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Cógito

versão impressa ISSN 1519-9479

Cogito v.6  Salvador  2004

 

A INSTITUIÇÃO

 

Instituição - Recortes de uma história

 

 

Virgínia Lúcia S. Britto

Círculo Psicanalítico da Bahia

 

 


RESUMO

De Freud até nossos dias, a instituição psicanalítica continua sendo um desafio. Este é o lugar de uma relação de duas vias: a relação do sujeito singular com a instituição, e da relação dos sujeitos que estão vinculados pela e na instituição. Pretendo através de uma reflexão sobre a história do CPB repensar os sintomas institucionais.

Palavras-chave: Instituição psicanalítica, História.


 

 

De Freud até os nossos dias a instituição psicanalítica continua sendo um desafio. Em um primeiro momento Freud reúne grupo para estudo, pesquisa, transmissão e discussões da prática clínica psicanalítica, constituindo em 1902, as Noites Psicológicas das Quartas-Feiras. Em 1908, foi criada a Sociedade Psicológica de Viena, surgia assim a primeira instituição psicanalítica.1

Freud, médico por formação, logo percebeu que a ciência que então se iniciava, não se encaixava em nenhum espaço acadêmico existente. Preocupando-se com a sua transmissão e conseqüente permanência, criou a Sociedade Psicanalítica Internacional que tomou para si a responsabilidade da formação de psicanalistas. Estas se multiplicaram através de diferentes leituras do texto freudiano, porém mantendo a fidelidade às premissas básicas da psicanálise. A formação de psicanalistas se faz nessas instituições, sendo unânimes as exigências de: análise pessoal, estudo teórico e análise da clínica ou supervisão. A experiência dos psicanalistas, que também se ocupam do processo de sua transmissão e formação, evidenciam um prazo médio de dez anos para essa formação que nunca se conclui, pois se tornar psicanalista não se encerra em um determinado tempo, mas convive no espaço do inacabado, como a própria constituição do sujeito, não bastando constituir-se, mas sim permanecer constituindo-se. Sendo assim, o trabalho continuado na instituição, onde são trazidos os restos inanalisáveis, torna-se fundamental para o analista assim permanecer constituído. A instituição psicanalítica evidencia através do tempo a sua fundamental importância para o analista, o saber psicanalítico e conseqüentemente a grande contribuição para os males de tantos pacientes que buscam uma saída para os sofrimentos neuróticos.

O Círculo Psicanalítico da Bahia é a primeira instituição do estado, tendo nesses trinta anos formado onze turmas de psicanalistas, perfazendo um total de setenta e sete profissionais, contando com duas turmas em formação no presente momento. A formação recebida vai se refletir na qualidade dos serviços profissionais prestados à comunidade, além de serem estes profissionais os veículos para o contínuo desenvolvimento do saber psicanalítico feito no espaço da instituição.

Que fenômenos ocorrem no campo institucional?

Na primeira guerra Freud e alguns discípulos fazem “um trabalho de guerra”, o que Freud vai nomear mais tarde de arbeikulture. Freud não desconhecia que a psicanálise para ser usada a serviço da saúde mental aberta à sociedade envolvia dificuldades e transformações de ordem técnica, econômica, institucional, social e política. Observando os seus textos culturalistas como: Totem e Tabu, Psicologia de Grupo e Análise do Eu, O Mal Estar na Civilização, O Futuro de uma Ilusão, vemos o seu interesse e valorização dessa interação psiquismo e cultura. O ser humano esta inserido em grupos desde o nascimento, é no grupo familiar que vai vivenciar suas primeiras experiências afetivo-sexuais, marcas perenes na vida de cada indivíduo, constituindo assim um grupo interno através dessas experiências introjetadas. Infelizmente Freud viveu uma só vida, apesar de longa e produtiva não teria tempo para trabalhar além do vasto legado com o qual nos presenteou. Muito foi feito no campo teórico da psicanálise aplicada a assistência individual, mas, muito pouco em sua aplicação ao grupo, por que? A psicanálise ainda não se coloca de forma operatória no seu próprio espaço institucional, posicionando-se de maneira muitas vezes alienada com relação aos problemas da realidade psíquica nos grupos e nas instituições. É preciso olhar para esta realidade e refletir sobre a estrutura e dinâmica dos sujeitos que são partes constituintes da instituição. Precisamos considerar o trabalho nos grupos e instituições não como extensão da psicanálise aplicada, mas, como um trabalho específico e diferente do individual, possuindo características próprias. Os procedimentos metodológicos e as características teóricas do objeto tratado pelo método da psicanálise individual são diferentes daqueles próprios do objeto tratado pela psicanálise aplicada ao grupo e à instituição enquanto grupo. A psicanálise se fundamenta na hipótese da existência do inconsciente, proveniente do conflito psicossexual e mecanismos defensivos de proteção. Seu objeto teórico, “a hipótese do inconsciente”, constituiu para Freud o essencial da sua descoberta, que foi consolidada através do seu trabalho teórico-clínico, trazendo à luz o processo de recalcamento dos conteúdos psíquicos. A inserção do psicanalista nas instituições assistenciais trouxe à tona algumas questões sobre a aplicabilidade da psicanálise nesse grupo e o reconhecimento das dimensões intersubjetivas e transubjetivas na formação do psiquismo. No método da psicanálise individual, foi construído um dispositivo que a partir de uma situação de transferência os efeitos do inconsciente se manifestam, o eu pode acontecer e se pensar como sujeito. “É possível construir um dispositivo em que o Nós seja o sujeito?” Pergunta Kaës.2 Este autor elabora um modelo de aparelho psíquico grupal e questiona se este modelo é aplicável à análise da instituição. “O aparelho psíquico grupal é a construção psíquica comum dos membros de um grupo para constituir um grupo. Sua característica principal é assegurar a mediação e a troca de diferenças entre a realidade psíquica nos seus componentes intrapsíquicos, intersubjetivos e grupais e a realidade grupal em seus aspectos societários e culturais”.3 É preciso entender que grupo não é uma soma de indivíduos, ele se constitui a partir de uma construção psíquica comum, com fenômenos psíquicos específicos.

