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Cógito

versão impressa ISSN 1519-9479

Cogito v.1  Salvador  1996

 

 

O filho do som no caminho dos olhos

 

 

Helder Targino Pereira *

Círculo Psicanalítico da Bahia

 

 


RESUMO

Através de um caso clínico o autor trabalha questões relativas à estrutura psicótica.

Palavras-chave: Psicose, Erotomania, Foraclusão, Delírio, Olhar.


 

 

Chego no consultório e recebo um recado: "ligar para uma senhora". Ela queria marcar horário para seu irmão.

Ligo e ela expõe sua preocupação: há algum tempo, seu irmão estava estranho, isolado, não saía, nem trabalhava. Peço que ele mesmo entre em contato comigo. Pouco depois, o telefone chama e uma voz marcadamente feminina acerta a consulta. No dia e hora acordados, chega um paciente, que passarei a chamar Carlison. Este começa a contar a sua história. É um jovem, com 30 anos.

Diz que é muito feliz, tem uma vida espiritual muito elevada e consegue interferir positivamente na vida das pessoas e até do mundo. Fala ainda que mora no Rio de Janeiro, que é a cidade que elegeu para viver, por ser uma terra que contribui para a elevação da mentalidade da humanidade em geral: "Coisas como a homossexualidade, pederastia, gente bonita e alegria". Só está passando uns tempos em Salvador. Depois, vai retornar de vez para o Rio. "Lá é que eu resido".

Diz que é um homem profundamente religioso e íntimo de Deus. Foi do grupo de jovens de uma paróquia. Lá conheceu sua única namorada. A única que conseguiu ter em toda a sua vida de solidão.

Sua grande paixão é a música, principalmente a clássica. Toca flauta doce e aprendeu a tocar piano, bem como canto coral. Além disso, também compunha suas peças, com grande influência clássica.

Começa a falar do seu processo de desligamento do mundo. Os passeios, o trabalho e principalmente a música, "lhe mexiam a cabeça, arrancavam as idéias, davam-lhe uma dor e uma coisa por dentro", que pensou que seria melhor se voltar para a vida de elevação espiritual, ter uma mente que vibra coisas boas para as pessoas. Para que chegasse a isto foi preciso desligar o rádio, a radiola, guardar a flauta e ficar em seu mundo, dentro de casa. "Eu ando nas ruas e olho as pessoas. Então, como eu posso dizer pra você, eu mando energias para as pessoas, eu mentalizo e elas então ficam felizes, dão risada.

Eu gosto muito de olhar as pessoas bonitas, homem e mulheres, principalmente na praia. Às vezes, as vozes me dão dicas do que elas precisam..."

Em outro momento ele fala do desenvolvimento do mundo. "O mundo está numa transformação: a televisão, cinema, gente bonita; consigo fazer isto tudo com a minha mente".

"Eu sou o mais forte e poderoso homem do mundo. Acho que Deus me fez assim. Sou também o mais bonito.

Essas coisas de poder que as pessoas não agüentam. Isto faz parte da personalidade "CARLISANA". É uma coisa forte, antiga, clássica. Assim como na Grécia antiga, onde coisas como o homossexualismo eram consideradas como elevadas." E continua ainda: "Eu sou como a minha família, clássica, assim cafona, obsoleta, coisa muita arcaica que não tem mais. É como posso dizer para você. Como o barroco, na arte, na música e na concepção. Coisa que não tem mais".

Também ele fala de sua báscula diante da questão do sexo. A homossexualidade é vista como revolucionária por romper a ordem da geração de filhos. É uma coisa mais elevada, "como na Grécia e em países como a França." Chega mesmo a afirmar: "homem com mulher, homem com homem, mulher com mulher. Isto é muito importante e interfere em todo o mundo."

Entretanto, a todo momento ele volta a falar de sua solidão e de sua vontade de casar e de ter filhos. Espera que um dia, ainda vai olhar uma mulher e ser muito feliz, "como nos filmes românticos". Fala como seria bom casar e ter relações com uma mulher: "deitar ao lado dela, olhar bem nos olhos e sentir tudo que um homem sente quando ama". Diz que, o dia em que se casar, tudo na sua vida vai mudar. Ele será definitivamente feliz.

