SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.1Psicanálise: dificuldades e impasses no fim do séculoA masculina e o feminino: a difícil posição feminina índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Cógito

versão impressa ISSN 1519-9479

Cogito v.1  Salvador  1996

 

 

Final de análise

 

 

Carlos Pinto Corrêa *

Círculo Psicanalítico da Bahia

 

 


RESUMO

O autor faz uma evolução sobre o tema do final de análise. Partindo de Freud, em Análise Terminável e Interminável, passa pelo pensamento de Lacan e a invenção do passe, para concluir sobre questões hodiernas dos indivíduos analisados.

Palavras-chave: Psicanálise, Término de análise, Clínica.


 

 

O TERMO

Terminável ou Interminável, no dizer de Freud, Com Fim ou Sem Fim, Finita ou Infinita, no dizer de Lacan, as análises sempre têm um destino e por mais que se prolonguem dificilmente serão levadas até à morte de um ou do outro participante desta trama chamada transferência. Pode-se pensar com certo preciosismo na questão dos termos, posto que terminar, acabar ou finalizar na verdade são sinônimos. Colette Soller insiste em uma diferença entre fim e término, lembrando que há uma nuança ou diferença entre os dois termos, sugerindo o título do Encontro Internacional que tratou da Conclusão do Tratamento e Variedades Clínicas das Saídas. Esta nuança decisória se prenderia à equação do fim da passagem do psicanalisando a psicanalista. A denominação de Freud nos parece mais própria, pois interminável tem o sentido daquilo que não se pode terminar, tal qual a análise, enquanto que infinito é o que dura para sempre - eterno. Mesmo considerando-se que uma vez iniciada, uma análise pode seguir toda a vida, ao se tratar do humano, infinito há de ser como lembra o poeta Vinícius de Moraes, enquanto dura.

Ocorre-nos rever três posições fundamentais sobre o assunto: "Análise Terminável e Interminável" de Freud, a "Proposição sobre o Psicanalista da Escola" de Lacan, e o sentido do término hoje em dia.

 

EM FREUD

O texto de Freud é de 1937, publicado em junho, ao lado de "Construções em Análise" correspondem aos últimos escritos estritamente psicanalíticos de Freud publicados em sua vida. Para melhor situar o texto é importante pensar porque Freud retoma aqui o estudo da técnica e em especial, fala da terminação da análise.

Freud iniciou seus trabalhos psicanalíticos na busca de uma técnica que permitisse a redução da sintomatologia trazida por seus pacientes. Fugindo ao modelo médico de uma compreensão fenomenológica da doença (do outro), ele começa a teorizar partindo das descobertas derivadas da observação sobre si mesmo, conseguidas com sua auto-análise e com a interpretação dos sonhos. Fiel a uma metodologia indutiva, ele continua especulando a partir de suas observações (teorizando), tentando comprovações no exercício da praxes (clinicando).

Mas Freud não é somente um explorador. Ele é o gênio descobridor e especialmente o fundador de um sistema. Assim, extrapola de seu trabalho subjetivo e assume também o lugar do mestre, escrevendo, falando, aconselhando aqueles que aprendem com ele e que vão transformando a psicanálise em uma cidadela institucional, além de um campo do saber. Ao considerarmos este texto, precisamos, portanto, averiguar se se trata da expressão das inquietações de Freud em suas descobertas ou se é essencialmente o discurso crítico que ele faz sobre uma questão fundamental.

James Strachey em sua apresentação diz que o artigo dá impressão de pessimismo quanto à eficácia da psicanálise. O tema principal seria o das limitações do tratamento. De modo curioso justifica a posição de Freud por uma citação das "Novas Leituras Introdutórias" na qual Freud confessava seu pouco entusiasmopela atividade terapêutica.

O pessimismo de Freud pode também ser interpretado por alguns como decorrente da fase de vida do mestre e do agravamento de sua doença.