Na instituição estão presentes aspectos sociais, econômicos, políticos, culturais e psíquicos, sendo assim, interagem neste espaço lógicas diferentes, com interferências umas nas outras. A instituição vincula sujeitos e estes se vinculam, relacionam-se com a mesma e entre si. É um lugar onde há produção de realidade psíquica. Dessa maneira, podem ser prevalentes na lógica social da instituição soluções provenientes da lógica psíquica e por que não pensar que os problemas políticos na mesma são da ordem do sintoma? Existe na instituição uma tendência à homogeneidade em detrimento da heterogeneidade, fonte geradora de conflito. Assim, a maior parte dos investimentos psíquicos empenha-se em erigir uma unidade imaginária, tentando afastar a conflitualidade própria das diferenças. Dessa maneira o grupo caminha numa relação isomórfica até a emergência do recalcado, onde os pactos inconscientes são rompidos aparecendo as diferenças que estavam dissimuladas.

Voltemos aqui na história e retomemos Freud na Viena do final do século XIX início do século XX, o que vemos? O rechaço da sociedade médica de Viena às descobertas de Freud sobre a etiologia sexual da histeria, esta era uma espécie de questão tabu que fugia ao senso comum, era efetivamente uma nova visão que detonava uma verdadeira revolução na medicina da época. O saber uníssono homogêneo, totalizador do grupo médico foi rompido, algo diferente surgia; a emergência do novo, do recalcado, “o desejo sexual”, ameaçava e desagregava, apontava para o desejo de cada um, e além, para um saber incompleto. Criticado e rejeitado pelo grupo médico, Freud enfrentou anos de solidão com o qual dialogou com o novo saber, a psicanálise e alguns poucos simpatizantes que começavam a se aproximar. Temos assim um fenômeno de grupo marcando o início da psicanálise, a recusa àquilo que é diferente insurgindo-se e rompendo a homogeneidade grupal.

Enfrentar a angústia suscitada pelas diferenças e suportar a desidealização é possibilitar o desejo, o prazer e a criação. A instituição pode ser este espaço, desde que acolha essas diferenças e oportunize o enfrentamento dos conflitos através do diálogo, sem a ilusão de completude, sem esperar que o outro seja a sua imagem e semelhança. A instituição é o espaço para o sintoma, ou melhor, para os sintomas dos seus membros e seremos psicanalistas na medida em que possamos acolher não somente os nossos clientes em suas sessões semanais, mas, os outros da nossa instituição e fazer com eles uma construção enriquecida com essas diferenças.

 

BIBLIOGRAFIA

CORRÊA, C.P. - “O lugar sem Pai ou um eixo para a subversão Institucional” In: Revista Cógito - Publicação do Círculo Psicanalítico da Bahia, Salvador, vol. 03, p. 31/38, 2001.        [ Links ]

CORREA, O.B.R. (org.) -Kaës, René - “O Interesse da Psicanálise para Considerar a realidade Psíquica da Instituição”. In: Vínculos e Instituições. Editora Escuta, São Paulo, 2002. P.14.        [ Links ]

FURTADO, Â. e outros - Rodrigues, Gilda Vaz – “Fascínio e Servidão“ In:Fascínio e Servidão, Autentica, Belo Horizonte, 1999.        [ Links ]

KAËS, R. - “O Grupo e o Sujeito do Grupo”, Casa do Psicólogo, São Paulo, 1997.        [ Links ]

 

 

NOTAS

1 JONES, Ernest - Vida e Obra de Sigmund Freud, vol. II, Editora Imago, Rio de Janeiro, 1989.
2 KAËS, René - O Interesse da Psicanálise para Considerar a realidade Psíquica da Instituição In: Vínculos e Instituições. Correa, Olga B. Ruiz (org.) Editora Escuta, São Paulo, 2002. P.14.
3 KAËS, René - O Grupo e o Sujeito do Grupo, p. 169, Casa do Psicólogo, São Paulo, 1997.

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