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Cógito

Print version ISSN 1519-9479

Cogito vol.8  Salvador  2007

 

EDITORIAL

 

35 anos do CPB

 

As instituições sociais são uma das tentativas do ser humano de lidar com o seu desamparo constitutivo. Os grupos organizados apontam para alternativas e possibilidades que o sujeito, normalmente, é incapaz de realizar sozinho. Mas, para que esse grupo seja eficaz na realização dos seus objetivos, é necessário que, além da oferta de garantias imaginárias, permita certa modalidade de inscrição simbólica do sujeito.

Assim tem funcionado o CPB que nos seus 35 anos vem procurando vencer obstáculos e desafios, sustentando um espaço de circulação de idéias e de trocas que julgamos fundamental para o desenvolvimento da teoria e exercício da prática psicanalítica.

Nossas atividades científicas são exercidas em vários âmbitos: a revista Cógito, no seu oitavo número e já indexada no Index Psi Periódicos da Biblioteca Virtual em Saúde - Psicologia, os cursos básicos de teoria e técnica psicanalíticas que visam a transmissão para futuros analistas, jornadas anuais que divulgam os trabalhos de nossos colegas de instituição e de outras instituições, como também oferecemos ao grande público espaço para cursos variados que ajudam a divulgar a psicanálise enquanto saber, contribuindo para enriquecimento de outros saberes.

Somos, hoje, imensamente gratos a todos que acreditaram em nosso projeto e que nos ajudam nessa tarefa. Alguns estão já com múltiplas rugas no corpo, outros estão no frescor de sua juventude, mas todos procuramos manter a mente alerta e um espírito firme para apreciarmos o mundo e levarmos nossos pacientes a olhar a si mesmo, e os outros, com outros olhos.

Freud, ao completar 70 anos, em 1926, deu uma entrevista ao jornalista americano George Sylvester, publicada na imprensa americana da época. Acreditava-se que estava perdida, quando o Boletim de Sigmund Freud Haus divulgou uma versão condensada em 1976. Paulo Cezar Souza a traduziu.

Dentre as respostas dadas por Freud selecionamos algumas: 1) A psicanálise torna a vida mais simples. Adquirimos uma nova síntese depois da análise. A psicanálise reordena um emaranhado de impulsos dispersos, procura enrolá-los em torno de um carretel. Ou, modificando a metáfora, ela fornece o fio que conduz a pessoa fora do labirinto do seu inconsciente. 2) A vida muda. A psicanálise também muda. Estamos apenas no começo de uma nova ciência. 3) Eu repito, porém, que estamos apenas no início. Eu sou apenas um iniciador. Consegui desencavar monumentos soterrados nos substratos da mente. Mas ali onde descobri alguns templos outros poderão descobrir continentes. 4) Eu prefiro a companhia dos animais à companhia humana. Por quê? Porque são tão mais simples. Não sofrem de uma personalidade divida, da desintegração do ego, que resulta da tentativa do homem de adaptar-se a padrões de civilização demasiado elevados para seu mecanismo intelectual e psíquico. O selvagem, como o animal, é cruel, mas não tem a maldade do homem civilizado. A maldade é a vingança do homem contra a sociedade, pelas restrições que ela impõe. As mais desagradáveis características do homem são geradas por esse ajustamento precário a uma civilização complicada. Ë o resultado do conflito entre nossos instintos e nossa cultura. Muito mais agradáveis são as emoções simples e diretas de um cão, ao balançar a cauda, ou latir expressando seu desprazer.

De outra entrevista, aparecida em 1933 em Viena sob o título: As neuroses, enfermidades de época. Que êxitos terapêuticos permite a psicanálise? Freud responde: há, certamente, limites do tratamento psicanalítico. As variações nas formas de manifestações que podem tornar o impulso recalcado em figuras libidinais são infinitas, e as sublimações deste impulso englobam, por assim dizer, a totalidade das aspirações humanas... O método psicanalítico é essencialmente dinâmico; temos em conta, a grande fineza das metamorfoses ininterruptas da libido. Daí resulta o problema candente que eu chamo "transferência". Um recalque de impulsos cuja origem a análise ainda não pode esclarecer. Trata-se de efeitos sempre prontos a adaptarem-se e transformarem-se segundo as circunstâncias, e no caso do tratamento psicanalítico, a se transferirem sobre o médico. "A complexidade e a variabilidade destes fatores impõe ao médico a necessidade de um controle extremamente estrito de suas investigações nas quais, o arbitrário é levado em conta".

O CPB nos seus 35 anos de existência tem procurado dar às palavras de Freud uma eficácia teórico-prática através do trabalho da transferência na clínica pessoal e na transferência de trabalho na vida institucional onde, com nosso fundador Carlos Pinto e nossos pares damos garantia ao trabalho psicanalítico.

Na condição de operadores da experiência psicanalítica temos trabalhado com afinco, responsabilidade, integridade e ética, buscando a compreensão do desamparo humano, que coloca os homens numa fragilidade ameaçada pela natureza e pelos horrores gerados nas relações ambivalentes com os outros na presença fulminante da pulsão de morte. Conforme ensinou Pontalis, o sujeito é desamparado por vocação, não por acidente histórico evolutivo. Acompanhamos o discurso crítico da modernidade e os avanços da pesquisa psicanalítica através dos estudos posfreudianos, sendo Lacan o grande repensador de Freud. Temos consciência, como diz Birmam, que o analista não pode oferecer qualquer ideal fálico que seja capaz de apaziguar a angústia do real, que perpassa o analisando, seja ele uma utopia estética, ética, política ou mesmo psicanalítica.

Sustentar essa radicalidade do sujeito desejante na busca de sua singularidade é acreditar que da fronteira com o horror do impossível o sujeito vai advir a partir do luto de suas idéias fálicas e narcíseas.

Gostaria de finalizar trazendo um agradecimento sincero a nosso fundador Carlos Pinto que foi um pioneiro ao trazer a psicanálise para a Bahia e tem sido nesses anos um trabalhador decidido ajudando a inventar ,junto a nossos pares, meios para transformar o real em desejo. Aos colegas e amigos vai também a gratidão por estarmos juntos, fazendo essa travessia no aprendizado, na construção pessoal e institucional.

Agora me dirijo à Cibele, nossa presidente, que há pouco mais de um mês foi eleita presidente do Círculo Brasileiro de Psicanálise. Imagino que seu trabalho no CBP não poderá superar o que tem efetuado no Círculo da Bahia onde seu dinamismo, inteligência e força de trabalho nos têm feito crescer e aparecer. Quero, em nome dos colegas, e em meu próprio formular nossos agradecimentos e votos de muito sucesso na gestão do CBP.

Na certeza de que os 35 anos de vida do CPB contribuíram para a transmissão da psicanálise na Bahia e para o intercâmbio com outras instituições, fica a esperança que assim possamos continuar.

 

 

Eny Lima Iglesias

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