Em uma sessão diz: "Às vezes penso que só poderia transar com uma mulher depois de estar com um homem. É mais fácil se ligar nos iguais, para depois ver com a mulher. Ele diz: "A mulher é muito estranha... tem uma coisa que não sei o que é." Pergunto: como? "Sei lá, é diferente." Digo: Lá nos órgãos genitais? Responde: "Sim, é estranho. Eu não compreendo, não sei o que é aquilo."

 

SUA FAMÍLIA

Carlison também refere muitos elementos de sua história, relacionados com a família. É o caçula de três irmãos e seus pais estão separados há muitos anos.

Diz que sempre foi diferente dos irmãos (uma irmã e um irmão), era solitário, esquivo. Conversava muito com sua irmã. Davam muitas risadas. Com o irmão a relação era mais difícil. Segundo informa, "ele era muito bruto comigo, mas não era mau."

Sua grande ligação era a mãe, a companheira, de quem herdou muita coisa, como por exemplo gostar de dançar. "Eu me pareço muito com ela.

Ainda vou voltar para morar com ela no Rio. É a pessoa que mais me ama."

Entretanto, um episódio merece destaque: no início do tratamento recebo uma ligação de sua irmã, informando que a mãe havia acabado de falecer em acidente, no Rio de janeiro. Pergunta-me se Carlison havia comentado alguma coisa comigo, pois na família, se comportou estranhamente, como se ignorasse o fato. Na sessão seguinte relato a ele a ligação da irmã. E Carlison me diz saber dos fatos. Mas não queria pensar nisto, pois "a tristeza me leva para baixo." Como se recordar ou lembrar isto destruísse a sua alma. Não mais me toca na morte da mãe.

O pai é apresentado como um homem duro, também clássico, alguém que ele tenta muito "imitar".

 

AS VOZES

Carlison também fala das vozes que ouve "em minha cabeça". "Às vezes elas me falam muito. Quando começam, minha cabeça fica tonta. Dá uma angústia aqui dentro,alguma coisa muito ruim. Uma agonia que eu não gosto de falar." Quando fica assim, gosta de estar no quarto escuro. Às vezes, relata que acorda de noite e se vê numa solidão de morte. Nestes momentos pode ouvir ou não as vozes. Fica no escuro para se testar.

Outra forma que ele encontra para testar a força interior e segurar as coisas "de dentro" é assistir filmes de terror. "Eu adoro ver estes filmes na televisão. A gente vai ficando assustado, vai dando pavor. Aí eu vejo como sou forte e consigo vencer o medo."

Em certo momento da análise, quando começa a falar de sua adolescência, me informa que escreveu um diário, "com coisas fortes e terríveis". Segundo Carlison me informa, nele estão relatadas as suas angústias e o seu romantismo de jovem.

Um dia, me traz o diário e me entrega o mesmo para guardar. Quer que eu fique com ele, para que eu leia atentamente, pois isto me ajudará a descobrir muita coisa dele e entender melhor a "verdadeira essência da personalidade CARLISANA". Ao me entregar o diário renuncia ao seu "Psicólogo" e me atribui a suposição do saber sobre o seu gozo. O diário traz a seguinte passagem: "Meu diário é meu psicólogo que me ouve silenciosamente sem fazer careta nem mau modo". (Diário, pg.55)

Com a ajuda deste diário, tentarei agora apresentar, de maneira mais sistematizada, a sua história clínica.

 

NAS VIZINHANÇAS DO "PRECIPÍCIO"

A adolescência é falada como um tempo de angústias lancinantes e de atroz solidão. No seu diário deixa registrado:

"Quando eu paro para ler tudo (o diário) me vejo num grande precipício. Sempre digo que não vou e termino fazendo..." (Diário, pg. 63 – verso).

Em outro trecho diz: "... só sei que estou passando por uma fase altamente crítica e perigosa e que pode causar uma revolução na minha vida para o bem ou para o mal." (Diário, pg. 1 – verso).

A meu ver, esta angústia avassaladora tem ligação direta com o seu encontro com o sexo. Relata que suas primeiras experiências homossexuais com o irmão desencadearam nele uma violenta culpa, medo e sofrimento.

