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Cógito

Print version ISSN 1519-9479

Cogito vol.2  Salvador  2000

 

PSICANÁLISE E CRIAÇÃO

Psicanálise da criação: sublimação e repetição*

 

Cibele Prado Barbieri**

Círculo Psicanalítico da Bahia


RESUMO
A autora faz uma articulação da arte com a sublimação como criação bem sucedida enquanto que a repetição corresponderia ao fracasso em criar um novo objeto capaz de sustentar uma operação de metáfora.

Unitermos: Criação, sublimação, repetição, arte, psicose.


Pergunto...
E tudo aquilo que ouço me responde.
Mas não tanto que sacie meu desejo de resposta.
E mais me pergunto.
A té que em meio a tantas formulações, me sinto farta de respostas.
Mas ainda assim minhas perguntas vivem,
Pois é preciso que eu própria me responda.
Me formule as respostas que antecipo.
É preciso que algo em mim crie,
de uma forma original, a resposta à pergunta que esse algo em mim cria.
Qual artista que busca a forma mais pura,
a melhor representação,
a obra prima de sua criação,
Mesmo que apenas seja para nela encontrar
um lugar onde se abrigar.

Cibele

A análise, como percurso que se inaugura a partir de um questionamento, coloca em jogo o ser do sujeito na busca de uma significação. Não havendo como responder ao mais íntimo do ser, já que não há resposta absoluta, deverá o sujeito sofrer o apelo à criação, pois nesta busca, como o artista, o sujeito aspira (o) ser original.

Criar implica fazer algo novo ou dizer o que nunca foi dito. Na análise dizer o que nunca foi dito abre para a dimensão do inconsciente e do mais além, o real, que implica o sujeito ao mesmo tempo que o institui de uma forma original.

Privilegia-se aqui o dizer, não porque o fazer seja menos importante. A questão é que o ato, assim como o objeto resultante de um ato, em sua materialidade ou não, carrega em si um dizer, uma mensagem, uma cifra que deve ser lida. O objeto criado leva a marca de seu criador e o representa, tanto quanto é capaz de representar um outro sujeito que nele encontre algo de si, ou que ali se reconheça.
Todo ato traz em si um dizer que demanda uma leitura. O ato criativo, ao produzir um efeito de ser questionado, produz discurso, faz laço social.

Ella Sharpe, num artigo de 19291 , estabelece uma relação entre as pinturas pré-históricas feitas nas paredes das cavernas com a criação artística e científica do homem moderno. Para Sharpe, a motivação para criar continua sendo a mesma, do pré-histórico ao homem moderno.

Ao representar em seus desenhos os animais que serviam de caça e dos quais dependia para sobreviver, o homem primitivo supostamente representa com seu ato uma interrogação acerca da existência como tentativa de responder ao real inapreensível da morte. Seu texto mostra uma evolução a partir daí para outras formas de representação como as cenas de danças onde aparecem personagens mascarados, precursoras dos rituais funerários egípcios, antecedentes da arte teatral.

Tanto no caso da criação do cientista ou artista moderno quanto no do caçador primitivo, pintor de cavernas, Sharpe fala de sublimação evocando a questão da morte como motivo. Do canibal pré-histórico ao homem moderno ela traça uma mesma linha à qual vincula a criação humana no registro da sublimação.

“Do desmembramento dos corpos que acompanha o canibalismo, nós passamos à idade da mumificação no Egito, para a construção de túmulos e para as cerimônias da morte. Eliot Smith vê nos túmulos egípcios os primórdios da arquitetura em pedra, e o início da atividade marítima em busca de madeira e especiarias para fins de embalsamamento. A máscara da morte no Egito antigo foi seguida pela produção de estátuas. Sublimação e civilização são termos mutuamente inclusivos.” 2

Desenhar, pintar, esculpir, dançar, cantar, encenar, construir, são colocados no mesmo plano da pesquisa científica e histórica como atividades sublimatórias que visam o mal estar humano.

Os poetas também apontam nessa direção. Heine, citado por Freud em “Além do Princípio do Prazer” 3, atribui a criação ao mal estar do Criador:

“ Deus diz: A doença foi sem sombra de dúvida a causa final de toda urgência em criar. Ao criar eu posso me melhorar, criando me torno são.”

Isto remete a criação ao campo da necessidade, da urgência da pulsão e não ao domínio do desejo, introduzindo uma questão para a psicanálise: Toda criação é uma sublimação? Que diferença há entre a garatuja da criança pequena, a Arte virgem como chama Mário Pedrosa, ou Arte bruta para Jean Dubuffet, ou ainda “criação catártica” como chamou Phill Moreno 4 e as obras primas artísticas, científicas e literárias? Podemos tomar todas estas criações igualmente como sublimações?

