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Cógito

versão impressa ISSN 1519-9479

Cogito v.1  Salvador  1996

 

 

A masculina e o feminino: a difícil posição feminina *

 

 

Cibele Prado Barbieri **

Círculo Psicanalítico da Bahia

 

 


RESUMO

A intenção da autora é percorrer o caminho, de Freud a Lacan, em direção à posição feminina, tal como ele a elabora em seu "Seminário 20", com vistas a uma reflexão sobre a clínica do sujeito feminino no que concerne às suas dificuldades específicas e ao final de análise.

Palavras-chave: Sexualidade feminina, Gozo feminino, Objeto a, Outro gozo, Final de análise, Clínica do sujeito feminino


ABSTRACT

The author’s intention is to go through the way, since Freud till Lacan, towards the feminine position, as Lacan works out in his "Seminary 20", in the purpose of a reflection about the clinics of feminine subject, in it’s specific difficulties and the end of analysis.

Keywords: Feminine sexuality, Feminine orgasm, Object a, Other orgasm, End of analysis, Clinical work with feminine subject.


 

 

INTRODUÇÃO

É interessante notar como, numa leitura ingênua de Freud, muitos interessados na Psicanálise, o tomaram como machista e preconceituoso em relação à mulher.

Quando Freud afirmou o Édipo feminino como "mal resolvido" e que a mulher não tem superego, ou ainda que o complexo de castração é menos atuante na mulher, muitos discordaram achando absurdo e atribuíram tais noções à ideologia vitoriana vigente.

Com o avanço da Psicanálise e a releitura conscienciosa, conclui-se hoje sobre o acerto de suas idéias, afirmando-se a genialidade, sensibilidade e perspicácia freudianas no que se refere também à questão da feminilidade.

Se sobre esta questão ele não disse tudo é porque sobre o gozo propriamente feminino não se pode dizer nada, a não ser pela via lógica à qual Lacan recorreu para dar conta disso.

Desde o Seminário das Psicoses1, Lacan concebe o feminino como a falta significante, o irrepresentável. Ao tratar da falha significante na psicose, Lacan aborda a questão da histérica e da falta de um significante feminino correlativo do significante fálico, considerando o feminino como falta fálica (– Φ) Esta tese, ao final do seu ensino, culmina com a elaboração das fórmulas quânticas da sexuação, no Seminário 202, onde ele define a posição subjetiva feminina em termos de ser não-toda submetida à função fálica, isto implicando numa falta de recalque própria do feminino e diferenciando o gozo masculino do gozo feminino.

Este trabalho pretende retomar estas questões em sua articulação com a clínica pois, para além de se atualizarem na prática cotidiana, trazem em seu bojo as questões fundamentais da análise no que tange a direção e o final do tratamento.

Se não se pode falar tudo sobre o gozo feminino e a clínica psicanalítica visa o real, como marcou Freud e reafirmou Lacan, até onde ou para onde se pode ir na análise do sujeito feminino?

 

A MASCULINA E O LABIRINTO DO FEMININO

Retomando Freud, o caminho da feminilidade não está dado de saída. A mulher torna-se mulher, diz ele em sua Conferência de 1923 sobre "A Feminilidade"3, ressaltando o caráter enigmático da posição feminina.

A menina encontra maiores obstáculos e dificuldades que o menino em seu percurso em direção à sexualidade e como consequência desta diferença a estrutura feminina nunca ficou suficientemente esclarecida para Freud, que não contava com o instrumento lógico para articular o problema.

Para falar desta questão, poderíamos partir deste momento idílico da relação mãe/filho, onde a mãe encontra-se nesta posição de Outro não barrado, plena em presença, encarnando a satisfação completa.

