ampliação dos coeficientes de precarização e de imobilismo social. Nesse sentido, os indicadores sociais disponíveis revelam claramente a presença do sexismo e do racismo na base da nossa organização social e a persistência das desigualdades de gênero e de raça no Brasil em termos de renda, acesso e permanência no trabalho, escolarização, violência e condições de saúde, dentre outros aspectos (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada [IPEA], 2013).

O outro ponto que queremos destacar é que as experiências locais e o cotidiano das famílias de mulheres negras quilombolas, transversalizados pelos marcadores sociais de gênero, raça e classe indicados acima, se articulam à outras injustiças sociais e se atualizam no bojo do capitalismo contemporâneo, norteado por uma lógica normativa e liberal que opera em nível mundial. Neoliberalismo, para além de ideologia e sistema político-econômico, está sendo compreendido como uma racionalidade voltada à organização da vida social e à captura dos processos de subjetivação (Ferreira, 2019). Ancorados no conceito de governamentalidade de Michel Foucault (1992), autores como Sylvio Costa (2009, p. 177) se questionam:

Mas, então, sob esse novo espírito do capitalismo, que nova forma de governamentalidade é engendrada? Tendo na economia e no mercado sua chave de decifração, seu princípio de inteligibilidade, trata-se de uma governamentalidade que busca programar estrategicamente as atividades e os comportamentos dos indivíduos; trata-se, em última instância, de um tipo de governamentalidade que busca programá-los e controlá-los em suas formas de agir, de sentir, de pensar e de situar-se diante de si mesmos, da vida que levam e do mundo em que vivem, através de determinados processos e políticas de subjetivação.

Nessa direção, Alexandra Rodrigues e Regina Abeche (2010, p. 374) problematizam as repercussões da lógica neoliberal no âmbito das famílias, apontando para a estratégia de "formação de indivíduos e organizações familiares que garantam a manutenção e reprodução do sistema político-econômico neoliberal". Flávia Lemos et al. (2015), ao analisarem as propostas de empoderamento de mulheres por organizações internacionais destacam que "as relações afetivas entre pais e filhos, as de conjugalidade, entre outras de proximidade, passaram a ser alvo de capitalização, na economia política neoliberal" (p. 204) e a "chamada capacitação das mulheres ganha estatuto de prioridade na agenda política desses órgãos" (p. 205). Nessa linha, Margareth Rago (2019, p. 6), ao discutir sobre neoliberalismo e políticas feministas da subjetividade, indica que a governamentalidade neoliberal opera em todas as instituições e práticas sociais, e nesse sentido, mais especificamente, "as mulheres têm sido chamadas a subjetivarem-se em modos neoliberais, constituindo-se como autônomas, senhoras de si". Em outras palavras, tanto as famílias enquanto rede de relações, quanto as mulheres, são importantes peças dessa engrenagem que visa produzir modos de subjetivação sintônicos com a ordem social e voltados, na contemporaneidade, à competição e ao empresariamento de si.

O último ponto que norteia nossa compreensão diz respeito à gestão das políticas públicas no cenário neoliberal, onde os elementos subjetividade e inclusão passam a ser decisivos. Rafael Silva e Ana Alexandre (2019), enfatizam os novos modos de gerir as políticas sociais, as quais passam a contar com o indivíduo empreendedor de si mesmo como peça fundamental para a diminuição do Estado. Alfredo Veiga-Neto (2000), no âmbito da educação, também destaca as formas de responsabilização e encorajamento para que cada um conduza sua própria vida, de maneira racional e livre, presentes na racionalidade neoliberal. Maura Lopes (2009) chega a falar da "inclusão como prática política de governamentalidade" (p. 154), ou seja, como condição para "conduzir as condutas humanas dentro de um jogo com regras definidas, no interior dos distintos e dos muitos grupos sociais" (p. 156). Em resumo, como dizem Robson Oliveira e Simone Sampaio (2018, p. 167), "a constituição da ideologia neoliberal entrelaça formas de viver e processos de governamentalização apoiadas sobre as políticas sociais, com a assunção de orientações para a gestão técnica da pobreza inspiradas pela lógica do mercado".

No bojo da discussão sobre as políticas públicas, diversos autores têm evidenciado a centralidade da família nas políticas de assistência social brasileira e de transferência de renda como é o caso do Programa Bolsa Família, passando a ser responsáveis cada vez mais pela proteção social que deveria, constitucionalmente, ser assegurada pelo Estado, a partir da Constituição Federal de 1988.

A principal estratégia é a chamada privatização da família ou a privatização da sobrevivência da família, propondo explicitamente a transferência de responsabilidades que deveriam ser assumidas pelo Estado às unidades familiares. Há uma valorização da família como lócus privilegiado de superação das seqüelas da questão social por um estado que pouco tem priorizado os gastos com o social e, pouco tem implementado em termos de política social e estratégias de superação das desigualdades sociais. (Carloto, 2002, p. 1)

Além disso, são as mulheres que notadamente têm ficado responsáveis pela gestão da vida em cenários de pobreza. Assim, concordamos com Catharina Silveira et al. (2019), "que políticas públicas podem ser tomadas como artefatos culturais implicados em complexos processos de gestão da vida articulados e atravessados pelo gênero" (p. 423). A ampla literatura nacional é unânime em destacar que a relação entre Estado e família se ancora na generificação e na feminização da inclusão social, ou seja, na centralidade das mulheres na instrumentalização das políticas de redução da pobreza e de desenvolvimento social (Meyer, Klein, Dal'Igna, & Alvarenga, 2014; Marins, 2018).