Freud não estabeleceu nenhuma diferenciação entre criação e sublimação. Ao longo de sua obra podemos destacar algumas coordenadas para definir a sublimação: Primeiro, a sublimação é um mecanismo que opera ao nível da pulsão e não do objeto 5 , na medida em que através da mudança de seu alvo, de seu fim, torna-se possível a satisfação pulsional que de outra forma exigiria uma repressão.

Segundo, o caráter sexual original da satisfação desaparece; diz Freud: “A pulsão se orienta para um fim diferente e muito afastado da satisfação sexual. O mais importante dele é o afastamento sexual.” 6 Uma outra coordenada que se pode extrair do texto freudiano é o endereçamento ao social sob a forma de um reconhecimento da criação em seu valor cultural como critério de sublimação.

Melanie Klein, por outro lado, introduz a questão da simbolização como fator inerente ao processo de sublimação. Em dois artigos publicados em “Contribuições à Psicanálise” 7 ela diz que o simbolismo constitui a base de toda sublimação, pois é por meio da assimilação simbólica que as coisas, as atividades e os interesses se tornam os temas dos fantasmas libidinais. No primeiro artigo, “Situações de ansiedade infantil refletida numa obra de arte e no impulso criador” 8 , ela justifica através do caso da pintora Ruth Kjär a relação entre o sentimento de vazio interior resultante da angústia arcaica pela destruição do corpo materno, e a atividade artística, a criação e a sublimação.

Duas coisas destacam-se desses dois artigos: a questão da simbolização como fundamental para se pensar a sublimação e a questão do vazio, da falta, como condição de criação e de sublimação.

Lacan aborda a questão da sublimação em vários momentos do seu ensino introduzindo uma nova elaboração. No seminário da “Ética” ele articula a criação com o advento do significante. A partir da noção freudiana do objeto perdido, Das Ding, postula uma falta primordial por efeito da estrutura de linguagem que implica o advento do significante como criação ex nihilo e define a sublimação como operação que “... eleva um objeto à dignidade de Coisa”. 9 Esta é segundo suas palavras, a fórmula mais geral da sublimação.

A sublimação, deste ponto de vista é o “meio” pelo qual se atravessa a brecha entre Das Ding e os objetos. Ele diz ainda que “ Entre o objeto tal como está estruturado pela relação narcísica e Das Ding há uma diferença, e é justamente na vertente dessa diferença que se situa, para nós, o problema da sublimação 10 ... o que não pode ser alcançado na Coisa, é justamente a Coisa e não um objeto.”11

O que exige que se tome objetos para com eles construir essa coisa. A sublimação implica a passagem do objeto causa de desejo aos objetos do desejo. Dos objetos a, que recobrem Das Ding, aos objetos do desejo, é necessário um salto metafórico que implica uma simbolização.

De Das Ding ao objeto a e deste aos objetos criados via sublimação, a Coisa como objeto perdido, encontrará um lugar que só poderá se representar pelo próprio vazio.

Toda esta elaboração permitirá que no seminário 11 12 ele formule a sublimação como o caminho que leva do terreno da pulsão ao campo do desejo. Nos seminários 14 e 15 13 , trabalhando a repetição e o ato, ele aborda mais uma vez a questão da sublimação, numa elaboração que possibilita estabelecer uma distinção entre dois tipos de criação que poderia dar conta de uma diferença entre arte bruta e obra de arte, como também sobre o que é da ordem da sublimação ou da ordem da repetição quando falamos de criação.

A repetição envolve um paradoxo. Ao mesmo tempo que aquilo que se repete não pode ser novo, nada se repete idêntico. 1o., 2o., 3o. onde 1o. não é 2o. ou 3o., 2o. não é 1o. ou 3o., e assim sucessivamente.

“O que foi repetido, difere, e se faz sujeito de reiteração.”14 A repetição em Freud aparece relacionada à pulsão de morte como compulsão à retornar ao mesmo, no registro do mais além do princípio do prazer, mas também como tentativa de simbolizar um acontecimento traumático. Freud entende o ato repetidamente reiterado no Fort - Da e nos sonhos traumáticos, como paradigma da repetição em sua função de mitigar a angústia do trauma a partir dessa tentativa do sujeito de integrar o acontecimento para que se restaure o primado do prazer.