Momento onde não há separação entre gozo do sujeito e gozo do Outro, até porque não há sujeito nem outro, principalmente do ponto de vista da criança. Ela é o objeto que causa o desejo da mãe, não estando aí como um sujeito em relação ao seu gozo, e o que se constitui então é uma troca de gozo nessa relação dual que envolve tanto o gozo da mãe com seu falo/criança, como o puro gozo da criança em si mesma. Na relação mãe/filho não se trata de amor, trata-se de gozo.

Este puro gozo da criança é um gozo do corpo, que nada tem a ver com o gozo fálico, que é fora da linguagem, fora da ordem simbólica, alheio à ordem fálica.

A entrada na linguagem através da incisão provocada pela função paterna, ou seja, a castração, introduz uma perda de gozo, tanto do lado da mãe quanto da criança. A criança passa a Ter acesso aos significantes do desejo do Outro, entra na estrutura edipiana, no registro simbólico, ordenando-se sob o primado do falo. A perda deste gozo original, que fica barrado pelo falo, implica o surgimento de um outro tipo de gozo, o gozo fálico, que sofre a influência do significante, ou seja está submetido às interferências da angústia de castração.

Assim sendo, na operação de castração, a maior parte desse gozo do corpo sob a ação do recalque passa a gozo fálico, restando ao final algo que se condensa como objeto a, o objeto das pulsões parciais de Freud, que está intimamente ligado a este primeiro gozo experimentado nessa relação primordial com o Outro.

No menino, sob a ameaça de castração, este gozo ao passar pelo recalque fica totalmente abolido. A sexualidade dirige-se então no sentido da primazia da zona genital, como diz Freud, ou poderíamos também dizer, ordena-se segundo os significantes da virilidade, as insígnias masculinas desembocando no gozo fálico, como prefere Lacan. Na menina, que não tem tanto a temer da castração, – ou ainda, que é não-toda castrada, pois não encontra um significante que dê conta de seu gozo, que o ordene segundo significantes da feminilidade, – nela, a castração não opera completamente, deixando a possibilidade de recuperar este gozo, pelo menos em parte. Assim, a mulher conserva este como um Outro gozo, um gozo a mais, para além do gozo fálico, suplementar a ele, como um gozo fora da linguagem e que o simbólico não atingiu. Parede Ter sido nesse sentido que Lacan o definiu como Outro gozo, pois a posição feminina é por excelência a do Outro barrado, A Mulher (com o A barrado).

Abordaremos novamente essa questão mais adiante, pois ela não se esgota nisso e há ainda outros meandros a percorrer.

Retomando o caminho rumo ao feminino, até que a menina descubra a falta significante pelo lado feminino, não há do ponto de vista psíquico, diferença entre meninos e meninas. A libido é masculina, dizia Freud, ou seja, a sexualidade humana se ordena segundo o falo, e a menina é um homenzinho.

Para ela tudo é fálico, principalmente a mãe. Desconhece sua vagina e ainda não percebeu a ausência significante.

A primazia é fálica, recaindo o prazer da masturbação no clitóris como equivalente do falo. A descoberta do não-falo, da mãe não-fálica e sua inserção do lado em que falta falo, desperta nela uma profunda decepção. A inveja do pênis, como Freud descreveu, instala-se sobre essa falta de um significante que a defina, que a nomeie, só restando perfilar-se pela falta dele, desejando-o de quem o tem.

A busca do falo inexistente aponta para o pai imaginariamente detentor do significante onde ela espera nomear-se, quanto mais que, por maior que seja seu amor pela mãe, ela não a proverá do falo, pois também não o porta. Se há uma esperança de tê-lo é pela demanda ao pai.

Ledo engano. Engodo que levará a menina a procurar, tanto nos homens como em suas atribuições fálicas um ponto de apoio identificatório tanto quanto a resposta a esta enigmática posição: o que quer a mulher? O que define A mulher? Se o falo tudo ordena nessa nossa raça falante, não há como ordenar-se fora dele, a não ser que se esteja no campo da psicose.

