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Cógito

versão impressa ISSN 1519-9479

Cogito vol.11  Salvador out. 2010

 

EDITORIAL

 

Poder e Psicanálise

 

Carlos Pinto Corrêa

Comissão Editorial

 

Como dois corpos não podem ocupar o mesmo espaço, uma pessoa frente à outra tem, de início, determinados os papeis que envolvem posições diferentes, as quais pressupõem status e, conseqüentemente, poder. Esta concepção sociológica está em absoluta pertinência com a psicanálise, desde a primeira relação filho–mãe, como descreveu Freud e os estudos posteriores de Spitz e de Melanie Klein, ao estágio do espelho, de Lacan. A inquietação frente ao outro refere dúvida e temor na troca da posição sujeito–objeto, que possibilitaria, antes de tudo, uma inversão dinâmica do poder atribuído ao outro, ou retirado do outro, sempre expressando a questão do dominar ou ser dominado. Por sua origem estruturante de toda a relação possível, o poder é uma imposição. Negado o seu exercício, caímos em novo viés que nos trai e nos aprisiona.

Ausente da psicanálise, enquanto conceito, a questão do Poder foi introduzida por Alfred Adler que, a partir dos ensinamentos de Nietzsche, fixou–se na defesa do homem contra o social e perdeu sua conexão com o inconsciente. Paralelamente, o avanço no estudo das pulsões tomou o poder do inconsciente como vértice para todo o entendimento da questão. Na psicanálise, a palavra Poder não é contemplada no índice remissivo da Edição Eletrônica das Obras Completas de Freud, mas assim aparece: símbolo de poder fálico, vontade de poder e poder das classes dominantes. Pode–se pensar que, na questão do Outro (A e a), Lacan focaliza o Poder, ao qual dá especial atenção, incluindo a dialética de Hegel para a compreensão da relação escravo–senhor. Ele aborda o tema em pelo menos oito de seus seminários.

Por outro lado, as transformações sociais e políticas da modernidade criaram uma observação mais crítica e às vezes inconformada com o exercício do poder. Mas a grande marca ficou com a concepção da expressão servidão voluntária, de Boétie, no século XVI, que deu nome a uma das grandes inquietações humanas que exigia a conformação com o inconcebível. Expressão da maior pertinência, sugere a vergonha e a revolta do servir (servidão) como ato voluntário, ou seja, o desejo que leva à humilhação. Isto nos transporta para a compreensão do poder–submissão como complementares, como estabeleceu Hegel na dialética do senhor e do escravo, ou como a psicanálise interpretou o pacto masoquista — submissão — em que a pulsão original primária e a morte e sua inversão produz o sadismo — domínio (BIRMAN).

A incidência do poder na psicanálise abre inúmeras possibilidades de pesquisa ou investigação para a nossa jornada. Para sintetizar diríamos, com Bertrand Russel: “o conceito fundamental na ciência social é o Poder, no mesmo sentido em que a energia é o conceito fundamental na física”.

 

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