Em relação ao Programa Bolsa Família esse debate já é conhecido. Apesar de ser uma política compensatória, é considerado um dos principais programas de combate à pobreza no mundo. Várias pesquisas apontam seu impacto na melhoria das condições de vida da população mais pobre e redução da desigualdade social (Paes-Sousa & Vaitsman, 2014). Entretanto, para alguns autores, apresenta o risco de reproduzir e institucionalizar tradicionais padrões familiares no âmbito doméstico, nos quais as mulheres adquirem centralidade na posição de guardiãs da família, e reforçar seus deveres maternos, especialmente por serem elas as beneficiárias, em sua maioria (Munõz & Fernandez, 2019). Segundo Silvana e Mariano e Cássia Carloto (2009), o PBF "torna-se um importante objeto de análise de pesquisas preocupadas em refletir o modo como o Estado incorpora padrões de relações de gênero e concepções de família e de mulher em seus programas que se dirigem ao âmbito das relações de cuidado" (p. 902). As autoras avançam focando nos riscos da "cristalização dos papéis sociais de gênero que aprisionam as mulheres nas tarefas relacionadas ao cuidado, à maternagem e, de modo mais geral, à reprodução social" (p. 905). Claudio Munõz e Eliane Fernandez (2019) sugerem que o PBF favorece a penetração da racionalidade liberal de autogoverno, a intervenção na intimidade da família e nas subjetividades de seus membros, em especial nas mulheres, e o envolvimento ativo dos sujeitos na superação da pobreza.

Em vista disso, compreendemos que o recebimento do benefício do PBF por mulheres quilombolas nos convoca a tratar da teia de elementos postos anteriormente (gênero, raça, dinâmicas familiares, rural, neoliberalismo, pobreza, políticas públicas). Como problemática, situa-se no fio da navalha das discussões que prezam por uma aproximação complexa e situada da questão, o que significa não se afastar da heterogeneidade das relações que se estabelecem entre esses elementos e constituem as mulheres em suas singularidades. Desse modo, pode ser pensado, por um lado, como parte das táticas gerais de governamentalidade descritas por Foucault (1992) e por outro lado, acreditando que "movimentos de contraconduta emergem continuamente em reação à governamentalidade ou à condução das condutas, como manifestações do desejo de não ser governado, ou, pelo menos, de não ser governado desse modo" (Rago, 2019, p. 6), pode ser um dispositivo de produção de interferências nos lugares tradicionais de gênero no âmbito das famílias quilombolas. É sobre isso que vamos tentar discutir a seguir.

 

CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS

Essa discussão faz parte de um estudo mais amplo1 com delineamento qualitativo, de natureza descritivo-exploratória, realizado junto a 72 mulheres, maiores de 18 anos e residentes em duas comunidades quilombolas rurais, uma no Rio Grande do Norte e outra no Piauí. Os dados aqui apresentados são frutos da utilização de duas ferramentas: questionário sociodemográfico ambiental e entrevistas semiestruturadas. Ambas as ferramentas foram aplicadas no local de moradia das participantes, conformando um tipo de amostragem por conveniência. Especificamente sobre o tema Dinâmica Familiar investigou-se os seguintes aspectos: organização das tarefas domésticas, cuidado dos filhos, cumprimento das condicionalidades e acesso aos programas e serviços de saúde e de assistência social. Na ocasião, foram tratados aspectos éticos, tais como: assinatura do termo de consentimento para participação da pesquisa (TCLE), autorização para gravação de voz e garantia de sigilo. A análise dos dados foi realizada a partir da análise de conteúdo temática (Minayo, 2008) e tomou como base a seguinte categorização: (I) perfil das participantes, (II) Dinâmicas familiares quilombolas: (a) organização do cotidiano e divisão das tarefas, (b) conflitos de atribuição e tomada de decisão, e c) impactos do benefício na gestão do cotidiano das famílias.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

PERFIL DAS PARTICIPANTES E DAS COMUNIDADES

Participaram do estudo 72 mulheres assim distribuídas: RN (n=37) e PI (n=35). A comunidade de remanescentes de quilombo do RN possui 140 famílias e localiza-se na área rural, na microrregião do Agreste Potiguar, a 46 km da capital Natal. A comunidade do PI possui 87 famílias, localiza-se na área rural, a 189 km de Teresina, capital do Estado. As idades das participantes variam entre 18 e 59 anos (40,3% entre 30 e 39 anos); a maioria é casada (72,2%); as famílias são constituídas com 3 ou 4 membros (58,3%) e têm renda de até meio salário mínimo (59,7%). O ensino fundamental completo ou incompleto (52,8%) predomina e se declaram de religião católica (91,7%). A matriz heterossexual monogâmica caracterizou as famílias, de modo que não identificamos famílias homoafetivas ou poliamorosas. Apesar de ser comum nas comunidades rurais, ao se casarem, os filhos construírem suas casas no entorno das casas dos pais, constituindo um perfil de família extensa, identificamos que o modelo de família nuclear é o que se destaca nas duas comunidades.

Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2010) relacionados aos dois municípios confirmam o cenário de precariedades e as inúmeras vulnerabilidades que atingem as populações moradoras de comunidades quilombolas de forma geral. As famílias sofrem de problemas crônicos associados à pobreza e à falta de suporte das políticas públicas e programas governamentais. Há, predominantemente, baixos níveis de renda e escolaridade, pouco acesso ao ensino médio e superior, assim como dificuldade de obtenção de água potável e mecanismos sustentáveis de coleta e destinação do lixo. As principais fontes de sustentação estão na agricultura de subsistência e é evidente a importância dos programas sociais como o BF na complementação da renda das famílias.

Tal como apontado pelos organismos internacionais e estudos brasileiros, as populações rurais, especialmente latino-americanas, são marcadas historicamente pela pobreza e pelas consequências da intensa e perversa desigualdade social. Segundo o Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (IFAD, 2016), as taxas de pobreza rural são sistematicamente mais altas que as urbanas na maior parte do mundo. No Brasil, estima-se que apenas 15,6% de sua população vive no meio rural (IBGE, 2010), porém, 25% dessa população encontra-se em condição de extrema pobreza (MDS, 2014). Como agravante, a Síntese de Indicadores Sociais (SIS) (IBGE, 2018) mostra que a pobreza aumentou no país entre 2016 e 2017. É sobre essas populações que recai a maior parte dos efeitos advindos da falta de desenvolvimento em âmbitos diversos como educação, saúde e seguridade social.

Carlos Pinto, Betty Rocha e Nikolas Pirani (2018) analisaram o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal Rural do país, o qual está baseado em um conjunto de indicadores que permitem uma compreensão sobre nossa realidade rural, especialmente em torno das dimensões de longevidade, educação e renda. Os autores destacaram o abismo que separa as populações rurais e urbanas, bem como as assimetrias no que diz respeito à escolarização e renda, sobretudo, entre as diversas regiões brasileiras. Nessa direção, Adriana Loureiro, Claudia Costa e Paula Santana (2016), destacam que os territórios rurais, em sua maioria, apresentam um quadro de maior vulnerabilidade, com baixa escolaridade, nível socioeconômico deficiente, escasso apoio social e assistência nos serviços de saúde, o que contribui negativamente nos indicadores de saúde, em parte produto do isolamento social e geográfico, aliados às desigualdades e privações econômicas e sociais.

No caso das comunidades investigadas, nota-se como essas populações dependem do Sistema Único de Saúde (SUS) já que quase a totalidade faz consultas, exames e tem acesso aos medicamentos através do SUS. Há inúmeros obstáculos para usufruir de tais serviços, seja pela distância entre as comunidades e a os equipamentos de saúde, pela falta de transporte, seja por problemas relativos ao planejamento e atuação das equipes da Estratégia Saúde da Família (ESF) e Agente Comunitário de Saúde (ACS) nas comunidades. Apesar das populações negras quilombolas serem considerados grupos prioritários nas políticas de saúde e assistência, no cenário atual, consideramos que a tendência é que as iniquidades se ampliem e reverberem no incremento das taxas de morbimortalidade, bem como dos agravos, especialmente de doenças crônicas e associadas às precárias condições de vida (Dimenstein et al., 2019).

Especificamente sobre a realidade das comunidades quilombolas no país existem quase 3.000 comunidades certificadas e pouco menos de 150 tituladas. O processo de titulação é muito lento e burocrático. Segundo Fernando Oliveira e Maria D´Abadia (2015), tal fato se deve tanto à burocratização dos processos administrativos vinculados à titulação quanto aos jogos políticos de interesses econômicos dos grandes fazendeiros e/ou empresários rurais. Segundo a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial /SEPPIR (MDS, 2013), cerca de 74,73% das famílias quilombolas vivem em situação de extrema pobreza; 24,81% dos quilombolas não sabem ler; 55,21% não possui água canalizada, 54,07% não possui saneamento adequado e 57,98% não possui coleta regular de lixo. Tais números estão abaixo das médias nacionais, mostrando a precariedade dessas comunidades, já que segundo o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS, 2014), a taxa de extrema pobreza no Brasil não atinge 4%, e a taxa de analfabetismo brasileira é de 8% (IBGE, 2015).

Ademais, no âmbito rural, as desigualdades de gênero são igualmente alarmantes. As mulheres registram piores índices em termos de escolaridade, renda e de direito à terra (IBGE, 2010). Além das dificuldades de atenção às necessidades básicas dos domicílios, a sobrecarga de trabalho doméstico, na agricultura e a violência de gênero, são estressores presentes no cotidiano da mulher do campo. Ascânio Fonseca et al. (2019), com base no estudo do Índice de Desenvolvimento da Família (IDF), destacaram que os domicílios chefiados por mulheres, negros ou por trabalhadores agrícolas apresentam índices de desenvolvimento inferiores àqueles chefiados por homens, brancos e que exercem atividades não agrícolas, especialmente no nordeste brasileiro. Acrescentam que "os domicílios 'chefiados' por mulheres negras têm o pior Índice de Desenvolvimento da Família (0,614), ou seja, encontram-se, em média, em situações de grave desenvolvimento humano e social" (p. 18). Pricila Lira (2019) ao discutir o recorte de gênero na questão racial, destaca que "a situação das mulheres negras carrega a somatória das opressões do machismo, racismo, além do estigma da classe social" (p. 5), isto é, elas possuem rendimentos inferiores ao dos homens em geral e ao das mulheres brancas; são as principais vítimas da violência de gênero; estão expostas a diferentes formas de exclusões (sociais e de políticas públicas) e sofrem, consequentemente, mais desigualdades.