Dividida entre o Falo e o não-Falo, a menina fala. Fala não só ao homem, fala às outras mulheres em quem busca encontrar a receita do tornar-se mulher, de como fazer, de como ser: a histeria e em alguns casos até passagens pela homossexualidade. Não há de ser por acaso que a mulher sempre recorreu a toda sorte de receitas em tudo que seja "receitável". Cria, recria, constrói, restaura, com uma habilidade que pode ser tomada como inerente ao feminino.

Mas o que ela encontra nessa via é sempre algo da ordem do fálico, do falado, que não deixa de passar pelo gozo fálico, inclusive no que ele toca o gozo da própria fala.

A mulher retorna então à mãe, desta vez pela via da Outra mulher, na esperança de nela encontrar os significantes que a ensinem como ser mulher, pela identificação.

O labirinto se constitui nestas tentativas que se relançam a cada relacionamento ou atividade na qual se envolve, na busca da significação para uma posição que como se deduz desse desenvolvimento, longe de ser natural, deve ser alcançada, construída.

A via fálica, irresistível, coloca a mulher na trilha da posição masculina. Ser masculina muito mais fácil e definível do que ser feminina. Afinal, é para onde tudo empurra. Inclusive, os acessórios tradicionalmente próprios para despertar o desejo dos homens, parecem ser metonímias do falo que muitas vezes fazem da mulher o próprio falo encarnado: o símbolo sexual, a mulher fatal. O desejo é sempre o desejo de falo, inclusive para aqueles, que se alinham do lado masculino, e o que poderia ser tomado como signo de feminilidade é justamente um certo velamento, que se produz através da máscara.

A feminilidade, – como demonstrou Joan Riviere4 em seu artigo de 1929 que trata do caso de uma executiva que após exibir sua potência intelectual nas conferências e palestras que ministra se sente tomada como masculina, necessitando então seduzir sexualmente um homem da platéia de forma a desfazer o mal-entendido – a feminilidade aparece como máscara, pois não sendo definida por nenhum significante específico, surge de uma montagem construída através de traços de identificação, colhidos de cada Outra mulher e do que se consegue pescar da fala dos homens. Não seria por nada que é tão importante para a mulher ser cantada em versos e prosas, receber provas de amor e ter confirmação sempre renovada de seu valor enquanto amada. É preciso que um homem a nomeie mulher para que ela ocupe este lugar.

Ocupar a posição feminina implica além destas uma outra dificuldade relativa ao lugar que mulher deve ocupar na fantasia.

Se a posição masculina fica definida no quadro proposto por Lacan pelo lugar de sujeito fantasia ($). A posição feminina, como definida por Freud e Lacan, implica o abandono da posição de sujeito para colocar-se no lugar de causar o desejo de um homem; ou seja, na fórmula da fantasia, lugar do objeto a. Lugar de objeto, posição de assujeitamento e de certa forma, rebaixamento, que exige uma certa dessubjetivação, difícil de ser sustentada, mesmo que entre quatro paredes e mesmo para as mulheres do tempo de Freud, quando a submissão e a passividade eram ensinadas e cultivadas como características do ser feminino. As histéricas tratadas por Freud, como Dora por exemplo, deixam clara a sua resistência em oferecer-se como objeto para não desfazer o engodo de ser fálica. As culturas orientais, principalmente as mais antigas, preparam a mulher desde o início para assumir essa posição de objeto do desejo do homem, literalmente moldando sua posição subjetiva como moldam o tamanho de seus pés e limitam seu acesso às atividades intelectuais que são signos fálicos privilegiados dos sujeitos masculinos, fazendo uma marca divisória inequívoca entre o que é da posição masculina e o que é da feminina.

Isto mostra o quanto é difícil encarnar esta posição e o quanto é necessário que haja aí uma construção. Mas por que deve ser justamente esta e não outra a posição que dá acesso ao gozo propriamente feminino?

