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Cógito

versão impressa ISSN 1519-9479

Cogito vol.2  Salvador  2000

 

TOXICOMANIA E CRIAÇÃO

Toxicomania e criação: construindo histórias...*

 

Ester Gelman e Maria Eugênia Nuñez**


RESUMO

A problemática que apresenta a toxicomania faz objeção a psicanálise. A toxicomania não tem a estrutura de um sintoma, é um fenômeno. O trabalho preliminar é fundamental para estabelecer a demanda de tratamento.

Unitermos: Toxicomania, oferta, demanda, tratamento, criação.



Desde 1998, funciona vinculado ao atendimento clínico do CETAD/UFBA, um núcleo de atividades, denominado Espaço de Convivência, sua própria existência se constitui numa criação, mas de estratégias clínicas, “para abordagem de um sujeito na perspectiva de um possível tratamento psíquico através do método psicanalítico”.

A questão da toxicomania faz objeção à psicanálise; se trata de um sujeito que vêm a consulta com uma resposta, a pergunta se localiza do lado de quem o escuta. Promover o deslocamento, instalar uma demanda a partir de uma oferta é um propósito destas estratégias clínicas; ditas Oficinas.

A Clínica do CETAD (Centro de Estudos e Terapia do Abuso de Drogas), tem no espaço de Convivência um recurso que podemos definir como “um lugar onde se pode não usar drogas”. Onde a aposta é de realizar um deslocamento, para outras palavras, outros significantes que não a droga.

O Espaço de Convivência oferece oficinas de música, teatro, voz, yoga, e duas outras de cunho informativo sobre sexualidade e prevenção de DST e Redução de Danos e Drogas. Mas, qual é a orientação dada à oficina? A finalidade não é ocupacional, pelo contrário, o que se tenta é desocupar o tempo. Não se supõe objetos que virão a suprir a demanda, mas se aponta a possibilidade de que uma escolha seja feita.

O toxicômano se apresenta como alguém que tem o objeto, está pleno, chegou no final; a nossa suposição é que se trata de um “belo adormecido”, de alguém que é um morto pulsional porém vivo dentro de um nome; “Eu sou... toxicômano”.

Apresentamos a seguir as palavras de R.S. de 15 anos:

CAMUFLAGEM

Ela chega lentamente
Disfarçando-se, camuflada,
Como um sorvete, você começa
A tomar e de repente já
Está todo melado com a calda.
Então oferece ao próximo e
O sorvete segue em frente . . .
Quando chega o calor, você
Sente que precisa de mais sorvete,
Em seguida come tanto, que
Vai parar na “privada” e
Sofrendo com a disenteria
Tem consciência que aquilo faz mal
Joga tudo na “privada”.
Dá descarga e faz um UFA!!!

Citando Eric Laurent diremos que: quem ama a psicanálise são os psicanalistas, não os toxicômanos.

Os toxicômanos não amam a Psicanálise porque a proposta da Psicanálise é despertar a máquina pulsional e é justamente essa máquina pulsional o que eles conseguem controlar pela via da droga. Segundo Freud: “O mundo pulsional é insuportável para os toxicômanos...” a emergência de toda noção pulsional em vez de levar o sujeito a falar, os leva a drogar-se novamente.

Desde o fim do século XIX, ou seja desde Freud , a fala surge como criadora, funda, cria sentido, significa, vivemos a partir de Freud num mundo simbólico. A palavra dita não só profere significado, têm também uma estrutura, que está em constante construção.

O sujeito quando fala descobre a verdade criadora da palavra porque arrisca algo novo.

Temos uma orientação clínica precisa: ir da questão da experiência, do fenômeno da droga à questão do sujeito, que é anterior à droga e para a qual a droga é uma resposta. Trata-se então de passar da positividade muda da intoxicação à confrontação do sujeito com o desejo.

O objeto privilegiado de escolha na toxicomania é a droga, ela fará do sujeito um todo. Segundo Jacques Lacan, tornamo-nos sujeitos a custo da falta do objeto para sempre perdido que poderá ser delineado através da cadeia de significantes.
É assim como o sujeito anuncia sua existência, no desenrolar do significante, na representação de um significante para outro significante. “... trata-se de ir vivendo no meio da Floresta dos desejos e dos compromissos que os tais desejos estabelecem com uma certa realidade...” (J. Lacan; Seminário da Ética).

A perda do objeto desejado, objeto perdido para sempre nos lança numa procura incessante. A escolha na toxicomania, caracteriza-se pelo que foi chamado de um encontro com um significante, ou seja a procura de objetos que coloca o desejo do sujeito em movimento através do deslocamento de significantes, se vê na toxicomania, paralisado pela escolha de um objeto privilegiado: a droga. Como orientar o tratamento dessas pessoas ditas toxicômanas segundo a ética da psicanálise? Que oferta faremos? Disto é que se trata: fazer uma oferta calculada para estabelecer uma demanda de tratamento, teremos então a oportunidade de tratar essa demanda no singular.


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Notas
* Apresentado na X Jornada do CPB - “Psicanálise e Criação” Novembro/98
** Terapeutas do CETAD/UFBA

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