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Cógito

versão impressa ISSN 1519-9479

Cogito v.7  Salvador  2006

 

RESENHAS

 

O espectro de Narciso na modernidade – de Freud a Adorno. Mônica do Amaral

 

 

Cibele Prado Barbieri *

Círculo Psicanalítico da Bahia

 

 


RESUMO

A proposta básica da autora é aprofundar as hipóteses de Adorno buscando seus ecos na atualidade.


 

 

O Espectro de Narciso na Modernidade – de Freud a Adorno. Mônica do Amaral. São Paulo: Ed. Estação Liberdade, 1997

A proposta básica da autora é aprofundar as hipóteses de Adorno buscando seus ecos na atualidade.

Theodor W. Adorno (1903 – 1969) é um filósofo alemão que, fazendo uma leitura dos fenômenos de massa à luz da teoria freudiana, inscreve o movimento fascista num registro libidinal buscando, através da correlação entre a psicologia individual e a das massas, esclarecer as motivações e efeitos de tal fenômeno.

Para Adorno, a subjetividade contemporânea é essencialmente narcísica e sofre de tendências latentes de autodestruição, no que ele muito se aproxima do pensamento freudiano da pulsão de morte. Entretanto, pelo discorrer da autora a respeito de sua teorização, ele se detém na perspectiva das tendências sado-masoquistas como expressão da libido, sob a égide das relações de objeto, da primeira tópica, não tendo avançado em relação às formulações posteriores de Freud.

Partindo da concepção freudiana de "herança", por exemplo, ele diz que: "Uma dominação que pode ser caracterizada como psicológica, não em função do apelo a convicções racionais, mas pela imposição autoritária de objetos irracionais, que são alcançados despertando-se habilmente nas massas uma porção de sua ‘herança arcaica’."

A autora vai então desenvolver tais formulações buscando os mecanismos próprios que permitiram esse tipo de dominação e, para tanto ela recorre principalmente à teoria da sedução generalizada de Laplanche, à teoria do canibalismo ou sadismo oral em André Green, às fontes da sexualidade feminina e do masoquismo em J. André, além da teoria do narcisismo, paranóia e melancolia em Freud para respaldar suas conclusões.

Nesta trajetória ela vai pontuar algumas características psicológicas das massas:

1. Um estado de regressão libidinal das massas que facilitaria a instalação e manutenção da dominação do líder.

2. O caráter sado-masoquista das massas

3. O caráter feminino das massas no sentido de uma passividade masoquista

4. A coincidência dos mecanismos descritos por Freud na paranóia com o funcionamento das massas, principalmente no que tange ao narcisismo.

5. Como efeito do declínio da função paterna na modernidade a autora pensa que se pode justificar o surgimento de uma tendência paranóica na massa engendrada sob a influência de uma liderança fascista também paranóica, ou ainda, que um líder perverso favoreceria um comportamento neurótico das massas.

6. O movimento fascista, na perspectiva de Adorno, se inscreve num registro libidinal onde as relações do grupo com o líder assumem basicamente uma modalidade sádico-oral. O líder, colocado em posição de ideal do eu evoca as identificações primárias com o objeto oral parcial, identificações que segundo ele despertam a culpabilidade absoluta e originária. Isto promoveria a adesão da massa num registro imperativo.

7. A autora retoma em Freud vários textos, fazendo algumas críticas que justificariam sua preferência pela teoria da "sedução generalizada" de Laplanche para explicar o modo de funcionamento das massas.

Entre os textos de Freud que ela retoma, encontramos uma ênfase nos seguintes: Introdução ao Narcisismo (1914), Uma Criança é espancada (1919), O Ego e o Id (1923) e O caso Schereber (1911).

Com relação a este último, ela toma o narcisismo aí exposto como uma possível metáfora do narcisismo contemporâneo em articulação com os mecanismos paranóicos. Adorno trata o fascismo como o que promove "... a integração da ‘desgraça subjetiva’ que acomete o indivíduo a uma sorte de ‘desgraça objetiva visível’. ... por meio de mecanismos de identificação ...do indivíduo com as instâncias sociais" acrescentando que o fascismo realiza em ato as fantasias mórbidas de suas vítimas (pág. 165).

Sobre o sujeito paranóico ele diz que: "Ele antecipa subjetivamente o estado no qual a loucura objetiva e a impotência do indivíduo se transformam imediatamente uma na outra, tal como o fascismo, enquanto ditadura dos maníacos de perseguição, realiza todas as angústias persecutórias de suas vítimas" ( pág. 1670).

Embora Adorno, tanto quanto a autora, admitam o viés auto destrutivo implicado na submissão inerente às vítimas do fascismo, a articulação proposta concentra-se nas formulações freudianas anteriores a 1920, que privilegiam a perspectiva dos conceitos de regressão e de estágios objetais da libido, da primeira tópica.

 

 

* Psicanalista. Sócia efetiva do Círculo Psicanalítico da Bahia.

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