Ele se descreve alguém só, sem encontrar ninguém. "Sinto que dia a dia a solidão segue-me aí onde eu vou (mesmo que eu corra, ela vai atrás)" (Diário, pg. 24 – verso), ou ainda: "Parece prega, mas eu me sinto um lixo para todos os lados (Deus me ajude que eu consiga vencer tudo de ruim e ser feliz e amar muito)" (Diário, pg. 63).

 

A MÚSICA

Talvez aqui, no caso Carlison, seja patente a afirmação de Lacan: "Na paranóia, a palavra é uma voz que sonoriza o olhar que aí é prevalente."1

Assim, ele descreve o seu encontro com uma criança que o observa a tocar piano: "...uma personalidade mirim no início de sua formação, sendo observada por uma pessoa que procura conhecer os sentimentos alheios, sem palavras, mas com o mais importante, os sons." (Diário, pg.4).

Segundo ele informa, aprendeu a gostar de música com o seu pai, colecionador dos discos de 78 rotações. Carlison ouvia atento às gravações, horas inteiras sem se mexer, fascinado pelo som.

A música era uma expressão do classicismo do seu pai e de sua força. Em uma sessão exclama: "Vejo como meu nome é antigo, forte, cafona (aqui com uma conotação particular). Traz o nome de meu pai CARLOS e mais SON, do inglês filho. Meu pai é Carlos, meu irmão é CARLOS FILHO, e eu Carlison. É um nome de tradição, destes que não se faz mais."

Chamo atenção que SON, além de significar filho na língua inglesa, também lembra SOM, da música. "Seria então FILHO DO SOM?" Ele exclamava rindo: "isso, isso, filho do som." E o seu sonho era ser um virtuose no piano ou na flauta.

A música é imperativa e avassaladora, imposta. Segundo descreve a música, cada nota vai entrando na sua cabeça e o deixa tonto. Ele gira e é arrebatado por ela. Diz: "É como o gozo da masturbação."

Prefere as músicas barrocas e românticas, como as de Bach e Debussy. Elas o levam a uma vida espiritual mais elevada.

Mas a música também marca, para ele, experiência de angústia e despedaçamento.Diz que algumas músicas de "fossa" ou algumas clássicas tristes o lançam no abismo de "coisas ruins, que me dão a impressão que vou desconjuntar." Estas músicas são evitadas pois parece que ele entra em um lugar sombrio e sem retorno.

Escreve no diário: "Fiz um pedaço de música antes de escrever meu diário. Seu nome é A TRISTE VALSA. Ela tem muito a ver com a fase crítica e triste de jovem no fim da adolescência e no começo da realidade. Vou continuá-la, pois tem muito a ver comigo suas notas musicais cansadas e melancólicas." (Diário, pg. 17 – verso).

As suas composições também são "sons" imperativos que enchiam sua cabeça. Assim se expressa no seu diário: "Depois de almoçar era para eu pegar nos livros do colégio mas a música não deixava ...Quando estava a caminho para o colégio duas músicas não me saíam da cabeça: A primeira era a conhecidíssima ‘Sonata ao Luar’ de Beethoven e a segunda desconhecidíssima ‘Canção d´um Jardim’, de minha autoria, que também não saía de minha cabeça. Só depois de muito tempo é que as duas desertaram do meu pensamento na raça." (Diário, pg. 21 – verso). O som, para Carlison, seria um equivalente da Língua Fundamental do Presidente Schreber. O som permite um deslizamento metonímico, uma coordenação fonemática que é do mesmo teor que se encontra na língua fundamental de Schreber: CHINESENTHUM ou JESUS CHIRSTUM (Lacan, Seminário 3, pg. 262). A homofonia TUN é que faz a coordenação significante.

 

A HIPOCONDRIA

É no corpo que Carlison sofre do gozo.Descrevendo sua adolescência, fala que sentia dor por todo o corpo e só vivia em médicos: "Acho que eu era hipocondríaco". Queixa-se de tumores no pescoço e de veias que apareciam e desapareciam "inflamadas" pelo corpo, principalmente as varizes das pernas.

Voltando ao diário, encontramos: "Graças a Deus o nervoso da perna passou. Senti um pouco de nervoso na barriga... Sinto tantas dores no testículo e sinto uma veia alterada entre ele e minha perna direita. Ninguém me compreende. Toda vez que eu falo o que estou sentindo, começam a dizer que eu estou fazendo confusão. Eu não agüento tanta angústia numa festa tão bonita que é o natal." (Diário pg. 47 –47 verso e 48).