Atentar para essas questões é imprescindível na análise das dinâmicas familiares quilombolas, conforme veremos no próximo tópico. Não podemos dissociá-las sem correr o risco de fazer considerações descontextualizadas, a-históricas e naturalizadas acerca das experiências de vida das mulheres negras rurais, marcadas por opressões, discriminações e subalternidade. Por isso a importância de considerarmos a heterogeneidade constitutiva das mulheres, incluindo as especificidades que tocam as mulheres negras rurais, a partir da compreensão acerca das relações de gênero articuladas ao território, ao perfil sócio econômico e cultural das mulheres, bem como ao modo como as famílias se organizam e constroem uma dinâmica particular.

DINÂMICAS FAMILIARES QUILOMBOLAS

Segundo Adriana Henao (2012), dinâmicas familiares referem-se à trama de relacionamentos e vínculos de colaboração e troca, e de conflitos gerados entre os membros da família, de acordo com a distribuição de responsabilidades no lar, com a participação e a tomada de decisão. Acrescenta que as dinâmicas são encontros entre subjetividades mediados por uma série de normas, regras, limites, hierarquias e lugares preestabelecidos, construídos socio-historicamente, os quais regulam a convivência e o cotidiano da vida em família nos seguintes aspectos: comunicação, intercâmbios afetivos, estabelecimento de papéis e exercício da autoridade e do poder. Daí a importância de considerar a teia de relações que articula questões de gênero, de raça/etnia e modalidades de dinâmicas familiares, sem esquecer das especificidades das realidades rurais em cenários de pobreza e de iniquidade social.

Nesse sentido, Gyme Santos e Sandra Sales (2018) falam de uma "conjuntura sócio existencial da mulher negra brasileira" (p. 44) que se perpetua no imaginário social e forja cotidianamente modos de subjetivar-se e de conviver, retomando a ideia do entrelaçamento dos planos macro e micropolíticos. É nesse bojo que se faz necessário avançar no trabalho de desconstrução dos pilares do patriarcado, do sexismo, do racismo, do machismo, dos lugares historicamente e hegemonicamente demarcados na estrutura social, considerados operadores da governamentalidade, consequentemente, resultando num empreendimento de alto custo para as mulheres negras. Se o desmonte das desigualdades de gênero é um desafio constante para todas as mulheres, esse exercício é particularmente custoso para as mulheres negras e rurais, no sentido de romper com o silenciamento, a servilidade e a submissão, considerados como seus atributos naturais. Esses aspectos serão considerados nas análises a seguir acerca dos impactos do benefício do bolsa família nas dinâmicas familiares quilombolas.

Organização do cotidiano e divisão de tarefas

Partindo do entendimento que não há definição única de família e que existem diversas tipologias familiares, consideramos que as famílias quilombolas rurais apresentam especificidades e dinâmicas próprias. O primeiro aspecto observado é a imbricada rede de relações comunitárias e familiares, segundo a qual todos se identificam como "parentes" (Cárceres, 2017) e a importância dos laços de consanguinidade. As relações culturais, socioafetivas, de solidariedade/reciprocidade, relações não-mercantis inter/intrafamiliares e normas sociais tradicionalmente repassadas, além de seus modos de vida e trabalho de natureza comunitária, solidária, de vizinhança e sua relação com a terra, são características marcantes da vida das comunidades quilombolas (Diniz, 2017; Neri & Garcia, 2017).

Essas características vão se sustentando como formas de resistência à exacerbação do individualismo e à penetração da lógica neoliberal, da meritocracia, da competição, do empreendedorismo de si. Em se tratando de comunidades remanescentes de quilombos, as famílias vivem em territórios marcados historicamente pela luta em busca da implantação de políticas e programas sociais e pelo enfrentamento das dificuldades estruturais associadas à pobreza e desigualdade social no contexto rural. Isso imprime uma tonalidade ao cotidiano onde o componente tradição e as relações comunitárias são agenciadores de resistências.

Ademais, lidam cotidianamente com políticas públicas com baixa capacidade de promover equidade em termos de saúde, educação, trabalho e seguridade social, e particularmente, de equidade de gênero, situação que imprime tonalidades próprias às dinâmicas familiares. Nesse cenário, as mulheres têm um papel central e seu cotidiano é marcado pelos afazeres domésticos, pelo trabalho na agricultura e pelos cuidados, seja de parentes idosos, seja dos seus filhos ou dos filhos de parentes. Observa-se, nessa situação, a tradição operando para a manutenção dos lugares instituídos de gênero, essencializando a mulher na função de cuidadora e o lugar da maternidade na vida feminina, os quais são reafirmados a todo momento por discursos religiosos, pedagógicos e psicológicos. De acordo com Elaina Rabinovich e Ana Bastos (2007), esse processo de naturalização tem com um dos seus efeitos a vida que transcorre "intramuros", indicando como o cotidiano das famílias vai sendo atravessado por esses discursos sexistas e como as mulheres vão se subjetivando a partir disso, como revela a Entrevistada 33:

Bom, nós amanhece o dia, cada qual tem sua função, né? O marido vai pro trabalho, e eu fico movimentando a casa, quando ele chega é pro almoço tá pronto, e eu fico cuidando das coisas de casa, porque quando ele não tá em casa eu que tenho que manter.