Segundo tal hipótese, a temática do terminar, após a grande luta travada por ele contra sua doença, teria alguma analogia com os resultados obtidos pelos que tentavam se curar com a psicanálise. Se a marca essencial de todo ser humano é mesmo a falta, questão ainda mais crucial é o da finitude do ser. Soller arrisca-se mais, lembrando que é um texto escrito quando Freud sabe que vai morrer logo, doente, idoso. "É, pois, um texto balanço, mais ainda eu poderia dizer que é um texto testamento, alguma coisa que ressoa como a questão daquilo que faltava provar para o futuro".

Mas fora da depressão, o acabar a vida, ou o morrer, não invalidam a obra realizada. Freud sabia perfeitamente o que havia construído e legado à humanidade.

Se tomarmos "Análise Terminável e Interminável" como um dos escritos técnicos de Freud, vamos recuperar o mestre alertando os discípulos para as verdadeiras perspectivas e expectativas quanto aos resultados do tratamento psicanalítico.

O término de uma análise, ou como se dizia, do tratamento psicanalítico, era tomado dentro do modelo clínico, compreendendo a conclusão de um trabalho que pretendia levar o paciente da neurose à cura. Enquanto os analistas tiveram a perspectiva simplista da supressão dos sintomas, estavam mais próximos do ideal da cura médica. À medida que se estendeu a compreensão sobre o inconsciente, a norma e a cura passaram à categoria de impossíveis e o término da análise passou à condição mais sutil. Se os sintomas são apenas marcações para uma demanda inicial, e se é especialmente à medida que eles perdem a força no jogo das associações livres, que a análise propriamente se inicia, qual será a sua direção?

Parece-nos que Freud, do lugar de fundador, estava respondendo aos psicanalistas sobre o limite que separa o cliente do não mais cliente. Não se trata mais de um corte clínico ou da alta do paciente, mas o de pensar sobre a aptidão do sujeito analisado para levar uma vida mais satisfatória depois de anos de análise, bem como da competência da psicanálise para ajudá-lo. O término de uma análise sempre nos leva a pensar nas duas vertentes: o que o sujeito analisado conseguiu da sua análise e o que se pode esperar desse sujeito analisado.

Historicamente, a psicanálise idealizou um resultado capaz de levar seus tributários a um estágio desejável de felicidade e equilíbrio, e até a construção de uma sociedade equânime e sadia formada por pessoas analisadas. A utopia da cura foi desfeita pelos resultados obtidos e o afastamento de um modelo romântico.

Pode-se dizer que Freud, sempre mais realista, retoma em seu texto uma coerência do sujeito com suas limitações de ser faltante, bem como das limitações do tratamento psicanalítico, pela supremacia do desconhecido inconsciente, além da impotência e o não saber e não poder do analista sobre o outro.

Falar do término do tratamento psicanalítico, é estar levando em conta algum tipo de transformação ou modificação psíquica desejada. É necessariamente repensar sobre a origem e o destino da demanda e da alta. Ou seja, o que traz alguém para a análise e em nome de que se termina ou suspende-se o tratamento.

Freud inicia seu texto dizendo que "a experiência nos ensinou que a terapia psicanalítica...", o que sugere desde logo, uma espécie de revisão sobre o que tem sido o caminho da clínica em direção da pretendida cura. Assim, ele volta a questões como instinto, instinto de morte, resistência, bem como a distinção entre a origem traumática ou constitucional da doença psíquica (neurose).

O texto é difícil, pois Freud tenta uma articulação entre toda a teoria que criou, as expectativas iniciais e teóricas a respeito dos efeitos da psicanálise, como um tratamento, associado às observações já disponíveis sobre que tipo de resultados os clientes podem esperar da psicanálise. Assim ele se pergunta se seria possível encurtar as análises.