O fracasso dessa missão, pela impossibilidade de uma transcrição simbólica, implica o fracasso do próprio princípio, permanecendo o sujeito no automatismo, expressão da pulsão de morte.

No texto de 1912, “ Recomendações aos Médicos que exercem a Psicanálise”,15 Freud diz que:

“Nem todos os neuróticos possuem uma elevada faculdade de sublimação ... muitos ... não haveriam contraído a neurose se possuíssem a arte de sublimar seus instintos. Algumas pessoas adoecem precisamente ao tentar sublimar mais do que a sua organização lhes permite ...”

Lacan, no seminário 2, diz que “ No homem, é a má forma que é prevalente. É na medida em que uma tarefa está inacabada que o sujeito volta a ela.”16

Aquilo que não encontra a boa forma simbólica, não cessa de não se escrever, insistindo e mantendo o sujeito preso à reiteração pulsional que não se esgota, sob o nome de compulsão à repetição.

Assim sendo, em seu viés de criação a repetição é tarefa inacabada, tentativa fracassada de sublimar, enquanto que a sublimação é a criação bem sucedida, a tarefa que alcança seu acorde final. Mais do que um objeto o que se cria pela sublimação é a satisfação “que não pede nada a ninguém”. Não pede nem deve, o que aqui se cria, é uma nova forma de gozar.

Satis - facere quer dizer “fazer bastante”. Fazer bastante no mais além do princípio do prazer é gozar, é a satisfação direta da pulsão. Simbolizar o real permite fazer bastante sob o primado do prazer, sem o constrangimento da repressão.

Para Lacan, simbolizar é perder a coisa, é perder o gozo da coisa, no registro da castração. É por obra da castração que se efetua o recalque, onde a coisa se perde no lugar da palavra. Na sublimação há um atravessamento do real pelo simbólico, com a participação do imaginário, que dispensa o recalcamento.

Há, portanto, uma diferença entre a satisfação direta da pulsão, a satisfação do sintoma que se opera pela substituição significante fazendo compromisso entre o gozo e o recalcamento, e a satisfação da sublimação, justamente porque a substituição aí se opera ao nível da meta, do alvo, resultando um outro caminho pulsional, outro tipo de gozo.

Da repetição à sublimação há um salto metafórico que torna o objeto sublimado, enquanto objeto elevado à dignidade da coisa, nada mais que a sua metáfora.

Isidoro Vegh17 faz referência a duas posições diferentes na criação. A primeira é aquela onde o sujeito, identificado ao conteúdo do Outro, converte a si mesmo em seu objeto. Na qualidade de objeto fálico, segundo uma relação narcísica, o sujeito então se oferece ao olhar desse Outro como obra.

A outra acontece quando o sujeito renuncia a ser essa obra do Outro e cria um objeto mais além, que sustenta a distância entre ele e o Outro, como acontece no caso do artista. Há uma diferença entre oferecer-se como criação do Outro, como objeto do Outro e oferecer um objeto de si ao Outro.

Ele diz também que quando um mito, uma lenda ou uma obra de arte, se sustenta através dos séculos, é porque algo da nossa estrutura está sendo ali indicado.18

O que na obra de arte atrai o olhar, seria a sua possibilidade de representar esse algo vazio e inapreensível . O belo nesse caso surge do efeito de emoldurar tanto quanto do de re-velar, aquilo que em sua crueza provocaria o horror que faz evadir-se o olhar.

Esse poderia ser o parâmetro essencial para diferenciar a obra artística da arte bruta. A criação é arte na medida em que ela consegue representar algo do real impossível de se dizer. A genialidade do artista estaria em poder produzir esse efeitode representação da coisa em seu vazio. Esse efeito enigmático que se produz então, é o que se demonstra na interrogação que a obra suscita, ou na quebra de um sentido corrente, para instaurar uma nova ordem.

A criação artística é da ordem da sublimação sempre que produz uma metáfora da coisa. O valor de aceitação geral de uma obra de arte está diretamente relacionado ao seu alcance simbólico, pois quanto mais ou melhor a obra puder representar a coisa extima, mais e melhor ela se prestará a representar o sujeito e seu par: Das Ding.

Lembramos aqui as obras de Leonardo da Vinci, especialmente a Monalisa, e também a de James Joyce, reconhecida dentro da teoria da literatura como obra de arte literária na medida em que faz um corte dentro dessa tradição, inaugurando um novo estilo literário uma nova forma discursiva.