As atividades relativas às "coisas de casa" como limpeza, arrumação e preparação das refeições são trabalhos cíclicos e intermitentes, na maior parte das vezes invisibilizados e desqualificados, como todo e qualquer trabalho doméstico. Tomadas como atribuições imanentes à mulher, a função de "donas de casa" ou "do lar" são naturalizadas. Nas famílias quilombolas a função de cuidadora é de responsabilidade quase exclusiva das mulheres. Cuidar de parentes doentes ou dos idosos, dos filhos de parentes, levá-los às consultas e exames médicos, buscar e administrar medicamentos, alimentação, higiene e acompanhamento escolar, tudo isso é realizado sem remuneração e considerado uma obrigação das mulheres, que não questionam essa função e esse lugar designado a elas. A possibilidade de desempenharem atividades fora do espaço privado-doméstico fica praticamente inviabilizada, reforçando a naturalização do feminino vinculado ao cuidado que passa a ser incorporado ao cotidiano das "mulheres-mães" (Meyer, Klein, & Fernandes, 2012, p. 445).

As mulheres que realizam trabalhos remunerados fora de casa tampouco recebem liberação dos afazeres domésticos, do cuidado dos filhos ou do trabalho na lavoura. Ao invés disso, precisam conciliar seu trabalho com as funções domésticas, gerando sobrecarga e excesso de responsabilidades. Ainda assim, boa parte das que trabalham fora do lar continuam estudando e/ou apresentam maiores índices de escolaridade em comparação às demais. Esse perfil de mulher que trabalha fora, estuda e ocupa espaços para além do âmbito privado é atravessado por muita ambivalência: se, por um lado, essas mulheres consideram que a organização familiar deve ser orientada pela equidade de gênero, por outro lado, lidam com a persistência das desigualdades, realidade que necessitam desconstruir cotidianamente junto a seus esposos, filhos e comunidade.

Porque é muita responsabilidade, você se sente com muita pressão, com muita responsabilidade em cima de você, sem ter com quem compartilhar. E assim, praticamente aqui tudo sou eu. Eu que ordeno tudo, isso é aqui em casa, isso é em padaria, tudo. Porque eu acho assim, que quando você está à frente, você às vezes não é nem valorizada por aquilo que você faz. Você não é valorizada, ninguém dá valor pelo que você faz, mas você se acha. (Entrevistada 23)

No cotidiano das famílias quilombolas, os homens se dedicam à agricultura e pecuária, seja nas terras do quilombo, seja nas fazendas do entorno - quando vendem sua mão de obra em troca de pagamento. Permanecem boa parte do dia no roçado, enquanto as mulheres se dividem entre o roçado, as tarefas de casa e de cuidado dos filhos. Ou seja, além das atividades domésticas e de cuidado, as mulheres participam da agricultura e da criação de animais, realizando os mesmos trabalhos que os homens, desde a capinação, preparo da terra, plantio, até a colheita - ainda que boa parte considere realizar funções mais leves que a dos homens. Cabe destacar que a indicação de realizar tarefas mais leves que os homens na agricultura por parte das mulheres se inscreve mais num campo representacional, pois aos serem questionadas sobre suas atividades cotidianas na agricultura, costumam relatar as mesmas realizadas pelos homens (Leite et al., 2016; Silva, 2013). Ademais, participam na entrega e comercialização dos produtos excedentes, assumindo a mediação dentro e fora da comunidade. Entretanto, é a figura do agricultor que historicamente vem sendo valorizada pelas políticas de assistência, projetos e programas produtivos e pela seguridade social, proliferando no imaginário social sua imagem como provedor da família, mesmo quando as mulheres são as principais responsáveis pela renda da casa, como é o caso das nossas participantes, condição propiciada pelo fato de serem as beneficiárias do BF.

Assim, percebemos que as relações de gênero e as marcas sexistas não se alteram mesmo quando as mulheres assumem trabalhos remunerados ou são as principais responsáveis pela renda familiar, sendo reconhecidas como colaboradoras, revelando que estão em jogo as performances de gênero na família (Butler, 2003), as quais imprimem estilizações esperadas para homens e mulheres e modelos de masculinidades e feminilidades essencialistas (Connell & Messerschmidt, 2013). Isso pode ser identificado, por exemplo, em termos das atribuições domésticas de homens e de mulheres: o homem ocupa lugar secundário, considerando que são as filhas que colaboram nas obrigações domésticas. As mulheres mais jovens contam com a ajuda da mãe para dividir as tarefas da casa, do roçado e de cuidado dos filhos. Poucas mulheres dividem as tarefas domésticas com seus maridos. Em geral, os homens realizam tarefas de reparo, reforma ou coisas mais simples como varrer e encher as garrafas de água, na condição de ajuda. O mesmo se dá em relação ao cuidado com os filhos: de forma excepcional e pontual. Porém, nota-se certa flexibilização nas dinâmicas familiares tradicionais, pois os filhos adolescentes ou adultos-jovens ajudam nos afazeres domésticos, no roçado e no cuidado dos irmãos mais novos. Filhos mais velhos também colaboram na renda familiar.

Acerca da participação dos filhos nas dinâmicas familiares, Rabinovich e Bastos (2007) ressaltam o modelo educacional tradicional em que as crianças ajudam a cuidar da casa, da roupa e dos irmãos, onde os meninos começam a trabalhar cedo na profissão dos pais e ajudam nas despesas quando começam a receber salário. Nas famílias quilombolas percebemos essa dinâmica e o atravessamento de gênero: o filho homem normalmente acompanha o pai desde pequeno no trabalho na terra; às filhas é esperado que colaborem com o cuidado da casa e dos irmãos mais novos, sendo as principais parceiras das mães. Outras mulheres da família como tias, primas e sobrinhas também dão apoio e suporte ao cuidado dos filhos menores.