Há quem diga que nesta questão o mestre poderia estar influenciado pela ideologia pragmática americana, após sua viagem aos Estados Unidos. Mas, é bom lembrar que a psicanálise se expandindo pelo mundo, exigia uma revisão das condições de Viena, onde se podia exigir dos pacientes seis sessões e até sete por semana, por quanto tempo fosse necessário.

É claro que não se pode falar em término sem abordar a questão da cura. Como imaginar o neurótico curado, ou ainda, como garantir que uma melhora não fosse provisória e logo desabasse em uma recaída?

Nenhuma garantia pode ser dada quanto ao ressurgimento ou aparecimento de novos sintomas.

Assim, Freud revê a questão do efeito preventivo da psicanálise, que surgira como nova esperança para a humanidade.

No estudo sobre os obstáculos à cura encontraremos uma espécie de revisão da pulsão e seus domínios, bem como a impossibilidade de se romper os obstáculos impostos pela castração.

Já liberto do modelo médico, Freud abandona a norma, o que nos impede de falar em um cura. O término admissível passa então pela auto-avaliação do cliente que inclui o reconhecimento do próprio inconsciente e uma verificação (reconhecimento) do valor da experiência analítica. É claro que está aqui incluído algum tipo de solução para a relação transferencial: nem o idealizado nem o rebotalho.

 

EM LACAN

Um dos pontos que Lacan insinua estar além de Freud é sobre o fim da análise. Assim, nada mais justo que se opor ao texto de Freud, a partir da "Proposição sobre o Psicanalista da Escola" editado em 1967, consequentemente, trinta anos após o texto Freudiano.

Enunciara também a dificuldade de nomear o final de análise nos "Escritos" trazendo a afirmação de Daniel Lagache quando dizia que "O término designa a interrupção simplesmente, registro de fato temporal, momento em que a análise pára. Embora no vernáculo fim e término sejam sinônimos, em psicanálise este término não liquida um processo, que de certo modo, vai continuar.

Retomando o texto de Freud, Lagache fala de algo que acaba, enquanto que Lacan, está mais interessado no que sobra ou no que resta ao terminar a análise. Parece que Freud pensa na conclusão das análises chamadas terapêuticas, já que os interessados em uma formação psicanalítica estavam atados às chamadas análises didáticas, nas quais o término se passava de outro modo. Lacan cria o passe e estabelece sua equação x = ay, sendo que a incógnita é o desejo.

Além da incógnita temos aí a variável que se transforma na grande questão do término, por sua amplitude e complexidade. Dentre as variáveis, apenas para lembrar, podemos citar três questões primordiais na consideração da cura: pulsão e seu destino, com relação ao prazer e gozo; a identificação com o psicanalista e o fantasma e a dissimulação do sintoma.

O momento de Freud era de retomar um tema crítico sobre o qual ele devia uma palavra enquanto que o momento de Lacan, com seus seminários, era diverso e partindo desta questão do término é que pode conceber o passe.

Freud acreditava que a Análise Didática era a única que poderia ser breve e incompleta. Derivado de sua experiência de auto análise, era possível pensar deste modo, ficando claro que esta análise, mais do que qualquer outra, fosse considerada inacabada, devendo o analista voltar periodicamente ao divã em sucessivas reanálises. Ainda no tempo de Freud, ficou determinado como norma institucional, que a análise dos candidatos (análise didática) deveria ser a mais extensa e completa possível. O passe supõe a liquidação da transferência e a obtenção da àgalma, ou do sujeito que se constitui.

Não existindo mais o didata, o dispositivo do passe levanta a questão de quem poderia ser o fiador desta conclusão. Ou se atribui um poder que de algum modo, reconstrói analogamente o didata e uma possibilidade discriminatória para a instituição, ou a idéia do analista nos devolverá a questão de uma possível cura, mesmo tomando com Lacan, que esta seja uma resposta não da ordem do indizível. Em vez de tornar o inconsciente consciente, Lacan busca a elucidação, não forçosamente de todo o recalcado, mas pelo menos dos restos. De outro modo, a aquisição de um saber.