Em outra passagem escreve: "...de vez em quando eu sinto pontadas em cima do testículo inflamado, o que me impede de ter relações sexuais ou até mesmo masturbação. O médico disse que eu evitasse pois podem inflamar mais se eu obtivesse qualquer relação que atingisse o orgasmo. Eu acho que é por isso (pelo menos 80%) que me deprime tanto..." (Diário, pg. 53).

Outra característica, são algumas referências a sintomas corporais que fazem supor um despedaçamento especular. Ele chega a falar que a sua garganta se "dissolvia" e que a barriga se desmanchava em dores.

 

DEUS

Outro ponto importante em sua história é a sua compreensão de Deus.

Ele sempre se afirmou religioso e os registros de sua relação com Deus são numerosos em seu diário. Ali ele coloca: "...acima de tudo, amar a Deus e me dispor a qualquer sacrifício por vontade dele". (Diário, pg. 19 – verso).

Deus aparece como um OUTRO que é reverenciado, que o observa e, às vezes, o julga. Ele pode até não se agradar do seu comportamento. Ele escreve: "Uma vontade insuportável de fazer um monte coisas que não tenho coragem de fazer.

Uma delas é fugir com um cara que eu goste e que me goste pra bem longe e ser muito feliz. Mas nem tudo que a gente tem vontade de fazer a gente pode, não por causa dos pensamentos alheios (porque por mim todo mundo ia pros quintos dos infernos) e sim, pelo menos comigo é assim, pela satisfação minha perante a Deus, pois o que mais me entristece às vezes, é quando eu o desaponto." (Diário, pg.41- verso).

Com a sua construção delirante, a idéia de Deus deixa, digamos, uma visão mais místico-religiosa, ganhando um enquadre particular.

Agora ele é sentido como o grande, o criador, é bem verdade, mas também é o amigo, que conta piadas a ele e dá palpites interessantes. Ele diz: "Deus é muito meu amigo. Me diz coisas interessantes. Conversa muito comigo. Bem, não é mesmo comigo. Como eu posso explicar pra você? Ele fala com um outro dentro de mim, que é igual a mim, com o mesmo nome CARLISON, mas não sou eu. Eu ouço tudo o que eles dizem. Ele me dá dica, doutor! Sobre as pessoas, como eu posso interferir no seu comportamento. "Ele é um amigão."

Deus está feliz com o seu procedimento. "Foi Ele (Deus) que me fez assim forte, o mais forte e o mais bonito dos homens. Eu faço tudo que agrada a Deus."

Aqui, Deus se distingue das vozes que falam na sua cabeça. Ele é o criador e lhe diz coisas boas. As vozes, às vezes, têm caráter mais angustiante.

Também se refere que em certas ocasiões, Deus lhe dá uma sensação interna de força e amor, algo quase arrebatador . Chega mesmo a afirmar: "Café, masturbação e Deus, são três coisas que não podem faltar."

 

A EROTOMANIA

Talvez esta seja a manifestação mais rica e patente de sua paranóia. Em todo o diário as citações são as mais variadas, sempre intercalando descrições de sua solidão a paqueras em todas as ruas.

A dimensão do OLHAR é marcante neste aspecto. É com o olhar que ele seduz ou é seduzido: "Depois quando saí do Instituto de Música senti que estava sendo paquerado por tudo que passava." (Diário, pg. 24 – verso). Ou ainda: "Hoje quando eu estava voltando pra casa no ônibus da Lapa, encontrei uma coisa fofa me dando a maior bola.

Ali eu fiquei doidão! Dei-lhe um rabo de olhar que só faltei comer com os olhos todo aquele prato preparado só para mim. Que beleza..." (Diário, pg. 46).

É pelo olhar que ele procura o amor. Sua grande paixão é um médico, chegando mesmo a colocar em seu diário, que este só queria enganá-lo e se aproveitar dele. Por muito tempo vai ao hospital olhá-lo e sentir "uma energia penetrando em mim." (Diário, pg. 68).

Por isso, compõe uma música, totalmente dedicada a ele, chamada "CAMINHO DOS OLHOS". Aqui se vê claramente uma metonímia onde o paciente situa sua erotomania: no OLHAR.