Eles não me ajudam em nada aqui não. Ele [o filho] me ajuda só mesmo porque a gente bota ele pra fazer. Quando a gente junta os cocos, ele bota no jumento, me ajuda a botar no jumento. Meu marido é no cercado, na roça trabalhando. E eu caçando meus cocos, tomando de conta da casa. (Entrevistada 54)

Florença Costa e Marlene Marra (2013) apontam que as mulheres tecem redes de solidariedade com outras mulheres, sejam parentes ou vizinhas, como estratégia para driblar as precariedades do dia-a-dia e a sobrecarga de trabalho e de multiatribuições. A sobrecarga, pode ser vista como um importante vetor de captura e um dos pilares estruturantes dos modos como as experiências das mulheres quilombolas vão sendo forjadas. Entretanto, essa condição de sobrecarga vivenciada pelas mulheres rurais, sobretudo, no caso das mulheres quilombolas, continua invisibilizada nas políticas sociais e de transferência de renda, ainda calcadas no modelo de família nuclear, na divisão hierarquizada do trabalho e na camuflagem das desigualdades de gênero.

Na verdade, tem dia que eu enlouqueço, sabe, dentro de casa! Quando eu chego em casa que ele tá bem sentado olhando para a televisão e a pia cheia de louça... Que muitas das vezes eu saio de manhã, às vezes minhas meninas tem outra atividade pra fazer, a outra estuda a tarde, outro tem outro afazer, o João estuda pela manhã... Então muitas das vezes a gente não faz não é nem porque não quer, é que muitas vezes é o tempo que não dá, é muita correria. E a pessoa em casa, vê uma coisa pra fazer e não faz... Eu fico doente muitas das vezes, as vezes chego até a discutir. Na verdade, assim é a maioria dos homens da comunidade, não é nem só ele. A maioria dos homens que acha que só quem tem que fazer é nós. Até mudar o pensamento, até fazer uma lavagem cerebral nesse povo, a gente ainda vai lutar muito ainda. (Entrevistada 11)

Conflitos de atribuições e tomada de decisão

São recorrentes os conflitos familiares devido a não participação dos esposos nos afazeres domésticos; às atitudes e discursos sexistas dos maridos em relação ao trabalho e ao lazer; incapacidade de conciliação entre as distintas responsabilidades; ciúmes e relacionamento abusivo; atraso na pensão dos filhos; brigas entre os filhos; uso abusivo de álcool e quanto ao manejo do recurso do Bolsa Família. Quanto aos acordos existentes na família, há um modo de organização instituído com base no gênero e na reprodução de padrões socialmente difundidos. Nesse sentido, o que as mulheres sinalizam como acordos, na verdade trata-se de pequenas concessões acerca da divisão das tarefas domésticas, quando precisam se ausentar do domicílio e/ou da comunidade; quando o esposo está "de bom humor, num ato de benevolência, já que estão desobrigados a ajudar nas "coisas de casa". As pactuações são mais recorrentes com os filhos, ainda que também aconteçam de modo hierárquico e reflitam sob outro ângulo as assimetrias de poder e as desigualdades de gênero na família.

Por outro lado, vale destacar que os conflitos ocupam uma importante função na dinâmica familiar, especialmente por tensionar os lugares tradicionais de gênero ao permitir que as mulheres convoquem seus parceiros e filhos ao compartilhamento de tarefas domésticas. Rosineide Cordeiro (2012) salienta que muitas leituras sobre relações de gênero no meio rural e na agricultura familiar, especificamente, têm ressaltado modelos tradicionais de família, formas ideias que não contemplam "os conflitos, as tensões, as fissuras, e como homens e mulheres negociam e barganham novas posições e lugares" (p. 139) no cotidiano. Isso significa que esses lugares estão permanentemente em movimento e que as tais contracondutas emergem dos enfrentamentos à organização familiar tradicional.

No tocante à tomada de decisões, nota-se três eixos discursivos: um primeiro indica o "compartilhamento" das decisões; um segundo, que as mulheres são as responsáveis pelas decisões na casa; e, um terceiro, dos esposos/parceiros como responsáveis pelas decisões envolvendo a família. O "compartilhamento" não necessariamente denota horizontalidade e autonomia feminina nas deliberações familiares, mas parece ser indicativo de aceitação e resignação, a fim de evitar conflitos, embora não os elimine. "Compartilhar" também foi referido como sinônimo de simplesmente ser informada pelos esposos acerca das decisões por eles tomadas, sendo outro indicador do autoritarismo, da falta de diálogo e da restrita autonomia das mulheres na tomada de decisão. Outras consideram que eles são mais capazes e aptos a tomar decisões, são os "donos da casa", para quem elas precisariam pedir permissão.

Todavia, algumas relataram ter maior poder de decisão na família. Elas referiram resolver os problemas da casa, fazer as compras e gerir os recursos familiares, ou seja, diferentemente dos homens, tomar decisões envolve não apenas o aspecto gerencial, de "quem dá as ordens", mas aponta para a sobreposição de responsabilidades e funções na casa, incluindo o cumprimento das condicionalidades exigidas pelo PBF. Não podemos perder de vista que os marcadores de classe, raça, baixo nível educacional e as condições de vida precárias são elementos que atravessam a vida dessas mulheres que assumem a chefia familiar, sobretudo, nas populações quilombolas rurais. Sobre as condicionalidades, nota-se que é mais uma atribuição das mulheres, mas apesar das dificuldades em atendê-las, consideram uma estratégia importante para melhorar a qualidade de vida da família, os padrões de saúde e escolaridade dos filhos, bem como uma oportunidade para sair do espaço privado/doméstico e comunitário, alargando suas conexões em termos sociais, territoriais e pessoais.