A resposta está na estrutura, no irrepresentável da condição feminina, como Freud vislumbrou e Lacan, pela teoria do significante e através da lógica formalizou. No Seminário 20, Lacan propõe duas vias para o gozo feminino: a decorrente da posição de objeto causa de desejo, ou seja, como máscara, semblante de objeto a, e a via do significante da falta no Outro – S(A barrado)5.

Tanto uma como outra exigem um certo afastamento da ordem simbólica, pois o objeto a mesmo sendo articulável pelo simbólico, não pode por ele ser recoberto. Quanto ao significante da falta no Outro, ele aborda justamente a falta de significantes, implicando um gozo pata além do simbólico.

Bancar o objeto a para um homem é vestir-se daquilo que causa nele o desejo, não importa o que seja. Não quer dizer apenas atender a todos os seus pedidos ou tornar-se passiva e inerte.

Pode ser isso também, mas não necessariamente. Pode ser inclusive assumir o papel ativo e dominante na relação. Se por um lado bancar o objeto evoca a passividade, colocar-se nesse lugar específico exige uma atitude ativa e deliberada. O que na verdade define essa posição é o poder fazer parte da fantasia, diga-se de passagem, perversa, de um homem, nesta posição que articula o desejo, para atingir o gozo. É ocupar o lugar que corresponde ao objeto numa relação onde o homem seja o sujeito, que busca nesse pedaço de mulher (o objeto a) o reencontro com um gozo perdido. É inserir-se nessa fantasia particular de cada homem.

A outra via, que resultaria da posição de S(A barrado), concerne a esse Outro gozo que Lacan define como um gozo místico, que para ser alcançado exige a renúncia a tudo que é da ordem do significante, e que implica uma posição extrema em relação ao simbólico. É estar nesse ponto do real mal-dito, ou talvez melhor dizendo, "bem-dito" no que ele se funde com Deus, enquanto falta de significantes. Quando através dessa aproximação ao real e afastamento do simbólico se pode atingir esse ponto limite, onde já falta o simbólico, é onde o Outro gozo pode aparecer enquanto gozo do corpo que é.

Se a vertente do objeto a só pode ser definida em tese e em termos aproximativos, esta outra vertente do gozo feminino, o Outro gozo, vem dessa posição ainda menos especificada já que foge a toda simbolização possível, e ai está justamente sua maior especificidade a de não poder ser dita.

A feminilidade, no que concerne este Outro gozo é intuída, pressentida. A clínica mostra a procura de algo mais além do gozo fálico no sujeito feminino, algo que é indefinível, do qual nada se sabe com clareza. De um gozo que, como diz Lacan, elas nada podem dizer mesmo quando eventualmente chegam a senti-lo.

Lacan evoca Santa Tereza, imagem que compõe a capa desse Seminário, para falar desse gozo que também foi descrito por um místico do sexo masculino, São João da Cruz, para mostrar que este gozo do corpo decorre de uma posição subjetiva feminina que pode ser adotada por um individuo do sexo masculino, bastando para isso estar colocado do lado do não-todo.

Para alcançar este Outro gozo há que se despir então da própria ordem fálica, em todos os seus pormenores. Abrir mão do simbólico, para alcançar a falta significante. Gozar deste estado sem palavras, que só o grito pode representar enquanto falta de significantes no Outro.

É aí que entrevemos novamente aquele gozo primeiro quando a criança ainda não estava inserida na linguagem e que a mulher conserva dele a possibilidade. O grito não significado pela linguagem, pela mãe. Lacan diz assim: "...há algo, o gozo, de que não é possível dizer se a mulher pode dizer alguma coisa — se ela pode dizer o que sabe dele... Não é outra questão, senão a de saber se esse termo de que ela goza mais além de todo esse jogar que constitui sua relação ao homem, e que eu chamo de Outro, ..., se esse termo, ele, sabe alguma coisa. Pois é nisso que ela é ela própria sujeita ao Outro, tanto quanto ao homem. Será que o Outro sabe?"6