A Monalisa de Da Vinci, com seu sorriso ambíguo, congela em imagem o enigma feminino, permitindo apenas tentar dizer mas nunca apreender uma verdade absoluta e definitiva. A trama que se constrói nas tentativas de interpretar o que aí se representa é a trama do discurso. De um dizer que tem como pivô o mais além do próprio sorriso, que não se pode encontrar em nenhum ponto da tela, mas que passa ao domínio do discurso.

“ O objeto da sublimação, excede o marco da produção artística e por um valor significante reabre para a dimensão do reconhecimento social. Assim entra outro objeto de arte no circuito de intercâmbio simbólico.” diz Mabel Grosso.19

Numa sempre vã aproximação, a criação visa transcrever o real pelo simbólico, e nisso a sublimação é a criação que, incidindo no real, introduz no circuito do intercâmbio simbólico um novo objeto, uma nova ordem.

O mesmo não pode ser dito da arte bruta ou virgem, que também é uma criação, mas que encontra na avaliação crítica das artes uma diferenciação da arte reconhecida como obra. Embora ela possa ter esse efeito de interpor-se entre o sujeito e o Outro, o que falta nela é a possibilidade de entrar no circuito simbólico. A arte bruta, ou catártica, evoca com perfeição as palavras de Heine citadas anteriormente. O que nesse caso se nota é que o que opera aí está no registro da representação, da tentativa de simbolização.

Propomos pensar a arte bruta como tentativa fracassada de sublimação, como criação da ordem da repetição. Se o que se repete na sublimação é a castração, como nos indica Lacan20, na repetição o que encontramos é o ato em seu valor de significante que se repete, como no sintoma, que não encontra uma resolução.
A arte bruta é a tentativa de criar um significante novo que possibilite ao sujeito descolar-se de um significante primeiro que o impede de deslizar a uma outra significação. Isto, sem dúvida, convoca o simbólico, mas não garante a sublimação.

A clínica da psicose tem oferecido uma contribuição muito rica na elucidação dessa questão, quando nos revela casos como o de Artur Bispo do Rosário21, por exemplo.

A criação de Bispo, concebida pelos críticos como arte bruta, nos demonstra exemplarmente os efeitos que a criação de um lugar para o sujeito pode ter na estabilização da estrutura psicótica.

A diferença que encontramos entre a Monalisa de da Vinci e Finnegans Wake de Joyce, por um lado e “O corpo Humano” de Bispo por outro, é que a criação deste não alcança a produzir um efeito de sentido capaz de fazer corte, de gerar discurso sobre a coisa.

Quando a castração não opera, o sujeito fica a mercê do gozo. Só lhe resta a via imaginária para criar alguma subjetivação. A arte de Bispo, segundo Quinet, “é bruta de gozo e virgem de endereçamento. Em outros termos, o Outro do endereçamento não é a civilização, e sim Deus, para quem se propõe apresentar todas as coisas da Terra. Aliás, podemos supor que a arte como sintoma, no caso da psicose, não visa o endereçamento ao Outro da cultura e sim o tratamento do gozo para enquadrá-lo e atenuá-lo”.22

A criação de Bispo parece mesmo uma tentativa de se tornar são, como nos diz o poeta. Ela nos mostra o viés do “fazer bastante” pela via do sintoma, que se esboça na função que cada um de seus objetos encontra no plano do discurso da sua criação delirante. Trata-se aqui, segundo suas próprias palavras, de tentar apresentar o mundo a Deus. Ele cria miniaturas para representá-lo diante de Deus. Ele tenta criar um discurso que faça suplência à sua falha simbólica.

Cito suas palavras em entrevista: ... “Minha apresentação ao mundo. Eu devo estar pronto ... a fim de me apresentar ao mundo. Dentro dessa representação aqui.”, referindo-se às miniaturas que ele cria.

Uma outra de suas obras é o “manto do reconhecimento” que reproduz o ato de delinear e abrigar o corpo, interpondo entre si e o outro um manto através do qual ele possa dar-se a ver ao Outro sem sofrer a mortificação de seu gozo.

Embora a criação permita reorganizar seu mundo, produzir um discurso sobre si mesmo que neutraliza o gozo e assim estabiliza o sujeito, ela não alcança o valor significante capaz de livrá-lo da relação narcísica com o Outro. Continuamos num campo onde a realidade é furada e o sujeito é estrangeiro ao circuito dos intercâmbios, mantendo-se alheio, verdadeiramente privado de sofrer o efeito simbólico da língua.

Isto marca a diferença mais radical entre a criação de Bispo e a de Da Vinci, por exemplo.

Enquanto a primeira opera fora do sentido, mesmo que visando atingi-lo, a segunda dá forma ao sem sentido, ao vazio da coisa onde não se pode discerni-lo definitivamente.