3.2.3 Impactos do benefício na gestão do cotidiano e na dinâmica das famílias

Vários estudos como o de Maurício Testa, Paula Fronza, Maira Petrini e Jane Prates (2013) encontraram forte relação entre a melhoria das relações familiares e as condições materiais de existência em função do recebimento do benefício, reverberando positivamente em aspectos como educação, moradia e alimentação. Outros destacam os efeitos menos tangíveis e de natureza psicossocial produzidos pelo PBF (Bronzo & Prates, 2012). Nesse sentido, para muitas entrevistadas o benefício produz alterações nas dinâmicas familiares, pois era comum necessitarem "se humilhar" e "pedir" dinheiro aos maridos. Logo, percebe-se reverberações tanto em termos de autonomia financeira, visto que aumenta o poder de compra e as possibilidades de gestão do recurso pelas mulheres, quanto em termos do enfrentamento ao assujeitamento e submissão aos homens.

Outro efeito sentido é quanto à maternidade e ao cuidado dos filhos. O recurso permite oferecerem melhores condições de vida e atenderem suas necessidades básicas em relação à alimentação, vestuário, higiene e estudos. Emerge um sentimento de bem-estar e satisfação ao conseguirem executar essas funções e suprir as demandas dos filhos. Ser beneficiária dá opção às mulheres de permanecer na comunidade e se dedicar à vida doméstica, sobretudo, quando são mães de filhos pequenos. Nota-se, portanto, que as mulheres passaram a ter mais autonomia e possibilidades de escolha em relação a vários aspectos do cotidiano, em um cenário que não havia essa oportunidade.

Da mesma forma, apesar de algumas mulheres não identificarem mudanças quanto ao acesso aos programas, equipamentos e profissionais de saúde e da assistência social, outras relatam que o recurso dá suporte ao deslocamento para chegar aos locais de atendimento; garante a segurança alimentar da família e dos filhos, com impactos na saúde e no bem-estar familiar e da comunidade e que cobre gastos com a compra de medicamentos. Além disso, a vinculação ao Cadastro Único as coloca no grupo prioritário das políticas sociais, de saúde e de assistência social e nos projetos governamentais. Mesmo reconhecendo que grande parte dos serviços, equipamentos e profissionais dessas áreas permanecem concentrados na sede do município; que muitos programas não chegam às comunidades rurais; que faltam profissionais e que a irregularidade das visitas é alta; além de sofrerem dificuldades de deslocamento e transporte para chegarem neles, as mulheres indicam a vivência subjetiva de uma certa proteção social, anteriormente inexistente, a qual impacta positivamente na dinâmica familiar. Porém, esse cenário revela a relação indissociável entre neoliberalismo e a precarização da vida, entendida como processo macro e micropolítico que se materializa em certas decisões focadas prioritariamente em determinados grupos como a população negra. Trata-se da produção de precariedades focalizadas e politicamente induzidas.

Percebemos também que as beneficiárias, em geral, tensionam algumas questões que revelam sua luta contra a invisibilidade de gênero, por exemplo, o fato da responsabilidade doméstica recair unicamente ou majoritariamente sobre elas; que há uma naturalização no lugar de mães e cuidadoras; que não se considera os esforços e sobrecarga das mulheres na conciliação entre diferentes lugares e funções dentro ou fora da família; e ainda, o fato de que são permanentemente atingidas pelo medo do bloqueio do cartão e, consequentemente, da perda do benefício. Esse medo, entendido como componente importante dos processos de subjetivação e afeto biopolítico por excelência na contemporaneidade (Mansano & Nalli, 2018), faz com que reproduzam práticas associadas à organização familiar do tipo patriarcal, à manutenção do poder dos homens sobre as mulheres e os privilégios masculinos, as quais reforçam a subordinação feminina no espaço doméstico. Questionar tudo isso indica a desmontagem em curso das engrenagens naturalizadas quanto aos papéis de gênero. Dá pistas sobre rupturas em processo em relação à construção social-institucional-cultural de submissão ou da chamada vulnerabilidade de gênero, tal como pontuada por Maria Vanzolini e Maria Morata (2020, p. 193):

Pode-se afirmar, portanto, que a vulnerabilidade de gênero se revela em três dimensões: a apreensão do papel de gênero feminino submisso, determinado social, institucional e culturalmente; produção e reprodução, a partir dessa internalização do papel de gênero, das relações de poder intergêneros, do masculino sobre o feminino; e, por fim, a legitimação da relegação das mulheres a um nível abjeto nos sistemas sociais e econômicos, a partir de validade conferida pela internalização dos papeis de gênero e pelas relações de poder construídas, expressas na retroalimentação desse ciclo por via de simbolismos e linguagem, criadores de significações da inferiorização feminina.