 

A POSIÇÃO FEMININA E O FINAL DE ANÁLISE

Se o saber sobre este Outro gozo é inacessível, o que se pode, é fazer falar essa mulher falante, fazer falar esse Outro até onde isto é possível, pois segundo Lacan: Se o inconsciente nos ensinou alguma coisa, foi primeiro o seguinte, que em alguma parte, no Outro, isso sabe. Isso sabe porque se baseia justamente nesses significantes de que o sujeito se constitui. A análise correrá atrás destes significantes, na tentativa de atingir esse significante da falta, que margeia o fim do simbólico.

Na clínica, vamos encontrar essa busca de um saber pela via do amor, que tanto Freud como Lacan abordaram na tentativa de dar conta desta questão.

Uma paciente se queixa de que seu namorado a ama de uma forma muito sexual. Acha que existem dois tipos de amor: o romântico e o amor humano. O humano é sexual, que visa ao ato sexual e que, mesmo quando produz o gozo sexual, parece não trazer uma satisfação plena. O romântico é mais difícil de definir, é do tipo platônico, mas também não é bem aquele. É o que transcende, o total... não dá pra explicar muito bem.

É esse que ela busca, "mas não sabe como fazer acontecer". Por outro lado, acha que se entregar a um homem sem restrições é perder o controle e cair na passividade. Abandonar-se implicaria mergulhar num caos profundo, sem direção, talvez enlouquecer.

No dizer da paciente o gozo fálico falha em produzir a unidade almejada.

Ele não é tão importante para a mulher como para o homem que dele depende para apaziguar sua angústia de castração. Na busca desse Outro gozo transcendental, intuído como um gozo a mais, supostamente pleno, nossa masculina deixa entrever um saber sobre esse gozo que carrega um sentido de loucura, de buraco na significação, um estar fora de si mesma. A posição de objeto é encarada como perda da subjetividade, perda de controle que assume um valor de depreciação. A recusa a colocar-se como objeto de um homem aparece na clínica frequentemente relacionada com a fantasia de rebaixamento e desvalorização confundida com a passividade servil e o submetimento próprio da dominação. Perder o falo é cair no vazio. É passar à condição de objeto de uso e não de amor. É perder a significação própria.

Nesse fragmento de análise, podemos perceber claramente o dilema feminino que implica o abandono de uma posição de sujeito para passar à posição de objeto e como o amor entra nesta dialética. O amor vem em suplência à incompatibilidade entre o sujeito e o corpo, entre o significante e o corpo, e à falta de determinação inconsciente da mulher, como via através da qual ela pode tentar encontrar uma certa subjetivação.

A demanda feminina visa o suplemento do inconsciente lá onde ele falta, lá onde ela é não-toda. É demanda de um saber que ela supõe ao homem, e que pensa encontrar através do amor enquanto relação de sujeito a sujeito, ou seja, de saber inconsciente a saber inconsciente, uma possibilidade de suprir o saber que lhe falta.

A demanda de amor é demanda de um sabor que não existe, saber suporto ao Outro, que não podendo dar resposta, confronta o ser feminino com a impossibilidade de nomear-se. Parte da demanda ao pai de um falo para num movimento metonímico tornar-se demanda de amor de um homem.

Isto vem demonstrar a particularidade da analise do sujeito feminino, pois que ela começa buscando um saber tornar-se mulher, e termina sabendo que ser mulher é não ter nome. A saída para o sujeito feminino se faz na análise pela montagem, pela construção, por um arranjo que permita a assunção de sua falta inerente.

Faz parte do amor dar o que não se tem, fazer semblante do que não se é, e nisso a feminina se torna possível, ao fazer semblante de Outro barrado e de objeto causa do desejo.