Mas nem sempre o olhar é expressão de amor. Ele também pode ser persecutório e terrificante: "...a manhã inteira passei na rua olhando para um lado e para o outro com aquela mesma sensação de estar sendo observado... pensando que as pessoas estivessem observando os meus defeitos." (Diário, pg. 1)

Refere uma atividade masturbatória intensa e diz ser um leão para o sexo, ter pés grandes e pênis grande.

Em outros trechos do diário, revela sua procura por mulheres para "se casar e ser feliz." Numa sessão chega a me dizer que,quando ele encontrar a mulher que o espera para constituir família, seus problemas acabarão.

Assim se expressa em seu diário: "Preciso de uma namorada. Não agüento mais ficar sem mulher. Só em pensar em Maria Helena, bonita , gostosa, me dando a maior bola, me paquerou o tempo todo e eu feito um corno nem tava aí, me dá ódio." (Diário, pg. 60).

Sua erotomania toma forma diferente quando CARLISON vai residir no Rio de Janeiro. No primeiro estágio, era o olhar, a captura imaginária do amor. Em terras cariocas, ele vai se dedicar a uma frenética prática homossexual.

Relata que assistia freqüentemente a filmes pornôs.

CARLISON fala deles com vivo interesse; diz que são "importantes e altamente instrutivos. Eu aprendi muito com eles. Foram muito úteis. Homem com homem, homem com mulher, mulher com mulher. Coisas do sexo anal, oral. Tudo muito importante. Eu adorava ir ao cinema. Era um aprendizado como se estar no sexual."

Além disso, passeava freqüentemente "caçando", no aterro do Flamengo ou Copacabana. Mantinha relações sexuais nas noites do aterro ou em apartamentos. "Eu era muito paquerado. Eu chamo a atenção. Sou grande e bonito. Todos me olhavam." Segundo afirma foi o melhor tempo de sua vida.

Fica clara a posição que CARLISON está colocado como objeto de gozo dos homens, talvez como uma defesa, à procura de dar resposta à questão da posição sexual. Entretanto, isto não consegue mantê-lo afastado do surto e este eclode.

 

O SURTO

Estando ainda no Rio de Janeiro, CARLISON arranja um trabalho em um escritório. É aqui que refere com exatidão a sua mudança de vida.

Ele se vê apaixonado pelo dono da empresa, que, segundo afirma, é um homem muito especial e poderoso, mas também é gentil. Começa a vê-lo como alguém que consegue enxergá-lo por dentro e saber tudo que se passava com ele. (Me parece haver certa semelhança com a figura de Flechsig do caso Schreber).

É neste momento que sua cabeça entra em revolução, diante deste chefe-espião interno. Ele não consegue mais pensar, a música racha a sua cabeça e tudo fala com ele: "Tudo crescia e se movia na sua frente. A lua mandava raios que penetravam bem dentro de sua carne.É neste ponto que ele se casa "com um homem e uma mulher."

A partir daí, passa a se desligar do mundo e dos sons, dando início ao SUPER-HOMEM, de olhar magnético, messiânico, que pode transformar o mundo num espaço do bem e da felicidade.

 

CONCLUSÃO

Este trabalho visa mostrar, em um caso de psicose, alguns pontos da teoria psicanalítica: neologismos, alucinações auditivas, uma erotomania manifesta. Também vemos como este psicótico situa-se diante do enigma do sexo e do seu empuxo à mulher. Também é evidente a relação transferencial como uma suposição do saber sobre o seu gozo, na medida em que me é atribuído um lugar de entender o seu poder e sua convicção com o divino. Outro ponto fundamental é também destacar o modo como o seu delírio estruturou a sua vida, em torno do som. Resta saber se este significante poderia servir de "prótese" metafórica, suplementar à foraclusão do nome do pai.

 

BIBLIOGRAFIA

FREUD, S. – O caso Schereber.1911 E.S.B. vol XII         [ Links ]

LACAN, J. – O Seminário– livro 3 – "As Psicoses" – Jorge Zahar Editor –Rio de Janeiro, 1992        [ Links ]

_______ – RSI in: Ornicar, 1975        [ Links ]

 

 

* Psicanalista. Círculo Psicanalítico da Bahia
1 RSI in: Ornicar, pág. 42

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