 

EM TEMPO

Da questão ingênua que a análise termina quando a neurose fica curada, passamos à proposição de que a neurose seria incurável. Tornar consciente o recalcado, designa não apenas numa descoberta do inconsciente, mas um repassar do registro pulsional. No dizer de Lacan, o inconsciente deve dizer porque, o que muda a posição subjetiva do sujeito.

Por mais que a psicanálise tenha evoluído teoricamente, e mesmo que o passe recrie certas idealizações a respeito do tratamento, desaparece a expectativa da cura pela análise. Assim surge a pergunta: o que quer o Psicanalista de seu cliente?

FRANÇOIS LEGUIL diz com muita propriedade que do mesmo modo que a psicanálise busca algo que concerne ao sujeito do inconsciente, por referir-se ao sujeito, busca aliviá-lo. Em seguida, acrescenta: "se não propusesse um alívio não haveria interesse algum em se fazer psicanálise". Digamos, portanto, que do ponto de vista do cliente a análise termina quando estas modificações lhe sejam suficientes. O término está, pois, entre o necessário e o suficiente. O necessário se refere à supressão das principais dificuldades trazidas por ocasião da demanda inicial. O suficiente, denotativo de um juízo subjetivo em que o sujeito diz sentir-se confortável. Quando há o passe poderá ocorrer o que Lacan estimava para o fim da análise, uma cura, porque o sujeito passa a querer aquilo que ele deseja.

A proposta do passe contém uma ideologia sobre o constituir-se do sujeito analisado, que repassa o caminho do seu próprio analista. A valorização do saber de si em uma busca interminável que pode chegar a ser a própria razão de ser do sujeito.

Sessenta anos após a Publicação de Análise Terminável e Interminável, mudou a psicanálise, mudou o mundo.

Das condições propícias à reflexão e o debruçar-se sobre si mesmo na Viena do princípio de século, mudou radicalmente o compromisso do homem com a vida. Com o mundo na ponta dos dedos e a explosão de dados e informações disponíveis, a alienação de si tem saídas mais charmosas que a formação dos sintomas, até que o homem sucumba na depressão.

Lacan diz na "Nota Italiana" que a humanidade não deseja saber e que não há analista senão quando um desejo lhe vem. O que seria suficiente para aqueles que terminam as análises hoje? O sujeito que é pode fazer suas identificações aos ideais. Isto se refere ao ideal do sujeito, é claro. Mas, as propostas de uma transformação social e cultural são hoje tão fortes que a participação no mundo tecnológico se torna uma imposição. É como uma espécie de triunfo da ideologia sobre o indivíduo. Neste ponto ele perde as identificações do ideal, o que implica de novo na identificação ao sintoma, ou seja, a recaída na neurose.

 

BIBLIOGRAFIA

FREUD, S. – Novas Conferências Introdutórias, 1933 – E.S.B. Vol XXII        [ Links ]

_________ – Análise Terminável e Interminável, 1937 –E.S.B. Vol. XXIII        [ Links ]

_________ – Construções em Análise, 1937 –E.S.B. Vol. XXIII         [ Links ]

LACAN, J. – Proposição Sobre o Psicanalista da Escola        [ Links ]

_________ – Nota Italiana, Opção Lacaniana, n&º 11

LEGUIL, F.– A Entrada em Análise e sua articulação com a Saída, Escola Brasileira de Psicanálise, 1993         [ Links ]

SOLER, C.– Variáveis do Fim da Análise, Ed. Papirus, S. Paulo, 1995         [ Links ]

STRACHEY, J. – Nota do Editor Inglês para Análise Terminável e Interminável. E.S.B. vol.XXIII        [ Links ]

 

 

* Psicanalista. Círculo Psicanalítico da Bahia

Creative Commons License