O que define o feminino, então é da ordem do gozo e da articulação com o Outro. O feminino corresponde à inscrição sob a insígnia do não-todo inserido na função fálica, não-todo submetido à castração, que permite um gozo suplementar, um gozo a mais, para além do gozo fálico da posição masculina. Além disso, a posição feminina coloca um sujeito, seja ele macho ou fêmea, na condição de objeto do homem tanto quanto do Outro. A mulher tem relação com S(A barrado), e já é nisso que ela se duplica, que ela não é toda, pois por outro lado, ela pode ter relação com Φ, diz Lacan7.

Que implicações surgem disso com relação ao final de análise das mulheres? Se no início o discurso é histérico e a mulher vem na posição de sujeito dividido, na posição masculina, e tomando o analista como Outro ao qual recorre em busca de um saber sobre seu gozo, o final da análise deveria conduzi-la a adotar essa posição de Outro barrado, impossibilitado de responder por seu gozo, que abre o acesso a tornar-se objeto causa do desejo como também a este Outro gozo fora da linguagem, que surge a partir do significante da falta no Outro. Isto implica construir um saber sobre a própria falta que sustente o abandono da demanda de significação. Assumir essa posição de impossibilidade de dar conta pelo simbólico, pela palavra, da sua sexualidade enquanto feminina, requer uma criação, que não necessariamente acontece dentro da análise, mas muito frequentemente ocorre em ato, num ato que revela uma nova posição em relação à fantasia.

Serge André8 propõe, inclusive a fórmula "fazer-se de Outro" para a posição feminina, em oposição a "fazer-se de homem", que caracteriza a posição histérica como posição masculina que é.

 

BIBLIOGRAFIA

FREUD, S. – Três Ensaios para uma Teoria Sexual – 1905 –ESB – vol. VII        [ Links ]

_________ – Algumas consequências psíquicas da diferença anatômica entre os sexos –1925 – E.S.B. vol. XIX         [ Links ]

_________ – A Organização Genital Infantil da Libido – 1923 – E.S.B. vol.XIX

_________ – Sobre a Sexualidade Feminina – 1931 – E.S.B. vol. XXI        [ Links ]

_________– Novas Conferências Introdutórias à Psicanálise – Conferência XXXIII – A Feminilidade – 1923 — E.S.B. vol. XXII         [ Links ]

POMIER, G. – A Exceção Feminina – Os Impasses do Gozo – Jorge Zahar Editor, RJ –1987.         [ Links ]

ANDRÉ, S. – O que quer uma mulher? –Jorge Zahar Editor – RJ –l986.        [ Links ]

LACAN, J. – O Seminário – Livro 20 "mais, ainda" – Jorge Zahar Editor –RJ –1985        [ Links ]

_________– Seminário livro 3 – "As Psicoses" – Jorge Zahar Editor –RJ – 1992        [ Links ]

RIVIERE, J.–A feminilidade como Mascarada – 1929 – em La Psychanalyse, n&º 7, Paris, P.U.F. 1964

 

 

* Trabalho apresentado na VII Jornada do Círculo Psicanalítico da Bahia, 1995.
** Psicanalista, membro do Círculo Psicanalítico da Bahia.
1 Seminário livro 3 – "As Psicoses" – Jorge Zahar Editor –RJ
2 Seminário livro 20 – "Mais, ainda" – Jorge Zahar Editor –RJ – 1985
3 Novas Conferências Introdutórias à Psicanálise – Conferência XXXIII – ESB. Vol. XXII – Imago – RJ
4 RIVIERE, J.– A Feminilidade como Mascarada –1929 – em La Psychanalyse, n&º 7, Paris, P.U.F. 1964
5 LACAN, J. — O Seminário — Livro 20 "mais, ainda" – RJ — Jorge Zahar Editor —1985
6 IDEM – pág. 119/120
7 IDEM –Pág. 109
8 André, S. – "O que quer uma mulher?" – Rio de Janeiro – Jorge Zahar Editor – 1986

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