Enfim, não podemos esquecer que no meio rural os tradicionais lugares de gênero, impostos socialmente, permanecem fortemente arraigados. Do mesmo modo, que vivemos um fenômeno de feminização da pobreza, o qual atinge mais negativamente as mulheres negras e que isso pode ser um fator determinante da manutenção das profundas desigualdades de gênero que desfavorecem o acesso das mulheres rurais às políticas públicas, em especial de educação, renda e acesso à terra. No meio rural brasileiro, marcado pela insegurança fundiária, tanto em termos da concentração de terras, quanto da morosidade do Estado em efetivar políticas de reconhecimento dos territórios quilombolas, evidencia-se profundas desigualdades que interrelacionam gênero, pobreza e atividade agropecuária, já que "no campo, cerca de 79% do trabalho realizado pelas mulheres é sem remuneração e os homens também pagam seu tributo: quase um terço deles também não tem remuneração. Em nenhum outro setor de atividade há uma realidade semelhante" (Pereira & Sabbato, 2006, p. 69).

Assim, é urgente o desenvolvimento de políticas e formas de enfrentamento que favoreçam a equidade de gênero no meio rural. Segundo o Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA, 2014), uma das linhas prioritárias de ação, é a análise das relações de gênero nos territórios rurais e a identificação das desigualdades entre homens e mulheres. A avaliação das implicações que qualquer ação, política ou programa planejado, em todas as áreas e em todos os níveis tem para as mulheres e os homens, é um processo conhecido por transversalização do gênero, o qual visa assegurar que mulheres e homens se beneficiem por igual do processo de desenvolvimento ou que, pelo menos, a desigualdade não se perpetue. Para Laís Soares (2018, p. 23):

a delimitação dos papéis de gênero de modo binário, no meio rural, afeta diretamente a divisão de tarefas, o acesso à terra e a construção da mulher agricultora como ser social e político. Ainda assim, depois de um longo processo histórico de resistência das agricultoras, pode-se dizer que hoje elas constituem uma categoria política, mas que a necessidade de legitimar estas lutas permanece e é objetivo constante dos seus coletivos. Através da organização dessas mulheres e de seus coletivos, as suas demandas passam a integrar pautas políticas e assim, o reconhecimento de suas reivindicações começa a ser parte da realidade das agricultoras.

Dessa maneira, apesar de concordarmos parcialmente com a ideia de Munõz & Fernandez (2019, p. 40) de que "o PBF forma parte de uma rede de dispositivos que reforçam as posições de sujeito mulher-mãe, indivíduo-empreendedor e indivíduo-pobre...e de que "ao não questionar estes modos de subjetivação, reforça, através de suas ações e omissões, estas normas da subjetividade", tal como Mônica Fontana (2017), entendemos também que por meio do PBF "percursos singulares de reconstituição subjetiva são sentidos" (p. 69) entre as mulheres quilombolas.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo desse estudo foi discutir possíveis impactos do Programa Bolsa Família na dinâmica familiar e na gestão do cotidiano de mulheres beneficiárias e moradoras de comunidades quilombolas rurais. Trata-se de uma problemática complexa que requer avanços em termos de novas investigações e imersão na realidade dessas famílias. Essa pesquisa forneceu alguns elementos que nos dão pistas importantes acerca da nossa questão principal de pesquisa. Destacamos, dentre vários aspectos, que as modalidades de dinâmicas familiares estão atreladas às especificidades das realidades rurais marcadas por iniquidades sociais e papéis tradicionais de gênero. Dessa maneira, é imprescindível considerar os contextos e as assimetrias de recursos e de oportunidades que atravessam as escolhas de homens e mulheres quilombolas rurais. Consideramos ainda que há um longo caminho a ser percorrido quanto ao enfrentamento das desigualdades sociais e à equidade de gênero no cenário das famílias quilombolas. O sexismo e o racismo seguem operando na produção de estratégias de captura dessas mulheres tais como a sobrecarga de atribuições, as hierarquias internas às dinâmicas familiares, as permanências quanto ao cuidado doméstico e dos filhos, dentre outras.

Contudo, em meio a isso, observa-se a eclosão de interferências nos lugares tradicionais de gênero e a emergência de novas modalidades de subjetivação instigadas pelo recebimento do benefício do PBF. Efeitos de autonomia e aumento no poder decisório podem ser sentidos, os quais rebatem em práticas de resistência às ideologias machistas e às opressões de gênero, que rompem com o silenciamento e as assimetrias vividas pelas mulheres negras e rurais. Como decorrência disso, nota-se alterações em nível das dinâmicas familiares e na gestão do cotidiano na medida em que os lugares tradicionais de gênero são afetados.

 

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Submissão: 16/10/2020
Revisão: 19/01/2022
Aceite: 20/02/2022
Financiamento Projeto de pesquisa financiado pela Chamada Pública Universal 01/2016 do Conselho Nacional do Desenvolvimento Científico e Tecnológico/ CNPq.

 

 

Contribuição dos Autores:
Concepção: MD; JL; CMBD
Coleta de dados: VHB
Análise de dados: MD; JL; CMBD
Elaboração do manuscrito: MD; JL; CMBD; VHB
Revisões críticas de conteúdo intelectual importante: JPM
Aprovação final do manuscrito: CMBD; MD; JL; JPM
Consentimento de uso de imagem: Não se Aplica
Aprovação, ética e consentimento: O estudo obteve aprovação e consentimento em todas as instâncias institucionais e das lideranças comunitárias participantes.
1 Pesquisa financiada pelo CNPq (Edital Universal 2016) sobre autonomia e gestão do cotidiano de mulheres beneficiárias do Programa Bolsa Família.

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