Todo ser humano busca uma inserção simbólica. Constituir-se como sujeito é construir para si um lugar de onde se possa responder às exigências reais, imaginárias e simbólicas nas quais o corpo submerge. O percurso da análise engendra esse trabalho de construção na medida em que o sujeito convoca e interpreta a sua coisa, até onde isso é possível, criando um dizer sobre si mesmo que é capaz de inscrevê-lo numa significação. O sujeito se recria na medida em que faz a leitura de sua história, inscrevendo-se no lugar de onde possa administrar a falta.

Tanto quanto o psicótico, o neurótico e o perverso não estão menos apensos ao problema da criação, principalmente na vertente da repetição apesar dos privilégios simbólicos de que desfrutam. Se para a histérica é preciso criar as coordenadas d’A mulher pelo abandono da inveja fálica, aí se trata de criar a possibilidade de gozar como objeto, para além da subjetividade inscrita na ordem do gozo fálico. Ocupar uma posição feminina, estar no lado onde ela é não-toda castrada, abre o acesso a um Outro gozo para além da linguagem que oferece à mulher uma possibilidade privilegiada de criar e de encarnar o próprio objeto sublimado, enquanto ela própria pode representar o abrigo da Coisa.

Para o obsessivo, criar a falta fálica materna, parece ser aquilo de que se trata quando entra em jogo a repetição no sintoma. A questão da morte no obsessivo encontra seu correlato no vazio do corpo feminino que encarna, para além das máscaras fálicas, a castração em seu reduto.

Quanto ao perverso, além de fazer ato na vertente da satisfação direta do gozo renegando a castração, também sublima criando sob os augúrios dela própria, pois, como nos mostra Freud com Leonardo, por mais que se sublime ou repita, o gozo da coisa como real, ou seja, a pulsão é inesgotável fonte de criação.



BIBLIOGRAFIA

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VEGH, Isidoro - “Sublimación del objeto, exhaustación del Outro” em: Cuadernos Sigmund Freud, no. 16, publicação da Escola Freudiana de Buenos Aires – 1993         [ Links ]

 

Notas

* Apresentado na X Jornada do CPB, “Psicanálise e Criação” - Novembro/98
** Psicanalista, membro do Círculo Psicanalítico da Bahia

1 Trabalho lido no XI Congresso Internacional de Psicanálise, Oxford, 1929 e publicado em International Journal of Psychoanalisis, Vol. XI, 1930.
2 Idem - pág. 13
3 E.S.B. vol. XVIII
4 Refiro-me à palestra de Phill Moreno no CPB, neste ano de 1998, quando ela chama de catarse a criação do leigo em Artes, e especialmente a do psicótico, opondo criação artística à criação catártica. Os termos “Arte Virgem” e “Arte bruta” estão citados por Antônio Quinet, no livro “ Teoria e Clínica da Psicose” Ed. Forense Universitária - 1997, à pág. 220.
5 Principalmente nos Três Ensaios, Sobre o Narcisismo, O Ego e o Id e As Pulsões e suas vicissitudes, entre outros.
6 Sobre o Narcisismo: Uma Introdução - E.S.B. vol. XIV
7 Contribuições à Psicanálise - Ed. Mestre Jou - São Paulo - 1970
8 Idem - pág. 289
9 Seminário livro 7 - “A Ética da Psicanálise” - J. Lacan - pág. 140
10 Idem - pág. 124
11 Idem - pág. 195
12 Seminário livro 11 - “Os quatro conceitos Fundamentais da Psicanálise”
13 “A Lógica do Fantasma” e “ O Ato Analítico” em Reseñas de Enseñanza - Manantial - 1988
14 Idem - pág. 43
15 E.S.B. vol. XII
16 Seminário livro 2 -“O eu na teoria de Freud e na técnica da Psicanálise” - pág. 114
17 “Sublimación del objeto, exhaustación del Outro” em: Cuadernos Sigmund Freud, no. 16, publicação da Escola Freudiana de Buenos Aires – 1993
18 Idem - pág. 98
19 Mabel L. Grosso - Proposta de organização de Cartel sobre “Psicanálise e Criação”
20 Ver também o artigo de Alfredo Eidelsztein publicado em “ Acerca de la Ética del Psicoanalisis - Ed. Manantial - Buenos Aires - 1990.
21 Remeto o leitor ao texto já citado de Antônio Quinet, “Teoria e Clínica da Psicose” onde ele faz um relato e análise da história e da obra de Bispo.
22 Idem - pág. 234

 

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